A conservação ex situ das plantas autóctones dos Açores no Jardim Botânico do Faial

Conservação Ex Situ de Plantas dos Açores

Informações do documento

Autor

Cátia Faria Freitas

instructor Prof. Dr.ª Maria João Bornes Teixeira Pereira Trota
Escola

Universidade dos Açores

Curso Biodiversidade e Biotecnologia Vegetal
Tipo de documento Relatório de Estágio
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 4.50 MB

Resumo

I.O Papel do Jardim Botânico do Faial JBF na Conservação da Flora Açoriana

O Jardim Botânico do Faial (JBF) desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade nos Açores, focando-se em ações de conservação in situ e conservação ex situ de plantas nativas dos Açores, incluindo espécies endémicas. Suas atividades incluem a manutenção de um herbário, a construção e manutenção de um banco de sementes, a propagação de espécies ameaçadas em seu viveiro, e projetos de recuperação de habitats. O JBF colabora com outros Parques Naturais do arquipélago e desenvolve programas de sensibilização ambiental para a população e escolas, através de iniciativas como o ‘Parque-Aberto’ e ‘Parque-Escola’. O JBF possui uma área total de 5600 m², localizada em Flamengos, Faial, a 100m de altitude (38º33’7’’N; 28º38’30’’W).

1.1 O Papel do JBF na Conservação da Flora dos Açores

O Jardim Botânico do Faial (JBF) tem um papel fundamental na conservação da flora nativa dos Açores, incluindo as espécies endémicas, que estão ameaçadas pela destruição de habitats, espécies invasoras, e alterações climáticas. Como parte integrante do Parque Natural do Faial, o JBF lidera ações de conservação in situ e conservação ex situ. A conservação in situ envolve ações como o aumento populacional artificial, combate a ameaças, e o estabelecimento de reservas naturais. A conservação ex situ foca-se na manutenção de coleções vivas, bancos de sementes (ortodoxas e recalcitrantes), e outros métodos como a preservação de esporos, genes e pólen. O JBF participa em redes internacionais como a BGCI e ENSCONET, colaborando em projetos globais para a conservação da biodiversidade vegetal. A perda de habitats e a proliferação de espécies invasoras são as maiores ameaças à biodiversidade vegetal nos Açores, sublinhando a importância crítica do trabalho do JBF na proteção das espécies nativas e seus habitats.

1.2 Implementação e Infraestruturas do JBF

O JBF está localizado na freguesia dos Flamengos (Faial), numa área de 5600 m², a 100m de altitude (38º33’7’’N; 28º38’30’’W). A localização, num vale protegido, minimiza a influência marítima e ventos fortes. O jardim inclui diferentes áreas: um jardim de espécies nativas dos Açores, incluindo espécies endémicas dos Açores e da Macaronésia; um jardim de plantas medicinais e aromáticas; uma área de lazer; um pequeno viveiro; e um centro de visitantes. Em 2011, foi inaugurada uma ampliação com foco na flora nativa herbácea, representando habitats antes pouco representados, como zonas costeiras rochosas e zonas húmidas. Em 2013, foi inaugurado o viveiro do Jardim Botânico do Faial, com uma estufa e área exterior, dedicados à propagação da flora vascular indígena dos Açores. Em 2014, foi aberta uma exposição permanente sobre a ‘História Natural da Vegetação dos Açores’, educando o público sobre a riqueza e fragilidade da biodiversidade da região. O JBF realiza ações de sensibilização ambiental através de iniciativas como a agenda ‘Parque-Aberto’, incluindo plantações com voluntários e eventos educativos.

1.3 Sensibilização Ambiental e Colaborações

Para além das ações diretas de conservação, o JBF promove a sensibilização ambiental através de programas direcionados à população em geral e às escolas. A agenda ‘Parque-Aberto’ oferece atividades diversas, como plantações comunitárias (ex: mais de 1000 voluntários nos Charcos de Pedro Miguel em 2012), dias de entrada gratuita, celebrações de dias internacionais relacionados com a natureza, e conferências. A agenda ‘Parque-Escola’, lançada em 2012, disponibiliza atividades educativas para os diferentes ciclos de ensino. O JBF colabora com outros centros ambientais dos Açores e já colaborou com o PNI Flores (reforço de populações de Myosotis azorica) e o PNI Pico (reforço de populações de Silene uniflora subsp. cratericola), demonstrando um compromisso com a conservação em larga escala no arquipélago. A conservação da biodiversidade é uma prioridade global, e o JBF desempenha um papel-chave neste contexto.

