
Anais: História da Educação Matemática
Informações do documento
Autor | Miguel Chaquiam |
Curso | História da Educação Matemática |
Tipo de documento | Anais de Congresso |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 22.52 MB |
Resumo
I.O Primeiro Doutorado em Matemática no Brasil e a Imigração de Matemáticos Europeus para a América Latina
Este artigo discute o desenvolvimento da matemática na América Latina, focando no Brasil. Destaca-se o primeiro doutorado em matemática brasileiro, concedido a Joaquim Gomes de Sousa (Sousinha) em 1848, pela defesa de sua tese sobre a investigação de novos astros sem observações diretas. Sousinha publicou trabalhos na Europa, incluindo a Anthologie Universelle (1857). Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma significativa imigração de matemáticos europeus para a América Latina, impulsionada por fatores políticos e dificuldades de emprego na Europa. António Aniceto Monteiro, André Weil, Jean Dieudonné, Alexander Grothendieck, e outros membros do grupo Bourbaki se destacaram em universidades brasileiras, enquanto outros foram para a Argentina e Colômbia. A criação da CNPq/Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e a influência da NSF/National Science Foundation americana modelaram o desenvolvimento científico na região, estimulando bolsas de doutorado nos EUA.
1. O Primeiro Doutorado Brasileiro em Matemática Joaquim Gomes de Sousa
O texto inicia destacando um marco na história da matemática brasileira: a concessão do primeiro doutorado na área a Joaquim Gomes de Sousa, conhecido como Sousinha, em 1848. Sua tese, intitulada “Dissertação sobre o modo de indagar novos astros sem auxílio das observações diretas”, demonstra uma excepcionalidade na época, ainda mais considerando sua juventude e origem maranhense. Apesar do foco da tese não ser diretamente a matemática, a menção a este feito ressalta a existência de um jovem estudioso brasileiro com produção acadêmica relevante em uma área científica, antecipando a trajetória do desenvolvimento científico no país. Posteriormente, em 1854, Sousa viajou para a Europa, apresentando seus trabalhos na Académie des Sciences de Paris e na Royal Society de Londres, e culminando na publicação da obra 'Anthologie Universelle. Choix des Meilleurs Poésies Lyriques de Diveres Nations dans les Langues Originales', um compêndio de quase mil páginas publicado em 1857 pela Editora Brockhaus de Leipzig. É importante notar que seus trabalhos matemáticos só foram publicados postumamente, em 1882, com o título 'Joaquim Gomes de Souza. Mélanges de Calcul Integral', em uma edição patrocinada pelo governo brasileiro e impressa na Imprimérie de F. A. Brockhaus, em Leipzig, com revisão de Edouard Lucas e prefácio de Charles Henry. Esse atraso na publicação evidencia as dificuldades e o contexto da época para a divulgação de trabalhos científicos brasileiros no exterior, salientando a importância do reconhecimento internacional posterior.
2. A Imigração de Matemáticos Europeus para a América Latina após a Segunda Guerra Mundial
A segunda parte do excerto analisa a imigração de matemáticos europeus para a América Latina após a Segunda Guerra Mundial, um fenômeno que teve grande impacto no desenvolvimento da matemática na região. A motivação para essa imigração foi dupla: dificuldades no mercado de trabalho universitário europeu e razões políticas, com muitos cientistas buscando refúgio em países latino-americanos. O texto cita como exemplo a ida do português António Aniceto Monteiro para o Rio de Janeiro e, posteriormente, para Bahia Blanca (Argentina), destacando a importância política dessa movimentação. Outros exemplos incluem a presença de membros do grupo Bourbaki (André Weil, Jean Dieudonné, Alexander Grothendieck) na Universidade de São Paulo; Wilhem Damköhler (alemão) na Argentina; John M. Horvath (húngaro) na Colômbia; e Manuel Balanzat (espanhol) na Argentina e Venezuela. A menção especial a quatro matemáticos portugueses – José Morgado, Manoel Zaluar Nunes, Antônio Pereira Gomes e Ruy L. Gomes – que foram responsáveis pela criação de um Instituto de Matemática na Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, evidencia a contribuição da imigração para o fortalecimento de centros de pesquisa matemática em diferentes regiões da América Latina. A criação de novos institutos e a presença destes matemáticos estrangeiros impulsionaram o desenvolvimento da matemática no país.
