Estudo de equilíbrio entre o íon metálico Fe(III) e a turfa decomposta fina

Equilíbrio Fe(III)-Turfa: Um Estudo

Informações do documento

Autor

Thuany Mayara Ferreira

Escola

Universidade Federal de Santa Catarina

Curso Química - Bacharelado
Tipo de documento Relatório de Estágio Supervisionado
city Florianópolis
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 1.37 MB

Resumo

I.Caracterização da Turfa e Interação com Ferro III

Este estudo investiga a interação da turfa, um solo orgânico parcialmente decomposto com propriedades físico-químicas interessantes, com o íon ferro(III), um micronutriente essencial para as plantas. A turfa contém substâncias húmicas (ácido húmico, ácido fúlvico e humina) e substâncias não-húmicas (betumes, carboidratos e ligninas), que possuem grupos funcionais como carboxílicos, fenólicos, catecóis e salicílicos, responsáveis pela sua capacidade de adsorção. O objetivo é determinar quais grupos funcionais da turfa interagem com o ferro(III) e as constantes de equilíbrio dessas interações em diferentes valores de pH. A pesquisa foi realizada na região do Arroio do Silva, Santa Catarina, Brasil, utilizando uma amostra de turfa decomposta fina (TDF) com grau de humificação H7 a H10, estimando-se que sua formação tenha ocorrido entre 7 e 10 mil anos. A biodisponibilidade de ferro para plantas é crucial, e a turfa surge como uma alternativa sustentável aos agentes quelantes sintéticos para melhorar a absorção deste micronutriente.

1. Propriedades da Turfa e sua Importância

A turfa, um solo orgânico parcialmente decomposto, é foco deste estudo devido às suas propriedades físico-químicas. Seu poder de adsorção, mediado por grupos funcionais oxigenados, a torna um importante agente na mediação de nutrientes em solos. A composição da turfa inclui substâncias húmicas (ácido húmico, ácido fúlvico e humina) e substâncias não-húmicas (betumes, carboidratos e ligninas). As substâncias húmicas, apesar de estrutura química indefinida, apresentam grupos orgânicos como ftálicos, fenóis, catecóis, salicílicos e carboxílicos, que contribuem para sua alta densidade eletrônica e capacidade de adsorver metais e moléculas polares. As substâncias não-húmicas possuem estrutura bem definida, incluindo betumes, carboidratos e ligninas. A turfa apresenta propriedades como absorção de até 300% de seu peso em água, sítios ativos com diferentes durezas capazes de interagir com diversos metais e moléculas polares e coloração escura que promove a germinação de plantas. A importância deste estudo se concentra na interação da turfa com o ferro, micronutriente essencial para a fotossíntese, biossíntese da clorofila, ativação enzimática, fixação de nitrogênio e transferência de elétrons em sistemas biológicos. A turfa, neste contexto, surge como alternativa sustentável aos quelantes sintéticos, pois aumenta a biodisponibilidade do ferro nos solos sem causar grande impacto ambiental. O Brasil possui uma significativa reserva de turfa, estimada em 487 milhões de toneladas, o que torna seu estudo ainda mais relevante.

2. Origem e Tipos de Turfa

A turfa é uma substância fóssil, orgânica e mineral, resultante da decomposição de restos vegetais em áreas alagadiças como várzeas, regiões lacustres e planícies costeiras. Sua utilização no Brasil é relativamente recente, tendo se intensificado após a Segunda Guerra Mundial e a crise do petróleo na década de 70, ao contrário de países do hemisfério norte que a utilizam há séculos como combustível e insumo agrícola. A formação de turfeiras requer a deposição de matéria orgânica morta submersa, protegida da oxidação pelo ar. A vegetação ribeirinha contribui para a formação de pântanos, onde a matéria orgânica sofre biodegradação e oxidação, transformando-se em turfa. Os estratos mais profundos, compostos por plantas aquáticas, resultam em turfas sápricas, mais decompostas e coloidais. Os estratos superiores, provenientes de plantas que crescem acima do nível do mar, formam turfas fibrosas, menos decompostas. A turfa estudada é classificada como sáprica (grau de humificação H7 a H10), extraída do Arroio do Silva, Santa Catarina, com profundidade de 0 a 7m e tempo de formação estimado entre 7 e 10 mil anos, sendo denominada turfa decomposta fina (TDF). A presença de diversos sítios na turfa permite diferentes tipos de interação com íons metálicos; por exemplo, o grupo carboxílico interage fortemente com metais duros como Fe(III). Pesquisas anteriores, como a de Costa et al. (2015), já investigaram a interação de íons metálicos bivalentes com o ácido húmico, usando titulação potenciométrica e o software BEST7.

