Alinhavando memórias: domesticidades e pedagogias de gênero no curso de corte e costura da Escola Técnica de Curitiba: (anos 1940 a 1960)

Pedagogias de Gênero e Corte e Costura

Informações do documento

Autor

Ana Caroline De Bassi Padilha

instructor/editor Marinês Ribeiro Dos Santos
Escola

Universidade Tecnológica Federal do Paraná

subject/major Tecnologia e Sociedade
Tipo de documento Tese de Doutorado
city_where_the_document_was_published Curitiba
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 12.61 MB

Resumo

I.A Formação Feminina em Corte e Costura na Escola Técnica de Curitiba 1940 1960 Imbricação com a Domesticidade

Esta pesquisa investiga as práticas sociais, espaços e artefatos relacionados à formação de mulheres no curso de Corte e Costura na Escola Técnica de Curitiba entre as décadas de 1940 e 1960. O estudo analisa como a educação para mulheres, neste período, refletia o consenso social sobre moral e bons costumes, valorizando o saber-fazer doméstico. O currículo incluía disciplinas como Economia Doméstica, Tecnologia e Prática de Costura e Bordado, Artes Industriais e Desenho, todas diretamente ou indiretamente ligadas ao espaço doméstico, reforçando concepções tradicionais de feminilidade centradas nos cuidados com o lar e a família. A metodologia empregada é qualitativa e interpretativa, buscando compreender as práticas ensinadas e legitimadas pela escola através de Pedagogias de Gênero.

1. Objetivo da Pesquisa e Contexto Histórico

A pesquisa tem como objetivo principal investigar a formação feminina no curso de Corte e Costura na Escola Técnica de Curitiba entre 1940 e 1960, analisando a imbricação entre as práticas pedagógicas e a domesticidade. O estudo se concentra no período em que a educação para mulheres refletia os valores sociais da época, priorizando o saber-fazer doméstico e reforçando papéis de gênero tradicionais. A Escola Técnica de Curitiba oferecia um curso ginasial industrial de Corte e Costura exclusivamente para meninas, com disciplinas como Economia Doméstica, Tecnologia e Prática de Costura e Bordado, Artes Industriais e Desenho, todas intrinsecamente ligadas aos saberes domésticos. Utilizando uma abordagem qualitativa e interpretativa, a pesquisa busca compreender quais práticas eram ensinadas e legitimadas, analisando como a escola, por meio de estratégias de pedagogias de gênero, reforçava as concepções tradicionais de feminilidade ligadas aos cuidados com o lar e o bem-estar familiar. A pesquisa busca entender a relação entre o ensino profissionalizante e as expectativas sociais sobre o papel das mulheres na sociedade.

2. O Currículo do Curso de Corte e Costura e suas Disciplinas

O curso de Corte e Costura na Escola Técnica de Curitiba era exclusivamente feminino e seu currículo demonstrava uma forte ligação com a domesticidade. Disciplinas como Economia Doméstica, Tecnologia e Prática de Costura e Bordado, Artes Industriais e Desenho compunham a grade curricular. Essa estrutura curricular refletia os valores sociais da época, preparando as alunas para os papéis domésticos tradicionais. A pesquisa busca entender como esses conhecimentos, diretamente ou indiretamente, estavam atrelados aos saberes relacionados ao espaço doméstico, analisando se a pedagogia empregada tinha o intuito de reforçar e perpetuar a ideia da mulher como cuidadora do lar e da família. A investigação analisará a estrutura curricular, comparando com os cursos masculinos na mesma instituição, e buscando identificar estratégias pedagógicas que reforçavam os papéis de gênero.

3. Metodologia e Justificativa da Pesquisa

A pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa e interpretativa para compreender as práticas ensinadas e legitimadas no curso de Corte e Costura. A justificativa do estudo se baseia em uma pesquisa prévia realizada durante o mestrado, que investigou as associações entre tecnologias do lar e tipos de feminilidades representadas na revista Casa & Jardim (1950-1960), entendendo a revista como uma mídia de pedagogias de gênero. A descoberta de um curso de Corte e Costura exclusivamente feminino na Escola Técnica de Curitiba nos anos 1940, com conteúdos imbricados com a domesticidade, motivou a pesquisa atual. As principais questões de pesquisa são: a localização de documentos que comprovem a existência do curso, as práticas e ensinamentos ministrados e suas premissas, o tipo de mulher que o curso pretendia formar, e o perfil das alunas que ingressaram nessa instituição predominantemente masculina. A pesquisa busca documentar e compreender informações sobre a cultura material do passado, além de criar um vínculo com a instituição onde a pesquisadora estudou.

