Protecção de Materiais

Corrosão Uniforme: Degradação de Materiais

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Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 2.32 MB
Curso Protecção de Materiais
Tipo de documento Capítulo de Livro

Resumo

I.Corrosão por Picadas

A corrosão por picadas é um tipo de corrosão localizada caracterizada pela formação de pequenas cavidades ou picadas na superfície de um material. A nucleação de picadas depende frequentemente da formação de um filme de sal, criando uma barreira entre zonas anódicas e catódicas. A acidificação localizada dentro da picada é crucial para o seu crescimento, exigindo um pH crítico de superfície específico para cada material. A presença de inclusões, como sulfuretos de magnésio em aços inoxidáveis, pode facilitar a iniciação da corrosão. A resistência à corrosão por picadas é afetada por diversos fatores, incluindo a presença de fases diferentes no material (sulfuretos, δ-ferrite, precipitados).

1. Critérios de Avaliação e Fatores Influenciadores

A avaliação da corrosão por picadas pode ser feita considerando a profundidade da picada mais severa, pois é onde a falha ocorre. Um fator útil é o 'fator de picada', cujos resultados de ensaios (imersão natural/química) são válidos apenas nas condições de ensaio especificadas para penetração média. A presença de diferentes fases, como sulfuretos, δ-ferrite, precipitados em aço endurecido e soldaduras, afeta a resistência à corrosão por picadas. Em aços inoxidáveis, as inclusões de sulfureto de magnésio são locais propícios à nucleação de picadas. A profundidade da picada é um parâmetro crucial para avaliar a severidade da corrosão, uma vez que ela indica a extensão do dano estrutural e a possível comprometimento da integridade do material. Testes com diferentes métodos de imersão são descritos no documento, com seus respectivos métodos para quantificar a severidade da corrosão.

2. Formação do Filme de Sal e Repassivação

A iniciação das picadas é atribuída à formação de uma camada de sal que separa a zona passiva (exterior) da zona ativa (interior), atuando como uma barreira de alta resistência entre o ânodo e o cátodo. O ataque de cloretos durante o período de indução diminui a espessura deste filme; um filme muito fino não suporta as tensões, rompendo-se. Defeitos mecânicos ou residuais podem ser pontos preferenciais de ataque. Para o crescimento de uma picada, o meio em seu interior deve ser mais agressivo que um limite crítico, abaixo do qual ocorre repassivação. Este limite crítico pode ser visto como um pH crítico de superfície, determinado pela facilidade de passivação do metal. Mesmo na zona passiva, espécies como íons cloreto e água podem penetrar o filme passivo, alcançando a interface metal/óxido, demonstrando que o filme passivo não é um obstáculo efetivo à penetração de agentes agressivos. A formação de picadas estáveis em defeitos preexistentes é o passo determinante da corrosão por picadas, que só é possível em condições de alta acidez no interior da picada.

3. Nucleação das Picadas e Acidificação Localizada

Imperfeições e defeitos no filme passivo facilitam o transporte de eletrólito e íons agressivos até à interface metal/óxido. A nucleação das picadas é fortemente influenciada por essas imperfeições. A acidificação localizada é essencial para manter uma picada ativa; metais mais resistentes exigem maior acidificação (pH crítico mais baixo) e dissolução anódica mais intensa. A estabilidade de uma picada está diretamente relacionada com a capacidade de manter um ambiente ácido em seu interior. A acidez elevada dentro da picada é um fator crucial que impulsiona a dissolução contínua do metal, causando a progressão da corrosão. Quanto maior a resistência do metal à corrosão, maior a necessidade de acidificação localizada para manter a picada ativa, indicando uma relação direta entre a resistência à corrosão e a intensidade da acidificação dentro da cavidade.

II.Corrosão Intersticial e Filiforme

A corrosão intersticial inicia-se com uma distribuição de áreas anódicas e catódicas pela superfície, mas o consumo de oxigênio em fendas interrompe a reação catódica, concentrando a corrosão em filamentos. A corrosão filiforme, um tipo particular de corrosão intersticial, é autocatalítica, com a frente do filamento recebendo água da cauda devido à pressão osmótica. Danos em revestimentos podem servir como pontos de iniciação para a corrosão filiforme.