3. A Influência Americana no Desenvolvimento Científico Latino Americano
A seção finaliza com a análise do crescimento da influência americana no desenvolvimento científico na América Latina, incluindo o Brasil. A criação da NSF (National Science Foundation) nos Estados Unidos serviu como modelo para a criação de agências científicas em diversos países latino-americanos, como CONICYT e CONACYT. No Brasil, foi criado o CNPq (Conselho Nacional de Pesquisas, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Essas agências implementaram programas de bolsas para doutorado nos Estados Unidos, transformando o país em principal destino para estudantes latino-americanos que buscavam continuar seus estudos no exterior. Os esforços da AAAS (American Association for the Advancement of Science) para estimular a criação de organizações similares nas Américas e a influência da OEA (Organização dos Estados Americanos) reforçam a influência americana e o intercâmbio com os Estados Unidos. Essa forte influência americana se mostra fundamental para a criação de um padrão para o desenvolvimento científico e tecnológico em toda a América Latina, afetando diretamente a formação de pesquisadores brasileiros em matemática e em outras áreas.
II.O Desenvolvimento da Matemática no Brasil Simpósios e Colóquios
O texto analisa o desenvolvimento da matemática no Brasil a partir da participação em simpósios e colóquios. São mencionados matemáticos como Leopoldo Nachbin (Teorema de Stone-Weierstrass e Holomorfismo), Luis Santaló (Geometria Integral), e Francis D. Murnangham (ITA/Instituto Tecnológico de Aeronáutica), entre outros. O artigo destaca a importância dos Colóquios Brasileiros de Matemática, iniciados em Poços de Caldas e, posteriormente, realizados no IMPA/Instituto de Matemática Pura e Aplicada no Rio de Janeiro. A análise da participação e distribuição geográfica dos pesquisadores, bem como dos tópicos de estudo nos colóquios, é proposta como um projeto de pesquisa para a história da matemática na América Latina. A influência americana no desenvolvimento da pesquisa matemática brasileira é evidente, com a criação de agências de fomento e programas de bolsas nos Estados Unidos.
1. Simpósios e a Visão do Desenvolvimento da Matemática na América do Sul
O texto menciona a realização de simpósios com a participação de matemáticos nacionais, imigrantes e visitantes, proporcionando um panorama, embora não exaustivo, da atividade matemática na América do Sul por volta de 1950. A participação de Leopoldo Nachbin (Universidade do Brasil), com trabalhos sobre o Teorema de Stone-Weierstrass e pesquisa em Holomorfismo e Teoria da Aproximação, é destacada. Outros nomes importantes incluem Luis Santaló (Facultad de Ciências de La Plata, Argentina), conhecido por suas pesquisas em Geometria Integral; Francis D. Murnangham, que estabeleceu um grupo de pesquisa em Matemática Aplicada e Teoria das Matrizes e Quaterniões no ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica); Mischa Cotlar (Facultad de Ciências de Buenos Aires) e R. Ricabarra (Teoria Ergódica); Mario O. González (Universidad de la Habana, Cuba) em Equações Diferenciais; e Alberto González Domínguez (Facultad de Ciências de Buenos Aires) em Distribuições e Funções Analíticas. A lista de participantes, no entanto, não é completa e a seleção dos convidados sugere a existência de um jogo de poder no meio acadêmico, uma questão que merece investigação posterior, segundo o texto. A participação seletiva nesses simpósios serviu como indicador do fortalecimento de grupos de pesquisa emergentes na região, enfatizando a necessidade de estudos mais aprofundados sobre a vida e obra de cada um dos participantes, priorizando a pesquisa em História da Matemática na América Latina.
