
Agricultura Familiar e Sustentabilidade
Informações do documento
Autor | Eliziário Noé Boeira Toledo |
instructor | Prof. Dr. Valdecir José Zonin |
Escola | Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) |
Curso | Ciência e Tecnologia Ambiental |
Tipo de documento | Dissertação (Mestrado) |
Local | Erechim, RS |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.24 MB |
Resumo
I.A Busca da Renda Monetária e a Sustentabilidade Ambiental na Agricultura Familiar Brasileira
Esta pesquisa investiga a relação entre a busca por renda monetária e a adoção de princípios de sustentabilidade ambiental na agricultura familiar brasileira, focando em três municípios da região do Alto Uruguai (Barão do Cotegipe, Sertão e Viadutos, RS). O estudo, baseado em 54 questionários fechados e 10 entrevistas qualitativas com experts (líderes, técnicos da extensão rural e gestores públicos), utilizou a metodologia de estudo de caso e o software SPSS para análise de dados. A pesquisa questiona em que medida a priorização da renda monetária pelos agricultores familiares, atuando como atores e agentes no contexto de desenvolvimento rural, relativiza a opção pelas demandas da sustentabilidade ambiental. A hipótese inicial de que os agricultores são contrários à legislação ambiental não se confirmou; contudo, a pesquisa revelou baixo investimento em práticas ambientais, exceto quando impostas por penalidades ou em casos de poupança florestal.
1. Metodologia da Pesquisa
A pesquisa, realizada nos municípios de Barão do Cotegipe, Sertão e Viadutos (região do Alto Uruguai, RS), teve como objetivo principal analisar a relação entre a busca pela renda monetária e a adoção de práticas de sustentabilidade ambiental na agricultura familiar. Utilizou-se um estudo de caso, com uma amostra de 54 agricultores familiares entrevistados por meio de questionários fechados, cujos dados foram processados pelo programa SPSS. Além disso, foram conduzidas 10 entrevistas qualitativas com especialistas (lideranças locais, técnicos de extensão rural e gestores públicos). A pesquisa buscou compreender como as estratégias dos agricultores, na gestão de seus estabelecimentos, consideram as demandas da sustentabilidade, analisando-as sob a ótica da perspectiva teórica orientada ao ator (Long e Ploeg) e da agência (Giddens). O trabalho de campo confirmou a hipótese de baixo interesse e investimento dos agricultores em questões ambientais, independente do nível de renda, exceto em casos de penalidades por infrações ambientais ou investimentos em poupança florestal. Uma hipótese inicial, de que os agricultores familiares são contrários à legislação ambiental, foi refutada, com os dados demonstrando ampla compreensão da problemática ambiental e defesa da legislação vigente, mesmo com a constatação de passivos ambientais expressivos nos estabelecimentos.
2. Resultados e Discussão Prioridades Econômicas vs. Sustentabilidade
Os resultados indicaram que a busca pela renda monetária na agricultura familiar influencia significativamente a priorização das práticas de sustentabilidade ambiental. Embora os agricultores demonstrem conhecimento da legislação ambiental e dos impactos das atividades agropecuárias no meio ambiente, a prioridade em gerar excedentes econômicos para a manutenção dos estabelecimentos e das famílias leva à adoção de práticas agrícolas convencionais, em detrimento de alternativas sustentáveis. A pesquisa identificou baixo investimento em práticas de conservação ambiental, exceto em situações de imposição legal (multas por infrações ambientais) ou em casos específicos como investimentos em poupança florestal, os quais oferecem um retorno econômico futuro. O estudo destaca a necessidade de conciliar a geração de renda com a sustentabilidade ambiental, considerando as particularidades da agricultura familiar e as diferentes percepções sobre a questão ambiental entre os agricultores. A pesquisa ressalta a precariedade do conhecimento e da compreensão das opções disponibilizadas pela agricultura alternativa em relação ao modelo convencional, comprovando uma das hipóteses da pesquisa.
