Calor Contínuo: Influência no Organismo
Informações do documento
| Autor | Abriel |
| Escola | Escola Médico-Cirúrgica do Porto |
| Curso | Medicina |
| Tipo de documento | Dissertação Inaugural |
| Local | Porto |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 33.15 MB |
Resumo
I.Influência do Calor Contínuo no Organismo
Este estudo investiga os efeitos do calor contínuo nas regiões intertropicais sobre o organismo humano, focando-se na aclimação e na patologia exótica. O texto destaca a importância de entender a influência do calor como um elemento crucial da fisiologia em climas quentes, contrastando com a visão puramente física. São analisadas as principais modificações fisiológicas, incluindo alterações na temperatura corporal, pulsação, respiração, e funcionamento do sistema digestivo e renal. Doenças como anemia, meningites, oftálmias, e doenças de pele são mencionadas como potenciais consequências da exposição prolongada ao calor. A febre amarela, o cólera, a peste, e a febre palustre são também consideradas no contexto climático.
1. Introdução O Estudo do Calor Contínuo
A motivação para o estudo é justificada pela futura profissão dos autores, que irão exercer a clínica em regiões de calor inalterável. O foco é a influência do calor contínuo no organismo, um elemento importante e constante nas regiões intertropicais, ainda pouco estudado, sendo considerado uma base fundamental para a compreensão da patologia exótica. Antecessores já haviam estudado a infecção palustre, mas o impacto direto do calor ainda carecia de investigação detalhada. A pesquisa visa preencher essa lacuna, analisando as principais modificações orgânicas causadas pela exposição prolongada ao calor intenso, contribuindo para a compreensão da aclimação e da ocorrência de doenças em climas tropicais. A limitação de tempo para a conclusão do trabalho é mencionada, pedindo-se a benevolência do júri pela possível falta de profundidade em certos aspectos.
2. Calor Animal e Regulação Térmica
O calor animal é explicado como resultado dos processos de oxidação e desoxidação no organismo, essenciais para a nutrição. Embora a contração muscular e o atrito gerem calor, a principal fonte provém dos fenômenos nutritivos. Animais de temperatura constante (mamíferos e aves) mantêm seu calor interno graças a vastas superfícies respiratórias, permitindo intenso intercambio de ar e sangue, resultando em temperatura superior à do ambiente. Animais de temperatura variável (répteis, batráquios e peixes), por respirarem oxigênio dissolvido na água ou possuírem pulmões menores, exibem menor intensidade de reações químicas, com temperatura próxima à ambiente. A influência da temperatura externa no corpo humano é limitada fisiologicamente, mas se contínua e sem aclimação, leva à patologia exótica com lesões como anemia, meningites, oftalmias e doenças de pele. Franklin é citado como o primeiro fisiologista a explicar satisfatoriamente esse fenômeno. Em temperaturas ambientes elevadas, a evaporação cutânea e pulmonar tornam-se os principais mecanismos de perda de calor, com aumento da atividade cardíaca e dilatação das arteriolas da pele. Entretanto, a capacidade de resistência a temperaturas elevadas diminui com o aumento da umidade, sendo anulada em ambientes saturados.
3. Mecanismos de Resfriamento e Altitudes
A regulação térmica envolve respirações mais amplas para resfriar o sangue nos pulmões. Se isso for insuficiente, as glândulas sudoríparas são ativadas, e a evaporação do suor causa um notável abaixamento da temperatura. Uma altitude de 1500 a 2000 metros acima do nível do mar é considerada ideal, evitando o mal da montanha e mantendo a normalidade da temperatura, pulso e respiração. Nesses locais, geralmente acima da zona nebulosa, a atmosfera pura permite um resfriamento noturno intenso por irradiação. Terrenos escuros ou ferruginosos são preferíveis pela absorção e irradiação de calor. A arborização com eucaliptos (propriedades antipalúdicas) e a presença de relva são recomendadas como medidas preventivas contra a localização do micróbio palustre. A construção da casa deve ser de pedra, com telhado de tijolo ou telha (com ou sem terraço), assentada em solo cimentado e ligeiramente elevada, com muros grossos para isolamento térmico contra calor, umidade, chuvas e variações diurnas de temperatura.