2. Os Colóquios Brasileiros de Matemática Um Panorama do Desenvolvimento da Matemática no Brasil
A seção descreve os Colóquios Brasileiros de Matemática, iniciados em Minas Gerais com duração de três semanas e posteriormente realizados a cada dois anos em Poços de Caldas, com duração de duas semanas em julho. A partir do 16º Colóquio (1987), o evento passou a ser realizado no Rio de Janeiro, na sede do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), com duração de uma semana e um número significativamente maior de participantes (725). A mudança de local para o IMPA demonstra uma consolidação da área e a centralização da pesquisa em matemática no Rio de Janeiro. A análise das programações desses colóquios, incluindo a identificação dos participantes, sua distribuição geográfica, conferências e tópicos de estudo, é sugerida como um projeto de pesquisa fundamental para a compreensão do desenvolvimento da matemática na América Latina. A ampla presença de pesquisadores da região, tanto cientistas reconhecidos quanto jovens pesquisadores, reforça a importância desses eventos para a formação e divulgação da pesquisa matemática no Brasil e na América Latina. O texto conclui apontando que este projeto de pesquisa seria necessário para a História da Matemática na América Latina.
III.A Migração de Cientistas Durante as Ditaduras Militares na América Latina
O documento aborda a migração de cientistas durante as ditaduras militares na América Latina. Inicialmente, houve um movimento entre países que não estavam sob regimes militares, seguido por uma migração para o México e Venezuela. Após a redemocratização, alguns cientistas retornaram, enquanto outros mantiveram suas posições. O Simpósio Internacional sobre “La migración de Científicos en los Países del Cono Sur” (1986) é mencionado como fonte de estudo. A análise desse período é complexa, devido às implicações políticas e pessoais envolvidas.
1. Migração durante as Ditaduras Um Fluxo Inicial e Posterior
O texto descreve um intenso movimento migratório de cientistas na América Latina durante os regimes militares. Inicialmente, a migração ocorreu entre os países que ainda não haviam sofrido golpes militares, buscando refúgio em nações com regimes democráticos. Posteriormente, o fluxo migratório se intensificou, direcionando-se principalmente para o México e a Venezuela, países que mantiveram regimes democráticos durante um período conturbado na região. Essa movimentação geográfica de cientistas é um reflexo direto do clima político instável e da repressão sofrida em diversos países da América do Sul. A análise deste período é complexa e sensível, considerando as implicações políticas e pessoais envolvidas na escolha de migrar ou permanecer em seus países de origem. O texto destaca a dificuldade de se traçar uma linha divisória entre aqueles que se opunham aos regimes militares e aqueles que os apoiavam, indicando a complexidade e as nuances que permeiam a análise histórica deste período conturbado.
2. Retorno e Manutenção de Posições Após a Redemocratização
Após a redemocratização de países como Argentina (1983), Brasil (1984), Uruguai (1984) e Chile (1989), o texto observa que alguns cientistas retornaram a seus países de origem e recuperaram suas posições acadêmicas, enquanto outros conseguiram manter as posições conquistadas durante os regimes militares e após a transição democrática. Essa diversidade de trajetórias demonstra a complexidade das experiências individuais no contexto de ditaduras e redemocratização. A análise da história contemporânea, segundo o texto, é uma tarefa desafiadora, pois envolve processos em curso e pode ser suscetível a sensibilidades políticas e pessoais. A observação aponta para a necessidade de cautela e sensibilidade na análise histórica deste período, reconhecendo as diferentes realidades e trajetórias individuais, além das implicações políticas e ideológicas envolvidas. A complexidade dos processos políticos e sociais da época torna a pesquisa sobre este tema ainda mais relevante e necessitada de uma abordagem cuidadosa.
