Educação Vocal Pré-Escolar

A pesquisa inicia-se com a constatação de fragilidades no desenvolvimento vocal de crianças que ingressam no 2º ciclo do Ensino Básico. Essas fragilidades manifestam-se na falta de conhecimento das potencialidades da própria voz, resultando em insegurança e vergonha ao vocalizar. O estudo pretende investigar as razões por trás dessas limitações, aprofundando o conhecimento sobre o desenvolvimento musical e vocal infantil, bem como as práticas pedagógicas atuais. Wuytack & Palheiros (1995) são citados para enfatizar a insuficiência da prática musical no ensino genérico, decorrente da fraca formação dos professores em áreas artísticas, levando-os à insegurança na abordagem dessas áreas. A problemática central se concentra em compreender por que muitas crianças chegam ao segundo ciclo com um desenvolvimento vocal deficiente, apesar da importância inegável da voz humana nas interações sociais e no desenvolvimento da linguagem, como apontam Belhau (2004, in Ferreira, 2007) e Bloch (1980, in Ferreira, 2007).

A investigação destaca o papel crucial da mãe, desde a fase intrauterina, no desenvolvimento vocal da criança. Aucher (in Castaréde, 1998) argumenta que o canto e a fala materna geram ressonâncias intensas e um forte impacto neurológico, transmitindo mensagens sonoras ao cérebro fetal, contribuindo para um desenvolvimento mais equilibrado. A importância das interações vocais na infância é reiterada, destacando-se sua influência fundamental no desenvolvimento musical e da linguagem. Gordon (2000b) reforça essa ideia, afirmando que a exposição à música até os dezoito meses, com variedade e equilíbrio entre tonalidades, métricas e estilos musicais, prepara a criança para aprender a cantar, mover-se e ouvir com maior eficiência. O estudo também menciona a perspectiva de Peter Erdei, diretor do Instituto Kodály e Bartok, sobre a importância de começar a cantar desde a infância para uma melhor compreensão da música, conforme entrevista a Helena Rodrigues (1992). Kokas (in Cruz, 1995) também enfatiza o canto como elemento fundamental na metodologia Kodály, diretamente ligado à compreensão musical e ao desenvolvimento de habilidades como ritmo, memória musical, audição interior e criatividade. A voz, diferentemente dos instrumentos, permite uma cultura de massas, pois todos possuem uma voz que pode ser explorada como instrumento.

A pesquisa aprofunda a temática da técnica vocal, ressaltando a importância da postura correta e da respiração adequada para um canto eficaz. Pereira (2009) enfatiza a necessidade de a criança compreender que possui “duas vozes” que devem ser homogêneas, buscando solucionar problemas de afinação. Uma boa respiração e articulação levam a vozes mais ricas, combatendo o erro comum de se considerar as vozes infantis como apenas “brancas”, resultado do uso exclusivo do mecanismo leve. O trabalho de equilíbrio de registo melhora a qualidade vocal e expande a tessitura. O estudo também destaca a importância do ensino dos gestos das vogais e consoantes para uma boa articulação, mostrando as diferentes posturas da língua, mandíbula e lábios (Castaréde, 1998). Valle (2002) relaciona o mau uso vocal com o desconhecimento dos órgãos e mecanismos envolvidos na produção e emissão da voz, sublinhando a higiene vocal por meio de espreguiçar, suspirar, bocejar e exercícios articulatórios. A autora caracteriza a disfonia infantil como uma desordem pediátrica por abuso vocal, o “fonotrauma”, que resulta do uso excessivo da voz através de gritos, emissão tensa e ambientes adversos. Ignorar o problema prolonga as dificuldades, levando as crianças a acreditar que não conseguem cantar e, consequentemente, a perder o interesse ou a sentir vergonha (Gordon, 2000b).

A educação musical na pré-escola é influenciada por diversos fatores, incluindo o sistema educativo, a tradição musical e o contexto histórico, político e social do país. Pedagogos como Kodály, Orff, Dalcroze e Willems acreditavam no valor da música para o desenvolvimento integral da criança, defendendo sua acessibilidade a todos. A atividade musical contribui para a construção de sentidos sobre o mundo e sobre nós mesmos como seres humanos que compartilham sentimentos. A seção destaca a necessidade de políticas, teorias e paradigmas que respondam aos desafios sociais, culturais e identitários da sociedade portuguesa contemporânea, na busca de uma educação musical eficaz e inclusiva. A atividade musical é vista como um meio de construção de sentidos e partilha de sentimentos, enfatizando a importância de políticas e teorias que guiem a prática pedagógica no contexto contemporâneo português. A influência de diferentes pedagogos e seus métodos é discutida, sublinhando a necessidade de uma abordagem integrada e contextualizada.