1. Mecanismo da Corrosão Intersticial Iniciação

Inicialmente, as áreas anódicas (dissolução) e catódicas (redução de O2) distribuem-se por toda a superfície. O consumo de O2 dentro de uma fenda, entretanto, interrompe a reação catódica nessa zona, concentrando a corrosão. Os filamentos resultantes são constituídos por uma frente ativa (corrosão) e uma cauda de produtos de corrosão. Em aços, a frente ativa é tipicamente azul-esverdeada (meio desarejado), enquanto a cauda é vermelho-acastanhada devido ao óxido férrico, muitas vezes hidratado (meio arejado). O consumo de oxigênio na frente ativa cria uma célula de arejamento diferencial, concentrando a corrosão e causando acidificação localizada. Esse processo autocatalítico é fundamental para a progressão da corrosão intersticial, pois a concentração da reação em uma área específica gera um ciclo de consumo de oxigênio e acidificação que se retroalimenta, intensificando a corrosão.

2. Corrosão Filiforme Um Caso Particular

A corrosão filiforme parece ser um caso particular da corrosão intersticial. Durante o seu crescimento, a frente do filamento recebe água da cauda inativa devido à pressão osmótica gerada pela alta concentração de íons ferrosos. A entrada de oxigênio pela fissura destrói a célula de arejamento diferencial, parando a corrosão. No entanto, revestimentos frágeis podem quebrar em cantos ou arestas, atuando como pontos de iniciação para a corrosão filiforme. A compreensão do mecanismo da corrosão filiforme é fundamental para desenvolver estratégias eficazes de proteção contra esse tipo de deterioração. O papel da pressão osmótica na transferência de água e a influência da permeabilidade do revestimento à penetração de oxigênio são fatores-chave a serem considerados na prevenção da corrosão filiforme.

III.Corrosão Seletiva

A corrosão seletiva consiste na dissolução preferencial de um elemento em uma liga. No latão (liga de cobre e zinco), o zinco (ânodo) dissolve-se preferencialmente, deixando vazios na rede e enriquecendo a superfície em cobre. Duas teorias tentam explicar esse fenômeno: uma baseada em células galvânicas entre o Zn e Cu, e outra na dissolução e redeposição seletiva dos íons.

1. Corrosão Seletiva Conceito Geral

A corrosão seletiva consiste na dissolução preferencial de um elemento constituinte de uma liga. O exemplo mais comum é a corrosão seletiva do latão (liga de cobre e zinco), mas processos similares podem ocorrer em outras ligas, com a remoção seletiva de alumínio, ferro, cobalto ou crômio. A compreensão dos mecanismos da corrosão seletiva é crucial para a seleção adequada de materiais em diversas aplicações, uma vez que a perda preferencial de um componente pode levar à degradação das propriedades mecânicas e à falha prematura do material. O estudo da corrosão seletiva envolve a análise dos fatores que contribuem para a dissolução preferencial de um elemento específico em relação aos outros na liga, e como esses fatores podem ser controlados ou mitigados.

2. Mecanismos da Corrosão Seletiva do Latão

Duas teorias principais tentam explicar a corrosão seletiva do latão. A primeira propõe a formação de uma célula galvânica entre o zinco (ânodo) e o cobre (cátodo), levando à dissolução do zinco e deixando vazios na rede cristalina. A rede resultante fica enriquecida em cobre, justificando a cor vermelha observada. A segunda teoria sugere que o latão se dissolve formando íons cobre e zinco, mas os íons zinco permanecem em solução, enquanto os íons cobre se redepositam na superfície da liga. A primeira teoria enfatiza o papel da diferença de potencial eletroquímico entre os componentes da liga, enquanto a segunda destaca a diferente solubilidade dos íons em solução. Ambas as teorias buscam explicar a dissolução preferencial do zinco, porém a questão da profundidade do ataque permanece como um ponto desafiador a ser compreendido completamente.

IV.Corrosão Intergranular e Biológica

A corrosão intergranular ocorre nos limites de grão, áreas de maior energia e impurezas, como na liga 2024 (Al2CuMg). A corrosão biológica envolve a ação de microorganismos (aeróbios e anaeróbios, como Desulfovibrio desulfuricans e Thibacillus thioxidans) e macroorganismos (algas, lapas, mexilhões), causando incrustações e corrosão intersticial. Medidas preventivas para a corrosão por macroorganismos incluem tintas antivegetativas.

