
Campanha Militar de Tânger (1433-1437)
Informações do documento
Idioma | Portuguese |
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Tamanho | 1.23 MB |
Resumo
I.A Desastrosa Expedição de Tânger de 1437 Contexto e Decisão Real
A expedição a Tânger em 1437, sob o reinado de D. Duarte, foi um desastre militar para Portugal. A decisão de avançar com a campanha, apesar da oposição de infantes como D. Pedro, foi fortemente influenciada por D. Henrique, o Navegador, que via Tânger como ponto estratégico para a expansão portuguesa em Marrocos e a continuação do projeto das Índias. A conquista de Ceuta em 1415, embora inicialmente vista como uma vitória estratégica para o controle do comércio entre o Atlântico e o Mediterrâneo, revelou-se um fardo financeiro para a coroa portuguesa. A manutenção de Ceuta, apesar dos constantes ataques muçulmanos, representava uma fonte de riqueza para D. Henrique, e sua perda seria politicamente impopular. A decisão de D. Duarte foi tomada sob grande pressão, considerando a vontade de seu pai, D. João I, a influência de D. Henrique, e os pareceres da nobreza e do clero, que viam na guerra contra os mouros uma expansão da fé cristã e uma necessidade para a nobreza.
1. Ceuta Um Fardo para a Coroa Portuguesa
A conquista de Ceuta em 1415, inicialmente vista como estratégica para o controlo comercial entre o Atlântico e o Mediterrâneo, revelou-se um fardo para a coroa portuguesa. Apesar do seu valor estratégico, a cidade sofreu dois cercos muçulmanos após a conquista e gerou grandes problemas de administração e defesa. A mais-valia comercial esperada rapidamente se dissipou, pois Ceuta tornou-se um foco de conflitos constantes, exigindo significativos gastos com a sua defesa. A falta de barcos suficientes para o comércio com Ceuta obrigou a Coroa a contratar navios estrangeiros, aumentando as despesas. Além disso, a perda da população muçulmana, que detinha conhecimento crucial sobre a cidade, prejudicou a administração e o comércio local. A administração de Ceuta por D. Henrique, embora lucrativa para este, foi considerada ineficaz, contribuindo para os problemas da cidade e para a indecisão do rei sobre o futuro de Ceuta.
2. A Pressão pela Continuação da Expansão em Marrocos
O início do reinado de D. Duarte foi marcado por opiniões divergentes sobre a política expansionista em África. Enquanto alguns defendiam a continuação da expansão, principalmente em Marrocos, outros, como D. Pedro, demonstravam ressentimento e discordância em relação às estratégias de D. Henrique. A opção por não abandonar Ceuta levantava a questão da continuação da expansão, seja em Marrocos ou em Granada. A conquista de Granada, no entanto, era considerada impraticável devido à oposição de Castela, que tinha interesse na região. A manutenção de Ceuta estava ligada à riqueza de D. Henrique, à ambição expansionista herdada de D. João I e aos interesses da nobreza e do clero, que viam em Ceuta uma importante base para a evangelização e influência em África. A falta de consenso sobre a legitimidade da guerra contra os mouros, segundo estudos de direito canônico, e a falta de recursos financeiros do reino também pesavam na decisão real.
3. Influências na Decisão de D. Duarte e os Argumentos pró e contra a Expedição
A decisão de D. Duarte de lançar a expedição a Tânger foi tomada sob forte pressão. A continuidade da política expansionista de seu pai, D. João I, pesou na decisão, juntamente com o desejo de expandir a fé cristã e a ambição de D. Henrique de prosseguir seu projeto de navegação pela costa ocidental africana (o plano das Índias). A nobreza também desejava uma guerra para demonstração de poder e bravura. No entanto, havia argumentos contrários: Marrocos estava bem defendido, o Islão não havia esquecido a derrota em Ceuta, uma nova guerra poderia prejudicar o desenvolvimento econômico e a estabilidade financeira do reino. A posição estratégica de Tânger, próxima a Ceuta, no estreito de Gibraltar, e a possibilidade de um reino cristão no interior de África, liderado pelo lendário Preste João, eram argumentos chave para a escolha de D. Henrique e os infantes que o apoiavam, enquanto o país estava esgotado pelas guerras com Castela.
