Conflitos do passado e tensões do presente em Galileia e Retablo

Tensões em Galileia e Retablo

Informações do documento

Autor

Elaine Aparecida Lima

instructor/editor Débora Cota
Escola

Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)

Curso Literatura Comparada
Tipo de documento Dissertação
Local Foz do Iguaçu, PR
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 0.98 MB

Resumo

I.Comparação entre Galileia e Retablo Regionalismo e Pós Modernismo na Literatura Latino americana Contemporânea

Este estudo compara as obras Galileia, de Ronaldo Correia de Brito, e Retablo, de Julián Pérez Huarancca, analisando como romances contemporâneos latino-americanos, ambientados fora das grandes metrópoles, dialogam com o regionalismo e o pós-modernismo. Ambas as narrativas, narradas em primeira pessoa por personagens que retornam às suas terras natais (sertão brasileiro e Andes peruanos), exploram as dualidades passado/presente e rural/urbano, questionando as representações canônicas de seus contextos. As obras exploram temas como errância, fragmentação, autoficção, e metaficção, desafiando conceitos tradicionais do indigenismo e sertanismo literários e analisando a influência da globalização.

1. Introdução A proposta comparativa entre Galileia e Retablo

O estudo realiza uma análise comparativa entre Galileia, de Ronaldo Correia de Brito (2008), e Retablo, de Julián Pérez Huarancca (2004). Ambas as obras são ambientadas em locais distantes dos grandes centros urbanos do Brasil e do Peru, respectivamente, e narradas em primeira pessoa por sujeitos que retornam a seus territórios de origem. Através das recordações de seus narradores, as obras colocam em cena as dualidades passado e presente, rural e urbano, rusticidade e requinte, tradição e modernidade. O estudo as apresenta como exemplos de produções latino-americanas contemporâneas que se apropriam de elementos pós-modernistas, transformando seus significados originais e repensando os modelos literários tradicionais. A análise busca compreender como essas obras latino-americanas contemporâneas, situadas fora das metrópoles, se relacionam com o regionalismo clássico (sertão nordestino e Andes peruanos) e com características pós-modernas como errância, trânsito, fragmentação, autoficção, etnoficção, diluição de fronteiras, metaficção e individualismo, resultantes do processo de globalização. O objetivo não é simplesmente classificar as narrativas como sertanistas ou indigenistas, mas sim analisá-las como exemplos de uma literatura latino-americana que reage às imagens canônicas sobre si mesma, desestabilizando formas de eurocentrismo e logocentrismo.

2. Regionalismo e Pós Modernismo Um Diálogo Complexo

Esta seção aprofunda a discussão sobre a relação entre regionalismo e pós-modernismo nas obras analisadas. A partir da observação das dualidades apresentadas nas narrativas – passado/presente, rural/urbano – o estudo explora como Galileia e Retablo incorporam elementos da literatura pós-modernista, simultaneamente desafiando e redefinindo a tradição literária regional. São analisadas características como errância, trânsito, fragmentação narrativa, autoficção e metaficção, demonstrando como a globalização influenciou a literatura contemporânea latino-americana. A análise procura desconstruir a oposição binária entre regionalismo e pós-modernismo, sugerindo um diálogo complexo e mutuamente enriquecedor entre essas perspectivas. A intenção é demonstrar como a literatura contemporânea latino-americana, longe de se afastar da realidade sociopolítica, utiliza elementos pós-modernos para questionar as representações canônicas, abrindo espaço para novas leituras sobre a identidade e a experiência latino-americana.

3. Perspectivas Críticas sobre o Regionalismo e o Indigenismo

Nesta seção, diferentes perspectivas críticas sobre o regionalismo e o indigenismo são apresentadas, contextualizando a análise de Galileia e Retablo. A discussão sobre a literatura brasileira envolve a complexa relação entre discurso literário e sociopolítico, e o confronto entre Norte e Sul, com autores como Mário de Andrade e José Lins do Rego expressando diferentes opiniões sobre o regionalismo. A análise examina as motivações por trás das críticas negativas ao regionalismo, questionando se obras não regionalistas se desvinculam do contexto sociopolítico e se o regionalismo é, de fato, uma arte menor. A seção reflete sobre a importância do regionalismo como forma de dar voz às regiões e povos marginalizados, destacando seu papel na construção da identidade nacional e latino-americana. No contexto peruano, a discussão se aprofunda sobre o indigenismo e neoindigenismo, analisando críticas de autores como Mário Vargas Llosa e Ulises Juan Zevallos Aguilar sobre a representação dos indígenas na literatura e a questão da ‘mudez’ indígena nas obras.