1. Corrosão Intergranular Liga 2024 como Exemplo

A corrosão intergranular ocorre preferencialmente nos limites de grão, regiões de maior energia e acumulação de impurezas. A liga 2024, contendo cobre e magnésio, forma uma fase de Al2CuMg (fase σ) nos limites de grão, que é anódica em relação à matriz de α-Al dos grãos. Em meios com NaCl, as picadas iniciam-se facilmente, e sua propagação resulta em corrosão intergranular. A diferença de potencial eletroquímico entre a fase intergranular e a matriz do grão é um fator chave para a corrosão intergranular. A fase σ, por ser anódica, sofre dissolução preferencial, levando à fragilização do material ao longo dos limites dos grãos. O uso de aços inoxidáveis com baixo teor de carbono (inferior a 0,02%, como o AISI 304L ou 316L) é uma estratégia para minimizar a corrosão intergranular, pois, em altas temperaturas, o carboneto de crômio pode ser dissolvido e com um arrefecimento rápido não há tempo para sua formação novamente.

2. Corrosão Biológica Micro e Macroorganismos

A corrosão biológica é causada por micro e macroorganismos. Microorganismos aeróbios, como o Thibacillus thioxidans, oxidam enxofre em meios de baixo pH (campos petrolíferos, efluentes ricos em enxofre). Bactérias anaeróbias, como o Desulfovibrio desulfuricans, reduzem sulfato a sulfeto em solos compactos ou molhados e em efluentes contendo compostos de enxofre. Organismos aquáticos (algas, lapas, mexilhões) fixam-se à superfície, causando corrosão intersticial e incrustações (biofouling). A presença desses organismos afeta os cascos de navios (aumento no consumo de combustível) e permutadores de calor (diminuição da eficiência). A diversidade de mecanismos envolvidos na corrosão biológica destaca a complexidade das interações entre os microorganismos, o material e o ambiente. A prevenção de incrustações pode ser feita usando tintas antivegetativas que contêm substâncias tóxicas (compostos de cobre, estanho, etc.).

V.Corrosão sob Tensão

A corrosão sob tensão (CST) é um fenômeno localizado que envolve uma ação sinérgica da tensão aplicada e do meio corrosivo, levando à fratura em tempo mais curto que o esperado pela soma das ações isoladas. A CST é afetada pela tensão aplicada, natureza e concentração do meio corrosivo, temperatura, estrutura e composição do material. A propagação da falha pode ser intergranular ou transgranular. Um exemplo de desastre associado é a queda de um Boeing 747 em 1992 em Amsterdã.

1. Corrosão sob Tensão Ação Sinérgica e Fenômeno Localizado

A corrosão sob tensão (CST) resulta de uma ação sinérgica entre a tensão aplicada e o meio corrosivo, causando fratura em tempo menor que a soma das ações isoladas. É um fenômeno localizado; a maior parte do material permanece intacta, mas fissuras se propagam em alguns locais. A compreensão da CST é crucial para garantir a segurança e a durabilidade de estruturas e componentes metálicos em serviço. A complexidade do fenômeno está na interação entre a carga mecânica aplicada, a susceptibilidade do material à corrosão e a agressividade do meio ambiente, e isso torna a predição e prevenção da CST um desafio considerável.

2. Variáveis Importantes na Corrosão sob Tensão

As variáveis mais importantes na CST são: a tensão aplicada (quanto maior, menor o tempo até à fratura); a natureza e concentração do meio corrosivo (ex: latão em amônia); a temperatura; e a estrutura e composição do material (metais puros são geralmente imunes, e materiais com grãos menores têm maior resistência). O tempo também é crucial, pois os maiores danos ocorrem na fase final do processo. A redução da área da seção transversal à medida que a CST penetra o material, intensifica a tensão e, assim, acelera a propagação da fissura. A nucleação da CST ocorre em picadas ou sulcos preexistentes que atuam como concentradores de tensões. Essa relação entre a tensão, o meio corrosivo e as características do material demonstra a necessidade de uma análise cuidadosa desses parâmetros para prever a probabilidade de ocorrência e a severidade da CST.

