Cultura Açoriana na Educação Básica

Esta seção inicia com uma revisão aprofundada da literatura sobre os conceitos de cultura e cidadania, analisando suas perspectivas evolutivas ao longo da história. Diversas definições de cultura são apresentadas, desde a conceituação de Edward Tylor (citado por Tosta, 2011) como um "todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem na condição de membros da sociedade", até perspectivas mais amplas que a consideram como "a maneira total de viver de um grupo, sociedade, país ou pessoa" (Tosta, 2011). A evolução da própria palavra 'cultura' é explorada, mostrando sua transformação ao longo do tempo, passando de um significado associado ao crescimento natural e treinamento humano até abranger todo um sistema de vida material, intelectual e espiritual (William, 1969). Em relação à cidadania, são apresentadas diferentes perspectivas, com ênfase na sua dimensão política e jurídica, focando a pertença a um Estado e os direitos e obrigações inerentes a essa condição (Praia, 1999; Henriques et al., 1999; Medeiros, 2006; Figueiredo, 1999). A análise contextualiza a evolução dos conceitos para melhor compreensão da sua aplicação no contexto do estudo.

A seção aprofunda a contextualização da cultura açoriana e o neologismo 'açorianidade', definindo-a como a identidade de uma população marcada pela insularidade, intimamente ligada à condição de ilhéu (Nacaguma, 2009). Autores como Luís Ribeiro (1983) conectam características da paisagem açoriana – a monotonia do marulho, a nebulosidade e a tristeza da paisagem – ao perfil do açoriano, descrevendo-o como essencialmente português, isolado no meio do Atlântico. Já Santos (2001) define os açorianos por seu conjunto de modos de ser, viver, pensar e falar, características de sua formação social. A análise também abrange representações do cidadão açoriano em obras literárias, como 'Gente Feliz com Lágrimas' (João de Melo, 1988) que associa ao açoriano sentimentos de perda, saudade e despojamento, e 'Mau Tempo no Canal' (Vitorino Nemésio, 1944) que retrata o açoriano como um homem calmo, confirmado e determinado. A seção busca elucidar o conceito de açorianidade e sua complexidade, preparando o terreno para a discussão da sua integração na educação.

Esta parte explora a relação intrínseca entre cultura e educação, afirmando que a educação é, em sua essência, um processo cultural (Patrício, 2006). O indivíduo, inserido em uma cultura específica, é influenciado por ela em seu desenvolvimento e, ao mesmo tempo, contribui para a sua produção e transformação. A seção, então, analisa a presença do conceito de cultura nos documentos curriculares do pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico. Antes de discutir essa integração, o conceito de currículo é definido, considerando-o como uma sequência de matérias ou disciplinas (Ribeiro, 1998) ou como um conjunto de aprendizagens socialmente necessárias (Roldão, 1999). A análise considera que o currículo deve ser adaptativo, revisto e reajustado conforme as mudanças sociais. A discussão prepara o cenário para a análise da presença da cultura açoriana e da educação para a cidadania dentro dos documentos curriculares oficiais.

A seção contextualiza historicamente a educação para a cidadania, desde a Grécia Antiga até a atualidade, ressaltando que a sua formalização em Portugal ocorreu após a Revolução de 25 de Abril de 1974, com a implementação da democracia e a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo Português (LBSE) em 1986. A LBSE introduziu duas perspectivas democráticas para a cidadania: a democratização do ensino e a filosofia e princípios axiológicos que embasam as finalidades educativas. O texto discute o Referencial da área de Formação Pessoal e Social e da área Curricular Não Disciplinar de Cidadania para o Ensino Básico, documento que articula com os Programas e Metas Curriculares e o Currículo Regional da Educação Básica (CREB), promovendo o desenvolvimento pessoal e social dos alunos como cidadãos responsáveis, críticos, autónomos e conscientes. São mencionadas seis finalidades e 19 competências essenciais, destacando a importância de educar para a cidadania no respeito pelos outros, com um espírito democrático, pluralista, crítico e criativo, tendo como referência os valores dos direitos humanos (DGE, 2013). O enquadramento legal e curricular demonstra a importância da educação para a cidadania no contexto educacional português e açoriano.

