
Curvas de Rotação de Galáxias LSB
Informações do documento
Autor | Guilherme Ribeiro Gonçalves Barrocas |
instructor | Prof. Dr. Abraão Jessé Capistrano de Souza |
Escola | Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) |
Curso | Física Aplicada |
Tipo de documento | Dissertação de Mestrado |
Local | Foz do Iguaçu |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 13.19 MB |
Resumo
I.O Problema das Curvas de Rotação de Galáxias e a Matéria Escura
Desde as observações de Bosma e Rubin na década de 1970, as curvas de rotação de galáxias representam um desafio central na astrofísica. A discrepância entre as velocidades observadas de estrelas e gás nas regiões periféricas das galáxias e as previsões da gravidade newtoniana levou à hipótese da matéria escura, uma substância não-bariônica que interage gravitacionalmente, mas não é observável diretamente com as tecnologias atuais. Alternativamente, teorias como MOND (Modified Newtonian Dynamics) propõem modificações na dinâmica newtoniana para explicar as curvas de rotação planas sem a necessidade de matéria escura. O artigo investiga essas questões.
1. Observações Iniciais e o Problema da Matéria Faltante
As observações de Bosma e Rubin na década de 1970 revelaram um problema crucial na astrofísica: as curvas de rotação das galáxias não se ajustavam às previsões da gravidade newtoniana. As velocidades das estrelas e do gás nas regiões externas das galáxias eram muito maiores do que o esperado, considerando apenas a matéria bariônica visível. Essa discrepância sugeriu a existência de uma 'matéria faltante', uma massa significativamente maior do que a observada, necessária para explicar o movimento observado. A partir dessa constatação, surgiu a hipótese da matéria escura, postulando a existência de uma matéria não bariônica que interage gravitacionalmente, mas não é detectável diretamente com a tecnologia atual. Alternativamente, a proposta de modificações na dinâmica newtoniana, como o MOND, também busca explicar esse fenômeno sem recorrer à matéria escura. O estudo das curvas de rotação de galáxias, portanto, tornou-se central para a compreensão da dinâmica galáctica e da natureza da gravidade em escalas cosmológicas. A precisão das medições, inicialmente limitadas, evoluiu significativamente com os avanços da radioastronomia, permitindo um estudo mais aprofundado do problema.
2. A Insuficiência da Gravitação Newtoniana e a Proposta de Novos Modelos
A gravidade newtoniana, embora bem-sucedida em muitas escalas, demonstrou-se inadequada para explicar o comportamento das curvas de rotação de galáxias. Em galáxias espirais, por exemplo, esperava-se que a velocidade das estrelas e gases diminuísse com o aumento da distância do núcleo galáctico (a partir de um raio crítico que delimita o bojo galáctico). No entanto, as observações mostraram um 'degrau' na curva de rotação, com velocidades quase constantes nas regiões periféricas. Essa discrepância impulsionou o desenvolvimento de novos modelos. A Relatividade Geral (RG), embora mais complexa matematicamente devido à não-linearidade das equações de campo, se tornou um candidato natural para explicar essa aparente divergência de massas. Entretanto, a complexidade da RG, e a suposição de campo gravitacional fraco nas regiões periféricas das galáxias, levaram ao uso de aproximações e linearizações das equações de campo da RG, muitas vezes retornando a resultados próximos às previsões da equação de Poisson da gravitação newtoniana. Este artigo, por sua vez, propõe um novo caminho, utilizando uma aproximação da RG, mas sem simplificações que levem à linearização das equações, buscando resolver a discrepância entre o previsto e o observado.
3. O Papel de Albert Bosma e Vera Rubin e a Estimação da Massa Faltante
O estudo detalhado da dinâmica de rotação de galáxias só se tornou possível a partir da década de 1970, graças ao desenvolvimento de técnicas aprimoradas de radioastronomia. Albert Bosma e Vera Rubin foram pioneiros nessa área, realizando as primeiras medições precisas das curvas de rotação de galáxias espirais. Seus resultados evidenciaram de forma clara o problema da matéria faltante. Comparando as previsões da gravidade newtoniana com a quantidade de matéria luminosa observada, concluiu-se que havia uma grande quantidade de massa 'faltante', estimada em cerca de cinco vezes a massa da matéria luminosa comum, para explicar a forma das curvas de rotação. Este trabalho, portanto, se dedica a resolver este impasse a partir de uma abordagem diferenciada da Relatividade Geral, combinando a sua complexidade com um modelo mais simples que explica as altas velocidades observadas nas regiões externas das galáxias. A contribuição de Bosma e Rubin é fundamental, pois suas descobertas lançaram as bases para as décadas de pesquisa subsequentes sobre a natureza da matéria escura e as modificações da dinâmica gravitacional.
