
Acuidade Visual em Crianças com Hidrocefalia
Informações do documento
Autor | Silvana Alves Pereira |
instructor | Prof. Dr. Marcelo Fernandes Costa |
Escola | Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo |
Curso | Neurociências e Comportamento |
Tipo de documento | Dissertação (Mestrado) |
Local | São Paulo |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.24 MB |
Resumo
I.Objetivo e Metodologia do Estudo
Este estudo de mestrado investigou a acuidade visual (AV) em 55 crianças (34 meninas e 21 meninos) com hidrocefalia, com e sem derivação ventricular (DVP), utilizando potencial visual evocado de varredura (PVEV). A amostra incluiu crianças com diferentes etiologias de hidrocefalia: hemorragia intracraniana (25 crianças), mielomeningocele (20 crianças) e hidrocefalia congênita (10 crianças). O diagnóstico de hidrocefalia ocorreu em média aos 16 dias de vida. A AV foi medida em múltiplos exames, comparando os resultados com valores normativos. O Hospital Israelita Albert Einstein colaborou com a pesquisa. O estudo investigou a correlação entre o tempo de derivação, a presença de complicações da DVP (como obstrução e infecção), e os resultados da AV.
1. População e Critérios de Inclusão
O estudo envolveu 55 crianças (34 do sexo feminino e 21 do sexo masculino) com diagnóstico de hidrocefalia, com idades entre 0 e 291 semanas (média de 74 semanas). Destas, 45 apresentavam derivação ventricular (DVP) e 10 não. As etiologias da hidrocefalia incluíam hemorragia intracraniana (25 crianças), mielomeningocele (20 crianças) e hidrocefalia congênita (10 crianças). O diagnóstico de hidrocefalia foi estabelecido, em média, no 16º dia de vida. A inclusão de crianças com diferentes etiologias permitiu uma análise mais abrangente dos efeitos da hidrocefalia na acuidade visual. Quanto à DVP, 31 crianças tiveram o procedimento realizado com menos de 15 dias do diagnóstico, enquanto 14 tiveram a válvula instalada após 15 dias. A variação no tempo de implantação da DVP foi um fator crucial analisado na pesquisa, buscando correlacionar a temporalidade do procedimento com os resultados da acuidade visual. O seguimento das crianças incluiu múltiplas avaliações da acuidade visual: 55 crianças realizaram o primeiro exame, 18 o segundo, 13 o terceiro, 10 o quarto, e apenas 5 completaram os cinco exames. Essa abordagem longitudinal permitiu uma avaliação da progressão da acuidade visual ao longo do tempo.
2. Método de Avaliação da Acuidade Visual
A acuidade visual (AV) foi avaliada utilizando a técnica de Potencial Visual Evocado de Varredura (PVEV). Essa metodologia, que utiliza padrões listrados de alta frequência espacial, permite a obtenção de medidas confiáveis de AV, especialmente em crianças, com tempo de avaliação reduzido (10 segundos). Os resultados obtidos foram comparados a valores de referência propostos por Norcia (1985b), estabelecendo um padrão para comparação com os resultados da amostra. A escolha do PVEV foi justificada pela necessidade de um método objetivo e eficiente para avaliar a AV em crianças, especialmente as pré-verbais, superando as limitações de tempo e cooperação encontradas em métodos comportamentais. O método envolveu a apresentação de dez frequências espaciais linearmente espaçadas, uma por segundo, iniciando pela frequência mais baixa (listras largas). A amplitude da varredura foi ajustada de acordo com a idade da criança, variando de 0,25 a 25 ciclos por grau, seguindo estudos normativos prévios. A utilização de um monitor de vídeo monocromático Dotronix modelo EM 2400 – D 788 com 16 polegadas a 55cm, com luminância média de 159 candelas por metro quadrado, garantiu a constância do contraste durante a avaliação, minimizando possíveis interferências. Os critérios de registro da resposta evocada incluíam a análise da relação sinal-ruído, a fase da resposta e a ausência de artefatos, garantindo a precisão e confiabilidade dos resultados.
