Canabinóides e Doenças Psiquiátricas
Informações do documento
| Autor | Maria Teixeira Dias Viseu de Carvalho |
| instructor | Professora Doutora Liliana Correia de Castro |
| Escola | Mestrado Integrado em Medicina |
| Curso | Medicina |
| Tipo de documento | Revisão Bibliográfica |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 0.98 MB |
Resumo
I.Cannabis e Doenças Mentais Prevalência e Riscos
Esta revisão bibliográfica investiga a relação entre o consumo de canabinóides e o desenvolvimento de transtornos mentais, particularmente a esquizofrenia e psicoses. Apesar de os transtornos relacionados com substâncias não serem os mais frequentes, a prevalência de uso de substâncias psicoativas é maior em pacientes com condições psiquiátricas, sendo o consumo de canabinóides particularmente relevante. O estudo analisa as alterações nas políticas de despenalização da cannabis em Portugal e em outros países, destacando a necessidade de explorar os benefícios e riscos de curto e longo prazo associados ao consumo, incluindo o potencial desenvolvimento de quadros psicóticos e doenças do espectro da esquizofrenia. Em Portugal, a posse de pequenas quantidades de cannabis para consumo próprio é descriminalizada desde 2001 (DL nº 30/2000), mas o consumo excessivo e de alto risco permanece uma preocupação, especialmente em jovens. Dados epidemiológicos mostram que mais de metade dos consumidores consome cannabis 4 ou mais vezes por semana.
1. Prevalência do consumo de substâncias psicoativas e canabinóides
A revisão inicia reconhecendo que, embora os transtornos relacionados com o abuso de substâncias não se encontrem entre os mais frequentes, a prevalência do consumo de substâncias psicoativas é significativamente mais elevada em doentes com patologias psiquiátricas. Este facto destaca a importância de investigar a relação entre o uso de drogas e condições de saúde mental. O consumo de canabinóides é apontado como um exemplo particular desta relação, justificando a necessidade de uma análise mais aprofundada dos seus efeitos. A cannabis, especificamente, é identificada como a substância ilícita mais consumida globalmente, independentemente de sexo, idade, região ou classe socioeconómica, reforçando a importância da investigação dos seus impactos na saúde mental. A introdução também enfatiza a mudança recente nas políticas, com a despenalização do consumo de cannabis em contextos bem definidos, o que torna crucial a exploração dos benefícios e riscos, a curto e longo prazo, associados a este consumo. A metodologia utilizada baseou-se numa revisão bibliográfica de artigos científicos originais, revisões bibliográficas e outras publicações relevantes dos últimos 8 anos, em português, inglês ou espanhol, recorrendo a bases de dados como PubMed Central, Medscape, King's College London e World Health Organization.
2. Legislação sobre Cannabis em Portugal e Padrões de Consumo
A secção sobre a legislação em Portugal destaca a descriminalização do consumo de substâncias ilícitas, a partir de 1 de julho de 2001 (DL nº 30/2000, revisto em 2011), passando a ser encarado como um problema de saúde pública. A posse de pequenas quantidades para consumo próprio foi permitida, substituindo sanções penais por sanções civis e programas de desvio. Apesar desta alteração, a prevalência de consumo de cannabis continua preocupante, com mais da metade dos consumidores relatando uso frequente (4 ou mais vezes por semana). Um número significativo de consumidores apresenta risco moderado a alto de abuso de cannabis, avaliado através do Cannabis Abuse Screening Test (CAST). Este risco é particularmente elevado em homens jovens institucionalizados, com taxas de consumo ao longo da vida atingindo até 87% em centros educativos e 69% em prisões. A definição legal de consumo próprio em Portugal é detalhada: doses que não excedam a quantidade necessária para o consumo médio individual durante 10 dias (2,5g de erva, 0,5g de haxixe, ou 0,25g de óleo de cannabis). Quantidades superiores configuram tráfico de droga, sujeito a sanções penais.
