A "Arte de Grammatica da Lingoa mais vsada na costa do Brasil"

Estudos em Homenagem a Mário Vilela

Informações do documento

Autor

Carlos Assunção

Escola

Faculdade De Letras Da Universidade Do Porto

Curso Linguística
Local Porto
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 2.71 MB

Resumo

I.A Gramática Iluminista de Luís António Verney e a sua Influência na Linguística Portuguesa

Este estudo analisa a obra de Luís António Verney, focando-se na sua proposta de gramática filosófica para o português, influenciada pelo iluminismo e pelo racionalismo. Verney defendia uma gramática em vernáculo, curta e clara, contrastando com o excesso de erudição e a falta de método presentes em gramáticas anteriores. A sua abordagem, baseada na boa filosofia e na lógica moderna, enfatizava a sistematização, a clareza e a ordem lógica das matérias, antecipando aspectos da linguística cognitiva. A sua influência é observada na posterior publicação da Grammatica da lingua portugueza de Reis Lobato e no desenvolvimento do gramaticalismo iluminista em Portugal e no Brasil.

1. A Gramática Iluminista de Luís António Verney Conceito e Contexto

Esta seção introduz a figura de Luís António Verney e sua proposta inovadora para a gramática portuguesa no contexto do Iluminismo. O documento destaca a influência do racionalismo e da filosofia moderna na sua abordagem, contrastando-a com as gramáticas anteriores, que eram consideradas excessivamente eruditas e desorganizadas. Verney defendia uma gramática em português, curta e clara, focada na clareza, na ordem lógica das matérias e na sistematização, rejeitando o pedantismo e a superfluidade. A sua proposta transcende a mera descrição gramatical, buscando uma compreensão profunda das estruturas linguísticas baseada em princípios filosóficos e racionais. A busca por um método claro e conciso é apresentada como essencial para o ensino da gramática, um método que se antecipa a alguns princípios da linguística cognitiva moderna, ao focar na ordem lógica e na compreensão das relações entre os elementos da língua. O autor questiona a mera acumulação de regras, propondo uma abordagem analítica e sintética que valoriza a dedução e o entendimento.

2. Influência de Verney na Gramática Portuguesa e o Gramaticalismo Iluminista

A segunda parte analisa o impacto da gramática proposta por Verney no desenvolvimento da gramática portuguesa e no surgimento do gramaticalismo iluminista. O Alvará de 1770, que aprova a Grammatica da lingua portugueza de Reis Lobato, é citado como um exemplo direto da influência de Verney. Lobato, por sua vez, reconhece a necessidade de uma gramática clara e metódica, criticando as falhas de clareza e ordem presentes em gramáticas anteriores. O documento evidencia a urgência da oficialização de uma gramática em português, contrastando com a inércia que marcava o período. A discussão aponta para um movimento amplo de racionalização e sistematização da gramática, que culminaria em obras como as Grammaticas Philosophicas de Jerónimo Soares Barbosa. A abordagem de Verney, com sua ênfase na razão e na sistematização, contribuiu para a transformação radical dos programas de ensino de gramática, refletindo a mentalidade iluminista que buscava a clareza, a eficiência e a ordem em todos os domínios do conhecimento. A influência de Verney se estendeu para além da publicação imediata da gramática de Lobato, representando um marco para o desenvolvimento da linguística portuguesa.

3. Comparação com Gramáticas Contemporâneas e Antecedentes

Para contextualizar a proposta de Verney, o texto compara sua abordagem com gramáticas anteriores e contemporâneas, incluindo autores como Escalígero, Brocense, Gaspar Schopp, Vóssio, Lancelot, e a Grammaire générale et raisonnée. A crítica se estende a autores que, na visão de Verney, priorizavam a erudição desnecessária em detrimento da clareza e da ordem lógica. Verney elogia gramáticas que apresentavam a sintaxe de forma concisa e sistemática, como a de Lancelot, que sintetizava a sintaxe em apenas 36 regras. A gramática de Verney é, portanto, situada num contexto histórico, destacando-se pelo seu foco na filosofia e lógica moderna, como base para a organização e sistematização das regras gramaticais. Obras como a Methodo grammatical de Amaro de Roboredo e Regras da Lingua Portuguesa de D. Jerónimo Contador de Argote, são apresentadas como antecedentes, demonstrando a busca por uma gramática mais prática e menos baseada em especulação medieval. A contribuição de Verney destaca-se como um marco na busca por uma gramática portuguesa moderna, eficiente e de fácil acesso.