3. Variáveis e Análises Estatísticas
O estudo investigou a influência de diversas variáveis na acuidade visual das crianças com hidrocefalia. A principal variável independente foi o tempo decorrido entre o diagnóstico de hidrocefalia e a implantação da derivação ventricular (DVP), categorizado como ≤ 15 dias e > 15 dias. Outra variável importante foi a ocorrência de complicações associadas à DVP, como obstrução e infecção da válvula. A análise estatística comparou a AV entre grupos definidos por essas variáveis, utilizando testes estatísticos apropriados para determinar a significância das diferenças encontradas. O objetivo era verificar se o tempo de derivação e a presença de complicações influenciavam a acuidade visual das crianças. Além disso, o estudo considerou a presença ou ausência de derivação ventricular como uma variável independente e avaliou a acuidade visual em crianças com diferentes etiologias de hidrocefalia. A análise estatística permitiu determinar se existiam diferenças significativas na acuidade visual entre esses diferentes grupos de pacientes. A pesquisa também analisou a evolução da acuidade visual das crianças ao longo do tempo através de exames sequenciais. Os resultados foram apresentados usando gráficos e estatísticas descritivas e inferenciais para apoiar as conclusões do estudo.
II.Resultados Principais da Avaliação da Acuidade Visual
De 101 avaliações de AV realizadas, 95 (94%) mostraram-se alteradas. Houve diferença estatística significativa na AV entre crianças com DVP implantada em até 15 dias do diagnóstico da hidrocefalia e aquelas com implantação após 15 dias ou sem derivação. Crianças sem complicações da DVP apresentaram melhor AV. A pesquisa indica que a medida da AV por PVEV é viável em crianças com hidrocefalia, mas os resultados costumam ser piores que os valores normativos. O tempo da derivação e as complicações da DVP influenciam significativamente a AV.
1. Prevalência de Alterações na Acuidade Visual
Das 101 avaliações de acuidade visual (AV) realizadas em crianças com hidrocefalia, 95 (94%) apresentaram resultados alterados, enquanto apenas 6 (6%) foram considerados normais. Esse achado destaca a alta prevalência de comprometimento visual nesse grupo populacional. A grande maioria das crianças apresentou algum grau de alteração na acuidade visual, indicando que a hidrocefalia frequentemente impacta a visão. A discrepância entre o número de exames realizados por cada criança – variando de um a cinco – não interferiu na conclusão geral de que a maioria das avaliações de AV apontaram para alterações na função visual. Os resultados obtidos reforçam a importância de exames oftalmológicos regulares e acompanhamento especializado para crianças com diagnóstico de hidrocefalia, sendo crucial a identificação e tratamento precoce de eventuais problemas visuais.
2. Influência do Tempo de Derivação Ventricular DVP
Uma análise comparativa da acuidade visual (AV) revelou uma diferença estatística significativa entre os grupos de crianças com derivação ventricular (DVP) implantada em até 15 dias do diagnóstico de hidrocefalia e aquelas com implantação após 15 dias ou sem derivação. Especificamente, o estudo mostrou que a AV foi significativamente melhor nas crianças com DVP realizada em até 15 dias, comparadas com as crianças que tiveram o procedimento após esse período (p=0.038) ou que não foram submetidas à DVP (p=0.031). Contrariamente, não foi observada diferença estatística na AV entre as crianças sem derivação e aquelas com DVP realizada após 15 dias (p=0.699), indicando que o tempo de intervenção cirúrgica pode ser um fator crucial para o desenvolvimento e a preservação da acuidade visual em crianças com hidrocefalia. Esses dados demonstram a importância da intervenção precoce para evitar ou minimizar possíveis prejuízos na função visual.
3. Impacto das Complicações da DVP na Acuidade Visual
A presença de complicações na derivação ventricular (DVP) também mostrou uma relação significativa com a acuidade visual (AV). As crianças que não apresentaram complicações na DVP obtiveram resultados de AV significativamente melhores do que aquelas com complicações (p=0.0001). Essa diferença ressalta a importância do manejo adequado das complicações da DVP para a manutenção da saúde visual. Dentro do grupo de crianças com complicações, aquelas que foram derivadas com tempo inferior a 15 dias do diagnóstico de hidrocefalia também apresentaram melhores resultados de AV quando comparadas às crianças com complicações e derivação realizada após 15 dias (p=0.029). Este dado corrobora a importância da intervenção precoce na minimização dos efeitos da hidrocefalia na acuidade visual, mesmo em casos de complicações da DVP. A pesquisa conclui que a detecção e o tratamento adequados de complicações pós-cirúrgicas são fundamentais para a preservação da acuidade visual dessas crianças.
