Noções de Astronomia e Cosmologia

Via Láctea: Uma Breve História

Informações do documento

Autor

Pieter Westera

Escola

UFABC

Disciplina

Astronomia e Cosmologia

Tipo de documento Apostila de Aula
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 8.32 MB

Resumo

I.A Via Láctea Uma Visão Geral

Este documento descreve a estrutura e composição da Via Láctea, nossa galáxia. Modelos históricos da Via Láctea, como os de Herschel e Kapteyn, são comparados com o modelo atual, que a classifica como uma galáxia espiral barrada do tipo SBbc, de acordo com a sequência de Hubble. A morfologia da Via Láctea é complexa, influenciada pela presença do disco de poeira que obscurece a visão em determinadas direções, criando a chamada ‘zona vazia’. A massa estimada da Via Láctea é de aproximadamente 9 x 1010 M☉ (massa luminosa) e ~2 x 1012 M☉ (massa total), incluindo a matéria escura.

1. Conceitos Iniciais sobre a Via Láctea

Inicialmente descrita como uma faixa de luz difusa no céu, a Via Láctea foi, na mitologia grega, associada ao leite materno da deusa Hera. A observação de Galileu em 1610, revelando sua composição estelar, foi fundamental. Modelos iniciais, que consideravam magnitude absoluta igual para todas as estrelas, densidade constante e ausência de extinção interestelar, simplificavam a realidade. Esses modelos, mesmo posicionando o Sol próximo ao centro, falhavam por ignorar a extinção interestelar, crucial para compreender a visibilidade em diferentes direções do disco galáctico, onde a poeira se concentra. A extinção interestelar afeta significativamente a observação, limitando a distância de visão, especialmente dentro do disco galáctico. A percepção da Via Láctea como uma estrutura complexa, necessitando de modelos mais sofisticados para sua compreensão, foi um marco na astronomia.

2. Modelos Históricos da Via Láctea e suas Limitações

O texto compara modelos históricos da Via Láctea, contrastando-os com o modelo atual. Os modelos de Herschel, resultando num esferoide achatado com densidade estelar decrescente a partir do centro, e de Kapteyn, que considerava limitações na distância de observação devido à extinção interestelar, apresentavam imprecisões. O modelo de Shapley, por exemplo, superestimou as distâncias dos aglomerados devido a erros na calibração período-luminosidade de estrelas variáveis utilizadas como ‘velas padrão’. Esses modelos subestimaram significativamente o tamanho e a distância do Sol ao centro da Via Láctea, mostrando a dificuldade em modelar corretamente a estrutura da Via Láctea considerando apenas observações ópticas e sem levar em conta a matéria interestelar e sua influência na observação.

3. Morfologia da Via Láctea e o Problema da Perspectiva

A nossa localização dentro do disco da Via Láctea dificulta a determinação de sua estrutura completa, apresentando desafios geométricos. A morfologia da Via Láctea é complexa, com o disco de poeira bloqueando a visão em muitas direções, gerando a chamada ‘zona vazia’ (zone of avoidance), que afeta observações em todas as direções do disco da Via Láctea, comprometendo a observação de objetos extragalácticos. A determinação da estrutura real da Via Láctea exige a consideração deste fator limitante e o uso de dados de diferentes comprimentos de onda, como observações infravermelhas, que atravessam a poeira, permitindo uma visão mais completa do centro galáctico.

4. Modelo Atual da Via Láctea Classificação e Dados Recentes

O modelo atual da Via Láctea a classifica como uma galáxia espiral barrada do tipo SBbc, segundo a sequência de Hubble. Estimativas do diâmetro do disco variam entre 40 e 50 kpc, com o Sol localizado a aproximadamente 8 kpc do centro galáctico. A distância do Sol ao plano galáctico é de cerca de 30 pc. O círculo com raio igual à distância do Sol ao centro é chamado de círculo solar. Dados atuais sugerem uma massa luminosa em torno de 9 x 1010 M☉ e uma massa total, incluindo a matéria escura, estimada em ~2 x 1012 M☉, evidenciando a importância da matéria escura na compreensão da massa total da Via Láctea. A Via Láctea, portanto, é muito maior e mais massiva do que os modelos iniciais sugeriam.

II. Populações Estelares e Aglomerados

A compreensão da Via Láctea envolve o estudo das populações estelares, categorizadas por Walter Baade. A galáxia abriga aglomerados estelares abertos, contendo milhares de estrelas, e aglomerados globulares, com centenas de milhares, que fornecem pistas sobre a história da formação estelar. As diferenças em metalicidade e idade entre as populações estelares são indicadores importantes da evolução da Via Láctea.