4. Pressões Políticas e a Influência da Rainha D. Leonor
A decisão de D. Duarte foi influenciada por diversos fatores, além do desejo de seguir a política expansionista de seu pai e pela insistência de D. Henrique, incluindo o temor de uma revolta interna caso não seguisse a linha expansionista. A pressão familiar, com infantes como D. João e D. Pedro se opondo à guerra, aumentou a tensão. A influência de sua esposa, D. Leonor de Aragão, descrita como um forte elemento na tomada de decisões do rei, é destacada pela Crónica de Rui de Pina. As cortes de 1436, convocadas para solucionar as finanças e obter aprovação para a expedição, refletem a profunda indecisão do rei, que mesmo contra sua vontade, deu luz verde à expedição, assumindo as responsabilidades de uma decisão tomada sob pressão e com a incerteza sobre o apoio do seu povo e da sua própria corte. A cobrança do pedido e meio indica as dificuldades financeiras para a empreitada.
II.A Campanha Militar Fracassos na Preparação e Execução
A preparação para a expedição a Tânger foi marcada pela falta de secretismo, espionagem ineficaz, e subestimação das forças marroquinas, que tinham informações antecipadas sobre os planos portugueses graças a relações com Castela. O recrutamento, liderado por D. Henrique e D. Pedro, mostrou-se deficiente, com falta de soldados e barcos suficientes. O equipamento militar era inadequado, com a utilização de pedras em vez de balas de canhão, e a falta de barcos especializados prejudicou o transporte de tropas e cavalos. O número de soldados (estimado em 12.000 a 17.000 pela Crónica de Rui de Pina, mas possivelmente menor, segundo autores modernos como Luís Miguel Duarte), incluindo besteiros, lanças, e peões, era insuficiente face às forças marroquinas, comandadas por Sallah ben Sallah, em Tânger.
1. Falta de Secretismo e Inteligência
A preparação da expedição a Tânger em 1437 foi marcada por uma preocupante falta de secretismo. A ausência de espionagem eficaz permitiu que Castela, Aragão e Navarra soubessem dos planos portugueses, informação que rapidamente chegou aos muçulmanos em Tânger. A cidade, portanto, estava bem preparada para a defesa, contrariando as informações imprecisas que o Infante D. Henrique possuía sobre o estado do sultanato de Marrocos e seus inimigos. Este descuido na fase inicial de planeamento e preparação militar compromenteu gravemente as chances de sucesso da campanha, demonstrando uma falha significativa na estratégia de D. Henrique e na liderança da expedição.
2. Problemas no Recrutamento e na Logística
O recrutamento de soldados para a expedição foi outro ponto crítico. D. Henrique e D. Pedro, responsáveis pelo processo, não conseguiram reunir o número necessário de homens, faltando cerca de 6000 soldados, segundo estimativas presentes no texto. A falta de barcos suficientes para o transporte das tropas foi outra falha grave. A incapacidade de transportar o número previsto de cavalos, devido à falta de navios adequados e às condições climáticas (verão intenso), evidenciou a precária preparação logística. O texto aponta que o reino, se utilizasse todos os seus barcos de transporte, prejudicaria o seu comércio, indicando problemas de planeamento e falta de recursos. A falta de rigor e precipitação no recrutamento, com a responsabilidade partilhada entre vários infantes e a falta de acompanhamento por parte do rei, culminaram em deficiências que comprometem a campanha.
3. Equipamento Militar Inadequado
O equipamento militar levado à expedição também se revelou inadequado. A utilização de pedras de granito como munição para os canhões, em vez de balas de chumbo, demonstrava a falta de recursos e preparação adequada. Essa escolha resultou numa menor eficácia dos canhões contra as muralhas bem fortificadas de Tânger. O texto levanta a questão sobre o conhecimento do rei D. Duarte sobre a falta de equipamentos essenciais e a necessidade de solicitar empréstimos para melhorar a preparação militar da expedição, indicando a possibilidade de uma falha na avaliação dos recursos disponíveis para a campanha. A falta de barcos especializados para guerra naval, contando apenas com barcos de transporte adaptados, também contribuiu para a escassez de efetividade militar durante a campanha.
