Camões em Babilónia : «Sobre os Rios» glosa de salmo e poética

Leitura em Camões: Público Ideal

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Curso Literatura Portuguesa
Tipo de documento Ensaio
Idioma Portuguese
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Resumo

I.A Questão do Leitor Ideal na Lírica de Camões

Este estudo analisa a Lírica de Camões, focando-se na questão do leitor ideal e na função da poesia na obra. A organização dos poemas nas Rimas (1595 e 1598), considerando os gêneros (sonetos, éclogas, redondilhas), revela uma preocupação em atingir um público específico, um leitor competente capaz de apreciar a complexidade da obra. O estudo examina os sonetos iniciais como proeminentes na definição desse público, analisando o uso de vocativos e apelos diretos ao leitor, como em "Olhai de que esperanças me mantenho! / Vede que perigosas seguranças!" (Soneto III). A análise inclui a exploração da intersubjetividade na relação entre poeta e leitor.

1. A Organização das Rimas e a Busca pela Excelência

O texto inicia analisando a organização das Rimas de Camões, a partir da edição de 1595, destacando o papel de Estêvão Lopes (mercador de livros) e Manuel de Lira (tipógrafo) na publicação. A organização dos poemas, segundo os gêneros, buscava alcançar dois objetivos: reunir a produção lírica do autor, já conhecida por cópias manuscritas, e incutir unidade à obra, criando uma estrutura orgânica que se alinhava aos modelos de classificação genérica da época. Este processo de organização textual visava, em última instância, destacar a excelência do poeta e a sua obra, conferindo-lhe um prestígio e uma coerência até então ausentes em sua forma de divulgação.

2. O Ilocutário e a Intersubjetividade na Poesia

A análise se volta para o conceito de intersubjetividade na poesia de Camões, destacando a importância do “vós” ilocutário que aparece recorrentemente. Este “vós” é definido e dirigido a partir da posição dos sonetos iniciais, seguindo a estrutura canônica das coleções petrarquianas, visando, assim, um leitor específico. A obra de arte, e neste caso a poesia, é considerada como uma produção de efeitos que o artista antecipa. O poeta idealiza seu público, o leitor intersubjetivo ou universalizado, que irá vivenciar a experiência poética. Esta abordagem à obra de Camões permite entender a atuação da voz poética enquanto voz autoral, criando uma relação complexa entre produção poética e a recepção da mesma.

3. O Leitor Adequado e a Recepção da Poesia

A questão central gira em torno da identificação do leitor “adequado”, “competente” e “sintonizado intersubjetivamente” para a poesia de Camões. O texto questiona quem seria capaz de compreender a profundidade da dor expressa nos poemas, como a homofonia em “namorados/namorado/magoados/magoado”, e acolher a obra como uma res litteraria, inserível em categorias genéricas como a bucólica. A dedicatória da obra é apontada como contendo, implicitamente, a resposta a essa pergunta. A discussão sobre o leitor ideal está intrinsecamente ligada à função da poesia, à sua capacidade de produzir efeitos e transmitir uma mensagem profunda, ultrapassando uma mera leitura superficial. Os apelativos diretos ao leitor, como "Chegai, desesperados para ouvir-me", demonstram a intenção retórica em convocar um público específico para uma experiência compartilhada.

II.A Glosa do Salmo 136 Sobre os Rios e a Biografia Poética

A glosa do Salmo 136, o poema "Sobre os rios", é analisada como um exemplo chave da poética implícita de Camões. O estudo destaca a apropriação do Salmo pelo poeta, analisando a transposição da experiência coletiva do cativeiro israelita para a experiência individual do poeta, expressa através do uso do "eu" lírico. A análise foca no uso de recursos retóricos, como a anáfora e a deixis, e na relação entre memória, reminiscência, e a construção da biografia poética. A obra de Camões é contextualizada dentro das tradições petrarquista e trovadoresca, e sua relação com autores como Petrarca, Bembo, e outros. Palavras-chave como ausência, saudade, e Babilónia são exploradas no contexto da construção poética camoniana e sua relação com o conceito de exílio e infelicidade amorosa.

III.A Função da Poesia Mostrar e Persuadir

O ensaio investiga a função da poesia em Camões, argumentando que ela visa não apenas expressar emoções, mas também persuadir o leitor. A análise enfatiza a importância da enargeia (ou evidentia) na criação de imagens vívidas e impactantes, para causar um efeito no leitor ideal. A retórica de Camões é examinada, analisando o uso de recursos como a aliteração, a enumeração lexical, e a utilização estratégica de palavras esdrúxulas. O estudo destaca o contraste entre a poesia de Camões e a opinião vulgar, explorando o conceito de um estilo novo superior à poesia tradicional. Menciona-se a influência de autores clássicos, como Virgílio e Horácio, e sua relação com o desenvolvimento de uma poética própria, com influência do neoplatonismo, e o caráter moral de sua poesia.