A recolha de dados sobre as percepções dos pais e encarregados de educação (EE) relativamente à cultura açoriana foi feita através de inquéritos por questionário. O estudo teve como objetivo principal compreender a concepção de cultura dos inquiridos, a importância atribuída à cultura, os aspetos culturais açorianos valorizados, o grau de participação ativa na cultura açoriana e a percepção dos valores associados à mesma. A análise das respostas utilizou a análise de conteúdo qualitativa, uma técnica que visa a descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação (Berelson e Lazarsfel, citados por Bardin, 1977). Janis (1949) define a análise de conteúdo como uma ferramenta para descrever a comunicação. A análise considerou o tempo de residência dos inquiridos nos Açores, observando-se uma correlação entre o tempo de residência e o facto de terem nascido ou passado a infância no arquipélago. Um número significativo de inquiridos não respondeu à questão sobre o tempo de residência, possivelmente devido à redundância das informações solicitadas em outras perguntas.

A análise das respostas à questão sobre a concepção de cultura revelou que a maioria dos inquiridos a definiu como moral, arte, crenças, costumes, hábitos e tradições de uma região, cidade ou país. Algumas respostas foram mais abrangentes, incluindo valores e vivências do povo (Inquirido 8-PE: "A cultura é tudo aquilo que caracteriza determinado povo, os seus valores, costumes, tradições, etc."). Uma resposta definiu cultura simplesmente como "Somos nós" (Inquirido 3-PE), enquanto outra enfatizou a sua transmissão intergeracional ("Tudo o que faz parte dos costumes de uma sociedade e que deve ser passado de geração em geração" – Inquirido 11-PE). As definições dos inquiridos se alinham com a conceituação teórica de cultura apresentada no relatório, influenciando as intervenções pedagógicas subsequentes. A análise mostrou uma variedade de compreensões sobre cultura, mas todas relevantes para a pesquisa.

Em relação às tradições e festividades açorianas valorizadas, as respostas apontaram predominantemente para as Sopas do Divino Espírito Santo (23 inquiridos), os Impérios do Divino Espírito Santo (26 inquiridos) e as Festividades do Senhor Santo Cristo (27 inquiridos), demonstrando uma forte fé religiosa. Outras festividades mencionadas incluem as Festas dos Santos Populares, o Carnaval e o Pão-por-Deus, indicando a persistência de tradições enraizadas na cultura açoriana e a sua transmissão de geração em geração. Sobre os aspetos culturais a serem trabalhados nas escolas, 26 inquiridos destacaram a importância de todos os aspetos da cultura açoriana: origem das festas, vivências de gerações passadas, religião, gastronomia, bandeiras, tradições, brincadeiras, folclore, artesanato, músicas tradicionais, lendas e história dos Açores. Respostas específicas mencionaram a importância de abordar as atividades económicas ligadas ao mar e à terra (Inquirido 17-PE) e aspetos do passado açoriano (Inquirido 8-PE), fornecendo informações importantes para o planeamento pedagógico.

A última questão do inquérito explorou os valores associados à cultura açoriana. Embora muitos inquiridos tenham referido aspetos culturais (gastronomia, artesanato, folclore, história), 8 inquiridos focaram-se em valores como respeito, humildade, caridade, partilha, união, fé e solidariedade, valores frequentemente transmitidos nas festas do Divino Espírito Santo. A identidade do povo açoriano também foi mencionada como um valor importante a ser transmitido. A análise desta última questão evidencia a riqueza de valores subjacentes à cultura açoriana e a sua importância na formação das crianças, salientando inclusive preocupações com a possível perda do respeito entre crianças na atualidade. Estas percepções serviram de guia para as intervenções pedagógicas, buscando transmitir esses valores através da cultura açoriana nas atividades realizadas.