3. O Simpósio Internacional sobre Migração de Cientistas no Cone Sul
O texto menciona um evento específico que se relaciona diretamente com a temática da migração de cientistas: o Simpósio Internacional sobre “La migración de Científicos en los Países del Cono Sur: determinações económicas y políticas”, organizado em julho de 1986 pela Fundación para el Estudio del Pensamiento Argentino, presidida pela Drª Celina Lértora Mendoza, em Buenos Aires. Este simpósio serviu como espaço de discussão sobre a migração de cientistas no Cone Sul, considerando contextos econômicos e políticos. As fontes utilizadas no simpósio, somadas à consideração dos diversos contextos (econômico, político, social e científico), permitiram uma análise contextualizada, que descreveu e caracterizou diferentes etapas históricas e ofereceu explicações fundamentadas para diversos eventos ocorridos na época. O texto cita a influência de importantes intelectuais e didatas como Schubring, Choppin e Kühnel nas orientações teórico-metodológicas utilizadas na análise do simpósio, reforçando a importância de uma abordagem metodológica sólida para a pesquisa em história contemporânea e, em particular, para a migração de cientistas em períodos de instabilidade política.
IV.O Ensino de Matemática na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ
Esta seção investiga o ensino de matemática na ESALQ/Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz entre as décadas de 1920 e 1970. O estudo utiliza diversas fontes, incluindo os Anais da ESALQ, legislações, diários de professores e registros burocráticos. O foco está nas mudanças ocorridas na instituição e no ensino da matemática desde 1901, considerando a influência do método intuitivo no ensino de aritmética, álgebra, e geometria. Livros didáticos como Álgebra Elementar e Trigonometria com Geometria (Raja Gabaglia), Aritmética Elementar (Viana e Trajano), e Geometria Elementar (Clairaut) são mencionados. A formação endógena do corpo docente da ESALQ é também abordada, mostrando a alta porcentagem de ex-alunos como professores.
1. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz ESALQ Início e Formação
A seção analisa o ensino de matemática na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) entre as décadas de 1920 e 1970, iniciando com uma breve retrospectiva de sua história, desde sua inauguração oficial em 1901 pelo governo do Estado de São Paulo até sua consolidação como escola de formação superior. A pesquisa se baseia em diversas fontes: o periódico Anais da Escola Superior de Agronomia “Luiz de Queiroz”, legislações, diários de professores, livros de registros burocráticos da escola. A ESALQ, inicialmente uma escola agrícola prática, tinha o objetivo de formar cultivadores capazes de explorar propriedades rurais de forma racional e econômica. O curso, com duração de três anos, incluía matemática elementar como disciplina inicial, mas com ênfase na prática e na utilidade agrícola, segundo o Decreto de dezembro de 1900. Livros didáticos utilizados nos anos iniciais incluem: Álgebra Elementar e Trigonometria com Geometria para escolas secundárias (Eugênio de Barros Raja Gabaglia), Aritmética Elementar (Viana e Trajano) e Geometria Elementar (Clairaut). A seleção de livros e a ênfase na prática refletem o contexto histórico e as necessidades da formação de agrônomos na época. A formação inicial dos professores se dava por indicação do Secretário da Agricultura e nomeação pelo governo, exigindo-se dos alunos idade mínima de 16 anos e aprovação em exames preparatórios em português, francês, aritmética elementar e noções de ciências naturais. A alta taxa de evasão e reprovação nos anos iniciais, segundo a pesquisa, indica a deficiência do ensino de matemática no ensino secundário da época.
2. Mudanças na ESALQ e a Busca pela Equivalência com Escolas de Engenharia
O texto destaca mudanças na estrutura da ESALQ em 1925, com a criação de uma nova cadeira de zoologia, alterações na cadeira de engenharia rural (incluindo geometria descritiva), e a ampliação dos cursos de matemática e desenho. A partir desse ano, alunos aprovados em todas as matérias recebiam o diploma de engenheiro agrônomo, uma mudança significativa que visava a equivalência com escolas de engenharia de nível superior. Essa estratégia, provavelmente em resposta à Lei Estadual de 1924 que regulamentava as profissões de engenheiro, arquiteto e agrimensor, limitava a atuação dos agrônomos diplomados pela ESALQ apenas a divisão e demarcação de propriedades rurais, mostrando a busca por uma formação mais completa e reconhecida. As mudanças demonstram uma evolução da ESALQ, buscando se equiparar a outras instituições de ensino superior e expandir a formação dos seus alunos, incluindo uma maior gama de conteúdos matemáticos. A formação endógena do corpo docente da ESALQ é também relevante, com 67% dos docentes entre 1903-1930 sendo ex-alunos da própria escola, indicando uma continuidade na tradição e na formação interna da instituição.