3. Análise dos Dados Implicações da Renda e Conhecimento da Agricultura Alternativa
A análise dos dados, com base nos questionários e entrevistas, permitiu a construção de indicadores de renda e práticas agrícolas adotadas pelos agricultores familiares. A avaliação da compreensão da legislação ambiental mostrou que, apesar do conhecimento da legislação e da problemática ambiental, a aplicação prática da sustentabilidade é limitada. A análise do nível de conhecimento e aceitação dos modelos alternativos de produção agrícola (agroecológicos, orgânicos, etc.) revelou um baixo nível de conhecimento e adoção dessas práticas, principalmente entre os produtores de grãos em larga escala. A pesquisa enfatiza a influência da renda monetária como fator preponderante nas decisões dos agricultores, muitas vezes em detrimento da adoção de práticas mais sustentáveis. As dificuldades estruturais, como acesso a crédito e assistência técnica adequadas para a transição para modelos alternativos, também são apontadas como fatores relevantes.
II.Compreensão da Legislação Ambiental e Práticas Agrícolas
Os resultados demonstram que os agricultores familiares possuem amplo conhecimento da problemática ambiental e da legislação vigente, apesar da presença de passivos ambientais expressivos em seus estabelecimentos, detectados durante o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Entretanto, uma parcela significativa dos agricultores desconhece ou não compreende adequadamente as opções da agricultura alternativa, preferindo o modelo convencional, especialmente na produção de grãos. A pesquisa indica que o baixo nível de interesse em sustentabilidade ambiental é independente da renda monetária, sendo motivado principalmente por fatores econômicos e pela falta de conhecimento sobre alternativas viáveis.
III.Indicadores de Renda Práticas Agrícolas e Modelos Alternativos
O estudo elaborou indicadores de renda e práticas agrícolas, avaliando a compreensão da legislação ambiental e o nível de conhecimento e aceitação de modelos de agricultura alternativa (agroecológicos, orgânicos, etc.). A análise indicou que a preocupação com a renda monetária e a necessidade de atender às demandas do mercado (principalmente de commodities como soja) são os principais motivadores das escolhas dos agricultores. As dificuldades em acessar crédito rural adequado, assistência técnica especializada e mercados para produtos diferenciados contribuem para a manutenção do modelo convencional de produção, com consequências para a sustentabilidade ambiental.
1. Indicadores de Renda na Agricultura Familiar
A pesquisa elaborou indicadores de renda para avaliar a situação econômica dos agricultores familiares. A análise considerou a importância da renda na tomada de decisões, especialmente em relação à adoção de práticas sustentáveis. A pesquisa verificou a relação entre os níveis de renda e os investimentos em práticas de conservação ambiental, concluindo que o interesse por práticas ambientais é baixo e independente dos níveis de renda. Os investimentos em práticas de sustentabilidade só ocorrem, majoritariamente, devido a penalidades por infrações ambientais ou como opção estratégica de poupança florestal, mostrando que o retorno financeiro imediato é um fator determinante nas escolhas dos agricultores. A pesquisa também analisou os motivos que poderiam levar os agricultores ao abandono da atividade agrícola, identificando os preços agrícolas inadequados como um dos principais fatores, seguido pela disponibilidade de mão de obra. O rigor da legislação ambiental ficou em quarto lugar, indicando que não é um fator central para o abandono da atividade, contrariando discursos que a criminalizam. A pesquisa demonstra a necessidade de políticas públicas que garantam uma remuneração justa pelo trabalho e que levem em consideração a complexa dinâmica socioeconômica da agricultura familiar.
2. Práticas Agrícolas Adotadas e seus Impactos
A pesquisa analisou as práticas agrícolas dos agricultores familiares para identificar seus impactos ambientais e econômicos. Foram considerados aspectos como a área das propriedades, o tipo de cultivo, o uso de tecnologias e a aplicação de recursos financeiros (investimentos e custos). A análise demonstrou que muitos agricultores reproduzem o padrão de desenvolvimento agrícola dominante, caracterizado por práticas extensivas e uso intensivo de insumos químicos. Isso reflete a dependência do mercado e a busca por maior produtividade e lucratividade a curto prazo. A pesquisa observou que a maioria dos agricultores não investe em recuperação ambiental de forma voluntária, optando por ações apenas quando há penalidades legais ou quando se vislumbra retorno econômico futuro. Esse resultado demonstra a necessidade de uma abordagem que considere os desafios da agricultura familiar em um contexto de competição de mercado, incentivando a adoção de práticas sustentáveis com viabilidade econômica a longo prazo.
