Articulação no ensino básico : estudo de caso

Articulação Escolar: Estudo de Caso

Informações do documento

Autor

Manuel Vítor Gonçalves Leite

instructor Joaquim Machado (Professor Doutor)
Escola

Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional de Braga, Faculdade de Ciências Sociais

Curso Ciências da Educação, Administração e Organização Escolar
Tipo de documento Dissertação de Mestrado (II Ciclo de Estudos)
Local Braga
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 0.94 MB

Resumo

I. u Integração de Saberes Escolares Níveis de Disciplinaridade u

Este estudo analisa a integração curricular em escolas portuguesas, explorando diferentes níveis de disciplinaridade: pluridisciplinaridade (simples justaposição de disciplinas), interdisciplinaridade (interação e comunicação entre disciplinas), e transdisciplinaridade (fusão de saberes que transcende as disciplinas individuais). A pesquisa investiga as dificuldades encontradas na prática, como a rígida estrutura disciplinar das escolas e a falta de tempo e recursos para a colaboração docente. O trabalho destaca a importância dos quatro pilares da educação (aprender a conhecer, a fazer, a viver junto e a ser) da UNESCO, e como a transdisciplinaridade contribui para uma educação integral do ser humano.

1. A Prática Atual de Integração de Saberes

O texto inicia descrevendo a crescente, mas ainda limitada, prática de integração de saberes disciplinares nas escolas portuguesas. Professores, por iniciativa própria, tentam integrar disciplinas, mas na maioria das vezes, o resultado fica aquém do ensino interdisciplinar, muitas vezes se limitando a uma simples animação sociocultural. As dificuldades são enormes, devido a obstáculos impostos pela rígida estrutura disciplinar institucionalizada, mesmo com a boa vontade e dedicação dos professores. As experiências acontecem em salas lotadas, em horários já sobrecarregados, 'roubando' tempo da lecionação de programas extensos. Em resumo, a integração de saberes enfrenta barreiras estruturais e de tempo, apesar do esforço docente.

2. Níveis de Disciplinaridade Da Disciplinaridade à Transdisciplinaridade

O documento define e diferencia os níveis de integração disciplinar: A disciplinaridade é o ponto de partida, permitindo a pluridisciplinaridade (ou multidisciplinaridade), onde várias disciplinas estudam um objeto de uma única disciplina simultaneamente. A interdisciplinaridade envolve a transferência de métodos e conceitos entre disciplinas. Finalmente, a transdisciplinaridade engloba e transcende todas as disciplinas, buscando pontos de intersecção e um vetor comum, reconhecendo o inesgotável presente em cada uma. A abordagem transdisciplinar é destacada como crucial para o novo tipo de educação proposto pela Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI da UNESCO, baseada em quatro pilares: aprender a conhecer, a fazer, a viver junto e a ser. Uma educação integral do ser humano é o objetivo.

3. Pluridisciplinaridade Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade Um Continuum

O texto aprofunda a distinção entre os níveis de integração, descrevendo-os como um continuum. A pluridisciplinaridade representa a associação mínima entre disciplinas, sem grandes alterações na organização do ensino, apenas coordenação entre professores. A interdisciplinaridade, por sua vez, exige maior reorganização do processo de ensino-aprendizagem e cooperação docente contínua, incluindo a transposição de conceitos, terminologias e metodologias. Roldão (1999) defende que criar uma cultura interdisciplinar não implica opor-se às disciplinas, mas sim reorganizá-las. Já a transdisciplinaridade é apresentada como o extremo oposto, uma fusão total de disciplinas, um objetivo difícil de alcançar no sistema atual de ensino português devido à falta de alterações estruturais.

4. Princípios e Níveis de Implementação da Integração

O documento discute os princípios subjacentes ao ensino integrado, diferenciando a pluridisciplinaridade (trabalho paralelo, sem necessidade de confluência de conteúdos) da interdisciplinaridade (reorganização do processo de ensino-aprendizagem e cooperação estreita). São apresentados exemplos práticos de integração, como a integração de fotografia e história de arte no ensino de física, ou a utilização de conhecimentos de física, química e geografia no ensino da matemática. A integração é analisada em três níveis: macro (políticas educativas e elaboração de currículos), intermédio (construção de programas) e micro (realização prática em sala de aula). A situação ideal seria a harmonia entre esses três níveis, mas na prática ocorrem desvios e dificuldades na articulação entre eles, principalmente pela complexidade da elaboração de programas e a resistência a mudanças estruturais.