III.Discussão dos Resultados e Implicações Clínicas
Este estudo, pioneiro em avaliar progressivamente a AV em crianças com hidrocefalia (com ou sem DVP) e correlacionando-a com o tempo de derivação e complicações, destaca a importância da intervenção precoce. Apesar do avanço tecnológico na oftalmologia, a prevenção de alterações visuais em crianças com hidrocefalia permanece um desafio. Atrasos na inserção da DVP, instabilidade hemodinâmica e recusa familiar podem comprometer o desenvolvimento visual. Os achados reforçam a necessidade de acompanhamento oftalmológico rigoroso e intervenção precoce em crianças com hidrocefalia, especialmente considerando a influência do tempo de derivação e complicações pós-operatórias na acuidade visual. Resultados semelhantes foram observados em outros trabalhos (Fobe et al., 1999; Heinsenbergen et al., 2002), concluindo que o tempo entre o diagnóstico e a derivação ventricular é fundamental para um prognóstico melhor.
1. Importância da Intervenção Precoce na Hidrocefalia
Os resultados demonstram a forte relação entre o tempo de derivação ventricular (DVP) e a acuidade visual (AV) em crianças com hidrocefalia. A implantação da DVP em até 15 dias após o diagnóstico mostrou-se crucial para melhores resultados de AV, sugerindo que a intervenção precoce minimiza os danos visuais causados pela pressão intracraniana. A pesquisa demonstra que, embora a oftalmologia tenha avançado tecnologicamente, ainda não é possível prevenir completamente os problemas visuais associados à hidrocefalia. A demora na implantação da DVP, devido a fatores como prematuridade, instabilidade hemodinâmica ou recusa familiar, compromete o desenvolvimento visual dessas crianças, reforçando a necessidade de intervenção rápida e eficiente. Essa conclusão reforça a importância de protocolos de atenção à saúde que priorizem a detecção precoce da hidrocefalia e a realização imediata da DVP, quando indicada, para proteger a integridade visual da criança. A pesquisa destaca a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para o tratamento da hidrocefalia, que inclua o acompanhamento oftalmológico regular para minimizar os impactos negativos na acuidade visual.
2. Complicações da DVP e o Desenvolvimento Visual
A análise das complicações da derivação ventricular (DVP) revelou um impacto significativo na acuidade visual (AV). Crianças sem complicações apresentaram AV significativamente melhor do que aquelas com complicações, sejam elas obstrução ou infecção da válvula. Isso ressalta a importância do manejo adequado do sistema de derivação, visando prevenir complicações e garantir o desenvolvimento visual saudável. A temporalidade das complicações também se mostrou relevante: complicações precoces (nas primeiras avaliações visuais) causaram maior comprometimento visual do que complicações tardias. Este achado enfatiza a necessidade de vigilância constante do sistema de DVP e de intervenção rápida para solucionar quaisquer problemas que comprometam sua eficácia, protegendo a saúde ocular das crianças. O estudo destaca a importância de estratégias de prevenção e tratamento eficazes para minimizar as complicações da DVP, que representam um risco substancial para o desenvolvimento visual saudável em crianças com hidrocefalia.
3. Limitações de Estudos Prévios e Contribuições da Pesquisa
A revisão da literatura revelou que a maioria dos estudos sobre hidrocefalia e suas consequências visuais são retrospectivos, utilizando metodologias diversas, dificultando a comparação dos resultados. A abordagem prospectiva deste estudo, com seguimento longitudinal das crianças, permitiu analisar de forma mais precisa a evolução da acuidade visual em relação ao tempo de derivação e complicações da DVP. A pesquisa também corrobora achados de outros estudos (Fobe et al., 1999; Heinsenbergen et al., 2002), que demonstram a importância do tempo entre o diagnóstico e a derivação para a preservação de funções corticais. Apesar de estudos como o de Caines (2007) apresentarem limitações na descrição detalhada de variáveis cruciais, como o número de revisões da DVP e o tempo entre o diagnóstico e a primeira derivação, os resultados obtidos no presente estudo não se contradizem com aqueles, uma vez que as alterações oftalmológicas verificadas clinicamente são imprecisas e podem não detectar alterações funcionais. O estudo enfatiza a necessidade de avaliações funcionais, como o PVEV, para melhor compreensão do impacto da hidrocefalia na visão.