3. Conhecimento e Aceitação de Modelos de Agricultura Alternativa
A pesquisa investigou o grau de conhecimento e aceitação dos modelos alternativos de agricultura (agroecologia, agricultura orgânica, biodinâmica, etc.) entre os agricultores familiares. Os resultados indicaram um baixo nível de conhecimento e adoção dessas práticas na amostra estudada, especialmente em regiões dedicadas à produção de grãos. A maioria dos agricultores conhece vagamente os princípios da agricultura alternativa ou não a conhece, enquanto apenas uma pequena parcela conhece e aplica algumas técnicas. Esse dado corrobora a hipótese de que a adoção de modelos alternativos é baixa entre os agricultores familiares, reforçando a priorização do modelo convencional de produção em busca de maior rentabilidade. A pesquisa destaca a necessidade de ações que promovam a difusão de conhecimentos e tecnologias, além de políticas públicas que ofereçam incentivos e suporte técnico-financeiro para a viabilidade econômica da agricultura alternativa.
IV.Arrendamento de Terras e a Intensificação da Produção
A pesquisa observou que o arrendamento de terras é uma estratégia adotada por alguns agricultores familiares para aumentar a renda monetária e alcançar a escala de produção necessária para cultivos como soja e milho. Em Barão de Cotegipe, 3,56%; Sertão, 18,40%; e Viadutos, 10,84% dos estabelecimentos rurais arrendaram terras de terceiros (dados preliminares do Censo Agropecuário do IBGE de 2017). Essa prática, entretanto, pode comprometer a sustentabilidade ambiental a longo prazo, incentivando a exploração predatória dos recursos naturais e dificultando a adoção de práticas sustentáveis pelo arrendatário.
1. Arrendamento como Estratégia para Intensificação da Produção
A pesquisa identificou o arrendamento de terras como uma estratégia recorrente entre os agricultores familiares para aumentar a escala de produção e, consequentemente, a renda. Essa prática é especialmente relevante para cultivos que demandam grandes áreas, como soja e milho, e permite superar as limitações impostas pelo tamanho reduzido de muitas propriedades familiares (83,3% das propriedades pesquisadas são menores que 50 hectares). O arrendamento, em alguns casos, representa até 9,54% dos custos fixos para os arrendatários. Dados preliminares do Censo Agropecuário do IBGE de 2017 mostram variações significativas na prática do arrendamento entre os municípios estudados: Barão de Cotegipe (3,56%), Sertão (18,40% - expressivo devido ao relevo favorável à mecanização) e Viadutos (10,84%). A pesquisa destaca a importância do arrendamento como forma de acesso à escala de produção necessária para a viabilidade econômica em um mercado competitivo, mas também levanta preocupações sobre a sustentabilidade social e a permanência dos proprietários de terras a longo prazo, dado que esse modelo pode levar à exploração predatória dos recursos e ao abandono das práticas sustentáveis pelo arrendatário. O relato de um agricultor entrevistado (“O nosso negócio é produzir o máximo que puder na terra arrendada, porque o arrendamento não é barato”) ilustra essa lógica voltada para a maximização da produção no curto prazo.
2. Implicações do Arrendamento para a Sustentabilidade
A prática do arrendamento, embora contribua para o aumento da renda monetária no curto prazo, apresenta implicações negativas para a sustentabilidade ambiental. A busca pela maximização da produção na terra arrendada, muitas vezes sem considerar as consequências a longo prazo, pode levar à degradação dos solos e dos recursos naturais. O arrendatário, focado no lucro imediato, geralmente não investe em práticas de manejo sustentável que beneficiariam o proprietário da terra a longo prazo. A pesquisa evidencia que o arrendamento não induz a estratégias de uso sustentável dos recursos e agrava a exploração predatória das áreas arrendadas. Essa lógica reforça a tendência de relativizar a importância da terra como um fator de produção, priorizando investimentos em tecnologia agrícola como estratégia principal para o aumento da produtividade. Em resumo, a pesquisa demonstra que, enquanto o arrendamento pode ser uma solução para aumentar a renda dos agricultores em um mercado competitivo, ele pode comprometer a sustentabilidade ambiental e social no longo prazo, exigindo uma reflexão crítica sobre esse modelo de produção.