II.Curitiba na Década de 1950 Contexto Urbano e Cotidiano

A pesquisa contextualiza o curso de Corte e Costura no cotidiano de Curitiba na década de 1950, período de intenso desenvolvimento urbano. A cidade vivenciava um processo de modernização, com o aumento do transporte público (ônibus e bondes), expansão comercial (Praça Tiradentes, Praça Zacarias), construção de edifícios altos (“arranha-céus”) e novos bairros, transformando-se numa metrópole. As atividades de lazer da população curitibana incluíam missas dominicais, matinês, clubes, visitas a parentes e amigos, e atividades sazonais como festas juninas e excursões ao litoral. O cronista Evaristo Biscaia (1996) descreve esse período de progresso e a consequente perda do “sossego” dos curitibanos.

1. Curitiba em Transformação Modernização e Progresso na Década de 1950

Na década de 1950, Curitiba experimentava um período de transformações urbanas significativas, apesar do esforço de autoridades em apresentar uma imagem de cidade moderna, acolhedora e civilizada. O texto descreve um contraste entre o progresso e suas consequências, evidenciado pelo aumento do tráfego de automóveis, ônibus e bondes, pelas filas em pontos de transporte público (mencionando as Praças Tiradentes e Zacarias como locais de grande movimento), a expansão do comércio com a formação de um centro comercial, a construção de arranha-céus e o surgimento de novos bairros. Esse desenvolvimento urbano conferiu à capital paranaense características de metrópole. A citação do cronista Evaristo Biscaia (1996) destaca a perda do “sossego” dos curitibanos como uma consequência do progresso, marcando a transição para uma nova realidade urbana mais agitada e intensa.

2. Cotidiano e Lazer da População Curitibana

O cotidiano curitibano na década de 1950, segundo o texto, era marcado por hábitos e costumes específicos. A ida à missa ou culto dominical era uma prática comum para grande parte da população, que se vestia com suas melhores roupas para a ocasião. Após a missa, o ritual de domingo prosseguia em casa, com almoço em família e atividades de lazer que variavam de acordo com a faixa etária. Atividades como matinês, ida a clubes, visitas a parentes e amigos, ou simplesmente o descanso eram mencionadas. Para a juventude, os clubes e sociedades recreativas (com chás dançantes nos locais mais elegantes e domingueiras na periferia) eram locais de encontro e lazer. Outras atividades incluíam encontros informais na vizinhança, piqueniques em parques e arredores da cidade, excursões ao litoral paranaense no verão e festas juninas no inverno. Essa descrição detalhada do lazer ilustra aspectos sociais e culturais da população curitibana da época, contextualizando as vidas das alunas da Escola Técnica.

III.Artefatos e a Constituição dos Sujeitos A Cultura Material no Curso de Corte e Costura

O estudo destaca a importância dos artefatos na formação das identidades femininas. Seguindo Santos (2005), os artefatos (materiais de desenho, ferramentas de costura e bordado, vestimentas, utensílios e eletrodomésticos domésticos) funcionavam como mediadores de transformações socioculturais e refletiam valores da época. As alunas, ao se apropriarem desses artefatos e práticas, constituíam-se como sujeitos de acordo com os valores vigentes. A pesquisa se relaciona com um estudo anterior sobre a revista Casa & Jardim (1950-1960), analisando a construção da imagem da “dona de casa ideal” como mídia de Pedagogias de Gênero.

1. Artefatos como Mediadores da Constituição dos Sujeitos

Esta seção discute a função dos artefatos na construção das identidades, baseando-se na argumentação de Santos (2005). Os artefatos são apresentados como tradutores de valores e comportamentos socialmente construídos, mediando as relações entre as pessoas. Eles atuam como mediadores das transformações socioculturais, políticas, econômicas e tecnológicas, podendo carregar valores específicos de um determinado lugar e período. A interpretação dos artefatos contribui não apenas para sua compreensão individual, mas também para a compreensão do contexto e dos pensamentos das pessoas. No curso de Corte e Costura, as alunas tinham contato com diversos artefatos relacionados aos saberes e práticas ministrados, como materiais de desenho, ferramentas de costura e bordado, vestimentas produzidas pelas estudantes, utensílios domésticos, eletrodomésticos e artefatos de decoração. A apropriação desses artefatos e práticas contribuía para a constituição das estudantes como sujeitos, de acordo com os valores e ditames da época. A análise da cultura material se configura como um elemento central para a compreensão do processo de formação dessas mulheres.