4. Investigação do Calor Orgânico e Visão do Fisiologista
A investigação termométrica pode focar um ponto específico da pele, partes profundas, órgãos ou cavidades, ou a temperatura média do organismo (axilar). O método descrito envolve a manutenção do termômetro na axila por 10 minutos, considerando possíveis erros. As médias obtidas foram de 36,5° em janeiro/fevereiro de 1892 e 36,6° em maio de 1892. O texto compara a abordagem do fisiologista e do cosmólogo em relação ao meio externo: enquanto o cosmólogo observa as propriedades físicas e químicas, o fisiologista relaciona esses elementos com o organismo, analisando sua ação e impacto na manutenção da vida, modificações orgânicas e produção de doenças. A atmosfera é essencial à vida humana, agindo mecânica e quimicamente sobre as membranas de revestimento, influenciando a vitalidade dos tecidos e os nervos periféricos. O calor terrestre, segundo a física, deriva principalmente da radiação solar.
II.Regulação Térmica e Respostas Fisiológicas
O documento descreve os mecanismos de regulação térmica, como a evaporação cutânea e pulmonar, a dilatação dos capilares e a sudorese, como respostas à elevação da temperatura ambiente. A eficácia desses mecanismos é analisada, considerando a influência da humidade e a importância do equilíbrio entre a produção e perda de calor orgânico. A influência da altitude (1500 a 2000 metros) é mencionada como benéfica para a aclimação a climas quentes. O texto aborda ainda a influência do calor contínuo sobre a frequência cardíaca (pulsações) e respiratória (respirações), mostrando que a frequência cardíaca diminui na estação mais fresca, e a respiratória aumenta nos momentos de maior calor.
1. Mecanismos de Resfriamento do Corpo
Quando a temperatura ambiente se eleva ao nível ou acima da temperatura corporal, as perdas de calor por irradiamento e condução cessam, restando apenas a evaporação cutânea e pulmonar. O coração acelera, enviando mais sangue para os capilares da pele, cujas arteriolas se dilatam, promovendo a perda de calor periférica. Esse mecanismo de resistência, porém, não é eficaz nem duradouro se a temperatura ultrapassar certos limites, sendo afetado significativamente pelo aumento do vapor de água no ar. Em ambientes saturados de vapor, a evaporação cutânea se anula, comprometendo o resfriamento. Respirações mais profundas auxiliam no resfriamento do sangue nos pulmões, mas, em situações de calor extremo, as glândulas sudoríparas entram em ação, secretando suor em abundância. A evaporação do suor resulta em notável diminuição da temperatura corporal. O texto destaca a importância da evaporação como mecanismo de termorregulação e suas limitações em ambientes úmidos e quentes.
2. Altitude e Condições Ambientais Ótimas
Uma altitude entre 1500 e 2000 metros acima do nível do mar é considerada ideal para minimizar os efeitos negativos do calor. Nessa altitude, o chamado 'mal da montanha' não se manifesta, e a temperatura, pulso e respiração permanecem normais. As habitações situadas nessas altitudes geralmente ficam acima da zona nebulosa, com atmosfera pura e maior resfriamento noturno por irradiação. A escolha do terreno também é importante: cores escuras absorvem e irradiam calor mais facilmente, assim como terrenos ferruginosos. Terrenos cultivados, arborizados com eucaliptos (propriedades antipalúdicas) e com relva (que impede a proliferação do micróbio palustre) são recomendados. A construção da casa deve ser em pedra, com telhado de tijolo ou telha (com ou sem terraço, dependendo do regime de chuvas), assentada em solo cimentado e ligeiramente elevada, com paredes grossas para proteção contra calor, umidade e variações de temperatura.
3. Medição da Temperatura e Influência das Estações
O método prático para investigar o calor orgânico é descrito, envolvendo medições termométricas em diferentes pontos do corpo (pele, partes profundas, órgãos, cavidades) ou a temperatura média axilar. A medição axilar, mantida por 10 minutos, visa obter a temperatura média do organismo, considerando possíveis fontes de erro. As médias determinadas foram 36,5°C (janeiro/fevereiro de 1892) e 36,6°C (maio de 1892). Observações sobre a influência das estações no número de pulsações mostram que, semelhante ao inverno em climas temperados, o pulso diminui na estação fresca. Em observações no Senegal, a média de pulsações variou entre 83 (em períodos de calor intenso) e 80 (quando a temperatura baixava), com um caso extremo de redução de 88 para 64 pulsações. Em indivíduos afetados por doenças causadas pelo calor contínuo, a elasticidade arterial diminui, reduzindo a altura do pulso. Estudos de Jousset indicam que o aumento inicial da capacidade vital em indivíduos de regiões temperadas que se mudam para regiões intertropicais é temporário, diminuindo após alguns meses.