3. A Necessidade de Políticas Públicas para a Agricultura Familiar
A análise do arrendamento revela fragilidades na estrutura de suporte à agricultura familiar, principalmente no que se refere à transformação e comercialização dos produtos. A falta de apoio das organizações da agricultura familiar está comprometendo o debate político sobre a relação entre sustentabilidade e agricultura familiar, permitindo que grandes grupos empresariais ocupem esse espaço. A preocupação com a proteção ambiental, constantemente cobrada dos agricultores familiares, não se concretiza sem educação ambiental, investimentos públicos e garantia de remuneração adequada pela produção diferenciada e cuidados ambientais. A pesquisa demonstra a necessidade de políticas públicas que apoiem os agricultores familiares na adoção de práticas sustentáveis, oferecendo suporte técnico, acesso a crédito e incentivos financeiros. A conjuntura econômica e política do país, segundo um entrevistado, tende a agravar a situação da agricultura familiar no curto e médio prazo, destacando a urgência de medidas eficazes para garantir a sua permanência e desenvolvimento sustentável.
V.Perspectivas Teóricas e Conclusões
A pesquisa utilizou a perspectiva orientada ao ator (POA) de Long e Ploeg e a teoria da estruturação de Giddens para analisar as decisões dos agricultores familiares. Os resultados indicam que, embora compreendam a importância da sustentabilidade ambiental, a prioridade na geração de renda monetária leva-os a relegar as práticas sustentáveis a um segundo plano. A falta de apoio governamental, incluindo crédito rural adequado, assistência técnica e incentivos para a agricultura alternativa, contribui para esse cenário. A pesquisa conclui que a combinação de fatores econômicos, falta de conhecimento sobre alternativas viáveis e ausência de políticas públicas eficientes impede uma maior integração entre agricultura familiar e sustentabilidade ambiental no Brasil.
1. Perspectivas Teóricas POA e Teoria da Estruturação
A pesquisa utilizou a perspectiva orientada ao ator (POA), desenvolvida por Long e Ploeg, e a teoria da estruturação de Giddens para analisar as decisões dos agricultores familiares. A POA permitiu compreender as ações dos agricultores a partir de suas próprias perspectivas e experiências, considerando-os como atores ativos e não apenas como agentes passivos em relação às políticas públicas. A teoria da estruturação de Giddens, por sua vez, complementou a análise ao considerar os limites e contradições inerentes às ações individuais, mesmo com o conhecimento e as possibilidades disponíveis. O conceito de agência, dentro dessa perspectiva, destaca a capacidade de escolha e decisão dos atores, considerando suas experiências e o contexto social e econômico. A pesquisa também incorpora os conceitos de habitus (Bourdieu) e senso prático, que influenciam as percepções, julgamentos e ações dos indivíduos, considerando suas disposições duráveis e transferíveis. A integração dessas perspectivas teóricas possibilitou uma análise mais aprofundada das complexas decisões dos agricultores, considerando os aspectos econômicos e não-econômicos, em curto e longo prazos, e a priorização entre objetivos econômicos imediatos e demandas ambientais.
2. Conclusões da Pesquisa Conflitos e Necessidades de Mudança
A pesquisa confirmou a hipótese de baixo interesse e investimento em questões ambientais por parte dos agricultores familiares, independente de seus níveis de renda. Os investimentos ambientais são majoritariamente motivados por penalidades legais ou pela perspectiva de retorno econômico futuro, como na poupança florestal. Apesar do amplo conhecimento e da aceitação da legislação ambiental, a priorização da geração de renda monetária leva os agricultores a relegarem as práticas sustentáveis a um segundo plano. A pesquisa constatou também a falta de conhecimento ou compreensão sobre as alternativas de agricultura, confirmando que modelos como a agroecologia não são amplamente conhecidos ou praticados. Essa situação é agravada pela falta de políticas públicas eficazes, que integrem o cuidado ambiental com a viabilidade econômica da agricultura familiar, incluindo acesso a crédito rural adequado, assistência técnica e garantia de remuneração pela produção diferenciada. Em resumo, a pesquisa indica a necessidade de conjugar a geração de renda com a sustentabilidade ambiental, requerendo mudanças em políticas públicas, apoio técnico, e em conjunto, uma maior conscientização sobre a viabilidade econômica da agricultura sustentável e a importância da conservação ambiental.