4. Análise Comparativa Identidade Migração e Desconstrução de Estereótipos

Esta seção apresenta uma análise comparativa de Galileia e Retablo, focando na construção das identidades de seus personagens principais, Adonias e Manuel Medina. Ambos são narradores descentrados, migrantes que retornam às suas origens, confrontando as imagens estereotipadas do sertanejo e do andino. A análise destaca a hibridez cultural e a complexidade das identidades em formação, questionando as noções fixas de pertencimento e as representações colonialistas. A desconfiança dos narradores em relação às histórias oficiais e a busca por um autoconhecimento individual e coletivo são analisados. A relação dos personagens com a modernidade e a tradição é crucial. A seção também explora a influência da globalização na construção das identidades contemporâneas e a forma como os autores utilizam a metaficção para problematizar a própria narrativa e suas limitações na representação da realidade.

5. Conclusão Literatura Contemporânea e o Questionamento da Representação

A conclusão resume os principais argumentos da análise comparativa de Galileia e Retablo, enfatizando a importância da literatura contemporânea latino-americana no questionamento das representações tradicionais. O estudo destaca a utilização da metaficção, o fragmentarismo, e a economia vocabular como recursos estéticos que refletem a complexidade e a fragmentação da realidade. A superposição do urbano e do rural, sem a reafirmação de uma dualidade, é destacada como forma de representar a desagregação contemporânea e a diversidade latino-americana. O estudo conclui que Galileia e Retablo, ao questionarem as representações estereotipadas do sertão e dos Andes, contribuem para a desconstrução de preconceitos e para uma nova compreensão da identidade e da experiência latino-americana. A relação entre a literatura, a história e a construção de estigmas sociais é ressaltada, mostrando que ambos os romances investigam “como a literatura tem servido às construções de estigmas capazes de perpetuar preconceitos ou invisibilizar grupos sociais menos privilegiados”.

II.O Debate sobre Regionalismo na Literatura Brasileira Modernismo e Além

A discussão sobre o regionalismo na literatura brasileira é central, com autores como Mário de Andrade expressando visões complexas sobre sua relação com o Modernismo. Autores como Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato, no início do século XX, já demonstravam a interligação entre literatura e debate social, antecipando a consciência do subdesenvolvimento que marcaria o regionalismo de 1930. A análise investiga se a oposição ao regionalismo, por vezes, decorre de um mal-entendido sobre sua relação com a estética e a unidade nacional, confrontando visões que o consideram uma arte menor ou separatista.

1. Regionalismo no início do século XX Literatura e Debate Social

A análise inicia examinando a literatura brasileira da primeira década do século XX, destacando a forte interligação entre literatura e debate social presente nas obras de autores como Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro Lobato. Embora com abordagens distintas, esses autores demonstravam insatisfação com o Brasil de seu tempo, colocando o oprimido no centro de suas narrativas. O trabalho experimentalista, que mais tarde marcaria a Semana de Arte Moderna, fica em segundo plano. Lobato criticava os comportamentos dos nativos do interior paulista; Cunha via o sertanejo como um homem rústico passível de salvação pela modernização; e Barreto se posicionava ao lado do homem negro e pobre. Esses autores pré-modernistas estabeleceram uma característica marcante do regionalismo de 1930: a consciência do subdesenvolvimento brasileiro, conforme observa Antonio Candido. A seção destaca a influência das teorias cientificistas do século XIX em Cunha e Lobato, em contraste com a postura mais livre de Barreto.

2. O Julgamento de Mário de Andrade e a Questão do Regionalismo

A seção discute a posição de Mário de Andrade em relação ao regionalismo, contextualizando-a no período histórico das décadas de 1930 e 1940, marcado por lutas ideológicas e políticas, o Estado Novo e a Segunda Guerra Mundial. A crítica argumenta que, caso haja exagero no discurso de Andrade contra o regionalismo, ele não se dirige aos primórdios do Modernismo, mas a uma fase posterior. Embora o engajamento crítico-social não tenha sido o cerne das primeiras obras modernistas, elas não eram desvinculadas dos debates da época, contribuindo significativamente para a literatura nacional. Os modernistas do início dos anos 1920 aproximaram-se do popular e ridicularizaram símbolos da literatura acadêmica, mostrando, a seu modo, um engajamento social. O texto aponta para uma mudança gradativa na postura dos modernistas, com um afastamento do otimismo inicial e uma atenuação dos discursos sobre o regionalismo, especialmente a versão separatista ou academicista.