II.A Gramática de José de Anchieta e a Codificação do Tupi

A Arte de Grammatica da Lingoa mais vsada na costa do Brasil, de José de Anchieta, é analisada sob a lente da sua importância para a linguística histórica e a lexicologia. O documento discute se a gramática de Anchieta descreve o tupi em seu estado puro ou uma forma já influenciada pelo português, argumentando que este último é o mais provável devido ao contexto histórico. Apesar dessa influência do português (superstrato), o trabalho é elogiado pela sua contribuição para a descrição da língua e o seu valor como instrumento pedagógico, marcando o início da codificação gramatical de uma língua indígena e contribuindo significativamente para o patrimônio cultural e linguístico do Brasil. A análise considera a obra num contexto mais amplo da normatização linguística na América colonial.

1. A Arte de Grammatica da Lingoa mais vsada na costa do Brasil Uma análise da obra de Anchieta

Esta seção inicia com uma discussão sobre a Arte de Grammatica da Lingoa mais vsada na costa do Brasil, de José de Anchieta, e sua importância histórica para a linguística. O texto destaca o debate em torno da pureza da língua Tupi descrita na gramática, questionando se ela representa a língua em seu estado original ou já influenciada pelo português. A questão central é se a gramática descreve o Tupi puro ou uma versão já influenciada pelo contato com o português, considerando que a versão impressa da obra surgiu décadas após o primeiro contato entre portugueses e povos indígenas. O título da obra, "Arte de Grammatica da Lingoa mais vsada na costa do Brasil", é analisado, sugerindo o conhecimento de Anchieta sobre a presença de diversas línguas e a predominância de uma língua geral na costa brasileira no período. Várias opiniões de estudiosos, como Ricardo Cavaliere, são mencionadas para sustentar a tese de que o Tupi descrito por Anchieta já havia sido influenciado pelo português, um processo linguístico conhecido como superstrato. Apesar da polêmica, o valor intrínseco da obra é ressaltado, incluindo o seu pioneirismo na descrição da língua.

2. Objetivos e Metodologia da Gramática de Anchieta

O foco desta subseção é a análise dos objetivos e métodos empregados por Anchieta em sua gramática. O texto argumenta que, diferentemente das gramáticas teóricas e especulativas, Anchieta buscava regularizar o uso da língua e codificá-la a partir da sua prática cotidiana. Apesar de a gramática seguir a estrutura tradicional portuguesa e latina com quatro classes de palavras (nomes, pronomes, verbos e preposições), a análise sugere que Anchieta não pretendia criar um manual perfeitamente estruturado, mas sim um instrumento prático para o aprendizado da língua. A obra é caracterizada como uma tentativa original de codificação linguística, baseada no uso e na prática, e não em especulações teóricas abstratas. O enfoque prático e pragmático da gramática de Anchieta, voltado para a regularização do uso cotidiano da língua, contrasta com as sutilezas da gramática medieval. O objetivo principal era dar ordem à diversidade linguística e regularizar a anarquia que dominava o uso e ortografia da língua.

3. A Importância e o Legado da Gramática de Anchieta

A última parte desta seção destaca a relevância e o legado da Arte de Grammatica de Anchieta, contextualizando-a no panorama histórico da linguística e da expansão do conhecimento. O texto menciona que, independente de debates sobre a pureza da língua Tupi representada na gramática, a sua contribuição para o patrimônio cultural é inegável. A gramática de Anchieta é apresentada como um instrumento eficaz de aprendizagem da língua indígena e um marco para o estudo de importantes grupos linguísticos da América do Sul, especificamente o Tupiguarani. A gramática é valorizada por sua descrição direta e prática das regras linguísticas, baseadas no uso cotidiano da língua indígena, demonstrando sua eficácia como instrumento pedagógico. António Vieira também é citado, reconhecendo a importância e o impacto da gramática de Anchieta para o conhecimento da língua Tupi. A seção enfatiza que, mesmo sem fundamentos teóricos complexos, a obra de Anchieta se mostra genuína e autêntica, representando um trabalho pioneiro na descrição de uma língua indígena.