As práticas pedagógicas no pré-escolar integraram a cultura açoriana, baseando-se em seis pressupostos: as características das crianças; as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE); o tema do relatório de estágio (cultura açoriana e educação para a cidadania); as percepções dos pais/EE inquiridos; a importância dos recursos e das estratégias utilizadas, com base na revisão de literatura; e a articulação coerente das atividades com as circunstâncias em que foram desenvolvidas (conteúdos, datas comemorativas). Todos os recursos foram adaptados às crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE), utilizando-se, em vez de fichas, cartões com imagens ou atividades que permitissem associações entre elementos. A metodologia pedagógica buscou estimular a curiosidade das crianças, criando condições para que aprendam a aprender (Silva, Marques, Mata & Rosa, 2016), e utilizando recursos pedagógicos para tornar o processo de ensino/aprendizagem mais rápido e eficaz, facilitando a apreensão de conhecimentos (Correia, 1995). A integração da cultura açoriana foi feita de forma cuidadosa e adaptada às necessidades dos alunos.

Uma atividade exemplificativa consistiu na exploração de cartões com imagens, com o objetivo de introduzir a temática da cultura açoriana. As crianças, sentadas em círculo, retiravam um cartão e descreviam o que observavam, fomentando a participação e a expressão oral, mesmo para crianças com dificuldades na oralidade. Esta estratégia permitiu que as crianças descobrissem, na medida do possível, o tema a ser trabalhado. A escolha desta temática se justifica pela ligação com outras atividades e pelas percepções dos pais/EE, que apontaram a importância de trabalhar métodos e técnicas tradicionais e atividades econômicas relacionadas ao mar e à terra nos Açores. A atividade se alinha com as OCEPE (Silva, Marques, Mata & Rosa, 2016), que destacam a importância da exploração do meio próximo da criança, dando-lhe um sentido afetivo e relacional que facilita a sua compreensão e apreensão do mundo. A metodologia visa a construção de aprendizagens significativas e contextualizadas.

Outra atividade consistiu numa visita de estudo a uma fábrica de laticínios, seguida da elaboração de cartazes e de uma exposição temática. Os cartazes, elaborados em grupos, utilizaram fotos da visita, embalagens recicladas de produtos lácteos e imagens ilustrativas dos benefícios do leite. A atividade exigiu seleção de imagens, recorte, organização, colagem e legendagem, consolidando aprendizagens e estimulando o trabalho em grupo. A exposição dos cartazes e a construção de uma vaca em um prado no hall de entrada da escola visou rentabilizar os espaços da escola como forma de comunicação e tornar visíveis os processos desenvolvidos para crianças e adultos (OCEPE, Silva, Marques, Mata & Rosa, 2016). A atividade demonstra como uma experiência prática e a sua subsequente partilha podem consolidar o processo de aprendizagem e proporcionar uma maior valorização do trabalho dos alunos. A escolha desta atividade está alinhada com os objetivos do estágio e com as percepções dos pais/EE.

As práticas pedagógicas no 1º Ciclo do Ensino Básico focaram a integração da cultura açoriana e da educação para a cidadania, buscando a transversalidade curricular. As atividades foram planejadas considerando as percepções dos pais e encarregados de educação (EE), obtidas através de inquéritos, e as orientações curriculares, buscando conectar os conteúdos programáticos com a realidade local e as especificidades da cultura açoriana. A metodologia privilegiou a articulação entre conteúdos curriculares e a cultura local, visando o desenvolvimento de valores de cidadania como cooperação, respeito, partilha, responsabilidade e respeito pelo património cultural. A integração da cultura açoriana não se limitou à simples menção de elementos culturais, mas sim à sua exploração como base para aprendizagens significativas e contextualizadas, promovendo uma compreensão mais profunda da identidade açoriana e fomentando atitudes de cidadania ativa e crítica.

A primeira atividade descrita, realizada próximo às datas comemorativas do Dia da Autonomia dos Açores e do Dia do Divino Espírito Santo, teve como foco a construção e exploração de materiais didáticos relacionados com o culto ao Divino Espírito Santo, uma tradição profundamente enraizada na cultura açoriana. A atividade incluiu a construção e exploração de materiais, a sua exposição na escola e a partilha de um lanche típico. Integrando a área de Matemática, a atividade abordou o conceito de pavimentações do espaço, utilizando imagens reais de calçadas de São Miguel como exemplos de pavimentações e frisos. Os alunos tiveram que identificar e reconhecer pavimentações e frisos usando triângulos, retângulos e hexágonos, alinhando a atividade com o Programa e Metas Curriculares de Matemática do Ensino Básico (Damião et al., 2013). A atividade combinou cultura e matemática, promovendo aprendizagens contextualizadas e significativas.