2. Artefatos no Curso de Corte e Costura e a Construção da Identidade Feminina

A seção aprofunda a análise dos artefatos presentes no curso de Corte e Costura, relacionando-os diretamente com a formação das identidades femininas. São mencionados diversos exemplos de artefatos com os quais as alunas interagiam, como materiais de desenho, ferramentas de corte, costura e bordado, as próprias vestimentas produzidas, utensílios domésticos e eletrodomésticos. A interação com esses objetos e as práticas a eles associadas contribuíam para a construção da identidade das alunas, moldando-as de acordo com as normas e valores sociais da época. O estudo destaca a relação entre a apropriação desses artefatos e a construção de sujeitos femininos alinhados às expectativas sociais do período. A pesquisa busca investigar como esses objetos, representativos da cultura material, contribuíram para a formação da identidade das mulheres no contexto da década de 1940 e 1960 em Curitiba, considerando a influência da domesticidade.

IV.A Escola Técnica de Curitiba Infraestrutura e Organização do Ensino Industrial

A Escola Técnica de Curitiba é descrita em seus aspectos físicos e organizacionais. Sua localização entre a Avenida Sete de Setembro e a Rua Desembargador Westphalen, e a construção de novas instalações em 1941, com oficinas de Corte, Costura e Bordado, são importantes elementos da pesquisa. A organização do ensino industrial no Brasil na década de 1940 é analisada, destacando a existência de diferentes tipos de escolas (escolas de aprendizes artífices, escolas estaduais e privadas), com diferentes diretrizes e critérios. A “Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942” e suas implicações na formação dos alunos são abordadas, incluindo a exigência de formação primária, exames de admissão e o regime de tempo integral. A questão do uso de uniformes, motivado pela pobreza de muitos alunos, também é mencionada.

1. Localização e Expansão da Escola Técnica de Curitiba

A Escola Técnica de Curitiba, localizada entre a Avenida Sete de Setembro e a Rua Desembargador Westphalen, é descrita em termos de sua infraestrutura e evolução. Sua construção e projeto visavam atender às necessidades pedagógicas e higienistas, refletindo as tendências arquitetônicas de escolas brasileiras na metade do século XX. A renovação de maquinário e ampliação de oficinas, em 1941, demonstram um investimento na modernização da instituição. Posteriormente, uma reforma concluída em 1957 expandiu as instalações, incluindo a construção de uma nova ala na esquina das ruas Desembargador Westphalen e Avenida Silva Jardim, seguindo os mesmos padrões arquitetônicos. As salas de aulas práticas de costura e bordado estavam localizadas nessa ala nova, próxima à Rua Desembargador Westphalen, segundo relatos de ex-alunas. A descrição da localização e das reformas da escola demonstram a preocupação com as condições de ensino e a evolução da infraestrutura da instituição ao longo do tempo.

2. Organização do Ensino Industrial no Brasil e na Escola Técnica de Curitiba

O texto analisa a organização do ensino industrial no Brasil até 1941, caracterizada como “diferenciada e confusa”. Existiam as Escolas de Aprendizes Artífices, mantidas pelo governo federal e com baixo rendimento escolar devido às condições precárias dos alunos, as escolas industriais estaduais com diretrizes próprias, e instituições privadas com foco assistencial. As Forças Armadas também possuíam suas próprias escolas. A “Lei Orgânica do Ensino Industrial de 1942” implementou mudanças significativas, exigindo formação primária, capacidade física e mental, comprovação de vacinação e aprovação em exames vestibulares (com provas de português e aritmética). Os alunos dos cursos ginasiais industriais tinham aulas em tempo integral, divididas em “cultura geral” (português, matemática, geografia e ciências) e “cultura técnica”, com diferenças entre os cursos masculinos e o curso de Corte e Costura. Nos cursos masculinos, havia um rodízio de oficinas, permitindo a escolha do curso posteriormente. Para as alunas do curso de Corte e Costura, essa opção não existia, refletindo a natureza específica e limitada da formação feminina na instituição.