3. Método Intuitivo Avaliação e Formação Docente na ESALQ
O método intuitivo continuou a orientar as atividades da ESALQ, com a escola fornecendo o material necessário aos professores. O ensino teórico, pelo método intuitivo, visava levar os alunos a exercitar-se na repetição de demonstrações e iniciar-se em investigações pessoais (Decreto nº 3.070, de 10 de junho de 1919). A avaliação dos alunos se tornou mais detalhada, com diferentes tipos de avaliação e pesos para arguição, prática, exames parciais, prova oral e frequência. As notas, de 0 a 10, deveriam ser registradas diariamente nas cadernetas dos professores. A necessidade de uma disciplina de 'Revisão de Matemáticas' evidencia a deficiência na formação matemática dos alunos que ingressavam na ESALQ, muitos vindo de escolas secundárias com pouca estrutura, como apontado por Molina (2011) e Elias Neto (2000), especialmente na região de Piracicaba. Esta disciplina abrangia conteúdos como expressões algébricas, polinômios, simplificação de frações algébricas, equações de primeiro e segundo grau, progressão aritmética e geométrica, logaritmos, tábuas de logaritmos, juros compostos e noções de geometria euclidiana plana, demonstrando as dificuldades enfrentadas pelos alunos em sua formação prévia e a necessidade de um reforço desses conceitos na ESALQ.
V.Análise do livro Ensaios sobre o ensino em geral e o de matemática em particular de Lacroix
O artigo analisa a obra de Silvestre François Lacroix, Ensaios sobre o ensino em geral e o de matemática em particular (1838), examinando a apropriação de ideais iluministas no ensino de matemática. A pesquisa utiliza a Hermenêutica de Profundidade como referencial metodológico. São analisadas as ideias de Lacroix sobre metodologias de ensino, com foco na influência de pensadores iluministas como Condorcet, D’Alembert, e a importância da matemática na formação do cidadão. A análise considera aspectos sócio-históricos, formais/discursivos, e interpretativos da obra.
1. A Obra de Lacroix Uma Investigação sobre o Ensino de Matemática
O texto apresenta uma análise do livro "Ensaios sobre o ensino em geral e o de matemática em particular", de Silvestre François Lacroix (1838), utilizando como referencial metodológico a Hermenêutica de Profundidade. A obra de Lacroix, diferente de um livro didático comum, é descrita como uma investigação que questiona e busca registrar historiograficamente o ensino de matemática. O objetivo da análise é desenvolver um exercício analítico dessa obra, considerando sua estrutura diferenciada e seu posicionamento sobre educação em geral e ensino de matemática em particular. A Hermenêutica de Profundidade, conforme Thompson (1995), sugere uma abordagem que vincula elementos historiográficos e sociológicos, enraizada na fenomenologia hermenêutica de Paul Ricoeur. Essa metodologia propõe três momentos analíticos interligados: a análise sócio-histórica, a análise formal ou discursiva e a interpretação/reinterpretação (Andrade, 2012). A escolha por este referencial metodológico indica uma busca por uma compreensão profunda da obra de Lacroix, considerando seu contexto histórico e suas implicações sociais além do conteúdo matemático propriamente dito.
2. O Iluminismo e a Pedagogia de Lacroix Influências e Práticas
A análise da obra de Lacroix revela uma forte influência do pensamento iluminista, especialmente pela defesa das Escolas Centrais e de sua estrutura. Lacroix via a cultura científica como um meio de desenvolver as faculdades intelectuais e fornecer preceitos aplicáveis à vida e às necessidades da sociedade, alinhado às ideias de Condorcet sobre a utilidade da instrução. Metodologicamente, em aritmética, Lacroix propunha exercícios de transformação entre linguagem comum e números, aproximando-se da ideia de numeração escrita e falada de Condorcet. Essa estratégia didático-metodológica, segundo Lacroix, atraía a atenção dos alunos e dava-lhes segurança para cálculos mais complexos. Ele se preocupava em associar os cálculos a relações sociais comuns, buscando a autonomia dos alunos. A ênfase na qualidade dos exemplos, e não na quantidade, aproxima-se das concepções de Condorcet e D’Alembert. D’Alembert defendia que o professor não deveria oferecer o conhecimento pronto, mas sim proporcionar atividades que levassem ao uso do raciocínio, pois a aprendizagem depende do esforço mental. A obra de Lacroix, assim, reflete o contexto do Iluminismo e sua influência no ensino de matemática, valorizando o raciocínio, a aplicação prática do conhecimento e a autonomia do aluno.
