Assistência em fim de vida em Portugal, no século XIX

Cuidados Paliativos em Portugal (Século XIX)

Informações do documento

instructor Professora Doutora Margarida Vieira
Escola

Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa

Curso Cuidados Paliativos
Tipo de documento Dissertação (Mestrado)
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 814.33 KB

Resumo

I.A Morte Medicalizada e a Necessidade de Cuidados Paliativos

Este trabalho discute a percepção da morte como fracasso profissional, ainda presente na prática médica, contrastando-a com a realidade da morte como evento natural inerente à condição humana. A necessidade de um desenvolvimento significativo na assistência em fim de vida é enfatizada, tanto em hospitais, pela atuação de profissionais de saúde, quanto no âmbito familiar, com o apoio de amigos e familiares. A busca incessante pela cura, com métodos cada vez mais sofisticados, muitas vezes nega a morte, comprometendo a qualidade de vida final do paciente. O conceito de morte digna e o alívio do sofrimento são centrais para a melhoria dos cuidados paliativos.

1. A Percepção Medicalizada da Morte

A introdução do texto apresenta uma crítica à forma como a morte é encarada por alguns profissionais de saúde: como uma falha pessoal. Esta visão medicalizada da morte, segundo o documento, é um obstáculo para o desenvolvimento de uma assistência de qualidade em fim de vida. A morte é apresentada como um evento inerente à condição humana, transversal a todas as épocas, e a assistência prestada necessita de melhorias significativas. A abordagem defende a necessidade de encarar a morte como um processo natural, argumentando que somente dessa forma será possível melhorar a assistência, tanto em hospitais, por parte dos profissionais de saúde, quanto no seio familiar, com o apoio de amigos e parentes. A busca incessante por cura, utilizando meios cada vez mais sofisticados, contribui para a negação da morte como parte natural do ciclo vital e gera um sentimento de fracasso profissional em muitos profissionais de saúde. Esta constatação, sustentada por Barbosa e Neto (2010), demonstra que uma mudança de paradigma é necessária na abordagem à morte e à assistência prestada neste contexto.

2. A Necessidade de Melhoria na Assistência em Fim de Vida

O texto enfatiza a urgência de melhorar a assistência a pessoas em fim de vida, destacando a insuficiência dos serviços atualmente disponíveis. A abordagem ideal, segundo o documento, envolve uma visão holística, considerando os cuidados em hospitais e o apoio familiar. Nos hospitais, os profissionais de saúde desempenham um papel fundamental na gestão de sintomas, no controle da dor e no conforto do paciente. Simultaneamente, a família e os amigos também precisam de suporte e orientação para lidar com o processo de morte de um ente querido. A falta de uma assistência adequada é identificada como um problema crucial, que precisa de atenção tanto do governo, quanto das instituições e dos profissionais de saúde. O texto reforça a importância de uma abordagem centrada na dignidade do paciente, no alívio do sofrimento e no respeito pelo processo natural da morte, enfatizando a necessidade de cuidados paliativos para garantir uma morte digna, sem sofrimento e sem solidão.

3. A Definição de Cuidados Paliativos e Seu Objetivo

O documento define cuidados paliativos, seguindo a Organização Mundial de Saúde, como uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida de doentes e suas famílias que enfrentam problemas relacionados a uma doença incurável ou grave com prognóstico limitado. A prevenção e o alívio do sofrimento são os focos principais dessa abordagem. O objetivo principal dos cuidados paliativos é o bem-estar, o conforto e a qualidade de vida do doente. A citação do Regulamento do Hospital de Santo António (RHGSA) de 1889, embora reflita um contexto histórico bastante diferente, serve para contrastar as práticas passadas com a abordagem moderna da assistência médica centrada na qualidade de vida do paciente e no alívio do sofrimento, objetivos que definem os cuidados paliativos. Esta comparação histórica enfatiza o longo caminho percorrido pela assistência médica e a importância dos cuidados paliativos para alcançar os padrões atuais de dignidade e respeito ao indivíduo no fim da vida.

II.A Contribuição de Cicely Saunders para os Cuidados Paliativos

Cicely Saunders (1918-?), enfermeira, assistente social e médica inglesa, dedicou sua vida ao cuidado de pessoas com doenças terminais. Em 1967, fundou o St. Christopher's Hospice, pioneiro em cuidados paliativos, oferecendo atenção integral ao paciente, incluindo controle da dor e alívio do sofrimento psicológico. Seu trabalho preconizou o direito de morrer com dignidade, enfatizando que a morte é um processo natural que pode ser amenizado por cuidados de saúde eficazes e sensíveis.

1. Vida e Obra de Cicely Saunders

Cicely Saunders, nascida em 22 de junho de 1918, na Inglaterra, dedicou sua vida ao cuidado de pessoas com doenças terminais e ao alívio do sofrimento humano. Sua formação abrangeu enfermagem, serviço social e medicina, demonstrando uma abordagem multidisciplinar ao cuidado de pacientes em situação terminal. A sua trajetória profissional demonstra uma profunda dedicação à causa dos cuidados paliativos, focando no alívio da dor física e emocional dos pacientes, bem como, no apoio às suas famílias. Seu trabalho pioneiro revolucionou a forma de se pensar a assistência a estes pacientes, colocando a dignidade do doente e o alívio do seu sofrimento em primeiro plano. Esta abordagem inovadora é a base do movimento de Cuidados Paliativos como o conhecemos hoje, e a sua dedicação serviu de inspiração para inúmeros profissionais da área.