Uma segunda atividade envolveu a montagem de um puzzle do Brasão de Armas dos Açores, seguida de uma interpretação coletiva dos seus elementos, incentivando a ligação com a identidade açoriana. Considerando a menção dos pais sobre a importância do conhecimento das bandeiras da região nos inquéritos, esta atividade visou dar a conhecer as especificidades do meio local. A atividade culminou na construção de um quarto em homenagem ao Divino Espírito Santo, incluindo a decoração com frisos geométricos criados pelos alunos, a disposição de elementos decorativos e a montagem de um altar. Este processo promoveu o trabalho de equipa, a cooperação, o respeito e a partilha entre os alunos. A construção artesanal de elementos como a coroa e a bandeira do Divino Espírito Santo pela estagiária, complementada pela confecção caseira de arroz doce, demonstra a integração de diversos elementos da cultura açoriana na atividade. Esta atividade foi planejada com base nas percepções dos pais sobre a importância das festividades e a sua origem.

A terceira atividade abordou o Património Natural de São Miguel, buscando fomentar o conhecimento sobre os locais naturais e as suas potencialidades económicas, alinhado com as percepções dos pais sobre a importância de abordar os recursos naturais da região e a sua influência na economia (Inquirido 17 – PE). Os alunos, divididos em grupos, criaram um guião para apresentar diferentes locais de São Miguel a um turista. A discussão prévia sobre os aspetos relevantes a mencionar revelou que os alunos, inicialmente, não priorizavam a preservação dos locais. A atividade incluiu a leitura de lendas açorianas, uma estratégia para estimular o imaginário dos alunos e aprofundar o conhecimento sobre a identidade do povo açoriano (Madureira, 2012, citado por Machado, 2014). A atividade propiciou aprendizagens sobre o Património Natural, a sua importância e o desenvolvimento de competências de cooperação e trabalho em equipa, contribuindo para a formação de cidadãos responsáveis e conscientes da sua cultura e património.

A seção de reflexão e conclusões avalia o sucesso das práticas pedagógicas implementadas tanto no Pré-Escolar quanto no 1º Ciclo do Ensino Básico, concluindo que os objetivos propostos foram atingidos de forma positiva. No Pré-Escolar, observou-se que as crianças, apesar de terem algum conhecimento prévio sobre manifestações da cultura açoriana, não compreendiam totalmente o seu significado. As atividades propostas permitiram colmatar essa lacuna, promovendo a aprendizagem sobre a cultura açoriana e a importância da partilha e do respeito. No 1º Ciclo do Ensino Básico, os alunos demonstraram, ao longo das intervenções, uma maior compreensão do significado e importância das manifestações culturais açorianas, mostrando interesse em conhecer a sua origem e os valores que transmitem. Os alunos, inclusive, passaram a divulgar as suas aprendizagens com colegas de outras turmas. Em ambos os níveis de ensino, houve uma clara evolução na aceitação e compreensão das especificidades e dificuldades de cada aluno, facilitada pelo trabalho em grupo, pesquisa e colaboração.

A conclusão reforça a importância de integrar a cultura açoriana e a educação para a cidadania no currículo, promovendo aprendizagens significativas e contextualizadas. A integração da cultura local nas práticas pedagógicas se mostrou eficaz para o desenvolvimento pessoal e social dos alunos, contribuindo para a formação de cidadãos ativos, críticos e intervenientes na sua sociedade e cultura. A utilização do património cultural como recurso didático é defendida, corroborando a ideia de que o património cultural constitui um importante meio de consolidação e concretização no processo ensino-aprendizagem (Mendes, 2009). Esta abordagem, em linha com o Referencial Curricular para a Educação Básica nos Açores (CREB), torna o processo de aprendizagem menos abstrato e mais vivo, contribuindo para a formação integral da pessoa, para o seu desenvolvimento emocional e para a interação e coesão social (Mendes, 2009, citando Choay, 2011). O estudo evidencia o papel insubstituível do património cultural na educação, sendo fundamental para a formação de cidadãos conscientes e participativos.