3. Recursos da Escola e a Questão do Uniforme

A Escola Técnica de Curitiba possuía recursos como bibliotecas, gabinetes médico-odontológicos, ginásios esportivos e laboratórios, demonstrando a preocupação com o bem-estar dos alunos e a melhoria do desempenho das atividades pedagógicas, higienistas e sociais. A arquitetura do prédio, segundo Castro (2010), demonstrava o atendimento às necessidades pedagógicas e higienistas, com uma composição sofisticada. A implementação do uso de uniformes pelos alunos é discutida, motivada pela precariedade das condições econômicas de muitos alunos, como relatado em um ofício do diretor. A falta de vestimentas adequadas, especialmente no inverno, e a falta de transporte para os alunos residentes na periferia afetavam a frequência escolar. Essa discussão contextualiza as condições sociais dos estudantes e destaca as dificuldades enfrentadas por muitos para acesso à educação, contrastando com as melhorias na estrutura da escola.

V.O Curso de Corte e Costura Currículo Alunas e o Fim do Curso

O curso de Corte e Costura, direcionado exclusivamente para meninas, é detalhado. A diferença curricular entre os cursos masculinos e o curso feminino é analisada, destacando a ausência de rodízio de ofícios e a formação única para mulheres. A pesquisa investiga as práticas e ensinamentos ministrados, baseados em premissas que reforçavam papéis de gênero tradicionais. O curso, embora tenha persistido até 1969, sofreu alterações curriculares após 1960, integrando a disciplina de Artes Industriais. A influência de mudanças sociais e da Lei nº 3.552 de 1959 (que alterou o ensino industrial) no encerramento do curso é explorada, assim como as perspectivas sobre o trabalho feminino no contexto da época.

1. O Curso de Corte e Costura Exclusividade Feminina e Currículo

O curso de Corte e Costura na Escola Técnica de Curitiba, entre as décadas de 1940 e 1960, era direcionado exclusivamente para meninas. Seu currículo se diferenciava dos cursos masculinos oferecidos pela instituição, sem a possibilidade de rodízio de oficinas e escolha de curso posterior, como ocorria nos cursos industriais masculinos. O foco da formação era o desenvolvimento de habilidades relacionadas à costura e ao bordado, mas também abrangia disciplinas como Economia Doméstica, Tecnologia e Prática de Costura e Bordado, Artes Industriais e Desenho. A pesquisa pretende analisar como esse currículo, predominantemente voltado para a domesticidade, refletia as concepções tradicionais de feminilidade da época, e como a escola, através de suas pedagogias de gênero, contribuía para a construção de uma imagem específica da mulher na sociedade. A análise comparativa com os cursos masculinos ajudará a destacar as diferenças na formação e nas expectativas sociais em relação aos gêneros.

2. Perfil das Alunas e suas Famílias

A pesquisa investiga o perfil das alunas que frequentavam o curso de Corte e Costura, buscando entender suas origens sociais e familiares. Relatos de ex-alunas indicam que os pais desempenhavam diversas ocupações, de acordo com o contexto econômico local, incluindo marceneiro, comerciante, relojoeiro, mecânico, entre outras profissões. As mães, em sua maioria, dedicavam-se ao trabalho doméstico não remunerado, exceto em casos de mulheres separadas que precisavam trabalhar para o sustento próprio e dos filhos (como diaristas ou auxiliares de vendas). A análise do background familiar das alunas fornecerá informações sobre o contexto socioeconômico em que estavam inseridas e como isso influenciava suas experiências no curso. A análise da participação das mulheres no mercado de trabalho, mesmo em funções domésticas, contribuirá para uma compreensão mais abrangente do seu contexto social.

3. O Fim do Curso de Corte e Costura e as Transformações Sociais

O curso de Corte e Costura perdurou na Escola Técnica de Curitiba até 1969, quando a última turma se formou. A partir de 1960, o currículo foi modificado, integrando a disciplina de Artes Industriais. A pesquisa busca entender os motivos para o fim do curso, relacionando-o com a promulgação da Lei nº 3.552 de 1959, que alterou o ensino industrial para um curso único e voltado para a educação geral. A pesquisa questiona como a instituição lidou com a questão da segregação de gênero na educação, considerando que o curso não era misto, e qual a estratégia adotada para a manutenção da segregação em um contexto de mudanças sociais e curriculares. A análise do fim do curso será realizada com base em dados documentais e entrevistas com ex-alunas, buscando compreender o impacto dessa decisão na formação das mulheres e na evolução do ensino técnico na escola. A relação entre preconceitos machistas, obrigações domésticas, e as expectativas sociais sobre a mulher ideal serão consideradas para analisar este processo.