2. Fundação do St. Christopher s Hospice e sua Importância

Em 1967, Cicely Saunders fundou o St. Christopher's Hospice, o primeiro serviço a oferecer cuidado integral ao paciente com doenças terminais. Este marco histórico na história dos cuidados paliativos representou a concretização da sua visão humanizada da assistência a pessoas em fim de vida. O hospice oferecia não apenas o alívio da dor física, mas também atenção integral aos sintomas, incluindo o alívio do sofrimento psicológico. O modelo de cuidado implementado no St. Christopher's Hospice visava o controle de sintomas, promovendo o conforto e o bem-estar do paciente de forma holística. O princípio de morrer com dignidade foi fortemente preconizado, enfatizando que a morte é um processo natural que pode ser aliviado por cuidados de saúde sensíveis e eficazes no controlo da dor. A reputação internacional do St. Christopher's Hospice como um serviço de referência mundial em Cuidados Paliativos e Medicina Paliativa é um testemunho da visão e do trabalho de Cicely Saunders.

III.A Evolução Histórica dos Cuidados de Saúde em Portugal e o Surgimento dos Cuidados Paliativos

A evolução da medicina em Portugal, apesar do aumento da expectativa de vida, não trouxe necessariamente uma melhor forma de morrer. O texto analisa a história da assistência médica no país, desde o século XIX, destacando figuras importantes como Ricardo Jorge (1858-1939), higienista que combateu a peste bubónica no Porto, e Luís da Câmara Pestana (1863-1899), bacteriologista. A análise abrange as condições precárias de assistência hospitalar no passado, com hospitais muitas vezes negligenciando doentes crónicos e incuráveis, contrastando com os avanços da medicina e o desenvolvimento gradual dos cuidados paliativos como forma de alívio do sofrimento em doenças incuráveis. A pesquisa menciona também o papel de instituições como o Instituto Pasteur e a influência de figuras como o Marquês de Pombal na modernização da saúde pública portuguesa. São mencionados hospitais históricos como o de Santo António no Porto e outros em Lisboa, bem como as condições de trabalho de enfermeiros e enfermeiras no passado.

IV.A Assistência em Fim de Vida Hoje Desafios e Necessidades

Atualmente, a assistência em fim de vida em Portugal ainda apresenta lacunas significativas. Apesar da existência de unidades de cuidados paliativos, ainda são insuficientes para atender à demanda. Muitos doentes continuam a morrer em ambientes de hospitais de agudos, sem o devido acompanhamento para uma morte digna. O texto ressalta a importância do suporte emocional para o doente e sua família, e também a necessidade de preparação emocional dos profissionais de saúde. O apoio familiar, o controle de sintomas, e a comunicação adequada são aspectos cruciais na melhoria dos cuidados paliativos.

1. Lacunas na Assistência em Fim de Vida em Portugal

A seção inicia reconhecendo a existência de lacunas na assistência em fim de vida em Portugal, tanto por parte dos governos e instituições, quanto dos profissionais de saúde. Apesar do avanço da tecnologia e das ciências médicas, que visam prolongar a vida ao máximo, muitas vezes esse prolongamento ocorre à custa de maior sofrimento e medidas terapêuticas fúteis, conforme apontam Sapeta e Lopes (2007). A assistência em fim de vida ideal envolve o apoio integral a doentes e suas famílias, mas a realidade é que muitos doentes ainda morrem em hospitais de agudos, com sintomas mal controlados, necessitando de mais atenção e recursos. A falta de acesso a cuidados paliativos adequados é um dos principais desafios, com unidades de cuidados paliativos ainda em número reduzido, levando a situações de desconforto e sofrimento desnecessários. Essa realidade resulta numa assistência medicalizada que causa incômodo a profissionais de saúde, que continuam a encarar a morte como um fracasso.

2. O Impacto Emocional nos Profissionais de Saúde e Famílias

O texto destaca o impacto emocional do processo de morte nos profissionais de saúde, famílias e pacientes. Para os profissionais, o ambiente de trabalho, com problemas de comunicação, falta de apoio, dificuldades na tomada de decisão, instabilidade da equipa e ambiguidade de papéis, contribui para o choque emocional (Sapeta e Lopes 2007, referindo Limonero Garcia). As características dos doentes e famílias, como personalidade, idade e alterações da imagem corporal, também influenciam a experiência. A preparação emocional dos profissionais de saúde é apontada como essencial, sendo o primeiro passo o conhecimento das próprias emoções perante a morte, segundo Brunet (2006). O suporte emocional ao doente é crucial, mas a preparação dos profissionais para lidar com a morte também o é. A complexidade e singularidade de cada processo de morte impossibilita uma abordagem única e generalizada. A família também experimenta um processo emocional intenso, com variadas formas de manifestação de cansaço, stresse e medo.

3. Mudanças no Local e na Dinâmica da Morte

A seção analisa a mudança no local e na dinâmica da morte ao longo do tempo. Anteriormente, a morte ocorria em casa, rodeada pela família e amigos. Atualmente, a morte ocorre mais frequentemente nos hospitais, num contexto medicalizado que ainda incomoda alguns profissionais de saúde. A família e amigos, muitas vezes, não permanecem em torno do doente até o momento da morte. Há uma mudança na estrutura familiar, com famílias menores e maior independência das mulheres. A discussão final do documento leva a uma reflexão sobre as dificuldades de ensinar a lidar com o processo de fim de vida, visto este ser uma experiência individual que envolve crenças, valores e experiências únicas. A enfermeira, nesse contexto, pode oferecer apoio e escuta, mas o processo deve ser vivido individualmente. A importância do suporte emocional para o doente e a preparação emocional dos profissionais são reconhecidas como pontos cruciais para melhorar a assistência em fim de vida.

Referência do documento

  • Emigração e sanitarismo - Porto e Brasil no século XIX (Alves, J.F.)