II. u Articulação Curricular e Transição entre Ciclos u

A investigação foca-se na articulação curricular entre os diferentes ciclos do ensino básico, identificando os desafios na transição entre eles. Analisa-se a influência da estrutura de agrupamentos escolares na continuidade educativa, observando-se que a articulação entre ciclos, embora desejável para o sucesso escolar, enfrenta obstáculos organizacionais e culturais. Estuda-se a experiência de escolas graduadas nos EUA (Quincy School, Boston, 1848), como exemplo histórico de classificação de alunos e estruturação do ensino, e compara-se com a realidade portuguesa, destacando os problemas de transição, particularmente em Matemática e Português, e o impacto na retenção escolar. O estudo menciona o Despacho nº13313/2003, que reorganizou a rede escolar portuguesa em unidades de gestão.

1. Desafios na Transição entre Ciclos do Ensino Básico

O texto destaca a problemática da transição entre os ciclos do ensino básico em Portugal, focando-se nas dificuldades e insucessos escolares que se acentuam nas mudanças de ciclo. Pedro Abrantes (2008b) aponta a perda de alunos na entrada de cada ciclo, especialmente no 2º ano e no início do 2º e 3º ciclos (7º e 10º anos). A redução da taxa de retenção entre 1995 e 2005 foi ténue, com aumento de problemas nos 5º e 7º anos, indicando dificuldades na transição. O Relatório Final do Debate Nacional sobre a Educação (CNE, 2007) também alerta para a necessidade de atenção especial à articulação entre a educação de infância e o 1º ciclo, e entre os ciclos subsequentes, especialmente do 1º para o 2º, devido às altas taxas de insucesso e abandono nesses anos iniciais. A articulação entre ciclos é, portanto, apresentada como um fator crucial para o sucesso escolar.

2. Modelo de Escola Graduada Uma Perspectiva Histórica

O documento faz uma breve comparação com o modelo de escola graduada nos EUA, iniciada em Boston em 1848 com a Quincy School, sob a liderança de John Philbrick. Este modelo, baseado na classificação dos alunos por nível de conhecimento e na organização em séries, é apresentado como um exemplo de estruturação do ensino. A classificação dos alunos, inicialmente vista como critério de renovação educacional, tornou-se um problema institucional, exigindo critérios de promoção e exames, bem como um plano de estudos sistematizado. Este modelo histórico serve como contraponto para a discussão das dificuldades da articulação curricular no contexto português atual.

3. A Transição como um Processo Curricular e suas Implicações

A transição entre ciclos é analisada como um processo com implicações curriculares e culturais, marcando momentos de rutura e descontinuidade na experiência dos alunos. San Fabián (s.d.) considera essas transições como ritos de passagem, momentos de crise que implicam mudanças de ambiente, estatuto e expectativas. A passagem de um ciclo para outro envolve mudanças de escola, professores, currículo e estilos pedagógicos, afetando profundamente os alunos, com implicações psicológicas, pedagógicas e socioculturais. A investigação de Pedro Abrantes (2008a) mostra a influência de múltiplos atores (professores, família, alunos, etc.) na escolha de escola e composição das turmas, refletindo a busca por diferenciação dentro do sistema.

4. Articulação entre Ciclos Estratégias e Dificuldades

O texto discute estratégias para atenuar os riscos da transição entre ciclos, como a colaboração estreita entre professores de diferentes ciclos, a partilha de informações em reuniões e documentos, e o conhecimento prévio dos alunos, considerando aspetos académicos e pessoais. A pesquisa de Duarte (2009) indica que apenas 31% dos relatórios de avaliação externa mostraram evidências claras de articulação entre ciclos, destacando a liderança do Conselho Executivo como fator promotor em alguns casos. Em contrapartida, observa-se que os maiores problemas de transição foram encontrados em colégios privados, onde a familiaridade do ambiente não garante o sucesso na transição, ao contrário do que poderia ser esperado. O novo ordenamento da rede escolar, com a criação de agrupamentos, é visto como uma potencial mais-valia para a continuidade educativa, mas as escolas são descritas como organizações complexas, onde a mudança depende não só de modelos administrativos, mas também da cultura das pessoas e instituições.