III.A Derrota e as Consequências
A derrota em Tânger foi resultado de uma combinação de fatores, incluindo má estratégia militar, falta de disciplina, e a superioridade numérica das forças marroquinas. O cerco a Tânger resultou em muitas baixas entre os portugueses. A captura de D. Fernando como refém levou a um impasse político e um aumento na tensão entre Portugal e Marrocos. A falta de apoio dos reinos aliados e as dificuldades financeiras do reino português após a expedição resultaram na perda de muitas vidas e no cativeiro do infante. A falta de rigor nas informações cronísticas, especialmente em relação ao número de soldados, é analisada e comparada com fontes históricas modernas, como os estudos de Luís Miguel Duarte e Peter Russell. O insucesso teve um impacto profundo na D. Duarte, levando o rei a uma profunda depressão e culpa, como demonstrado nas análises das obras de Peter Russell e Luís Miguel Duarte.
1. A Derrota em Tânger e as Baixas Portuguesas
A expedição a Tânger resultou numa derrota decisiva para os portugueses. A superioridade numérica das forças marroquinas, lideradas por Sallah ben Sallah, e a má estratégia militar portuguesa foram fatores determinantes. A falta de preparação, a imprecisão das informações sobre as forças inimigas e a impulsividade no combate contribuíram para as elevadas baixas portuguesas. A crónica de Rui de Pina, embora exagerando os números para glorificar os soldados portugueses, relata uma série de erros estratégicos, como a utilização de escadas curtas para escalar muralhas altas e a falta de informações prévias sobre o terreno. A lentidão no desembarque de artilharia e munições também contribuiu para o insucesso da ofensiva inicial, revelando a desorganização e a falta de planejamento da campanha. A captura de D. Fernando como refém marcou um ponto de virada na derrota, aumentando a pressão sobre a coroa portuguesa e o rei D. Duarte.
2. A Fracassa estratégia militar e o Cerco
A estratégia militar portuguesa na batalha foi marcada por uma série de erros. O ataque à cidade foi dividido em quatro contingentes, com diferentes pontos de ataque, mas com uma falta de coordenação evidente. A falta de escadas adequadas, o uso de pedras como munição de canhão e a incapacidade de utilizar o castelo de madeira proposto indicam uma preparação insuficiente. A desorganização das tropas e a falta de disciplina são apontadas como fatores cruciais para o fracasso, com cada capitão agindo muitas vezes por iniciativa própria e ignorando as ordens superiores. O cerco imposto pelos muçulmanos após as primeiras derrotas levou a uma situação de extrema dificuldade para as tropas portuguesas, com escassez de recursos e fome. Os soldados portugueses chegaram a comer a carne dos seus cavalos. A falta de uma estratégia de cerco eficaz por parte dos portugueses, esperando o enfraquecimento das forças muçulmanas antes do ataque final, foi uma grande falha estratégica, que resultou em maiores baixas e na rendição final.
3. A Negociação a Rendição e o Regresso a Portugal
Diante da derrota iminente, D. Henrique, após várias tentativas falhas e mais baixas portuguesas, decidiu negociar a rendição. A fome, a falta de recursos e a superioridade numérica do inimigo tornavam a continuação do combate impossível. A rendição foi marcada pela desesperação e a desorganização, com muitos soldados portugueses cobrando dinheiro para garantir a sua embarcação para Portugal. O regresso a Portugal foi tumultuoso, com muitos soldados se lançando ao mar para fugir do ataque dos mouros, sofrendo afogamentos. O texto destaca a imoralidade da cobrança de dinheiro para embarque e relata a jornada de regresso, que culminou com um naufrágio em Sevilha. Apesar disso, os sobreviventes receberam bom tratamento em Sevilha, fruto da reaproximação diplomática entre Portugal e Castela. A captura de D. Fernando e a posterior recusa de Sallah ben Sallah em libertá-lo em troca de Ceuta, evidenciaram a profunda derrota e a humilhação portuguesa.