3. Substâncias Húmicas e sua Importância na Complexação

As substâncias húmicas (SH), presentes na turfa, são formadas pela degradação da matéria viva e reações de rearranjo. São complexantes ativos nos meios naturais, descritas como macromoléculas hidrofóbicas compostas principalmente por grupos carboxílicos, fenólicos e anéis aromáticos, com estrutura ainda não totalmente definida. São subdivididas em três categorias de acordo com a solubilidade em diferentes pHs: ácido húmico (solúvel em pH básico), ácido fúlvico (solúvel em toda a faixa de pH) e humina (insolúvel). A turfa estudada é uma turfa sáprica, sendo seu grau de humificação entre H7 a H10. Essa turfa foi coletada na região do Arroio do Silva, Santa Catarina, numa profundidade de 0 a 7 metros, com tempo de formação estimado em 7 a 10 mil anos. A classificação como turfa decomposta fina (TDF) se justifica por sua profundidade de extração. Devido à presença desses grupos funcionais, a turfa possui alta densidade eletrônica, o que possibilita a adsorção de metais e moléculas polares. A interação com íons metálicos é específica para cada sítio ativo, por exemplo o grupo carboxílico, uma base de Pearson dura, interage fortemente com metais duros, como o Fe(III). O aumento das práticas agrícolas intensivas causa deficiência de macro e micronutrientes nos solos, afetando a biodisponibilidade de nutrientes essenciais e consequentemente o crescimento e desenvolvimento das plantas.

II.Metodologia Titulação Potenciométrica e Espectroscopia FTIR

A metodologia empregou titulação potenciométrica para determinar as constantes de equilíbrio da interação turfa-ferro(III), utilizando um titulador automático Titrino Plus 350 (Metrohm). As soluções de KOH (0,0986 mol L⁻¹) e HCl (0,0104 mol L⁻¹) foram padronizadas, assim como a solução de FeCl₃ (0,0120 mol L⁻¹), através de métodos potenciométricos e clássicos. A espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR), utilizando um espectrofotômetro ABB FTLA 2000, complementou a análise, buscando confirmar as interações e identificar os grupos funcionais envolvidos na complexação. O software BEST7 auxiliou no cálculo das constantes de estabilidade e protonação dos complexos formados, enquanto o software Species modelou a curva de distribuição das espécies em função do pH.

1. Preparo das Soluções e Padronização

A metodologia começou com o preparo de soluções de FeCl₃ 0,0100 mol L⁻¹, KOH 0,100 mol L⁻¹ (isento de CO₂), e HCl 0,100 mol L⁻¹, utilizando reagentes PA de alta pureza e água bidestilada fervida (bidestilada na presença de KMnO₄). A força iônica foi mantida em 0,100 com KCl. A padronização das soluções foi crucial. A solução de ferro(III) foi padronizada pelo método de Schwarzenbach et al. (2015), por titulação direta, utilizando cristais de persulfato, aquecimento até ebulição e adição de glicerina para ajustar o pH entre 2 e 3, obtendo-se uma concentração de 0,0120 mol L⁻¹. As soluções de KOH e HCl foram padronizadas por titulação potenciométrica. O KOH isento de CO₂ foi preparado a partir de ampolas Dilut-it (J.T. Baker Chemical) e padronizado com biftalato de potássio (Vetec), utilizando a titulação potenciométrica para determinar o ponto de equivalência e calcular a concentração (0,0986 mol L⁻¹). A titulação potenciométrica, sem indicador químico, permite a construção de uma curva de titulação (volume de base vs pH), com o ponto de equivalência determinado pela segunda derivada, possibilitando o cálculo da concentração. Para o HCl, utilizou-se titulação potenciométrica similar, obtendo-se uma concentração de 0,0104 mol L⁻¹.