II.O Herbário Ilídio Botelho Gonçalves

O herbário do JBF, com o nome de Ilídio Botelho Gonçalves, contém atualmente 260 exemplares representando cerca de 129 espécies (45 endémicas, 39 nativas e 45 exóticas), coletadas em cinco ilhas dos Açores. A coleção catalogada encontra-se em bases de dados internacionais, como o ‘PlantSearch’ do BGCI. O herbário apoia as atividades de identificação e serve como registro da flora açoriana.

1. Descrição e Conteúdo do Herbário Ilídio Botelho Gonçalves

O Herbário Ilídio Botelho Gonçalves, inaugurado em 2007, é uma homenagem ao Engenheiro Silvicultor e Arquiteto Paisagista Ilídio Botelho Gonçalves. Atualmente, o herbário contém cerca de 260 exemplares, representando aproximadamente 129 espécies da flora açoriana. Destes, cerca de 45 são espécies endémicas, 39 são espécies nativas, e 45 são espécies exóticas. Os espécimes foram coletados em cinco ilhas do arquipélago dos Açores: Faial, Pico, São Jorge, Flores e Corvo. Dezassete coletores contribuíram para a formação do herbário, com o Eng.º João Melo como o maior contribuinte, com 96 exemplares. A equipe técnica do Jardim Botânico do Faial realiza atualmente as coletas, e a Dra. Violeta Oliván é responsável pelo processo de herborização. A coleção é de grande valor para a pesquisa e conservação da biodiversidade açoriana, fornecendo dados cruciais sobre a flora da região. O herbário contribui para a caracterização e inventariação de espécies.

2. Catalogação e Integração em Bases de Dados

Embora todas as espécies no herbário estejam devidamente identificadas com placas, a coleção não estava inicialmente catalogada numa base de dados. Recentemente, um esforço significativo foi feito para catalogar e inventariar a coleção de flora açoriana, com o objetivo de facilitar o acesso e a pesquisa. Esta coleção catalogada encontra-se agora integrada em bases de dados internacionais, nomeadamente no ‘PlantSearch’, a base de dados global da BGCI (Botanical Gardens Conservation International), permitindo a partilha de informações sobre a flora açoriana a nível global. Esta integração em bases de dados internacionais aumenta a visibilidade da coleção e facilita a colaboração científica em projetos de conservação da biodiversidade. A integração em plataformas globais aumenta o valor científico do herbário e facilita a pesquisa sobre a flora açoriana.

III.Coleções do JBF e suas Importâncias

O JBF possui diversas coleções importantes para a conservação ex situ, incluindo plantas nativas dos Açores, espécies exóticas ornamentais, principais espécies invasoras do arquipélago, espécies medicinais e aromáticas, e principais culturas agrícolas tradicionais dos Açores. O foco em espécies invasoras destaca a importância da sensibilização pública sobre a ameaça à biodiversidade que representam.

1. Coleção de Espécies Nativas dos Açores

O Jardim Botânico do Faial (JBF) possui uma coleção significativa de espécies nativas dos Açores, incluindo espécies endémicas da região e da Macaronésia. Esta coleção desempenha um papel crucial na conservação da biodiversidade açoriana, fornecendo material para estudos científicos, programas de propagação, e ações de conservação ex situ. A representação dessas espécies em diferentes habitats existentes no jardim também contribui para a educação ambiental e sensibilização pública sobre a importância da flora açoriana. A coleção é regularmente atualizada e expandida através de coletas e projetos de pesquisa, assegurando a preservação da riqueza genética dessas plantas, muitas das quais estão ameaçadas de extinção. A preservação ex situ destas plantas complementa os esforços de conservação in situ realizados na natureza.

2. Coleção de Espécies Exóticas Ornamentais e Invasoras

Para além das espécies nativas, o JBF possui uma coleção de espécies exóticas ornamentais comuns nos Açores. Esta coleção serve como recurso educacional, permitindo a comparação entre espécies nativas e exóticas e ilustrando os impactos potenciais das plantas exóticas. Importantemente, o JBF também mantém uma coleção de espécies invasoras no arquipélago, com o objetivo de educar o público sobre a identificação e o controlo dessas plantas nocivas. A proliferação de espécies invasoras é uma grande ameaça à biodiversidade, justificando a presença desta coleção no JBF como ferramenta para a sensibilização ambiental e para a prevenção da sua disseminação, contribuindo para a conservação da flora nativa dos Açores.