II.Modelos para Explicar a Matéria Faltante
Duas classes principais de modelos tentam explicar a matéria faltante inferida das curvas de rotação: modelos de matéria escura, incluindo a matéria escura fria (CDM) e matéria escura quente (HDM), e modelos que modificam a dinâmica gravitacional, como MOND. O modelo ΛCDM (que combina matéria escura fria e a constante cosmológica) é amplamente aceito, mas enfrenta desafios. MOND, embora bem-sucedido em ajustar muitas curvas de rotação, tem dificuldades em explicar fenômenos como o Bullet Cluster. Outros modelos, incluindo modificações da Relatividade Geral, também são explorados.
1. Modelos de Matéria Escura
Uma das principais classes de modelos para explicar a matéria faltante inferida das curvas de rotação de galáxias é a hipótese da matéria escura. Esta hipótese postula a existência de um tipo de matéria que permeia as regiões galácticas, contribuindo para a massa total e explicando as velocidades de rotação observadas nas regiões periféricas das galáxias. Apesar de sua ampla aceitação acadêmica desde meados da década de 1980, a natureza exata da matéria escura permanece desconhecida. Diversos candidatos têm sido propostos, mas o ponto comum entre eles é a incapacidade de serem observados diretamente com as tecnologias atuais. A matéria escura fria (CDM), formada por partículas de baixa velocidade, foi um paradigma dominante por muitos anos. No entanto, estudos recentes questionam a validade de algumas das hipóteses mais usuais, como a da matéria escura fria, levando alguns pesquisadores a buscar alternativas. A matéria escura quente (HDM), composta por partículas relativísticas como neutrinos, também foi considerada, mas simulações numéricas mostraram incongruências com a formação de estruturas em larga escala, descartando-a como a principal candidata. Outra classe de candidatos são as Partículas Massivas Fracamente Interagentes (WIMPs), partículas hipotéticas que interagem via força nuclear fraca e que são atualmente objeto de intensa pesquisa experimental, com a esperança de sua detecção em colisores como o LHC. A ausência de detecção nos próximos anos poderia levar a uma quebra de paradigma nesse campo.
2. Modificações na Dinâmica Gravitacional MOND
Uma segunda classe de hipóteses para explicar a aparente matéria faltante envolve modificações na própria dinâmica gravitacional. Essas teorias argumentam que a mecânica newtoniana e a mecânica relativística são inadequadas para descrever a gravitação em escalas galácticas, necessitando de modificações ou novos postulados. Um exemplo notável é o modelo MOND (Modified Newtonian Dynamics), proposto por Mordehai Milgrom em 1983. O MOND se baseia na observação de que as discrepâncias de massa nas curvas de rotação ocorrem onde a aceleração da gravidade é menor que um valor limite (a0 ≈ 1,2 × 10⁻¹⁰ m·s⁻²). A transição entre a dinâmica newtoniana e o regime MOND é imperceptível no Sistema Solar devido à forte gravidade do Sol. O modelo MOND dispensa a necessidade de matéria escura para explicar a dinâmica das curvas de rotação e tem tido sucesso em ajustar muitas curvas e em explicar fenômenos como a relação Tully-Fischer. No entanto, fenômenos como as lentes gravitacionais no Bullet Cluster permanecem desafiadores para o modelo MOND. Além disso, suas modificações na dinâmica são essencialmente empíricas, ajustando-se aos dados observacionais sem partir de uma teoria mais fundamental. O modelo TeVeS (Tensor-Vector-Scalar) é uma tentativa de tornar o MOND mais robusto, derivando-o de uma teoria relativística e buscando reproduzir as relações de aceleração do MOND como caso particular em campo fraco.
3. Outros Modelos e Considerações
Devido à falta de uma teoria consensual para o problema da matéria faltante, existem muitos outros modelos hipotéticos além dos já mencionados. Alguns envolvem modificações na Relatividade Geral (RG), como a gravidade f(R) e a gravidade conforme. Outros propõem a existência de campos escalares específicos, gerando condensados de Bose-Einstein que poderiam resolver o problema. Modelos com dimensões extras também são considerados. A busca por uma solução abrangente envolve aspectos fundamentais das interações elementares na física até modelos de inflação cosmológica e formação de estruturas em larga escala. É importante notar que a escolha de um modelo para explicar a matéria faltante tem implicações significativas em diferentes áreas da astrofísica e da cosmologia. A validação ou refutação de cada modelo requer testes rigorosos, confrontando suas previsões com observações em diversas escalas e fenômenos astrofísicos. A discussão sobre esses modelos e suas implicações continua sendo um dos maiores desafios da física contemporânea.