3. Marcas do Iluminismo no Discurso de Lacroix e Escolhas Metodológicas
O texto identifica várias marcas do Iluminismo no discurso de Lacroix: a priorização da matemática entre os conhecimentos humanos; a defesa do acesso universal à ciência; a preocupação com a aprendizagem do aluno e formação do professor; a crença no saber matemático como essencial à formação do cidadão; a valorização do conhecimento matemático e sua relação com o avanço da razão; a rejeição da memorização; a preferência por poucos e bons exemplos; o estímulo à autonomia do aluno; a preocupação com a linguagem matemática; e a aproximação do ensino de ciências e matemática com as relações sociais. A defesa de uma instrução útil e gratuita também é destacada. A ausência de referências à participação feminina no ensino e a crença na origem das ideias nas sensações também são apontadas. Metodologicamente, a pesquisa se alinha às concepções de Alfonso-Goldfarb (2008), articulando as esferas epistemológica, historiográfica e contextual-histórica na análise da obra. Essa abordagem busca compreender os aspectos intrínsecos das teorias e práticas científicas, o contexto histórico da obra e as diferentes perspectivas historiográficas sobre o tema.
VI.Os Manuscritos de Charles Sanders Peirce sobre Aritmética Elementar
Este estudo apresenta uma pesquisa sobre os manuscritos de Charles Sanders Peirce, conhecidos como Primary Arithmetics, voltados para o ensino de aritmética elementar. A pesquisa utiliza a Hermenêutica de Profundidade, focando na tradução dos textos do inglês para o português e em sua análise. A pesquisa contribui para a história da matemática e da educação matemática, especialmente considerando a escassez de traduções desses manuscritos.
1. Os Manuscritos Primary Arithmetics de Charles Sanders Peirce Introdução e Objetivo
O texto apresenta uma pesquisa em andamento sobre os manuscritos de Charles Sanders Peirce, conhecidos como Primary Arithmetics. Esses manuscritos, fragmentos de textos não concluídos nem publicados pelo autor, eram destinados ao ensino de aritmética elementar nas séries iniciais do sistema educacional americano, alinhando-se à perspectiva curricular dos três R's (Reading, wRiting, aRitmetics). A pesquisa se encontra em fase inicial e destaca a escassez de conhecimento sobre os trabalhos de Peirce em matemática elementar e a ausência de traduções desses fragmentos para o português. Um dos objetivos principais do projeto é suprir essa lacuna, contribuindo tanto para a História da Matemática quanto para a História da Educação Matemática, já que os materiais analisados são livros didáticos e sugestões para professores de matemática no ensino primário. A metodologia escolhida é a Hermenêutica de Profundidade (HP), proposta por John B. Thompson, que propõe três movimentos analíticos: sócio-histórico, formal ou discursivo, e interpretação/reinterpretação. Essa abordagem multifacetada busca compreender a complexidade desses manuscritos, considerando seu contexto histórico, sua estrutura textual e suas implicações pedagógicas.
2. Tradução e Hermenêutica dos Manuscritos Desafios e Considerações
A pesquisa envolve o exercício de tradução e hermenêutica dos manuscritos de Peirce, reconhecendo as dificuldades inerentes a este processo. O texto destaca que o tradutor busca “dizer quase a mesma coisa” que o autor, pois dizer exatamente a mesma coisa é impossível, considerando as diferenças entre a língua inglesa (saxônica) e a língua portuguesa (latina). A dificuldade em mensurar o erro em uma tradução, por sua dependência da interpretação do tradutor, é também mencionada. Para minimizar esse problema, a pesquisa enfatiza a necessidade de uma revisão cuidadosa por um terceiro e uma grande vivência do tradutor tanto na língua de origem quanto na língua de destino. A experiência do tradutor com a temática da Educação Matemática também é considerada fundamental. O processo de tradução, assim, é apresentado como um exercício complexo, que exige cuidado, precisão e uma profunda compreensão tanto das nuances linguísticas quanto do contexto histórico e educacional em que os manuscritos foram produzidos.