3. Associação entre Consumo de Canabinóides e Transtornos Psicóticos
A revisão explora a relação entre o consumo de canabinóides e o surgimento de transtornos psicóticos, tanto agudos como persistentes. Embora nem todos os consumidores desenvolvam estes problemas, a pesquisa identifica fatores de risco como consumo crônico, início precoce do uso e uso concomitante de outras substâncias psicoativas. A secção aponta a existência de uma relação entre o consumo de canabinóides e o posterior diagnóstico de esquizofrenia, mas destaca a complexidade em estabelecer uma relação de causalidade direta. São mencionados diversos fatores confundidores, como a dificuldade em diferenciar sintomas psicóticos induzidos pelo consumo de cannabis de sintomas relacionados a outros transtornos mentais pré-existentes. O estudo também discute as limitações das pesquisas, incluindo tamanho amostral e perdas de participantes durante o follow-up, além do facto de consumidores frequentes de cannabis e indivíduos com alto risco de desenvolver doenças mentais partilharem características comuns, tornando a análise mais complexa. A questão da dificuldade na diferenciação entre sintomas psicóticos por intoxicação de canabinóides e doença mental pré-existente é explicitamente mencionada como um dos principais desafios da pesquisa nesta área.
II.Componentes do Cannabis Fisiologia e Canabinóides Sintéticos
O estudo aborda o sistema canabinóide endógeno, os receptores CB1 e CB2, e os canabinóides endógenos (anandamida e 2-araquidonoglicerol). O foco se estende aos canabinóides sintéticos, também conhecidos como “Spice”, que imitam o efeito do delta-9-THC e apresentam alta potência e maior risco de efeitos psicoativos e neurotóxicos. A legislação portuguesa (DL nº 54/2013) também aborda as novas substâncias psicoativas (NSP), incluindo os canabinóides sintéticos, implementando sanções legais para sua comercialização. Dados de prevalência de consumo de NSP na Europa entre 2011 e 2016 são apresentados, indicando uma prevalência de 0.3% em Portugal em 2016.
1. Sistema Canabinóide Endógeno e Receptores
A seção detalha o sistema canabinóide endógeno, composto pelos receptores canabinóides CB1 e CB2, canabinóides endógenos (anandamida e 2-araquidonoglicerol), e enzimas que sintetizam e degradam esses canabinóides. A sua função é descrita como essencialmente moduladora da libertação de neurotransmissores através de retroexcitação ou inibição sináptica. Os endocanabinóides, libertados pelo neurónio pós-sináptico, atuam nos receptores pré-sinápticos, modulando assim a transmissão sináptica. A distribuição dos receptores é especificada: o CB1 é mais abundante no sistema nervoso central (córtex pré-frontal, gânglios da base, hipocampo e cerebelo), enquanto o CB2 está maioritariamente presente no sistema imunológico periférico, a sua ativação resultando em alterações sistémicas como imunossupressão. Esta informação contextualiza a compreensão dos efeitos dos canabinóides exógenos no organismo.
2. Canabinóides Sintéticos Características e Riscos
O texto foca-se nos canabinóides sintéticos, um grupo heterogéneo de substâncias psicoativas produzidas em laboratório que imitam o efeito do delta-9-THC. São descritos como agonistas totais do receptor canabinóide CB1, possuindo alta afinidade, o que resulta numa maior potência e efeito psicoativo comparado à cannabis natural. São genericamente classificados como “drogas legais” ou “Spice” e comercializados online, sem controlo de produção, levando a grande variação entre lotes e marcas, tornando imprevisível o seu efeito psicoativo e potencial neurotóxico. A sua detecção é dificultada pela diversidade química e pela capacidade de não serem identificados nos testes standard de deteção de cannabis, tornando-os difíceis de monitorizar e controlar. A legislação portuguesa, através do DL nº 54/2013, abrange a comercialização e publicitação destas novas substâncias psicoativas (NSP), visando a proteção da população jovem e a disseminação de informação sobre seus efeitos nocivos. Dados sobre a prevalência de consumo de NSP na Europa são apresentados, com Portugal apresentando 0.3% em 2016.