III.A Variação Lexical e a Onomasiologia em Português Uma Perspectiva Cognitiva

Esta seção explora a variação lexical no português, particularmente a distinção entre onomasiologia estrutural e onomasiologia pragmática. O estudo diferencia entre a análise da estrutura semântica do léxico (campos lexicais, sinonímia, etc.) e a análise das escolhas lexicais dos falantes, considerando fatores pragmáticos e sociolinguísticos. A semântica cognitiva desempenha um papel central na compreensão dos mecanismos de mudança lexical, incluindo a influência de fatores não-referenciais (emotivos, estilísticos, etc.) na propagação de inovações. A discussão aborda a lexicogénese e a sociolexicologia, analisando a relação entre estruturas lexicais e mecanismos de mudança. A comparação entre Português do Brasil e Português Europeu é utilizada para ilustrar conceitos de convergência e divergência lexical. A influência do inglês na lexicologia portuguesa, com exemplos como “empoderamento”, também é analisada.

1. A Variação Lexical em Português Uma Distinção Necessária

Esta seção introduz o tema da variação lexical em português, apresentando uma distinção crucial, muitas vezes ignorada, entre duas modalidades de onomasiologia. A definição de Baldinger, que considera essas modalidades equivalentes, é questionada. O texto estabelece a diferença entre investigar a 'multiplicidade de expressões que formam um conjunto' – o estudo da estrutura semântica do léxico, já conhecido na tradição estruturalista, com campos lexicais, sinonímia, antonímia, etc. – e analisar as 'designações de um conceito particular' – um estudo praticamente ausente na tradição estruturalista, que foca na escolha de uma expressão específica para designar um conceito. Essa distinção, segundo Geeraerts (1998, 2002a, Grondelaers & Geeraerts 2003), é entre uma onomasiologia estrutural (nível da langue) e uma onomasiologia pragmática (nível da parole), sendo esta última um novo desafio para a lexicologia. A primeira lida com conjuntos de expressões inter-relacionadas, enquanto a segunda examina as escolhas reais dos falantes e os fatores que as determinam. A abordagem destaca a necessidade de ir além da análise estrutural, considerando o uso real da linguagem.

2. Onomasiologia Pragmática e Sociolexicologia A Mão Invisível da Mudança

A discussão aprofunda a onomasiologia pragmática, distinguindo entre a identificação dos mecanismos de mudança onomasiológica e a observação de como esses mecanismos afetam os hábitos linguísticos de uma comunidade. O texto introduz o conceito da 'mão invisível' de Keller (1994), que descreve o processo de propagação de mudanças linguísticas. A lexicogénese é definida como o estudo dos mecanismos de mudança lexical, enquanto a sociolexicologia foca na sua disseminação na comunidade. A sociolexicologia, portanto, está intimamente ligada à perspectiva pragmática, englobando valores não-referenciais (emotivos, estilísticos, discursivos e sociolinguísticos) dos itens lexicais. O significado não-referencial é crucial para entender a propagação de inovações lexicais. A variação onomasiológica pragmática formal e a variação externa são consideradas os objetos específicos da sociolexicologia, atuando como mediadora entre estruturas lexicais e mecanismos lexicogenéticos. A onomasiologia pragmática é, assim, essencial para compreender a dinâmica da mudança lexical.

3. Contribuições de Diferentes Escolas Semânticas para a Onomasiologia

Nesta seção, o texto analisa as contribuições de diferentes tradições semânticas para o estudo da onomasiologia, comparando a tradição pré-estruturalista, a semântica estrutural, a semântica generativa, e a semântica cognitiva. A tradição pré-estruturalista contribuiu para a dimensão qualitativa dos mecanismos de mudança lexical. A semântica estrutural (Trier, Weisgerber, Coseriu, Vilela), dominante entre 1930 e 1960, contribuiu para a descrição de estruturas onomasiológicas sincrónicas (campos lexicais, relações lexicais) e para a análise qualitativa dos mecanismos de mudança (conflitos homonímicos). A semântica generativa (Katz, Bierwisch, Leech) e a neo-generativa (Pustejovsky) não tiveram grande impacto na onomasiologia. A semântica cognitiva (Lakoff, Langacker, Talmy), por sua vez, apresenta três contribuições importantes: a atenção a estruturas como 'frames' e metáforas conceituais; a introdução da dimensão quantitativa no estudo das estruturas onomasiológicas (teoria do nível básico); e a introdução da dimensão quantitativa no estudo dos mecanismos lexicogenéticos (metáforas dominantes ou universais). O estudo demonstra a importância da semântica cognitiva para a onomasiologia, particularmente no estudo da categorização.

