
Conservação Ambiental em Faxinais
Informações do documento
Autor | Taisa Lewitzki |
Escola | Instituto Latino-Americano de Arte, Cultura e História (ILAACH) da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) |
Curso | Antropologia - Diversidade Cultural Latino-Americana |
Local | Foz do Iguaçu |
Tipo de documento | Trabalho de Conclusão de Curso |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.68 MB |
Resumo
I.Comunidades Tradicionais de Faxinais e Conservação Ambiental no Paraná
Esta pesquisa antropológica investiga as comunidades tradicionais de faxinais no Paraná, focando na relação entre suas práticas de manejo de recursos naturais e as estratégias de conservação ambiental. As comunidades, presentes singularmente no Estado, caracterizam-se pelo uso comum da terra para criação de animais e acordos comunitários de baixo impacto ambiental, contribuindo para a preservação da Mata Atlântica, especificamente a Floresta com Araucária. O estudo analisa o Projeto Faxinais, uma intervenção do Programa Petrobrás Ambiental na comunidade de Meleiro (próxima a Curitiba), buscando identificar diferentes concepções de conservação entre os atores envolvidos. A pesquisa destaca a importância dos faxinais como espaços estratégicos para a conservação ambiental e o papel das Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR) na sua proteção legal. A Articulação Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais é mencionada como um importante ator no movimento de visibilidade e defesa dos direitos das comunidades.
1. Caracterização das Comunidades de Faxinais
As comunidades tradicionais de faxinais no Paraná são apresentadas como um caso singular de manejo de recursos naturais e conservação ambiental. Caracterizam-se pelo uso comum da terra para a criação de animais soltos, em um sistema baseado em acordos comunitários que buscam o baixo impacto ambiental. Essa prática contribui significativamente para a preservação do Bioma Mata Atlântica, em particular da Floresta com Araucária. O estudo destaca a importância da abordagem etnográfica para compreender a complexidade dessas relações socioambientais. Um mapeamento situacional dos faxinais (Souza, 2009) aponta a existência de 227 faxinais no estado, com uma população estimada em 40 mil pessoas. A pesquisa salienta que o desenvolvimento econômico, impulsionado por políticas neoliberais e neo-desenvolvimentistas (Montenegro, 2012), representa uma ameaça constante ao modo de vida tradicional dos faxinais, causando pressões territoriais, controle dos recursos naturais e desagregação dos espaços compartilhados. A criação, em 1997, das Áreas Especiais de Uso Regulamentado (ARESUR), pelo Decreto Estadual nº 3.446/97, é mencionada como um marco legal que reconhece o papel dos faxinais na conservação da natureza. A delimitação do Corredor das Araucárias, que articula estratégias de desenvolvimento sustentável, reforça a importância da região dos faxinais como área de reserva de recursos naturais.
2. Práticas Tradicionais de Manejo e Relações Socioambientais
A pesquisa enfatiza a integração entre a conservação ambiental e as práticas cotidianas dos faxinalenses. O relato de Seu Joaquim Santos, um morador de 81 anos, ilustra as interações entre os moradores, os animais criados à solta e a preservação da natureza, elementos centrais da identidade faxinalense. A conservação ambiental, nesse contexto, está intrinsecamente ligada ao modo de vida da comunidade. A criação de animais à solta nos criadouros comunitários é uma prática crucial, regulamentada por acordos comunitários que estabelecem normas para o uso dos recursos naturais, visando minimizar os impactos ambientais. A proibição do uso de agrotóxicos, o desmatamento, o corte de lenha para fins comerciais e a contaminação das fontes de água demonstram o cuidado com o meio ambiente, intrínseco à cultura local. A recuperação de nascentes e o manejo adequado dos resíduos são exemplos de ações previstas nos acordos. A relação com a sociobiodiversidade é observada no extrativismo florestal para fins medicinais, respeitando os ciclos das plantas e os conhecimentos tradicionais acumulados ao longo das gerações. As benzedeiras, com seus amplos conhecimentos sobre as plantas nativas, mediam a relação entre as pessoas e a natureza, reforçando a ligação entre cultura e meio ambiente nos faxinais. A autora destaca a complexa interação entre práticas tradicionais e a necessidade de geração de renda, com algumas famílias diversificando suas atividades econômicas para garantir sua permanência nos faxinais.