4. Respiração e Influência do Calor
A influência das estações no número de movimentos respiratórios é discutida. A estação fresca pouco afeta a frequência respiratória à tarde, devido às altas temperaturas. Nos momentos mais quentes do dia, a frequência é similar nas duas estações. A frequência respiratória é mais baixa à noite e mais alta pela manhã. Em períodos de calor intenso, a média girava em torno de 19 respirações por minuto à tarde, nunca ultrapassando 18 pela manhã. Observações de Jousset e seus colegas comprovam que o número de movimentos respiratórios aumenta nos momentos de maior calor, sugerindo uma compensação pela diminuição da capacidade vital nesses períodos. A pele desempenha um papel importante na respiração, auxiliando o pulmão quando o ar está seco, facilitando as perdas pela pele e a absorção de oxigênio e eliminação de gás carbônico. A interação entre pele e respiração demonstra a complexa regulação térmica do corpo.
III.Efeitos do Calor Contínuo nos Sistemas Orgânicos
São apresentadas as modificações no sistema digestivo (diminuição do apetite, digestão lenta), renal (diminuição da quantidade de urina, compensada pela ingestão de líquidos), e a influência sobre o fígado, considerado um órgão importante na aclimação. A perda de peso (emagrecimento) é analisada, associada à anemia e fraqueza, com dados quantitativos de estudos realizados em diferentes localizações geográficas (Senegal, Estreito de Torres, Cabo York). Estes estudos demonstram perdas significativas de peso (até 5 kg em um ano), principalmente em adultos. A influência sobre o sistema nervoso, com fases iniciais de excitação seguida de languidez, também é discutida. São mencionadas observações de Rattray sobre perda de peso em homens, indicando uma perda média de 2,5 kg a 26,6°C e até 5 kg a 28°C.
1. Sistema Digestivo e Calor Contínuo
A exposição ao calor contínuo inicialmente causa excitação no sistema digestivo, com aumento do apetite. Contudo, essa excitação é passageira. O tubo digestivo perde energia, o apetite diminui, a digestão torna-se mais lenta, e as fezes ficam irregulares. A secura da mucosa bucal e a concentração da saliva, relacionadas com as perdas hídricas pela pele, provocam sede intensa, explicando a grande procura por líquidos em regiões intertropicais. A recomendação é ajustar a alimentação às estações e à temperatura, considerando a substituição de alimentos ricos em gorduras por carboidratos e a observação dos hábitos alimentares da população local, como sugere Rattray.
2. Fígado e Aclimação
O fígado é o órgão abdominal que mais chama a atenção nos estudos sobre o calor contínuo. Diversos autores apontam que o calor afeta e aumenta sua atividade funcional, com sugestões de que ele substitui parcialmente a ação dos pulmões ou auxilia a pele em sua função secretora. A importância do fígado na aclimação e na complexidade das doenças próprias de regiões intertropicais é inquestionável, indicando sua influência crucial nos processos fisiológicos relacionados à adaptação ao calor. É crucial estudar a função hepática na aclimação e no desenvolvimento de patologias em climas tropicais.
3. Sistema Renal e Perda de Água
Observações mostram que a quantidade de urina diminui com o calor contínuo. Para manter a atividade renal em níveis semelhantes aos de climas temperados, Beaunis recomenda aumentar a ingestão de líquidos. A maior ingestão de líquidos, aumentando a pressão sanguínea, leva a um aumento na excreção de urina, ureia e minerais. A secreção de suor, formando pequenas gotas na superfície do corpo, atua como uma barreira contra a ação irritante do calor, refletindo e dispersando a luz e o calor, semelhante a um espelho curvo. Essa observação, combinada com a experiência de Davy, reforça a importância da sudorese na termorregulação.
4. Pele Respiração e Sistema Nervoso
O funcionamento da pele influencia a respiração. Em ambientes secos, com facilidade de perda de calor pela pele, a respiração melhora, e a pele auxilia o pulmão. O sangue deslocado para a periferia diminui nos alvéolos pulmonares, aumentando sua permeabilidade ao ar. A pele absorve oxigênio e elimina dióxido de carbono, facilitando a respiração pulmonar. A chegada a regiões quentes causa excitação inicial, com sensação de força e necessidade de expansão, seguida de languidez, fadiga e necessidade de repouso físico e mental. É necessário evitar fadiga cerebral. O sistema nervoso periférico mostra sobreexcitação, especialmente em crianças e jovens, enquanto o sistema nervoso central busca repouso. A ação excitante do calor sobre os nervos pode, em casos de exposição abrupta, causar convulsões.