2. Preparo da Amostra de Turfa e Análises

Cerca de 5,00 g de turfa decomposta fina (TDF), extraída do Arroio do Silva (Santa Catarina), foram macerados até 50,0 mesh e tratados com 20,0 mL de HCl (0,100 mol L⁻¹) sob agitação constante por 30 minutos. Após filtração e lavagem com água bidestilada fervida, a parte sólida foi liofilizada em um liofilizador Labconco FreeZone, equipado com bomba de vácuo Edwards XDS5, até completa remoção de água. Para determinar as constantes de equilíbrio e caracterizar os grupos quelantes presentes na turfa, na ausência e presença de Fe(III), foram realizadas titulações potenciométricas usando o titulador automático Titrino Plus 350 (Metrohm), com eletrodo combinado de Ag/AgCl calibrado com solução diluída de HCl e célula de banho termostático Microquímica MQBTC99-20. O tempo de espera entre adições foi longo, considerando a inércia do Fe(III) e a necessidade de atingir o equilíbrio em cada ponto. A análise FTIR foi feita em um espectrofotômetro ABB FTLA 2000, com pastilhas de KBr, na região de 4000 a 400 cm⁻¹, na central de análises do departamento de química da UFSC, para identificar as interações entre o íon metálico e os grupos funcionais da turfa. Para o processamento dos dados de titulação potenciométrica, utilizou-se o software BEST7 para o cálculo das constantes de equilíbrio, e o software Species para calcular a curva de distribuição das espécies em função do pH.

III.Resultados e Discussão Interação e Complexação

Os resultados indicam que o íon ferro(III) interage fortemente com a turfa em toda a faixa de pH, especialmente na região ácida. A espécie [Fe(HSalicílico)]²⁺ apresentou maior complexação (aproximadamente 60%) na faixa ácida, enquanto a espécie [Fe(Catecol)(Salicílico)(OH)₂]³⁻ predominou (aproximadamente 60%) em pH alcalino. A espectroscopia FTIR confirmou as interações, identificando bandas características da interação do ferro com diferentes grupos funcionais da turfa em diferentes faixas de pH. A análise via software BEST7 e Species permitiu calcular as constantes de equilíbrio e construir a curva de distribuição das espécies, evidenciando a forte capacidade da turfa em complexar ferro(III) e melhorar a sua biodisponibilidade para as plantas.

1. Interação Ferro III Turfa Influência do pH

Os resultados demonstram uma forte interação entre o íon ferro(III) e a turfa em toda a extensão de pH investigada, com maior intensidade na região ácida. À medida que o pH aumenta, a hidrólise do ferro prevalece, e o excesso de ferro precipita, diminuindo sua disponibilidade para interação com a turfa. Especificamente, na faixa de pH ácida, a espécie [Fe(HSalicílico)]²⁺ complexa cerca de 59,8% do ferro. Já na faixa de pH alcalina, a espécie [Fe(Catecol)(Salicílico)(OH)₂]³⁻ predomina, atingindo complexação próxima a 60%. Esses achados evidenciam a capacidade da turfa de complexar o ferro em diferentes condições de pH, impactando diretamente na biodisponibilidade deste micronutriente para as plantas. A interação do ferro(III) com a turfa se justifica pela natureza ácida de Lewis do íon metálico, que interage preferencialmente com espécies que possuem oxigênio, consideradas bases de Pearson duras, presentes em abundância nas substâncias húmicas da turfa.

2. Análise de Constantes de Equilíbrio e Software BEST7

A titulação potenciométrica permitiu calcular as constantes de equilíbrio das espécies formadas na interação entre o ferro(III) e a turfa, utilizando o software BEST7. Os valores dos logs de K para as interações foram apresentados na Tabela 5 (não incluída neste resumo), e a curva de distribuição das espécies em função da quantidade total do metal trivalente foi visualizada na Figura 12 (não incluída neste resumo). O software BEST7, porém, mostrou-se menos eficaz quando espécies precipitadas estavam presentes no meio, pois não corrige adequadamente a matriz, resultando em dados discrepantes da curva teórica. Apesar desta limitação, para os outros meios, o software funcionou com precisão, permitindo a determinação das constantes de equilíbrio e a compreensão da interação entre os componentes do sistema. A análise demonstra que a capacidade de complexação do ferro pela turfa é significativamente afetada pelo pH do meio, com diferentes espécies predominando em faixas de pH ácidas e alcalinas.