4. Variação Lexical e a Comparação entre o Português do Brasil e o Português Europeu

Esta parte aborda a variação lexical comparando o Português do Brasil e o Português Europeu, questionando se essas variedades estão em convergência ou divergência lexical. A hipótese da divergência lexical parece ser a mais aceita, como exemplificado por um artigo de Francisco Belard. A análise considera as diferenças entre a norma idealizada e a norma real no Português do Brasil, e a crescente padronização do Português Europeu após 1974, bem como a influência crescente do Português do Brasil nas variedades europeias e africanas. A ausência de conclusões claras sobre a relação lexicológica atual entre as duas variedades nacionais do português é apontada como um ponto a ser investigado. A complexidade da relação entre as duas variedades reflete a dinâmica da língua em um contexto de globalização e interação cultural. A menção a um artigo de Belard sugere um ponto de vista externo que corrobora a hipótese da divergência.

IV.A Literatura de Emigração Portuguesa Entre a Experiência e a Estética

A última parte analisa a literatura de emigração portuguesa, principalmente através do exemplo da revista Peregrinação. O foco está na relação entre a experiência de vida dos autores (emigrantes) e a estética das suas obras. O texto argumenta que, embora muitas obras apresentem um tom disfórico, o simples facto de refletir a experiência da emigração não garante automaticamente o valor estético. A importância do distanciamento e da transfiguração artística na criação de uma obra literária é destacada. A análise considera a heterogeneidade da emigração portuguesa e as dificuldades de definir o conceito de literatura emigrante, diferenciando-o da literatura de emigração com base em critérios estéticos e extra-textuais.

1. A Literatura de Emigração Portuguesa Definição e Complexidades

Esta seção inicia a análise da literatura de emigração portuguesa, abordando as dificuldades em definir o termo e sua abrangência. O texto reconhece a coexistência entre a abrangência geral do termo e a necessidade de especificações mais rigorosas. A heterogeneidade da coletividade migratória, incluindo a emigração de membros da comunidade intelectual, é destacada, apontando para a necessidade de rever certos estereótipos literários sobre o “emigrante”. A discussão aponta para o desconforto em misturar diferentes realidades sociais e culturais, apesar da ligação comum de deslocação e expatriação. O debate se centra na distinção entre “literatura de emigração” (produção literária influenciada pelas circunstâncias sócio-culturais da escrita no exterior) e “literatura emigrante” (obras que, independentemente das circunstâncias, incorporam o desenraizamento como tema central). A sinonímia implícita entre os dois termos é apontada como problemática, podendo levar a associações abusivas ou condicionadoras.

2. A Revista Peregrinação Um Estudo de Caso da Literatura de Emigração

A revista Peregrinação é apresentada como um estudo de caso para a literatura de emigração portuguesa. Apesar da maioria dos seus colaboradores residirem no estrangeiro, o texto destaca o anonimato dos autores, criando uma “voz coletiva de emigrante”. O foco se volta para o tom disfórico predominante nos poemas, relacionado aos temas recorrentes da literatura de emigração. Embora se evite julgamentos de valor estético baseados apenas nesse tom, o texto afirma que o vínculo forte entre os textos e as experiências de vida dos autores confere-lhes um estatuto documental, às vezes em detrimento de uma consistente dimensão estética. A falta de “transfiguração” das experiências diretas, conforme teorizado por Rilke, é apontada como uma característica de muitos textos, que se apresentam mais como documentos do que como obras literárias no sentido pleno, necessitando de um trabalho de distanciamento para atingir uma “redescrição da realidade”, no sentido ricoeuriano da metáfora.

3. Peregrinação Dinâmica de Leitura e Patrimônio Literário

Esta subseção explora outras dimensões da revista Peregrinação, destacando a iniciativa de João David Rosa em promover a troca de experiências de leitura. A publicação de inquéritos, recensões críticas, e artigos sobre autores portugueses de referência (Camões, Fernando Pessoa, Cesário Verde), demonstra o esforço de contextualizar as obras dos emigrantes no cânone literário português. A revista, portanto, não se limita à expressão de emigrantes, mas também se posiciona como espaço de informação e formação, promovendo a circulação da literatura portuguesa para além do contexto da emigração, demonstrando a consciência de que o patrimônio literário é inalienável à própria escrita. Esse esforço demonstra a tentativa de criar um espaço literário que dialoga com o contexto da emigração, mas que simultaneamente não se limita a ele, abrangendo o cenário literário português mais amplo.