3. Consequências do Consumo de Canabinóides Sintéticos
Relatos de intoxicações por canabinóides sintéticos, inclusive intoxicações em massa devido a produtos adulterados, são mencionados. Os sintomas frequentemente relatados incluem taquicardia, hipertensão arterial, hiperglicemia, hipocalémia, vómitos, agitação extrema e convulsões. A falta de controlo na produção destas substâncias resulta em efeitos imprevisíveis e consequências graves para a saúde, o que enfatiza os riscos associados ao consumo. A complexidade da epidemiologia dos canabinóides sintéticos é ressaltada, devido à sua rápida emergência, diversidade química e dificuldade de deteção pelos testes convencionais. Isto resulta numa escassez de informações sobre a dimensão do consumo e os efeitos a longo prazo, sublinhando a necessidade de mais pesquisas nessa área. A problemática do consumo também inclui as consequências psicológicas e comportamentais como parte do transtorno de uso de cannabis, destacando a necessidade de diagnósticos mais precisos e intervenções mais eficazes.
III.Transtornos Induzidos pelo Uso de Canabinóides
A revisão descreve os transtornos induzidos e associados ao uso de canabinóides, segundo o DSM-5. A diferença entre transtornos por uso e transtornos induzidos pela substância é clarificada, focando nos sintomas da intoxicação (euforia, relaxamento, desinibição) e da abstinência (irritabilidade, ansiedade, insônia, sintomas físicos). A tolerância e a necessidade de quantidades crescentes para obter o efeito desejado são também discutidas.
1. Distinção entre Transtornos por Uso e Transtornos Induzidos por Substâncias
O texto inicia estabelecendo uma distinção crucial entre transtornos por uso de substâncias e transtornos mentais induzidos por substâncias, segundo o DSM-5. O DSM-5 lista 10 substâncias psicoativas (incluindo cannabis e derivados) com a capacidade de ativar o sistema de recompensa cerebral, levando a transtornos mentais relacionados ao consumo. A distinção é fundamental para uma compreensão adequada dos efeitos do consumo de substâncias psicoativas. Transtornos por uso referem-se a um padrão persistente de uso, apesar dos problemas causados, enquanto transtornos induzidos são síndromes reversíveis e específicas que ocorrem devido ao consumo recente (intoxicação e abstinência), ou a outros problemas mentais induzidos pela substância. Esta classificação é crucial para um diagnóstico e tratamento eficazes. A capacidade das substâncias psicoativas em reforçar comportamentos e criar memórias é apontada como um fator chave na sua capacidade de causar transtornos mentais.
2. Intoxicação e Abstinência por Canabinóides
A seção descreve os sintomas da intoxicação por canabinóides, caracterizados pelos efeitos desejados pelos consumidores: uma sensação inicial de euforia seguida de relaxamento e desinibição. A abstinência, por outro lado, pode estar associada a um transtorno induzido pelo consumo ou a um transtorno por uso da substância (situação mais frequente). Ela se desenvolve até uma semana após a cessação do uso pesado ou prolongado, manifestando-se com pelo menos três sintomas: irritabilidade ou agressividade; ansiedade ou nervosismo; insônia ou sonhos perturbadores; anorexia ou perda de peso; humor deprimido; e sintomas físicos (tremor, dor abdominal, sudorese, febre ou cefaleia). A severidade dos sintomas de abstinência está associada à probabilidade de recaída, enfatizando a importância do tratamento e suporte durante o processo de cessação do consumo. O texto aponta que a abstinência pode causar sofrimento significativo e prejuízo pessoal, necessitando de atenção clínica.