3. A Visão da Economista Yu Man Chang 1988
O trabalho da economista Yu Man Chang (1988) é citado como um dos primeiros estudos acadêmicos sobre os faxinais, destacando a singularidade da ocupação territorial dos faxinalenses no Sul do Brasil. Chang analisa os criadouros comunitários como uma forma peculiar de organização camponesa, até então ausente na história oficial do Paraná. Sua pesquisa, focada em faxinais nos municípios de Palmeira e São João do Triunfo, concluiu que o sistema faxinal estava em processo de rápida desagregação devido às políticas de modernização da agricultura, prevendo seu desaparecimento em poucos anos. Esta análise antecipa os desafios que as comunidades tradicionais enfrentam na manutenção de seu modo de vida e na preservação dos recursos naturais. A pesquisa atual, realizada anos depois, permite uma análise da evolução da situação e da eficácia das políticas públicas implementadas para a proteção dos faxinais e da conservação ambiental na região. A menção ao trabalho de Chang contextualiza a pesquisa atual, mostrando a trajetória de estudos sobre os faxinais e os desafios persistentes de desenvolvimento sustentável nessa região.
4. Aspectos Legais e Políticos da Conservação
A criação das ARESUR (Áreas Especiais de Uso Regulamentado) em 1997, no Paraná, é analisada como uma resposta à efervescência global das discussões sobre conservação ambiental e interações humanos-natureza. A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), em 1992, e o conceito de desenvolvimento sustentável são referenciados como contexto para a implementação dessa legislação. A pesquisa observa que, apesar da criação das ARESUR, o cadastramento de novas áreas foi lento e somente retomado em 2009, devido à pressão do movimento faxinalense. A Articulação Puxirão dos Povos e Comunidades Tradicionais (APF) emerge como um ator importante na organização e mobilização das comunidades, buscando garantir a manutenção de suas práticas tradicionais e o acesso aos recursos provenientes do ICMS-E. A APF atua em mais de 30 comunidades em 15 municípios, buscando reivindicar demandas em políticas públicas que garantam o uso coletivo do território. A pesquisa analisa a complexa relação entre as comunidades e os “chacareiros” (moradores externos que se instalam nos faxinais), que acarreta tensionamentos em relação à perda de território e à fragilização dos laços coletivos, mesmo que gerando novas oportunidades de trabalho e renda. O impacto das mudanças culturais e da integração com as cidades vizinhas sobre o meio ambiente é também considerado.
II.O Projeto Faxinais Intervenção e Conflitos
O Projeto Faxinais, financiado pela Petrobrás Ambiental e executado por uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), teve como objetivo a recuperação de áreas degradadas por meio do reflorestamento, alinhando-se aos objetivos de fixação de carbono e emissões evitadas. A pesquisa, no entanto, evidencia divergências entre as concepções de conservação do projeto e as práticas tradicionais dos faxinalenses. A metodologia do projeto, centrada em um modelo de desenvolvimento sustentável muitas vezes imposto, gerou tensões e conflitos com a comunidade. A questão do cercamento de nascentes e a falta de diálogo genuíno sobre as decisões afetaram a relação entre o projeto e a comunidade. A geração de renda foi uma das metas propostas pelo projeto, embora essa tenha sido alcançada de forma limitada e com impactos negativos nas relações comunitárias. O estudo mostra que 75% das 290 famílias cadastradas detêm animais, com 57% usando o criadouro comunitário em Meleiro e 81% em Salso, mostrando a importância dessa prática para a cultura local, muitas vezes conflitante com as visões de conservação do projeto. A importância do desenvolvimento sustentável é discutida, mas sua aplicação prática no contexto do projeto é questionada.
1. Objetivos e Metodologia do Projeto Faxinais
O Projeto Faxinais, uma intervenção do Programa Petrobrás Ambiental, é o foco central desta seção. Realizado na comunidade de Meleiro, próximo a Curitiba, Paraná, o projeto tinha como objetivo principal a recuperação de áreas consideradas degradadas por meio do reflorestamento. Sua justificativa estava alinhada com a política de fixação de carbono e emissões evitadas da Petrobrás. O estudo utiliza uma abordagem etnográfica para analisar a execução do projeto, analisando discursos, práticas e representações dos atores envolvidos. A pesquisa identifica uma divergência significativa entre a concepção de conservação ambiental do projeto e a perspectiva das comunidades tradicionais. O método incluiu entrevistas com membros da comunidade e com a equipe do projeto (gestora ambiental, engenheiro ambiental, técnico ambiental, assistente social e coordenador de campo), evidenciando relações de poder e os desafios metodológicos na pesquisa com populações tradicionais. A escolha de Meleiro se deu pela concentração das atividades do Projeto Faxinais e pelo contato prévio da pesquisadora com lideranças comunitárias, por meio da Rede Puxirão. A metodologia do projeto e a forma como este se relacionou com os faxinalenses demonstram a falta de entendimento sobre as particularidades da comunidade, gerando conflitos e tensões.