1. O Conceito de Populações Estelares

O texto introduz o conceito de Populações Estelares, termo cunhado por Walter Baade, para classificar os diferentes tipos de estrelas presentes na Via Láctea. A classificação considera características como idade e metalicidade. População II, por exemplo, engloba estrelas mais velhas com baixa metalicidade, presentes no halo e em aglomerados globulares. A existência hipotética de uma População III, com Z=0 (metalicidade zero), ainda não foi comprovada. A compreensão das populações estelares é essencial para reconstruir a história da formação e evolução da Via Láctea, fornecendo informações cruciais sobre a formação de estrelas em diferentes épocas e locais da galáxia. A metalicidade das estrelas é um fator chave para entender a evolução química da Via Láctea ao longo do tempo.

2. Comparação entre Aglomerados Abertos e Aglomerados Globulares

O documento compara dois tipos de aglomerados estelares: aglomerados abertos e aglomerados globulares. Os aglomerados abertos contêm até algumas milhares de estrelas, a maioria ainda na sequência principal, com um pico do espectro integrado em comprimentos de onda curtos (azul). Já os aglomerados globulares possuem algumas centenas de milhares de estrelas, muitas evoluídas para o ramo gigante vermelho ou estágios posteriores. Seu pico espectral está em comprimentos de onda longos (vermelho). As diferenças em suas características espectrais (linhas e bandas moleculares de absorção) e a posição da sequência principal ([Fe/H]) refletem diferentes idades e metalicidades, auxiliando no estudo da evolução estelar na Via Láctea. A análise da razão massa-luminosidade ajuda a estimar o tipo de estrelas responsáveis pela emissão de luz em cada componente estelar, como aglomerados abertos e aglomerados globulares.

III. Braços Espirais e Rotação Galáctica

A Via Láctea possui braços espirais, regiões de maior densidade estelar, identificáveis através do efeito Doppler e da observação de estrelas jovens. A curva de rotação da galáxia, que descreve a velocidade de rotação em função da distância do centro, apresenta características não-keplerianas, fornecendo evidências da presença de matéria escura.

1. Identificação e Localização dos Braços Espirais

O texto aborda a identificação dos braços espirais da Via Láctea, destacando a dificuldade de observação devido à nossa posição dentro da galáxia. Através do efeito Doppler, que desloca as linhas espectrais para o azul ou vermelho dependendo da velocidade radial, e da observação de estrelas jovens (observadas no espectro óptico), é possível inferir a localização dos braços espirais. Apesar de parecerem estruturas proeminentes, os braços espirais são apenas ligeiramente mais densos do que o restante do disco, como exemplificado pela galáxia M83. A distribuição de estrelas jovens nos braços espirais sugere uma relação com a formação estelar recente, embora a relação idade-metalicidade não seja linear, com estrelas mais velhas apresentando maior metalicidade em algumas regiões. A complexa estrutura espiral da Via Láctea, revelada pela análise de diferentes tipos de estrelas e seus deslocamentos espectrais, evidencia a dinâmica da nossa galáxia.

2. A Curva de Rotação e a Matéria Escura

A análise da curva de rotação da Via Láctea (velocidade de rotação em função da distância do centro) é fundamental. A curva de rotação observada difere significativamente do esperado para um modelo kepleriano, indicando a presença de matéria escura. A massa da galáxia contida dentro de uma determinada órbita (M(r)) influencia diretamente a velocidade de rotação (v(r)), segundo a relação v(r) = √G·M(r)/r. A curva de rotação observada implica numa densidade de matéria que não diminui com o aumento da distância do centro galáctico, como seria esperado se a massa fosse concentrada principalmente no núcleo. Esta observação sugere que a maior parte da massa da Via Láctea está na forma de matéria escura, distribuída numa halo que se estende muito além do disco visível. O perfil de densidade da matéria escura é frequentemente modelado pelo perfil de Navarro-Frenk-White (NFW).

IV.O Enigma da Matéria Escura

A explicação para a curva de rotação anômala da Via Láctea reside na matéria escura. O debate entre MACHOs (objetos massivos e compactos do halo) e WIMPs (partículas massivas que interagem fracamente) é central. Projetos como o Projeto MACHO procuraram evidências de MACHOs, encontrando alguns, mas insuficientes para explicar a quantidade total de matéria escura. A hipótese predominante é que a maior parte da matéria escura consiste em WIMPs, partículas ainda não detectadas diretamente.