III.Formalismo Quase Newtoniano para Curvas de Rotação
Este trabalho propõe um formalismo quase-newtoniano, uma aproximação da Relatividade Geral que considera condições de movimento lento na equação da geodésica, mas mantém intactas as equações de campo. Utilizando uma métrica estática de Weyl aplicada a 25 galáxias de baixo brilho superficial (LSB), o modelo busca explicar as curvas de rotação considerando apenas a matéria bariônica observável. Este método evita a linearização das equações de campo, incorporando os efeitos da não-linearidade da RG no potencial gravitacional.
1. Limitações dos Formalismos Pós Newtonianos e a Introdução do Formalismo Quase Newtoniano
O estudo das curvas de rotação de galáxias frequentemente utiliza aproximações da Relatividade Geral (RG), como o formalismo pós-newtoniano (PN). Entretanto, o PN e formalismos relacionados (como o PPN) apresentam limitações, especialmente em grandes distâncias e em estudos de dinâmica de pulsares, devido a restrições na parametrização e a sua validade limitada para grandes distâncias. Considerando a não-linearidade intrínseca das equações de campo de Einstein e o vínculo entre as equações de movimento e as equações de campo na RG, o trabalho propõe um formalismo alternativo, denominado 'quase-newtoniano'. Este formalismo difere das aproximações usuais, pois aplica apenas a condição de movimento lento à equação da geodésica, mantendo intactas as equações de campo e a equação do desvio geodésico, sem impor a condição de campo fraco. A principal vantagem dessa abordagem é que, ao contrário dos métodos usuais, ela preserva a não-linearidade das equações de campo da Relatividade Geral, resultando em um potencial gravitacional que incorpora características da não-linearidade da RG.
2. O Potencial Quase Newtoniano e sua Relação com a Relatividade Geral e a Gravitação Newtoniana
O formalismo quase-newtoniano resulta em um potencial gravitacional que se situa entre o da Relatividade Geral e o da gravitação newtoniana. Ele considera o limite de movimento lento (v << c), sem assumir o limite de campo fraco, o que preserva parte dos efeitos da não-linearidade da RG. Esse potencial é obtido através do coeficiente g00 da métrica, que é calculado diretamente das soluções exatas das equações de campo de Einstein, sem aproximações. Ao contrário da gravitação newtoniana, onde as equações de campo são independentes das equações de movimento, na RG e no formalismo quase-newtoniano o movimento é consequência direta das equações de campo. A não-linearidade das equações da RG torna o problema de encontrar as linhas-mundo complexo, requerendo métodos aproximativos. O formalismo quase-newtoniano oferece uma aproximação que mantém a não-linearidade, fornecendo um potencial gravitacional mais forte do que o newtoniano, mas mais fraco do que o da RG completa. Um exemplo ilustra a diferença: usando a métrica de Schwarzschild (simetria esférica), o potencial quase-newtoniano obtido se aproxima do potencial newtoniano (Φ ∼ 1/r).
3. Comparação com Aproximações Pós Newtonianas e Justificativa da Abordagem
As aproximações pós-newtonianas (PN e PPN), embora amplamente utilizadas, têm limitações, especialmente em escalas galácticas. Essas limitações incluem a não-uniformidade da validade em grandes distâncias e restrições na parametrização para estudos da dinâmica de pulsares. Em contraponto, o formalismo quase-newtoniano proposto oferece uma abordagem alternativa, combinando características do limite newtoniano com o potencial gravitacional que conserva elementos da não-linearidade da RG. Este novo formalismo não é uma modificação da RG nem advém de novos postulados da dinâmica, sendo um resultado direto de uma aproximação mais parcimoniosa e seletiva. A expectativa é que, ao incorporar efeitos da não-linearidade da RG, mesmo sem a condição de campo fraco, o modelo quase-newtoniano consiga explicar as altas velocidades observadas na região periférica das galáxias e o formato das curvas de rotação. A simplicidade da metodologia, no entanto, implica em potenciais limitações, que precisam ser investigadas futuramente com o uso de modelos de massa mais complexos e métricas que representem de forma mais precisa a geometria das galáxias.