3. Coleção de Espécies Medicinais e Aromáticas e Culturas Agrícolas Tradicionais

O JBF abriga uma coleção de espécies medicinais e aromáticas, reconhecendo a longa história da utilização dessas plantas na cultura açoriana, desde fins terapêuticos até culinários. A coleção ilustra a importância histórica e cultural dessas plantas, contribuindo para a preservação do conhecimento tradicional sobre usos medicinais. Paralelamente, o JBF apresenta uma coleção representativa das principais culturas agrícolas tradicionais dos Açores, mostrando a relação histórica entre a agricultura e a flora açoriana. Esta coleção documenta a importância económica e social de algumas espécies vegetais, permitindo uma compreensão mais abrangente da relação entre a sociedade açoriana e o seu ambiente natural. A coleção completa fornece contexto histórico e cultural, demonstrando a diversidade da relação entre humanos e plantas nos Açores.

IV.O Banco de Sementes dos Açores BSA

O Banco de Sementes dos Açores (BSA), integrado no JBF, utiliza metodologias da ENSCONET para a conservação de sementes. O BSA foca-se em espécies ameaçadas de extinção, como Azorina vidalii e outras, realizando testes de germinação para avaliar a eficácia das técnicas de conservação a longo prazo. As atividades do BSA incluem a colheita, limpeza, secagem e armazenamento de sementes, seguindo protocolos rigorosos para garantir a viabilidade das sementes.

1. Metodologia de Conservação no Banco de Sementes dos Açores BSA

O Banco de Sementes dos Açores (BSA), integrado no Jardim Botânico do Faial (JBF), segue as recomendações da ENSCONET (European Native Seed Conservation Network) para a conservação de sementes. As campanhas anuais de colheita iniciam-se com a seleção de espécies-alvo e populações, e definição dos meses de colheita. Este processo garante a melhoria das amostragens de anos anteriores, sem comprometer a sobrevivência das espécies. As sementes são submetidas a um processo de limpeza, muitas vezes manual, após a secagem, para remover impurezas. A metodologia de conservação do BSA envolve a secagem das sementes numa câmara de desidratação, utilizando sílica-gel como indicador de humidade, e o seu armazenamento a -15ºC numa arca frigorífica Cryocell®. Testes de germinação são realizados regularmente para avaliar a viabilidade das sementes armazenadas, utilizando métodos como o teste em caixas de petri com papel de filtro humedecido. Parâmetros como tempo de latência, tempo médio de germinação (TMG), e percentagem de germinação são calculados e analisados estatisticamente (SPSS 22.0 e Microsoft Office Excel 2011).

2. Estudos de Caso Testes de Germinação de Espécies Alvo

O documento apresenta estudos de caso sobre os testes de germinação de duas espécies: Azorina vidalii e Lactuca azoricus. Azorina vidalii, classificada como 'ameaçada' pela IUCN, foi submetida a um teste de germinação com quatro réplicas de 100 sementes em condições controladas (20ºC e 16h de fotoperíodo). Para Lactuca azoricus, foi realizada escarificação química (ácido sulfúrico) antes do teste de germinação, com quatro réplicas de 100 sementes em condições de 15ºC e 8h de fotoperíodo. Os resultados para Lactuca azoricus indicam que as condições de conservação do BSA não afetam a sua capacidade germinativa, podendo mesmo aumentar a velocidade de germinação. Estes resultados, embora promissores, necessitam de ensaios futuros com períodos de conservação mais longos para confirmar a viabilidade a longo prazo. O BSA, através destes estudos e da utilização das recomendações da ENSCONET, busca garantir a melhor conservação e preservação de sementes de espécies ameaçadas.

3. Participação em Projetos Internacionais e Limpeza de Sementes

O BSA tem participado em projetos e iniciativas internacionais, como o CWR (Crop Wild Relatives), Zephyr, e ‘Global Seed Conservation Challenge’, demonstrando o seu compromisso com a conservação global de sementes. A limpeza de sementes é uma etapa crucial na metodologia de conservação, sendo um processo delicado realizado manualmente ou com recurso a crivos, visando a remoção de tecidos vegetais, terra, insetos, e outras sementes de espécies diferentes. Este processo de limpeza é fundamental para evitar a contaminação das amostras e garantir a integridade das sementes armazenadas, para assim garantir uma melhor conservação de sementes. As metodologias seguidas pelo BSA garantem a qualidade e preservação das amostras, contribuindo para a conservação da biodiversidade das plantas nativas dos Açores.

V.O Viveiro do Jardim Botânico do Faial

O viveiro do JBF, inaugurado em 2013, produz em larga escala plantas nativas dos Açores para projetos de conservação in situ. Em três anos de funcionamento, produziu cerca de 27.300 espécimes, com cerca de 21.500 destinados a ações de repovoamento. O viveiro, com cerca de 600 m², é fundamental na ligação entre as ações de conservação ex situ e conservação in situ, incluindo fases de estabelecimento e endurecimento das plantas antes do plantio.