4. Consequências Políticas e o Impacto Emocional
A derrota em Tânger teve consequências políticas e emocionais profundas. O cativeiro de D. Fernando colocou D. Duarte num dilema, entre a entrega de Ceuta e a libertação do irmão. A recusa em entregar Ceuta demonstra a importância estratégica da cidade para o reino. O fracasso militar levou D. Duarte a um estado de profunda melancolia e culpa. A ausência de D. Henrique nas Cortes de 1438, alegadamente por se sentir responsável pelo cativeiro do irmão, é analisada como uma demonstração de vergonha pela derrota. A análise das fontes históricas modernas de Luís Miguel Duarte e Peter Russell revela a dimensão do desastre e a influência deste na saúde mental do rei. A morte de D. Duarte em 1438, de peste, e o prolongado cativeiro de D. Fernando adicionam um elemento de tragédia aos desdobramentos da expedição, que marcou profundamente a história portuguesa.
IV. Duarte
As Cortes de 1438 foram marcadas pela ausência de D. Henrique, que se auto-exilou em consequência do fracasso da expedição. O principal dilema para D. Duarte era a possível troca de Ceuta pelo resgate de D. Fernando. A decisão real, fortemente influenciada pela sua própria vontade, mas também pelas pressões da nobreza e do medo de perder Ceuta, levou à não-troca. D. Fernando permaneceu cativo em Fez, e a pressão política resultante contribuiu para a rápida morte de D. Duarte, que se encontrava abatido e melancólico pela derrota.
1. As Cortes de 1438 Um Cenário de Tensão
As Cortes de 1438, realizadas entre 25 de janeiro e 6 de fevereiro, ocorreram num ambiente de grande tensão, devido ao fracasso da expedição a Tânger. A ausência do Infante D. Henrique, principal responsável pela expedição e seu maior defensor, aumentou a tensão. A justificativa apresentada para a sua ausência – o cativeiro do irmão, D. Fernando – é considerada descabida pelos autores, que analisaram as fontes cronísticas e bibliográficas. O clima de tensão é acentuado pela gravidade da derrota, pelas consequências políticas, e a incerteza sobre o futuro do infante D. Fernando, que se encontrava cativo em condições cada vez mais difíceis. A atmosfera nas cortes demonstrava o clima político de apreensão e as consequências da derrota militar em Tânger sobre a estabilidade do reino.
2. O Dilema de D. Duarte Ceuta ou D. Fernando
O principal dilema enfrentado por D. Duarte nas Cortes de 1438 era a possibilidade de trocar Ceuta pelo resgate de D. Fernando, que se encontrava cativo em Marrocos após a derrota em Tânger. A decisão de não entregar Ceuta, embora relacionada com a opinião da maioria, revela também a vontade própria do rei. O texto enfatiza a relutância de D. Duarte em entregar Ceuta, considerando seu valor histórico, pessoal e político, e o trabalho para mantê-la. Ceuta representava não apenas um ponto estratégico, mas também um símbolo da política expansionista iniciada por seu pai, D. João I, e um marco na própria trajetória de D. Duarte. Apesar da pressão exercida por diversos setores da corte, incluindo a nobreza e o infante D. Henrique, a decisão de não negociar Ceuta demonstra a profunda ligação do rei àquela praça. A decisão, portanto, combinava a pressão política e a sua própria vontade de manter Ceuta.
3. Consequências do Dilema e o Fim do Reinado
A decisão de não entregar Ceuta em troca de D. Fernando teve consequências graves. O infante D. Fernando permaneceu cativo, sob condições cada vez piores, e foi transferido para Fez. O dilema de D. Duarte persistiu, com a situação do irmão se agravando na prisão. A profunda tristeza e culpa que o rei sentia pelo fracasso da expedição, que ele mesmo autorizou sob pressão, resultou num estado de letargia, melancolia e depressão. A sua responsabilidade pelo desastre da expedição o afligiu profundamente. O texto enfatiza o peso que a decisão tinha sobre o rei, e a profunda tristeza que o invadiu. D. Henrique, o principal incentivador da expedição, refugiou-se no Algarve, demonstrando sua vergonha e evitando enfrentar as críticas da corte. D. Duarte, abatido e melancólico, veio a falecer de peste em 1438 em Tomar, antes de conseguir resolver o dilema que o assombrava. O destino de D. Fernando, com o seu cativeiro prolongado, tornou-se sinónimo da tragédia da campanha de Tânger.