O texto traça um breve histórico da educação musical em Portugal, mencionando o Projeto Nacional de Educação Artística (1978), que definiu a “Educação pela Arte” e a “Educação para a Arte”, mas que foi suspenso em 1980 (Despacho Ministerial nº 379/80). Somente em 1986, com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Decreto-Lei nº 46/86), a arte foi oficialmente reconhecida como fator importante na formação pessoal, integrando disciplinas de educação artística nos currículos do pré-escolar e ensino básico. A lei estabelece objetivos para o pré-escolar, focando o desenvolvimento das capacidades de expressão e comunicação da criança, e a imaginação criativa por meio de atividades lúdicas (Cardoso, Silva & Bastos, 2002). A Lei-Quadro (Lei nº 5/97) define a educação pré-escolar como a primeira etapa da educação básica, complementar à ação educativa da família, com o objetivo de desenvolver a expressão e a comunicação por meio de linguagens múltiplas. O Decreto-Lei nº 49/2005 reforça a necessidade de estimular as capacidades da criança e seu desenvolvimento equilibrado. A integração das expressões artísticas contribui para a sensibilização estética e a formação pessoal e social. O estudo também evidencia as dificuldades na implementação curricular da música no ensino básico, considerada marginalizada em termos conceituais e pragmáticos (Mota, 2007), apesar dos esforços para conferir-lhe um estatuto epistemológico nas Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico (Ministério da Educação, 2001).

A discussão aborda a formação dos educadores de infância e suas implicações na prática da expressão musical. Observa-se que muitos educadores ingressam no ensino superior com formação musical diminuta e não sequencial, tendo recebido educação musical apenas no 2º ciclo. Isso gera insegurança e falta de audácia na abordagem do canto (Ferrão, 2002; Teixeira, 2006). A autonomia científica concedida aos estabelecimentos de ensino (Decreto-Lei nº 1/2003) resulta em disparidades curriculares quanto às horas dedicadas à música. A pesquisa destaca a necessidade de uma formação específica em música para educadores, considerando os perfis de competências necessários à docência. Propõe-se um esquema conceitual que permita aos educadores se expressarem musicalmente por meio da voz, instrumentos e corpo, desenvolvendo seu pensamento musical. A abordagem a diferentes filosofias e metodologias da educação musical e a preparação de projetos sonoros também são consideradas essenciais na formação inicial e contínua. Mota (2002) defende uma formação de qualidade nas expressões artísticas para profissionais da educação de infância e 1º ciclo, salientando o papel integrador das artes nas aprendizagens precoces e sua função como linguagens simbólicas. O processo de acreditação de cursos pelo INAFOP é citado como uma oportunidade para encarar essa questão com seriedade.

O capítulo justifica a escolha de um paradigma interpretativo/construtivista e de um estudo de caso qualitativo para a investigação. Cohen & Manion (1990) são citados para definir método como um conjunto de técnicas e procedimentos para obtenção e análise de dados. O estudo de caso, por permitir dados ricos em detalhes relativos a pessoas e locais, é considerado o mais adequado para compreender o trabalho vocal desenvolvido na educação pré-escolar. A abordagem qualitativa, segundo Bogdan & Biklen (1994) e Sampieri, Collado & Lucio (2006), caracteriza-se pela observação em ambiente natural, com o investigador como instrumento principal, focando o processo em detrimento de resultados quantitativos, com análise indutiva dos dados. A recolha de dados no habitat natural das educadoras e crianças é fundamental para compreender seus comportamentos e motivações, permitindo apreender o significado conferido pelos sujeitos às suas ações. O objetivo principal é entender como o trabalho vocal se realiza em um determinado contexto e compará-lo com outras realidades (Cohen & Manion, 1990).

A escolha entre abordagens qualitativas ou quantitativas e métodos de recolha de informação depende da natureza do estudo e do tipo de informação desejada (Bell, 1997). O estudo de caso, com base no trabalho de campo, explora intensivamente uma única unidade de estudo no seu contexto real (Freixo, 2009). O método é caracterizado como particular, descritivo, heurístico, indutivo e holístico, com forte cunho descritivo (Freixo, 2009; Bogdan & Biklen, 1994). O estudo de caso é comparado a um funil, com um início amplo e foco progressivo. As vantagens da abordagem qualitativa são discutidas em comparação com a quantitativa, destacando a riqueza de dados e a compreensão aprofundada do fenómeno em estudo no seu contexto real, sem controlo experimental. As desvantagens são mencionadas, incluindo a excessiva confiança no investigador como instrumento de recolha de dados, embora também seja destacado como ponto forte por outros autores. O capítulo descreve o processo de recolha de dados, apresentando os procedimentos e estratégias utilizadas em cada situação.