3. Espectroscopia FTIR Confirmação das Interações

A espectroscopia de infravermelho com transformada de Fourier (FTIR) forneceu informações complementares sobre as interações entre o ferro(III) e os grupos funcionais da turfa em diferentes faixas de pH. O espectro obtido sugere interações do ferro com grupos OH (pH neutro a alcalino), C=O (pH alcalino), e C-O (pH ácido e neutro). O surgimento de uma nova banda em 692 cm⁻¹ indica a formação de uma espécie com coordenação bidentada-binuclear (Figura 15 e 16, não incluídas neste resumo). As diferentes bandas observadas no espectro confirmam a interação do ferro(III) com diversos grupos funcionais da turfa, em diferentes faixas de pH, corroborando os dados obtidos pela titulação potenciométrica. A comparação com espectros de infravermelho de outras turfeiras permitiria uma melhor caracterização da interação, já que a proporção de substâncias húmicas e não-húmicas varia entre as amostras. Os resultados da espectroscopia FTIR oferecem evidências espectroscópicas que sustentam as conclusões da titulação potenciométrica, demonstrando a complexação do ferro(III) com a turfa em diferentes condições.

IV.Conclusão Importância da Turfa na Biodisponibilidade de Ferro

O estudo demonstra a alta capacidade da turfa em complexar o íon ferro(III) em uma ampla faixa de pH, principalmente na região ácida. Essa capacidade de complexação, aliada à grande disponibilidade de turfa no Brasil (487 milhões de toneladas, segundo o Ministério de Minas e Energia), aponta para o seu potencial como um adsorvente natural e alternativa sustentável para melhorar a biodisponibilidade de micronutrientes, como o ferro, em solos, aumentando a produtividade agrícola e reduzindo o impacto ambiental de agentes quelantes sintéticos. A pesquisa contribui significativamente para o entendimento das interações entre substâncias húmicas e íons metálicos, abrindo caminho para novas aplicações da turfa na agricultura e na recuperação ambiental de solos.

1. Capacidade de Complexação da Turfa e Biodisponibilidade de Ferro

As análises realizadas demonstram a significativa capacidade da turfa em complexar o íon ferro(III) em toda a faixa de pH estudada, com destaque para a região ácida. O aumento do pH leva à predominância da hidrólise do ferro, resultando em precipitação e menor disponibilidade para interação com a turfa. Essa capacidade de complexação é crucial para a biodisponibilidade do ferro para as plantas, visto que o ferro é um micronutriente essencial para diversos processos biológicos, incluindo fotossíntese, biossíntese de clorofila, e atividades enzimáticas. A turfa, portanto, se apresenta como uma alternativa promissora para aumentar a biodisponibilidade de ferro em solos, solucionando a deficiência deste micronutriente frequentemente observada em práticas agrícolas intensivas. A alta capacidade de adsorção da turfa, relacionada à presença de substâncias húmicas e não-húmicas, contribui para a retenção do ferro no solo, evitando a lixiviação e garantindo maior disponibilidade para as plantas. Considerando as reservas brasileiras estimadas em 487 milhões de toneladas (Ministério de Minas e Energia), o uso da turfa como adsorvente natural se mostra ambientalmente atraente e economicamente viável.

2. Implicações Ambientais e Aplicações da Turfa

A utilização da turfa como agente quelante natural representa uma alternativa sustentável aos agentes quelantes sintéticos, os quais são bastante estáveis e podem causar poluição em solos, rios e lençóis freáticos. A turfa, por sua vez, melhora a biodisponibilidade do ferro no solo sem os mesmos impactos ambientais negativos. Este estudo destaca a importância da pesquisa com turfa para a recuperação ambiental de solos, especialmente em áreas degradadas pela mineração, como demonstrado por pesquisas anteriores (Franch et al.). A capacidade da turfa em melhorar a fertilidade do solo e sua utilização em fertilizantes organominerais (Krupek et al.) também são pontos relevantes. Além disso, a pesquisa sobre a capacidade de complexação e liberação de micronutrientes em substâncias húmicas da turfa (Melo et al.) contribui para a compreensão do seu potencial na agricultura. A pesquisa demonstra a relevância da turfa como um recurso natural abundante no Brasil, com potencial para diversas aplicações na agricultura e recuperação ambiental de solos, impulsionando práticas sustentáveis e promovendo a segurança alimentar.