IV.Considerações Finais e Trabalhos Futuros
A maioria dos estudos sobre hidrocefalia são retrospectivos, dificultando comparações devido a metodologias diversas. A presente pesquisa, ao contrário, realizou uma avaliação prospectiva, permitindo analisar a evolução da acuidade visual em função do tempo de derivação e das complicações. Os resultados ressaltam a importância da avaliação precoce e do tratamento oportuno para minimizar os prejuízos visuais. Trabalhos futuros podem aprofundar a análise das diferentes etiologias da hidrocefalia e investigar melhor o impacto a longo prazo das complicações da DVP no desenvolvimento visual. A pesquisa destaca a necessidade de mais atenção à prevenção e ao desenvolvimento visual normal em crianças com hidrocefalia e múltiplas revisões cirúrgicas. A pesquisa foi conduzida pela fisioterapeuta Silvana Alves Pereira, com colaboração do Hospital Israelita Albert Einstein.
1. Importância da Abordagem Prospectiva no Estudo da Hidrocefalia
A maioria dos estudos sobre hidrocefalia e suas consequências a longo prazo são retrospectivos, apresentando limitações metodológicas e dificultando a comparação entre resultados. Este estudo destaca-se por sua abordagem prospectiva, permitindo o acompanhamento da acuidade visual das crianças ao longo do tempo e a análise da influência do tempo de derivação ventricular (DVP) e de suas complicações. A coleta de dados prospectiva possibilitou uma análise mais precisa da relação entre as variáveis estudadas, fornecendo evidências mais robustas sobre o impacto do tempo de intervenção cirúrgica e das complicações na acuidade visual de crianças com hidrocefalia. A análise longitudinal, com seguimento de cada criança em múltiplos exames, permitiu avaliar a progressão da acuidade visual ao longo do tempo, fornecendo uma visão mais completa da evolução da condição.
2. Necessidade de Intervenção Precoce e Acompanhamento Multidisciplinar
Os resultados reforçam a importância da intervenção precoce no tratamento da hidrocefalia, especificamente no que diz respeito à implantação da derivação ventricular (DVP). O estudo indica que a realização da DVP em até 15 dias após o diagnóstico da hidrocefalia está associada a melhores resultados de acuidade visual. A pesquisa destaca que, apesar dos avanços tecnológicos no diagnóstico e tratamento da hidrocefalia, a prevenção e o acompanhamento oftalmológico regular são cruciais para garantir o desenvolvimento visual normal nas crianças afetadas. A pesquisa evidencia a necessidade de uma abordagem multidisciplinar, que envolva neurocirurgiões, oftalmologistas e outros profissionais de saúde, para otimizar o tratamento e minimizar os riscos de comprometimento visual. É fundamental que os fatores que podem levar a atrasos na intervenção, como prematuridade, instabilidade hemodinâmica e recusa familiar, sejam considerados e tratados de forma a garantir a intervenção precoce.
3. Sugestões para Pesquisas Futuras
Este estudo, embora inovador em sua abordagem prospectiva, abre caminho para futuras pesquisas que aprofundem o conhecimento sobre a relação entre hidrocefalia e a acuidade visual. Estudos futuros podem investigar com maior detalhe as diferentes etiologias da hidrocefalia e sua influência específica no desenvolvimento visual, analisando grupos homogêneos de pacientes com a mesma causa de hidrocefalia. Também seria relevante expandir a amostra e o período de acompanhamento das crianças, buscando uma análise mais completa do impacto a longo prazo. A análise mais aprofundada das complicações da DVP, classificando-as de maneira mais precisa e investigando seus mecanismos de ação na função visual, é outra área que necessita de maior investigação. A comparação direta com resultados obtidos por métodos comportamentais também se apresenta como um caminho importante para validar as conclusões obtidas com a técnica de PVEV. Finalmente, investigar o impacto da intervenção precoce não apenas na acuidade visual mas também em outros aspectos do desenvolvimento neurovisual, como a percepção de profundidade e a visão binocular, seria de grande relevância clínica.