1. Evidências da Matéria Escura na Via Láctea

A principal evidência da existência de matéria escura na Via Láctea é a curva de rotação galáctica. Observações mostram que a velocidade de rotação das estrelas não diminui com a distância do centro galáctico como previsto pela mecânica newtoniana para a matéria visível. Isso implica em massa adicional, não detectável diretamente, que exerce atração gravitacional. Essa massa invisível, denominada matéria escura, compõe a maior parte da massa total da Via Láctea, influenciando sua estrutura e dinâmica. A curva de rotação não-kepleriana, ou seja, diferente do esperado em modelos que consideram apenas matéria visível, é a principal evidência observacional da existência de matéria escura.

2. O Debate MACHOs vs. WIMPs

A natureza da matéria escura permanece um enigma. Na década de 1980, o debate centralizou-se entre duas hipóteses: MACHOs (MAssive Compact Halo Objects, objetos massivos e compactos do halo) e WIMPs (Weakly Interacting Massive Particles, partículas massivas que interagem fracamente). MACHOs incluem objetos como anãs marrons, planetas tipo Júpiter, estrelas de baixa luminosidade, anãs brancas e estrelas de nêutrons. WIMPs, por outro lado, seriam partículas elementares interagindo com a matéria apenas através da força fraca e da gravitação. A detecção de MACHOs através de microlensing (aumento de brilho de uma estrela devido à passagem de um objeto massivo na linha de visão) foi feita, mas em quantidades insuficientes para explicar toda a matéria escura na Via Láctea.

3. Resultados do Projeto MACHO e Conclusões

O Projeto MACHO, que observou 12 milhões de estrelas na Grande Nuvem de Magalhães entre 1992 e 1998, detectou alguns MACHOs. No entanto, a quantidade detectada é muito pequena para explicar a matéria escura observada na Via Láctea, correspondendo a menos de 1% da massa necessária. Isso reforça a hipótese de que a maior parte da matéria escura na Via Láctea seja composta por WIMPs, partículas elementares ainda não detectadas diretamente. A busca por WIMPs continua sendo uma área de intensa pesquisa em astrofísica e física de partículas. A compreensão da matéria escura é fundamental para um modelo completo da formação e evolução de galáxias como a Via Láctea.

V.O Centro Galáctico e o Buraco Negro Supermaciço

O centro galáctico abriga uma intensa fonte de radiação infravermelha e rádio, identificada como Sagitário A*. Sagitário A* é um buraco negro supermaciço, com uma massa estimada em 3,7 milhões de massas solares (M☉), cuja existência é inferida a partir das órbitas estelares ao seu redor. A acreção de matéria para o buraco negro supermaciço explica a radiação observada.

1. Observações do Centro Galáctico

O centro galáctico apresenta uma concentração de massa significativa, revelada por observações em infravermelho. Observações em rádio mostram um disco nuclear de gás neutro com cerca de 100 pc a 1 kpc de diâmetro, inclinado em relação ao plano galáctico. Este disco é significativamente mais quente e denso que as nuvens moleculares no disco da Via Láctea. A região central contém Sagitário A (Sgr A), uma fonte de rádio, e Sagitário A* (Sgr A*), uma fonte pontiforme de rádio mais intensa que coincide com uma fonte de raios-X, sugerindo uma região compacta e energética no coração da nossa galáxia. A falta de movimento próprio de Sgr A*, em contraste com outros objetos na região, intriga os astrónomos.

2. Hipóteses sobre a Natureza de Sagitário A e Evidências de um Buraco Negro Supermaciço

A natureza de Sgr A* foi inicialmente questionada, com a hipótese de ser um aglomerado denso de estrelas de baixa luminosidade (anãs marrons ou estrelas de nêutrons). No entanto, a instabilidade de um tal aglomerado, devido à ejeção e colisão de estrelas em escalas de tempo de 108 anos, inviabiliza essa hipótese. Sgr A* apresenta um raio máximo de 120 UA, uma massa estimada em 3,7 milhões de massas solares (M☉), e emite pouca radiação (≤ 104 L☉). Levando em conta o teorema do virial e a acreção de matéria, a luminosidade máxima esperada para um buraco negro supermaciço com estas características é da ordem de 1010 L☉, mais do que suficiente para explicar a radiação observada em Sgr A*. Esta coincidência de dados observacionais apoia fortemente a hipótese de um buraco negro supermaciço no centro galáctico da Via Láctea.