3. Análise Formal ou Discursiva dos Manuscritos Abordagens Metodológicas
A análise formal ou discursiva dos manuscritos, segundo a metodologia da Hermenêutica de Profundidade, é descrita como a análise interna da forma simbólica, focando em sua materialidade e manifestação. O texto destaca a importância de se aprofundar neste movimento analítico, sugerindo diferentes abordagens: análise semiótica (observando características estruturais e elementos constitutivos); análise sintática (focando nas frases e categorização das palavras); análise narrativa (analisando o modo como a história é contada); análise argumentativa (compreendendo a harmonia e coerência interna da obra); e análise de conversação (interpretando a interação linguística). Essas diferentes perspectivas de análise, ainda em fase inicial de desenvolvimento, buscam desvendar os aspectos intrínsecos da obra de Peirce, suas escolhas e suas intenções pedagógicas. A pesquisa em Primary Arithmetics, portanto, é apresentada como um estudo cuidadoso e multifacetado que busca elucidar aspectos pouco conhecidos da obra de Peirce relacionados à aritmética elementar, sua perspectiva pedagógica e as implicações para o ensino de matemática.
VII.O Ensino de Matemática pelos Jesuítas no Rio Grande do Sul
Este artigo investiga o ensino de matemática pelos jesuítas no Rio Grande do Sul a partir de 1844. A pesquisa analisa a contribuição dos jesuítas na organização de escolas paroquiais e no Ginásio Conceição em São Leopoldo, incluindo os conteúdos matemáticos trabalhados e os livros didáticos utilizados. A análise dos livros didáticos de aritmética abrange as orientações metodológicas e as atividades matemáticas abordadas.
1. A Retomada da Ordem Jesuíta e a Organização das Escolas Paroquiais
O artigo analisa o ensino de Matemática sob a perspectiva dos Jesuítas no Rio Grande do Sul, a partir da retomada da ordem no estado em 1844. A investigação inicia com a análise do trabalho desenvolvido pelos Jesuítas na organização das escolas paroquiais. O foco principal é a contribuição dos jesuítas para a educação no contexto da restauração católica, com o estabelecimento de uma proposta pedagógica comum em todas as escolas. Este período é caracterizado por um projeto de restauração católica que visava uma homogeneização do ensino em todas as escolas paroquiais sob a responsabilidade dos jesuítas, influenciando diretamente a forma como a matemática era ensinada. A pesquisa busca entender qual foi a influência da ordem Jesuíta na estruturação do ensino e como isso se refletiu na abordagem da matemática no contexto do Rio Grande do Sul, buscando analisar os métodos e materiais utilizados, além da estrutura das escolas paroquiais que estavam sob a sua responsabilidade.
2. Matemática no Cotidiano e o Ginásio Conceição
Em seguida, o texto destaca a importância da Matemática no cotidiano dos alunos, buscando integrar o conhecimento matemático à realidade dos estudantes. Esta abordagem demonstra uma preocupação em tornar o ensino mais prático e relevante para a vida dos alunos. O estudo apresenta, então, o Ginásio Conceição em São Leopoldo (RS) como um caso específico de escola jesuíta no Rio Grande do Sul. A análise do Ginásio Conceição acompanha a instituição desde sua fundação até o encerramento de suas atividades, destacando os conteúdos de Matemática trabalhados e os autores dos livros didáticos utilizados. A escolha dos livros didáticos, os métodos de ensino empregados e a própria seleção dos conteúdos matemáticos são analisados para verificar a influência da doutrina jesuíta sobre o ensino da matemática e como ela se adaptava ao contexto local e à realidade dos alunos.