A unidade de análise é a Educação Pré-Escolar do Centro Escolar de Valença (EPCEV), pertencente ao Agrupamento Muralhas do Minho, em Valença (Viana do Castelo, Portugal), município fronteiriço com Tuy, Espanha, com cerca de 15.000 habitantes e 16 freguesias. A amostra é constituída por 4 educadoras e 40 crianças de duas salas de jardim de infância do EPCEV. Freixo (2009) define amostragem como o procedimento de seleção de um subconjunto representativo da população. A amostra não probabilística permite a obtenção de casos ricos em dados (Sampieri, Collado & Lucio, 2006). A proximidade ao local de trabalho facilitou o acesso à amostra. Os instrumentos de recolha de dados foram a observação direta não participante (vídeo e fotografia de três sessões de expressão musical em cada sala), entrevistas semi-estruturadas (gravadas em áudio, com questões abertas e guião pré-definido), e notas de campo (bloco de notas e lápis). A observação visa analisar estratégias pedagógicas, performance vocal das crianças e dificuldades apresentadas. As entrevistas aprofundam a importância atribuída à educação vocal pelas educadoras e suas estratégias pedagógicas. As notas de campo complementam a informação recolhida, fornecendo o ponto de vista do observador sobre as interações observadas (Bogdan & Biklen, 1994).

A pesquisa foi conduzida no Centro Escolar de Valença (CEV), localizado no Concelho de Valença, distrito de Viana do Castelo, Portugal, uma região transfronteiriça. O CEV pertence ao Agrupamento Muralhas do Minho. Valença, cidade desde junho de 2009, tem aproximadamente 15.000 habitantes e 16 freguesias, numa área de cerca de 117 km². A investigação focou-se na Educação Pré-Escolar do CEV, especificamente em duas salas de aula com um total de 40 crianças e 4 educadoras. A amostra foi escolhida por sua proximidade com o local de trabalho do investigador, facilitando o acesso e a recolha de dados. A pesquisa se concentrou no contexto específico deste Centro Escolar, permitindo uma análise detalhada das práticas de educação vocal no ambiente natural de aprendizagem. A escolha do local, bem como os dados demográficos da cidade e sua localização geográfica, são descritos para contextualizar a pesquisa.

A análise dos dados recolhidos através da observação, entrevistas e notas de campo revela a importância atribuída à educação vocal pelas educadoras do CEV. As observações diretas em sala de aula mostram que atividades relacionadas à expressão musical, incluindo o canto, são realizadas diariamente, em linha com as Orientações Curriculares do Pré-Escolar. As entrevistas com as educadoras revelam sua consciência da importância da educação vocal no desenvolvimento da criança, porém, também expõem a principal dificuldade: a falta de formação adequada na área. A falta de formação específica na área vocal, entre as educadoras, impacta diretamente na segurança e na variedade das atividades propostas. A análise das entrevistas evidenciou a percepção das educadoras sobre a sua própria formação, destacando a importância de uma formação sólida em música para a eficácia da prática pedagógica. A falta de formação específica em educação vocal é apontada como um obstáculo na implementação de atividades mais elaboradas e eficazes. As estratégias de ensino e a utilização de materiais foram analisadas, mostrando a predominância de canções tradicionais, temáticas e com mímica, adequando-se à faixa etária.

A análise dos dados, resultante da triangulação de observações, entrevistas e notas de campo, indica que a expressão musical/vocal é uma prática recorrente na educação pré-escolar do CEV, porém, condicionada pela formação das educadoras. Embora conscientes da importância da educação vocal no desenvolvimento infantil, as educadoras enfrentam dificuldades na sua implementação devido à falta de formação específica. A análise indica a necessidade de um trabalho contínuo e persistente na formação das educadoras para uma prática mais eficaz e consciente da educação vocal, influenciando positivamente as crianças (Castaréde, 1998). A pesquisa questiona se o enfoque da expressão musical/vocal está unicamente em auxiliar o ensino de rotinas e temas curriculares, sugerindo que o sistema de ensino ainda não valoriza o potencial educativo intrínseco das artes. O estudo destaca a importância de aprimorar a formação das educadoras na área vocal, pois sua influência e as estratégias empregadas condicionam diretamente o desenvolvimento das crianças. A seleção de canções adequadas à faixa etária também foi considerada um ponto crucial para o sucesso das atividades (Canhão, 2001; Wuytack & Palheiros, 1995).