III. u Práticas Colaborativas e Integração na Escola u

A pesquisa examina as práticas colaborativas entre professores e a sua influência na integração de saberes. Analisa-se a cultura docente, distinguindo a colaboração genuína da 'colegialidade artificial' (imposta administrativamente). A investigação utiliza análise de documentos (Projeto Educativo, Projeto Curricular, atas de departamentos curriculares, etc.) e entrevistas com professores para avaliar a articulação entre os níveis macro (políticas educativas), intermédio (elaboração de programas) e micro (situações de ensino). O estudo constata que a falta de tempo para reuniões e a carência de recursos são obstáculos à integração, embora haja iniciativas de colaboração, como o uso de plataformas digitais (ex: Dropbox) e reuniões periódicas. A formação profissional dos professores também é apontada como um fator relevante.

1. Culturas Docentes e Colaboração Colaboração vs. Colegialidade Artificial

O texto discute a importância da cultura docente na promoção da colaboração e integração de saberes. Hargreaves (2001) identifica quatro tipos de culturas docentes: individualismo, colaboração, colegialidade artificial e balcanização. O foco aqui é na colaboração genuína e na colegialidade artificial. A colaboração, baseada na confiança e apoio mútuo, fomenta a experimentação e o aperfeiçoamento contínuo. A colegialidade artificial, em contraponto, surge de imposições administrativas, resultando em colaboração forçada, com horários e locais pré-definidos, buscando resultados previsíveis. Essa colaboração imposta é considerada uma simulação administrativa da verdadeira colaboração, controlada e inventada pelos administradores, substituindo formas espontâneas e imprevisíveis de trabalho conjunto.

2. Análise de Documentos e Práticas Colaborativas

A pesquisa analisou documentos orientadores (Projeto Educativo, Projeto Curricular, Plano Anual de Atividades, Projeto Curricular de Turma, Regulamento Interno, relatórios de autoavaliação e avaliação externa) para identificar as práticas de colaboração na escola. Ozga (2000) é citada, defendendo a análise de textos políticos (incluindo documentos escolares) como uma técnica de investigação fundamental. A análise dos documentos revela diferentes abordagens à articulação curricular: articulação entre ciclos, articulação vertical e horizontal, com diferentes formas de operacionalização (reuniões conjuntas, periódicas, etc.). A iniciativa para a integração pode vir de dentro ou de fora da escola (Ministério da Educação, Universidades, Centros de Formação de Professores, Projetos de Investigação).

3. A Importância do Empenho Docente e dos Apoios Externos

O sucesso da integração depende fundamentalmente do empenho dos professores, mas apoios externos são importantes, especialmente em projetos de grande dimensão. Pacheco & Paraskeva (1999) criticam modelos de mudança 'top-down', onde os professores não são considerados líderes curriculares, ignorando a realidade escolar. Para esses autores, o desenvolvimento curricular deve ser centralizado na escola ou nos professores, promovendo a liderança curricular e alterando as relações de poder. A pesquisa destaca a necessidade de apoio e recursos para a colaboração, incluindo tempo e verbas financeiras para projetos. Há exemplos de escolas que fornecem um dia específico para reuniões ou utilizam ferramentas digitais (e-mail institucional, Dropbox) para facilitar a comunicação e a partilha de materiais.

4. Práticas Colaborativas Evidências e Dificuldades

A investigação recorreu a entrevistas com professores para compreender a colaboração na prática. As entrevistas revelam diferentes níveis de colaboração, desde a simples partilha de materiais e alinhamento de avaliações até a elaboração conjunta de projetos curriculares. A falta de tempo para reuniões e a divergência de metodologias de trabalho, por vezes ligadas à formação profissional de professores de diferentes gerações, são obstáculos à colaboração mais profunda. No entanto, alguns professores relatam iniciativas de colaboração eficaz, como reuniões regulares, partilha de recursos e até mesmo a formação mútua entre professores de diferentes ciclos. A organização escolar, e a gestão do tempo, aparecem como fatores críticos que determinam o sucesso ou não dessas iniciativas.