IV.Resultados e Discussão do Modelo Quase Newtoniano
O modelo quase-newtoniano foi aplicado a 25 galáxias LSB, utilizando o software GnuPlot para ajuste por mínimos quadrados não-linear. A maior parte das galáxias (64%) apresentou bons ajustes (p > 0,95). Ajustes intermediários e inadequados foram observados em outras galáxias, possivelmente devido à simplicidade do modelo de massa adotado. Apesar das limitações, os resultados sugerem que a não-linearidade da RG pode desempenhar um papel significativo na explicação das curvas de rotação, mesmo sem a necessidade de invocar grandes quantidades de matéria escura.
1. Aplicação do Modelo a Galáxias LSB e Resultados do Ajuste
O formalismo quase-newtoniano foi testado em um conjunto de 25 galáxias de baixo brilho superficial (LSB). Para obter um campo de velocidades, utilizou-se uma métrica estática de Weyl em disco fino, adequada à geometria dessas galáxias. Um modelo exponencial simplificado, com apenas um parâmetro indeterminado, foi usado para representar a distribuição de massa. Os ajustes das curvas de rotação foram realizados numericamente utilizando o software GnuPlot 5.0 e o método de mínimos quadrados não-linear com o algoritmo de Levenberg-Marquardt. Os resultados mostraram que a maioria das galáxias (64%) apresentou bons ajustes (probabilidade p > 0,95), indicando uma boa compatibilidade entre o modelo e os dados observacionais. Entretanto, 7 galáxias (28%) apresentaram ajustes intermediários (0,95 > p > 0,05) e 2 galáxias (8%) mostraram ajustes com probabilidade p = 0 e altos valores de qui-quadrado reduzido (χ²red), sugerindo falta de ajuste adequado. Em alguns casos, a baixa probabilidade se deve a apenas um ponto experimental fora da curva ajustada, considerando a barra de erro. As figuras 4.1 a 4.7 ilustram os ajustes obtidos, comparando os dados observacionais (círculos azuis com barras de erro) com as curvas ajustadas pelo modelo.
2. Análise dos Parâmetros e Discussão dos Ajustes Inadequados
Para cada galáxia, foram calculados três parâmetros: um do modelo de massa e dois da velocidade efetiva, usando o método de mínimos quadrados não-linear. A tabela 4.2 apresenta os valores calculados para esses parâmetros, os qui-quadrados reduzidos (χ²red) e as probabilidades (p) correspondentes. A tabela lista as galáxias em ordem crescente de χ²red. Os ajustes inadequados (p próximo a zero e χ²red elevado) observados em algumas galáxias podem ser atribuídos à simplicidade do modelo de massa utilizado, que considerou apenas um parâmetro indeterminado. Um modelo de massa mais complexo, que leve em conta a distribuição detalhada da massa bariônica, poderia melhorar o ajuste, porém está fora do escopo deste trabalho. Resultados semelhantes a esses ajustes inadequados, com valores altos de χ²red e probabilidades próximas de zero, foram observados em estudos anteriores que utilizaram perfis pseudo-isotérmicos e halos do modelo NFW. O uso de ferramentas de fotometria em 8 das galáxias do conjunto não afetou significativamente a análise, conforme indicado na tabela 4.1 que demonstra os valores principais utilizados nos ajustes numéricos.
3. Conclusões e Perspectivas Futuras
Apesar da simplicidade do modelo de massa e da quebra da covariância generalizada na aproximação quase-newtoniana, a maioria das curvas de rotação (p > 0,95) apresentou ajustes considerados adequados. Isso sugere que o formalismo quase-newtoniano, baseado apenas na condição de movimento lento e sem a condição de campo fraco, pode capturar aspectos importantes da dinâmica galáctica, incorporando os efeitos da não-linearidade da RG. A metodologia, contudo, não considerou todos os aspectos geométricos e as peculiaridades da distribuição bariônica das galáxias. Para aumentar a precisão e consistência do modelo, extensões são necessárias, incluindo o uso de métricas mais realistas que representem melhor a geometria das galáxias e modelos de massa mais complexos. Apesar de usar apenas a matéria bariônica luminosa, o trabalho se concentra na escala galáctica, sendo compatível com a hipótese da existência de matéria escura em escalas maiores. A comparação do modelo com outros modelos baseados em dados empíricos, como o MOND, exige estudos adicionais, que são propostos como motivação para trabalhos futuros.