2. Conflitos e Tensões entre o Projeto e a Comunidade
A pesquisa revela conflitos e tensões entre o Projeto Faxinais e a comunidade de Meleiro. A proposta inicial de cercamento das nascentes, baseada nas diretrizes do Novo Código Florestal, encontrou forte resistência dos moradores, que viram nessa ação uma ameaça ao uso comum da terra e à dimensão do criadouro comunitário. A resistência resultou em ajustes no projeto, mas a falta de diálogo e a imposição de soluções externas criaram um ambiente de tensão. A meta de geração de renda, embora presente no discurso do projeto, não correspondeu à expectativa da comunidade, que viu os trabalhos contratados se limitar à mão-de-obra pesada e temporária, remunerada por diárias. A ausência de participação efetiva da comunidade na tomada de decisões, desde a elaboração até a avaliação, gerou desconfianças em relação à transparência financeira e às ações propostas. A metodologia de educação ambiental empregada também é criticada por silenciar os saberes locais e impor uma visão externa de conservação ambiental, muitas vezes conflitante com as práticas tradicionais dos faxinalenses. A pesquisa destaca a discordância entre a visão do projeto sobre áreas “degradadas” e a percepção dos moradores, que apontam a existência de mata preservada em suas terras. A diferença entre a percepção da comunidade e a visão do projeto sobre as necessidades de recuperação das áreas mostra a importância de incluir as comunidades nas decisões para ter sucesso na conservação ambiental.
3. Impactos do Projeto na Dinâmica Comunitária
A intervenção do Projeto Faxinais, apesar de ter como objetivo a conservação ambiental, impactou a dinâmica comunitária de diversas maneiras. O foco no reflorestamento e a marginalização da criação de animais, uma prática central na cultura e economia dos faxinais, geraram insatisfação entre os moradores. A geração de renda, uma das justificativas para o projeto, se mostrou limitada e com resultados negativos nas relações comunitárias, causando problemas devido ao atraso em repasses financeiros e conflitos relacionados à nova dinâmica de trabalho, agora mediada por remuneração monetária. O cronograma de produção de mudas, imposto pelo projeto, também se mostrou incompatível com a realidade da comunidade. A parceria entre a ASAFAXIM (Associação dos Faxinalenses) e o projeto, inicialmente vista como benéfica, gerou tensões internas devido à falta de transparência financeira e às divergências sobre a priorização das atividades. A pesquisa demonstra que a abordagem do projeto, baseada em um modelo externo de conservação ambiental, não levou em conta as particularidades culturais e sociais dos faxinais, contribuindo para uma relação desigual entre os atores envolvidos. A falta de escuta e a imposição de metas demonstram como a visão externa pode ser incompatível com as práticas e os anseios das comunidades locais, evidenciando a importância do diálogo e respeito à cultura local para garantir a eficácia e sustentabilidade dos projetos de desenvolvimento sustentável.
III.Acordos Comunitários e Práticas Tradicionais
As comunidades de faxinais possuem seus próprios acordos comunitários que regulamentam o uso dos recursos naturais e a criação de animais à solta no criadouro comunitário. Essas regras demonstram um cuidado com a natureza que se integra às práticas cotidianas e à cultura local, propondo restrições ao uso de agrotóxicos, desmatamento e outras atividades que impactam negativamente o meio ambiente. A pesquisa destaca a importância da sociobiodiversidade nos faxinais, incluindo o uso tradicional de plantas medicinais e a relação simbólica da comunidade com as nascentes. Os acordos comunitários demonstram uma preocupação com o equilíbrio ambiental que difere da abordagem do Projeto Faxinais.