3. Regionalismo e a Definição da Brasilidade Modernismo e suas Contradições

A discussão se aprofunda sobre a importância do regionalismo para a definição da brasilidade dentro do contexto modernista. O Modernismo conferiu grande importância ao folclore e aos costumes regionais, tornando impossível ignorar a corrente regional da literatura brasileira. Entretanto, os modernistas buscavam redefinir os contornos do regionalismo tradicional, afastando-o de qualquer conotação separatista ou academicista. A questão central, conforme exemplificado por citações de Veloso (1993), era a busca pela definição da brasilidade: o país seria fragmentado pelas diferenças ou um conjunto homogêneo? O regionalismo seria um sinal de atraso ou a essência da identidade brasileira? O texto argumenta que o primeiro Modernismo não pode ser compreendido sem o regionalismo, apesar de divergências em relação às respostas para essas questões ao longo da história literária.

4. José Lins do Rego e a Defesa de um Regionalismo Não Separatista

A seção apresenta a posição de José Lins do Rego, um crítico do Modernismo em seus primórdios, mas posteriormente um defensor do regionalismo não-separatista. Apesar de inicialmente considerar os primeiros momentos do Modernismo como “muito de comédia, sem importância real”, Lins do Rego defendia a necessidade do Brasil se olhar e não desprezar seus sentimentos e valores nativos. Para ele, a produção regionalista nordestina, ao expressar a desgraça de uma região, revelava também a dor universal, sendo, portanto, digna de apreço e não de desprezo. Criticar romances regionalistas por expressarem a desgraça de uma região seria, segundo Lins do Rego, reduzir a criação literária a um puro artifício gramatical. Sua perspectiva destaca a universalidade da dor e a qualidade artística da produção regionalista que não se propõe separatista.

5. A Questão da Regionalidade em Galileia e a Perspectiva Comparatista

A seção conclui a discussão sobre o regionalismo na literatura brasileira, contextualizando a obra Galileia. A análise questiona a classificação da obra como regionalista ou não, afastando-se de uma resposta definitiva. A perspectiva comparatista é apresentada como mais significativa para entender como a América Latina, em suas produções literárias, negocia pressões externas e a construção identitária, pressionada por conceitos criados por terceiros. A qualidade estética de Galileia, para a crítica, justifica sua análise, independente de sua classificação como romance regionalista. A obra é situada dentro de um contexto mais amplo da negociação entre pressões externas (mercado editorial) e a busca por uma identidade latino-americana, pressionada por definições criadas por outros, não apenas no contexto interno brasileiro.

III.Indigenismo e Neoindigenismo na Literatura Peruana Crítica e Controvérsias

A análise explora o indigenismo e o neoindigenismo na literatura peruana, destacando a controvérsia em torno de sua representação dos povos indígenas. Autores como Mário Vargas Llosa criticam o indigenismo por priorizar a reivindicação social em detrimento da qualidade estética, enquanto outros críticos argumentam que a literatura indigenista, mesmo produzida por não-indígenas, pode apresentar valor literário. O debate abrange a questão da voz indígena, a relação entre o rural e o urbano, e as implicações da colonialidade na construção das representações literárias. Figuras como Ulises Juan Zevallos Aguilar e José María Arguedas são mencionados em relação às suas posições sobre o tema.

IV.A Representação do Sertão e dos Andes em Galileia e Retablo Identidade e Desconstrução de Estereótipos

O foco principal desta seção é a desconstrução de estereótipos sobre o sertão nordestino e os Andes peruanos em Galileia e Retablo. As personagens centrais, Adonias e Manuel Medina, questionam as identidades fixas e as narrativas hegemônicas, revelando a fragilidade das definições tradicionais de sertanejo e andino. A análise explora como os autores utilizam a metaficção para problematizar as representações literárias e as implicações da colonialidade na construção dessas imagens. A hibridização cultural e a experiência do migrante são elementos-chave na desconstrução dessas identidades pré-concebidas.

V.A Literatura Contemporânea e o Questionamento da Tradição Metaficção e Fragmentação

Esta parte analisa como Galileia e Retablo se inserem na literatura contemporânea latino-americana, enfatizando a metaficção, a fragmentação narrativa, e a desconfiança em relação à capacidade do romance tradicional de representar a realidade. Os romances demonstram um desalento com o Iluminismo e a busca por uma nova forma de representar as complexidades da identidade latino-americana. A discussão envolve a relação entre literatura e história, a crise da representação, e a importância de dar voz às experiências marginalizadas. Autores como Edouard Glissant e Walter Mignolo são citados em relação às conexões entre pós-modernismo e pós-colonialismo.