1. Produção e Destino das Plantas do Viveiro

O viveiro de plantas endémicas do Jardim Botânico do Faial (JBF), inaugurado em 2013, desempenha um papel vital na conservação in situ da flora nativa dos Açores. Em apenas três anos, produziu aproximadamente 27.300 espécimes, dos quais cerca de 21.500 foram destinados a ações de conservação in situ, como repovoamento de áreas degradadas. Em 2015, foram produzidas mais 20.500 plantas, que ainda estavam em cultivo. O viveiro, com uma estufa de cerca de 160 m² e uma área de vasário de 430 m², é crucial na ligação entre as ações de conservação ex situ (propagação em viveiro) e conservação in situ (plantação em habitats naturais). A sua alta produtividade demonstra a sua eficácia na propagação de plantas nativas e no apoio a projetos de recuperação de habitats. A produção em larga escala, principalmente de espécies não lenhosas, complementa a capacidade limitada de viveiros de serviços florestais, reforçando os esforços de conservação.

2. Fases de Cultivo e Protocolos de Propagação

O processo de propagação de plantas no viveiro envolve diferentes fases de crescimento, com condições de cultivo específicas para cada etapa. A fase de estabelecimento, crucial para o sucesso do cultivo, ocorre dentro da estufa e abrange a sementeira, germinação, emergência das plântulas, e desenvolvimento das primeiras folhas verdadeiras. Para cada espécie, é realizada uma pesquisa bibliográfica detalhada, analisando as condições ambientais das populações silvestres, estudos prévios, e métodos de propagação de espécies ou géneros semelhantes. No viveiro, o acompanhamento dos ensaios de propagação envolve o registo do desenvolvimento das plantas e dados ambientais (dentro e fora da estufa). A fase de endurecimento, realizada na área de vasário, prepara as plantas para o stress do transporte e plantio em habitats naturais, simulando condições próximas do seu futuro local. Esta fase, crucial para a sobrevivência das plantas após a plantação, pode durar de 1 a 4 meses. O viveiro garante, assim, a produção de plantas saudáveis e resilientes para os programas de conservação in situ.

VI.Projetos In Situ do JBF

O JBF coordena projetos de recuperação de habitats e reforço de populações silvestres, atuando em áreas dentro e fora do Parque Natural do Faial, e colaborando com outros parques. As principais populações recuperadas incluem Pericallis malvifolia, Prunus azorica, Myosotis maritima, e Rumex azoricus. Estes projetos combinam ações ex situ (propagação em viveiro) e in situ (plantação e monitorização).

1. Produção e Capacidade do Viveiro do JBF

O viveiro do Jardim Botânico do Faial (JBF), inaugurado em 2013, demonstra alta capacidade de produção de flora nativa dos Açores. Nos seus primeiros três anos de funcionamento, produziu cerca de 27.300 espécimes, com cerca de 21.500 destinados a ações de conservação in situ. Em 2015, a produção continuou elevada, com mais 20.500 plantas em cultivo. Composto por uma estufa de aproximadamente 160 m² e uma área de vasário de cerca de 430 m², o viveiro é a infraestrutura chave que liga a conservação ex situ (no próprio JBF) à conservação in situ (em populações silvestres). Esta produção em massa visa suprir a demanda por plantas nativas, especialmente espécies não lenhosas, que são pouco produzidas pelos viveiros dos serviços florestais. A alta produtividade do viveiro reforça a capacidade do JBF em contribuir para a recuperação de habitats e o reforço de populações ameaçadas.

2. Protocolos de Propagação e Fases de Cultivo

A propagação de plantas no viveiro segue protocolos cuidadosamente elaborados, baseados em pesquisa bibliográfica sobre as condições ambientais das populações silvestres, estudos existentes, e métodos de propagação de espécies ou géneros semelhantes. O processo inclui diversas fases: a fase de estabelecimento, crucial para o sucesso do cultivo, ocorre na estufa, abrangendo a sementeira, germinação, emergência das plântulas, e desenvolvimento das primeiras folhas verdadeiras. Após o estabelecimento, o desenvolvimento das plantas é monitorizado, registando-se dados sobre o seu crescimento e as condições ambientais. Finalmente, a fase de endurecimento prepara as plantas para o transplante para o seu habitat natural, mimetizando condições ambientais semelhantes às do local definitivo, diminuindo assim o stress da plantação. Esta fase garante a melhor adaptação das plantas antes da sua inserção no meio natural, maximizando as taxas de sobrevivência e sucesso dos projetos de conservação in situ. A pesquisa bibliográfica e o rigor no acompanhamento dos ensaios de propagação são fundamentais para o sucesso desta fase.

Referência do documento

  • The IUCN Red List of Threatened Species