IV.Etiologia Fatores de Risco e Quadros Psicóticos
Três teorias etiológicas para os quadros psicóticos associados ao consumo de canabinóides são exploradas: dopaminérgica, gabaérgica e glutamatérgica. A teoria dopaminérgica, em particular, é detalhada, relacionando a ativação do receptor CB1 com o aumento da dopamina e sintomas psicóticos. Polimorfismos genéticos (AKT1, DAT1, COMT) são identificados como fatores de risco, aumentando a suscetibilidade a transtornos psicóticos por consumo de canabinóides. O estudo também discute a influência da idade, especialmente em adolescentes, e o consumo concomitante de outras substâncias psicoativas como fatores de risco para o desenvolvimento de psicoses. A relação entre a proporção THC:CBD e o risco também é abordada.
1. Teorias Etiológicas para Quadros Psicóticos Associados ao Consumo de Canabinóides
A seção explora as teorias etiológicas propostas para explicar os quadros psicóticos associados ao consumo de canabinóides, focando em três principais modelos: dopaminérgico, gabaérgico e glutamatérgico. A teoria dopaminérgica, em destaque, sugere que alterações na concentração de dopamina em áreas específicas do cérebro são responsáveis pelo aparecimento dos sintomas psicóticos. A ativação do receptor CB1 pelo delta-9-THC e compostos semelhantes desencadeia alterações fisiológicas, incluindo a estimulação de neurónios mesolímbicos, com consequente aumento da dopamina no núcleo estriado ventral e córtex pré-frontal. Este aumento da dopamina pode ser uma das causas dos sintomas positivos (delírios e alucinações) após o consumo de canabinóides. O texto também menciona que o aumento dos níveis de dopamina pode exacerbar a gravidade dos sintomas psicóticos em doentes com esquizofrenia, embora não detalhe os outros modelos (gabaérgico e glutamatérgico). Em indivíduos sem histórico prévio de doença mental, os transtornos psicóticos relacionados ao consumo de canabinóides são, na maioria das vezes, consequência fisiológica do consumo, com sintomas mais graves que o esperado para a quantidade consumida e o perfil do consumidor.
2. Polimorfismos Genéticos e Vulnerabilidade a Transtornos Psicóticos
A suscetibilidade individual ao desenvolvimento de transtornos psicóticos após o consumo de canabinóides é também explorada, com foco em polimorfismos genéticos. Genes como AKT1, DAT1 e COMT são mencionados como estando associados a um aumento da suscetibilidade. O gene AKT1, que codifica uma enzima na cascata de sinalização do receptor de dopamina no corpo estriado, é ativado pelo delta-9-THC através da estimulação dos receptores CB1 e CB2. Polimorfismos neste gene que diminuem a atividade enzimática e aumentam os níveis de dopamina podem intensificar os sintomas psicóticos. Similarmente, o gene DAT1, que codifica um transportador de dopamina, também influencia a sensibilidade aos efeitos psicoativos do delta-9-THC. A existência de sinergismo entre polimorfismos dos genes AKT1 e DAT1 é sugerida. Apesar de estudos sobre a relação entre polimorfismos em DAT1 e suscetibilidade a quadros psicóticos serem mencionados, é ressaltada a existência de controvérsia e falta de evidência consistente em alguns estudos recentes.
3. Fatores de Risco para o Desenvolvimento de Quadros Psicóticos
A seção discute vários fatores de risco associados ao desenvolvimento de quadros psicóticos em consumidores de canabinóides. Comparando dados epidemiológicos, o estudo indica que os consumidores têm um risco aumentado, com o primeiro episódio ocorrendo numa idade mais precoce, duração de psicose não tratada menor, mais recaídas, sintomas positivos persistentes e má adesão ao tratamento. Adolescentes e jovens adultos são particularmente vulneráveis, devido à fase de desenvolvimento e maturação do sistema endocanabinóide, crucial para o neurodesenvolvimento e neuroplasticidade. O padrão de consumo também influencia, com quadros psicóticos mais frequentes em consumidores diários de altas doses, início precoce do consumo e uso concomitante de outras substâncias psicoativas. A intoxicação aguda com perturbação da percepção, com sintomas mais exagerados do que o esperado para a dose consumida, é também detalhada. Sintomas como descoordenação motora, euforia, ansiedade, alterações do juízo crítico, isolamento social, alucinações (com teste de realidade intacto), delírios e défices cognitivos são mencionados como parte da sintomatologia.