5. Perda de Peso e Debilidade Física
Em regiões quentes, a perda de peso acompanha a languidez e fraqueza, com diminuição da força proporcional à perda de peso. Estudos com dinamômetro e observações do trabalho de tripulações em regiões quentes confirmam essa relação. A perda de peso, em alguns casos, é atribuída à perda de tecido adiposo sem perda de força, mas se outros tecidos são afetados, pode indicar debilidade física e o desenvolvimento de doenças. Rattray observou que em 85 homens no Estreito de Torres (26,6°C), 64,5% perderam em média 2,5 kg, e marinheiros em Cabo York (28°C) perderam cerca de 5 kg em um ano. Os tecidos que mais sofrem são aqueles que realizam funções vitais importantes, e o sistema ósseo e vísceras são menos afetados que os sistemas tendinoso e fibroso. A higiene e a medicina preventiva devem se basear em investigações diretas como as de Rattray, que destacam a importância de monitorar a perda de peso como indicador de debilidade.
IV. São Tomé
O trabalho compara os climas de duas cidades: Porto (Portugal), caracterizado por grande temperatura variável, com variações significativas entre estações e dias consecutivos (exemplo: +25°C a +13,5°C em dois dias em abril de 1892), e São Tomé, com temperatura constante e alta, onde mesmo em momentos de irradiamento intenso, o frio é diferente do frio das regiões árcticas. Essa comparação ilustra a diferença entre climas com variações térmicas significativas e climas de calor contínuo. Dados meteorológicos de 1881 são usados para esta comparação.
1. Porto Temperatura Variável
O Porto, em Portugal, apresenta uma temperatura altamente variável, com grandes oscilações diurnas e mensais. Como exemplo, é citado um caso em abril de 1892, onde a temperatura variou de +25°C a +13,5°C em dois dias consecutivos, medidos à sombra, às 13h. Essa variação demonstra um clima com temperaturas extremas, atingindo máximos superiores aos normalmente observados em regiões intertropicais e mínimos próximos aos de regiões frias. O ano meteorológico de 1881 é usado como referência para a análise da variação térmica anual na cidade do Porto, permitindo uma comparação com dados de São Tomé obtidos do Observatório do Infante D. Luiz, no mesmo ano. O padrão de variação térmica observado em 1881 é considerado representativo dos padrões anuais típicos do Porto.
2. São Tomé Temperatura Constante
Em contraste com o Porto, São Tomé apresenta uma temperatura consistentemente alta. Embora haja momentos de maior irradiamento solar com sensação de frio, esse frio difere significativamente do frio das regiões árcticas que esterilizam microrganismos causadores de doenças exóticas (febre amarela, cólera, peste, febre palustre), ou mesmo do frio dos invernos em regiões temperadas. São Tomé é classificada como uma região de temperatura constante e frio contínuo, onde a vida humana é dificultada. A temperatura e outras condições específicas impedem o desenvolvimento de microrganismos nocivos, presentes em climas de calor contínuo. A análise da variação térmica em São Tomé, utilizando dados de 1881 do Observatório do Infante D. Luiz, é comparada à do Porto para destacar a diferença entre temperatura variável e constante, mostrando a diferença marcante entre as temperaturas máximas e mínimas das duas cidades.
3. Implicações da Diferença Climática na Aclimação
A comparação entre o Porto e São Tomé ilustra as diferentes condições climáticas e seu impacto sobre a aclimação. Um indivíduo de região temperada, ao se mudar para regiões intertropicais, abandona um ambiente ao qual seu organismo se adaptou para um clima completamente diferente. Essa mudança exige um processo de aclimatação para que o organismo se adapte e resista às novas condições. A análise da variação térmica anual de ambas as cidades, através de diagramas, facilita a visualização da diferença significativa entre os climas, com o Porto apresentando extremos térmicos e São Tomé um calor uniforme e constante. A grande variação de temperatura em Porto, diferente de São Tomé, impacta diretamente na necessidade de aclimação em climas intertropicais, destacando a importância de entender esses fatores climáticos para saúde e bem estar de pessoas que se mudam de climas temperados para os tropicais.
V.Considerações sobre Clima e Aclimação
O texto discute a importância de compreender as características dos climas tórridos, temperados, e frios, e como os diferentes tipos de clima afetam a saúde e a aclimação. A classificação climática do Dr. Manuel Ferreira Ribeiro é mencionada, critica-se a expressão "zona tórrida ou ardente" devido à variação de temperatura mesmo dentro dessa zona geográfica. O texto enfatiza a necessidade de medidas de higiene e medicina preventiva para lidar com os efeitos do calor contínuo sobre o organismo, baseadas em observações científicas e estudos quantitativos.