IV. u Implicações da Organização Escolar na Integração u

Finalmente, o estudo aprofunda como a organização escolar impacta na integração curricular e na articulação entre ciclos. Destaca a importância do papel da direção escolar na promoção da colaboração docente, e como a falta de tempo e recursos afetam a implementação de práticas integradas. Os Projetos Curriculares de Turma (PCT) e a atuação dos departamentos curriculares são analisados como instrumentos para a articulação. A pesquisa evidencia a necessidade de superar a cultura de individualismo e especialização disciplinar, promovendo um trabalho em equipa que respeite a sequencialidade e as necessidades reais dos alunos, a fim de melhorar o sucesso escolar e a continuidade educativa. A investigação também destaca as diferentes perspectivas sobre a articulação, com exemplos práticos de como a integração se manifesta (ou não) em diferentes escolas.

1. A Organização Escolar e a Continuidade Educativa

A organização escolar desempenha um papel crucial na promoção da continuidade educativa entre ciclos. No entanto, a simples existência de estruturas como os agrupamentos escolares (conforme o Despacho nº 13313/2003), não garante a efetiva implementação de práticas colaborativas. Formosinho (2000b) caracteriza as escolas como organizações 'das pessoas para as pessoas', onde os modelos de administração e gestão não determinam, por si só, a adoção de novas práticas. A mudança é um processo gradual, que afeta a cultura das pessoas e das instituições. Alicerçar o início de um ciclo nos conhecimentos do ciclo anterior é essencial para facilitar as transições e promover o sucesso educativo, caracterizando o ensino como um todo global no processo de crescimento do indivíduo (Nabuco, 1992, citado por Cruz, 2008).

2. O Impacto da Estrutura de Agrupamentos Escolares

O estudo aborda o impacto do novo ordenamento da rede escolar em agrupamentos, analisando sua influência na articulação entre ciclos. Embora o objetivo seja a promoção da continuidade educativa, a eficácia depende de fatores além da estrutura formal. A pesquisa indica que, mesmo em agrupamentos, a articulação entre ciclos pode ser débil ou inexistente, como demonstrado por Duarte (2009), que em sua análise de relatórios de avaliação externa encontrou evidências de articulação em apenas 31% dos casos. A falta de clareza sobre o alcance dessa articulação (atores envolvidos, mecanismos utilizados) reforça a complexidade do processo. O papel do Conselho Executivo é destacado na promoção da articulação, mas a ênfase em órgãos como os Conselhos de Docentes, Departamentos Curriculares e Conselho Pedagógico foi mencionada apenas uma vez, evidenciando a fragilidade dessas práticas em muitos casos.

3. A Perspectiva dos Professores sobre a Organização Escolar

A pesquisa inclui entrevistas com professores para compreender sua percepção sobre a organização escolar e sua influência na colaboração. Muitos professores apontam a falta de tempo disponível como um grande obstáculo para o trabalho colaborativo. Embora alguns destaquem a disponibilidade da direção escolar para projetos e iniciativas, a escassez de tempo para reuniões, especialmente além do horário letivo, é uma barreira recorrente. Há exemplos de colaboração em algumas disciplinas (Português e Matemática), onde existem horários reservados para reuniões, mas em outras áreas essa colaboração é mais difícil, recorrendo-se a meios informais (encontros pontuais, uso do Dropbox). A formação profissional dos professores também se revela como um fator que pode influenciar as metodologias e dificultar a articulação entre ciclos.

4. Estratégias para Melhoria da Articulação e Integração

O documento apresenta reflexões sobre estratégias para melhorar a articulação e integração na escola. A direção é vista como um elemento impulsionador de práticas de colaboração, particularmente nas estruturas de orientação educativa e departamentos curriculares. A colaboração mais estreita entre professores de diferentes ciclos, através de reuniões conjuntas, partilha de documentos e conhecimento prévio dos alunos, é destacada como fundamental. A organização da transição, com reuniões para a formação das turmas do 5º ano, e o uso de fichas de perfil dos alunos são mencionadas como práticas relevantes. A pesquisa evidencia também a importância de atividades que promovam a integração social e física dos alunos, especialmente na transição de ciclos, reconhecendo que as mudanças de espaço e professores podem causar choque e impacto no desempenho académico e comportamental.