V.Cannabis Esquizofrenia e Síndrome Amotivacional
A relação entre o consumo de canabinóides e a esquizofrenia é analisada através de dois modelos: o modelo da vulnerabilidade-stress e um modelo ainda em discussão. A caracterização da esquizofrenia segundo o DSM-5 é apresentada, incluindo seus sintomas positivos (delírios, alucinações), negativos e cognitivos. A síndrome amotivacional, com sintomas de apatia, isolamento social e diminuição das funções cognitivas, é descrita como uma consequência do consumo crônico de cannabis, semelhante aos sintomas negativos da esquizofrenia. A questão da causalidade entre o consumo e o desenvolvimento da doença é discutida, considerando fatores como o uso continuado, o consumo de outras substâncias e a presença de fatores de risco pré-existentes. A dificuldade em diferenciar sintomas psicóticos por intoxicação de canabinóides ou por doença mental é enfatizada.
1. Caracterização da Esquizofrenia e sua Relação com o Consumo de Canabinóides
Esta secção caracteriza a esquizofrenia, descrevendo-a como uma doença mental grave, presente globalmente, independente de classe social e raça, afetando igualmente ambos os sexos. A sua manifestação geralmente inicia-se entre o final da adolescência e o início da vida adulta, sendo mais precoce em homens (20-25 anos) do que em mulheres (25-30 anos, com um segundo pico aos 40 anos). O início precoce dos sintomas psicóticos é um preditor de gravidade e pior prognóstico. O DSM-5 estabelece critérios de diagnóstico, exigindo a presença de pelo menos dois sintomas: delírios, alucinações, discurso desorganizado, comportamento anormal e sintomas negativos, com prejuízo acentuado em diversas áreas da vida. A fase ativa da doença é caracterizada por sintomas positivos, como delírios (persecutórios e de roubo de pensamento) e alucinações (auditivo-verbais de caráter crítico ou pejorativo). A relação entre o consumo de canabinóides e a esquizofrenia é explorada, apresentando dois modelos explicativos: o modelo de vulnerabilidade-stress e outro modelo ainda sob discussão. O primeiro propõe a existência de predisposição genética que, combinada com fatores ambientais (como o consumo de canabinóides), pode precipitar a doença.
2. Modelo da Vulnerabilidade Stress e a Síndrome Amotivacional
O modelo da vulnerabilidade-stress sugere uma predisposição genética que, em conjunto com fatores ambientais, como o consumo de canabinóides, desencadeia doenças psiquiátricas e comportamentos de adição. Neste modelo, os canabinóides atuam como um fator ambiental precipitante em indivíduos vulneráveis. A idade mais baixa no diagnóstico de esquizofrenia em doentes com problemas de adição apoia este modelo. A síndrome amotivacional, caracterizada por apatia, redução da motivação para comportamentos direcionados a objetivos e diminuição das funções cognitivas, é detalhada. Sintomas como isolamento social, perda de ideais e ambições, diminuição da expressão emocional e discurso, indiferença pelo ambiente e falta de autocuidado são descritos. Estes sintomas são semelhantes aos sintomas negativos da esquizofrenia, levantando a questão se podem representar uma fase precoce da doença, e se os canabinóides podem ser uma etiologia da esquizofrenia. A falta de motivação é interpretada como uma alteração no sistema de recompensa cerebral, onde a cannabis se torna o principal motivador, diminuindo o interesse por outras atividades.