IV.Desafios para as Políticas Ambientais nos Faxinais
O estudo aponta os desafios enfrentados pelas comunidades de faxinais em relação às políticas ambientais, incluindo o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a necessidade de conciliar a preservação ambiental com o modo de vida tradicional. A pesquisa argumenta que políticas desenvolvimentistas que veem a natureza apenas como recurso não se aplicam à realidade dos faxinais. A resistência dos moradores às imposições externas é evidenciada, e a necessidade de diálogo e respeito à cultura local são ressaltadas como essenciais para a efetividade das políticas de conservação ambiental. A falta de reconhecimento da diferença cultural e a dificuldade de integração entre os saberes técnicos e tradicionais são temas centrais para a construção de uma política ambiental mais justa e eficaz.
1. Políticas Ambientais e o Modelo Desenvolvedorista
Esta seção analisa os desafios impostos pelas políticas ambientais, frequentemente elaboradas sob uma perspectiva desenvolvimentista, às comunidades tradicionais de faxinais. O texto argumenta que políticas que concebem a natureza como um mero recurso não refletem a dinâmica complexa de interação entre os faxinais e o meio ambiente. A pesquisa aponta a dificuldade de enquadrar as comunidades em categorias criadas por um modelo desenvolvimentista que não considera as especificidades culturais e as práticas tradicionais de manejo de recursos naturais. A ineficácia de políticas públicas direcionadas a povos e comunidades tradicionais abre espaço para intervenções de diferentes organizações, muitas vezes sem levar em conta as necessidades e perspectivas locais. A crescente visibilidade dos faxinais, embora possibilitando o aumento de financiamentos governamentais e filantrópicos, também intensifica as intervenções, nem sempre alinhadas com os interesses da comunidade. A pesquisa conclui que as políticas ambientais devem considerar a complexidade das relações socioambientais nos faxinais, respeitando as práticas tradicionais e o conhecimento local. O estudo utiliza exemplos concretos para mostrar as dificuldades de implementar políticas de conservação que desconsideram a cultura e a realidade social das comunidades.
2. O Cadastro Ambiental Rural CAR como Novo Desafio
O Cadastro Ambiental Rural (CAR), implementado com a aplicação do Novo Código Florestal em 2012, é apresentado como um novo desafio para as comunidades de faxinais. A obrigatoriedade de regularização perante a nova legislação ambiental impõe dificuldades para estas comunidades que detêm um sistema de uso da terra baseado no uso comum e em acordos comunitários, diferente do modelo de propriedade privada que embasa o CAR. A pesquisa observa que o movimento de luta política dos povos e comunidades tradicionais a nível nacional busca garantir o respeito às suas diferenças culturais e a inclusão das especificidades dos faxinais no SICAR (Sistema de Cadastro Ambiental Rural). A inserção de um ícone dedicado às populações tradicionais no SICAR, além das categorias assentamentos rurais e módulo rural, mostra um esforço para adaptar o sistema à realidade dessas comunidades, mas o texto não explora em profundidade as dificuldades práticas de adequação dos faxinais à plataforma. A pesquisa sugere que a adoção do CAR precisa considerar as particularidades do sistema de uso da terra dos faxinais e os direitos das comunidades ao uso comum do território, para evitar a perda de terras e a fragilização do modo de vida tradicional. A questão fundiária, onde muitas famílias residem sem a propriedade formal da terra, é destacada como um elemento crucial a ser considerado na implementação do CAR.
3. Necessidade de Diálogos e Participação Comunitária nas Políticas Ambientais
A pesquisa conclui enfatizando a necessidade de um diálogo efetivo e uma participação igualitária das comunidades na formulação e implementação das políticas ambientais. As agências de fomento devem contribuir para a manutenção das comunidades, porém, respeitando as perspectivas locais e evitando abordagens etnocêntricas. A participação das comunidades não deve se restringir apenas à condição de público-alvo, mas deve incluir uma participação ativa na elaboração, execução e avaliação dos projetos. A pesquisa critica a apropriação do argumento da diferença cultural e da marginalização social por instituições externas para justificar intervenções que não levam em conta as perspectivas locais, citando Viveiros de Castro (2002) sobre a importância de considerar as perspectivas locais. É crucial que os mediadores disponham de ferramentas de conversação e estejam dispostos a acolher as demandas e os anseios das comunidades, permitindo a construção de projetos de forma coletiva, em equilíbrio entre os diferentes saberes e percepções. O fortalecimento das organizações de povos indígenas, comunidades tradicionais e movimentos sociais é considerado essencial para garantir uma participação autônoma e eficaz dessas comunidades no processo de formulação de políticas públicas.