3. Análise de Livros Didáticos de Aritmética Metodologias e Atividades
A última parte da análise se concentra nos livros didáticos de Aritmética utilizados tanto nas escolas paroquiais quanto no Ginásio Conceição. Este estudo detalhado investiga as orientações metodológicas presentes nesses livros e as atividades matemáticas propostas. Através da análise dos livros didáticos, a pesquisa procura entender como os jesuítas transmitiam o conhecimento matemático, quais métodos pedagógicos eram empregados e como a matemática era integrada ao currículo. A análise busca compreender a abordagem didática dos jesuítas no ensino da aritmética, identificando estratégias de ensino e a relação entre os conteúdos matemáticos e as atividades práticas propostas nos livros didáticos. Esta análise dos materiais didáticos contribui para um entendimento mais profundo da contribuição dos jesuítas para o ensino de matemática no Rio Grande do Sul, considerando a perspectiva histórica do contexto em que atuaram.
VIII.Formação e Atuação de Professores de Matemática no Interior do Rio Grande do Norte
Este artigo explora a formação e atuação de professores de matemática no interior do Rio Grande do Norte entre as décadas de 1950 e 1980, usando a história oral como metodologia. A pesquisa se concentra na trajetória do professor Raimundo de Freitas Melo, explorando as possibilidades de formação existentes na época, e comparando com os atuais cursos de formação. A metodologia considera as narrativas como construções subjetivas e inventivas.
1. O Papel dos Jesuítas na Organização Escolar no Rio Grande do Sul
A pesquisa investiga a influência da ordem Jesuíta no ensino da Matemática no Rio Grande do Sul, iniciando pela análise da sua contribuição na organização das escolas paroquiais após a retomada da ordem em 1844. O foco está no projeto de restauração católica que implementou uma proposta pedagógica comum a todas as escolas, buscando entender como essa proposta se refletiu no ensino da matemática. A investigação analisa a contribuição jesuíta na estruturação do sistema educacional gaúcho, buscando compreender como eles organizaram o ensino da matemática nas escolas sob sua responsabilidade, considerando os aspectos contextuais da época e a inserção da matemática dentro de uma proposta pedagógica mais ampla. O objetivo é identificar as marcas da influência jesuíta na estrutura e nos métodos de ensino da matemática neste período e região.
2. Matemática e Realidade O Ginásio Conceição em São Leopoldo
O estudo destaca a importância da matemática para o cotidiano dos alunos, indicando uma preocupação com a aplicação prática do conhecimento. Em seguida, a pesquisa foca no Ginásio Conceição, em São Leopoldo (RS), como um caso específico da atuação jesuíta no ensino da matemática. A análise desta escola abrange desde sua fundação até o encerramento de suas atividades, investigando os conteúdos matemáticos trabalhados e os autores dos livros didáticos utilizados. O Ginásio Conceição, portanto, serve como um estudo de caso para melhor compreensão das práticas pedagógicas jesuítas e suas escolhas curriculares na área da matemática. A pesquisa busca compreender como o conteúdo matemático era contextualizado dentro da proposta educativa jesuíta e como os conteúdos de matemática eram adaptados para atender à realidade dos alunos e aos objetivos da educação jesuítica.
3. Análise de Livros Didáticos de Aritmética Métodos e Atividades
Finalizando a análise, o texto investiga os livros didáticos de aritmética utilizados tanto nas escolas paroquiais quanto no Ginásio Conceição. A análise desses materiais didáticos busca identificar as orientações metodológicas e as atividades matemáticas propostas, buscando compreender como esses materiais refletiam a pedagogia jesuíta. A escolha dos métodos e atividades presentes nos livros didáticos revela aspectos relevantes da abordagem jesuíta no ensino da matemática, mostrando as estratégias de ensino utilizadas e o tipo de conhecimento matemático considerado importante para os alunos. A pesquisa busca entender como os jesuítas buscavam ensinar aritmética, considerando os métodos pedagógicos e o contexto histórico em que atuaram, analisando o conteúdo e a forma como ele era apresentado aos alunos.