VI.Economia Doméstica Práticas Artefatos e a Imagem da Dona de Casa Ideal

A disciplina de Economia Doméstica é profundamente analisada, focando nas práticas, artefatos e a construção da imagem da “dona de casa ideal”. O estudo aborda a transmissão oral e escrita de conhecimentos, utilizando como referência o trabalho de Paula Caldo (2017) sobre receitas de cozinha na Argentina. A pesquisa analisa a utilização de eletrodomésticos (liquidificador, batedeira, geladeira, fogão), a organização da mesa, o serviço à francesa (servir à la russe) e o uso de talheres, destacando como estes elementos se relacionavam com a construção social de papéis de gênero e a ideia de eficiência doméstica, influenciada pelo taylorismo. A figura da professora Maria Amélia e sua influência na formação das alunas é destacada, assim como a relação entre as alunas, a professora e o diretor Lauro Wilhelm em eventos sociais na escola.

1. Práticas e Ensino em Economia Doméstica Preparação para a Vida Doméstica

A disciplina de Economia Doméstica no curso era central na formação das alunas, preparando-as para o que era considerado o papel ideal da dona de casa. O ensino incluía a prática culinária, com preparação de refeições (incluindo almoços, no último ano, e doces, nos anos iniciais), seguindo métodos e normas específicas. As alunas aprendiam receitas ditadas pela professora Maria Amélia, copiando-as em cadernos e criando colagens como parte da avaliação. O uso de eletrodomésticos como liquidificador, batedeira e centrífuga era ensinado, assim como a sua manutenção e limpeza. A organização da mesa, o uso correto dos talheres e as regras de servir (servir à la russe) também eram parte do currículo. Textos como o manual “Minha casa” de Serrano (1958) são referenciados, demonstrando a ênfase na economia, higiene e conforto doméstico, valores associados à “mulher ideal” deste período. A professora Maria Amélia era uma figura central neste processo, transmitindo não apenas receitas, mas também normas e valores sociais relacionados à vida doméstica.

2. Artefatos Domésticos e a Imagem Idealizada da Dona de Casa

A seção analisa os artefatos domésticos presentes nas aulas de Economia Doméstica e sua relação com a construção da imagem idealizada da dona de casa. A sala de aula simulava um ambiente doméstico, com fogões, eletrodomésticos, e uma decoração específica, com cortinas e poltronas floridas. A descrição detalhada da mesa de cozinha em uma aula prática, com seus ingredientes e utensílios, ilustra o foco no preparo de alimentos. A aparência das alunas em fotos é comparada com a imagem idealizada de dona de casa em anúncios publicitários, revelando diferenças entre o ideal e a realidade. A discussão sobre o uso de talheres e a organização da mesa retoma estudos de Elias (1994) sobre a “civilização dos hábitos à mesa”, destacando a relação entre o ritual alimentar, o uso de artefatos específicos e a diferenciação social. O uso da sala de Economia Doméstica para eventos sociais com a presença do diretor e convidados externos destaca a instrumentalização do trabalho das alunas (não remunerado) na promoção da imagem da escola.

3. A Dona de Casa Ideal e a Influência de Manuais Domésticos

A seção discute a construção da imagem da “dona de casa ideal” nos manuais domésticos e sua influência na formação das alunas. A citação de Carvalho (2008) destaca a importância da presença feminina em cada objeto da casa, não só na manutenção, mas no arranjo e na escolha das matérias-primas. A presença de poltronas na sala de estar da sala de Economia Doméstica é analisada como indicativo de territorialidade masculina, contrastando com o sofá como espaço de interação familiar. A discussão aborda o conceito de eficiência doméstica, associando-o ao taylorismo e à ideia da fábrica como metáfora da organização eficiente do lar. Serrano (1958), em seu manual “Minha casa”, é citado para exemplificar como a “economia, higiene e conforto” eram requisitos essenciais para a dona de casa ideal. A combinação de trabalho doméstico com os avanços tecnológicos (eletrodomésticos) e os valores sociais da época é analisada. A perspectiva da aluna Hildegard sobre os ensinamentos da professora Maria Amélia revela a percepção das alunas sobre o propósito do curso: preparar as futuras esposas e mães para a vida doméstica.