3. Mecanismos da Corrosão sob Tensão Nucleação e Propagação

A CST geralmente se desenvolve em duas etapas: nucleação e progressão. A nucleação, com um tempo de indução, ocorre em picadas ou sulcos preexistentes (concentradores de tensões). A propagação da falha pode ser intergranular (acompanha o contorno dos grãos) ou transgranular. Em metais passivos, a propagação se dá devido aos diferentes estados do metal dentro e fora da falha: na frente de avanço da falha, o estado passivo é impossível de manter devido às altas tensões, enquanto a maior parte do material mantém-se passiva. A heterogeneidade microestrutural desempenha um papel significativo na propagação da falha, atuando como locais preferenciais para a iniciação e propagação da fissura. A natureza intergranular ou transgranular da propagação da trinca fornece informações importantes sobre os mecanismos de corrosão e os fatores que contribuem para a sensibilidade à corrosão sob tensão.

4. Exemplo Prático Acidente Aéreo

Um acidente de aviação em 4 de outubro de 1992, envolvendo um Boeing 747 da EL AL em Amsterdã, é atribuído à CST. A queda do avião resultou da ejeção dos motores 3 e 4, na asa direita, causando perda de controle. A região inicial da fratura apresentava aspecto liso devido ao atrito. Este exemplo ilustra a importância de considerar a CST no projeto e manutenção de componentes críticos em várias indústrias, especialmente em setores que envolvem segurança e confiabilidade, como a aviação. A análise desse acidente realça a necessidade de rigorosas inspeções e procedimentos de manutenção para detectar e mitigar os riscos relacionados à corrosão sob tensão antes que possam levar a falhas catastróficas.

VI.Corrosão sob Fadiga e Fragilização por Hidrogênio

A corrosão sob fadiga ocorre em componentes sujeitos a esforços cíclicos em meios corrosivos, reduzindo a resistência à fadiga. A fragilização por hidrogênio resulta da entrada de hidrogênio atômico no metal, formando hidretos frágeis e levando à propagação de fissuras. A presença de “venenos”, como íons enxofre, retarda a formação de hidrogênio molecular, aumentando o tempo de residência do H na superfície e facilitando a sua entrada no metal.

1. Corrosão sob Fadiga Efeito de Esforços Cíclicos

A corrosão sob fadiga ocorre quando um componente é sujeito a esforços cíclicos num meio que o ataca química ou eletroquimicamente. As condições para a ocorrência desse tipo de corrosão são a presença de um meio corrosivo e esforços cíclicos aplicados ao material. A fadiga por si só e a corrosão por si só já provocam danos, mas combinadas, o resultado é muito mais grave do que a soma dos dois fatores isolados. O reconhecimento de uma fratura por fadiga é geralmente fácil, apresentando uma região de início de fratura coberta de produtos de corrosão, seguida por uma parte rugosa correspondente à fratura frágil. Em ensaios de fadiga, a resistência de um material é determinada submetendo-o a tensões cíclicas de várias amplitudes e registando o número de ciclos até à fratura. Metais não ferrosos, como alumínio e magnésio, não possuem limite de fadiga quando ensaiados ao ar.

2. Fragilização por Hidrogênio Mecanismos e Efeito em Metais

A fragilização por hidrogênio ocorre quando átomos de hidrogênio se acumulam em zonas do metal, geralmente em heterogeneidades. Essa acumulação pode levar à formação de hidrogênio molecular gasoso que se acumula em bolsas, criando falhas internas que afetam a continuidade do metal e atuam como geradoras e acumuladoras de tensões internas. A presença de 'venenos', como íons enxofre, cianeto ou antimônio, retarda a formação de hidrogênio molecular, aumentando o tempo de residência do hidrogênio atômico na superfície e facilitando sua entrada no metal. O ácido sulfídrico (H2S) é especialmente perigoso, pois fornece tanto o íon enxofre (veneno) como o H+. Em metais com fases não metálicas dispersas, o hidrogênio pode formar produtos gasosos que se acumulam em bolsas (ex: Cu2O + 2H → Cu + H2O; Fe3C + 4H → 3Fe + CH4). No fundo da fissura, o hidrogênio reage com o metal formando uma zona de hidreto metálico frágil que quebra, levando à progressão da fissura. Este tipo de ataque é, por vezes, chamado de fragilização reversível, pois a eliminação do hidrogênio por tratamento térmico a alta temperatura pode restaurar a ductilidade do material.