3. Défices Cognitivos e Limitações da Pesquisa
O declínio das funções cognitivas em doentes com esquizofrenia, com alterações no juízo crítico, memória, atenção e capacidade de cálculo, resultando em baixo desempenho acadêmico e profissional, é mencionado. Existe controvérsia sobre a capacidade dos canabinóides de causarem défices cognitivos permanentes, como os observados na esquizofrenia. A maioria dos estudos indica que os défices associados ao consumo de canabinóides são transitórios, com recuperação em semanas ou meses após a cessação do uso, dependendo do perfil do consumidor. As principais limitações e fatores confundidores da pesquisa são apontados: tamanho das amostras e perdas de participantes durante o acompanhamento; semelhanças entre consumidores frequentes de cannabis e indivíduos com alto risco de doenças mentais; consumo elevado de outras substâncias psicoativas em consumidores de cannabis; e a dificuldade em diferenciar sintomas psicóticos por intoxicação de canabinóides ou doença mental pré-existente. Estas limitações tornam desafiador estabelecer uma relação direta entre o consumo de canabinóides e o desenvolvimento de esquizofrenia.
VI.Tratamento e Prognóstico
As opções de tratamento para os problemas relacionados ao consumo de canabinóides incluem abordagens farmacológicas (antipsicóticos, ansiolíticos, estabilizadores de humor) e não farmacológicas (psicoterapia, psicoeducação, terapia cognitivo-comportamental). A importância da abstinência mantida, especialmente em indivíduos com fatores de risco para transtornos psicóticos ou esquizofrenia, é destacada. Medicamentos como rimonabant (antagonista dos receptores CB1) e propanolol são mencionados como potenciais auxiliares, porém ainda não amplamente aceites. Em Portugal, cerca de 40% dos utentes que procuram o Serviço Nacional de Saúde (SNS) para cessação de consumo referem cannabis como a substância principal.
1. Abordagens Terapêuticas para o Consumo de Canabinóides
Esta seção descreve o tratamento para problemas relacionados ao consumo de canabinóides, enfatizando a importância crescente deste tema a nível global. Em Portugal, aproximadamente 40% dos utentes que procuram o SNS para cessar o consumo referem a cannabis como substância principal. O tratamento envolve medidas terapêuticas farmacológicas e não farmacológicas, dependendo dos sintomas presentes e da motivação do paciente. Em todos os casos, o uso de canabinóides deve ser desencorajado, visando a abstinência mantida. A severidade dos sintomas de abstinência está relacionada com a probabilidade de recaída. A abstinência mantida é crucial, principalmente para consumidores com múltiplos fatores de risco para transtornos psicóticos ou esquizofrenia, impactando positivamente a evolução da doença. Para quadros prolongados de psicose induzida por canabinóides, estabilizadores de humor podem ser usados. Apesar de existirem fármacos com benefícios adicionais, como o rimonabant (antagonista dos receptores CB1) e o propanolol (reduz alguns efeitos físicos e psíquicos), a sua aceitação global ainda é limitada.
2. Tratamento Farmacológico e Não Farmacológico
O tratamento farmacológico inclui o uso de antipsicóticos, principalmente em casos de intoxicação aguda com alterações de percepção, para alívio sintomático. Ansiolíticos, como benzodiazepinas, podem ser associados aos antipsicóticos em episódios agudos com ansiedade ou ataques de pânico. Em quadros prolongados de psicose induzida por canabinóides, estabilizadores de humor podem ser considerados. As terapias não farmacológicas, como psicoterapia, psicoeducação e terapia cognitivo-comportamental, mostram efeitos positivos, particularmente na manutenção da abstinência. A abstinência mantida é fundamental, especialmente em indivíduos com múltiplos fatores de risco para transtornos psicóticos ou esquizofrenia, tendo um impacto positivo na evolução da doença. O objetivo é sempre a redução e cessação do consumo de canabinóides, considerando que a severidade dos sintomas na fase de abstinência está relacionada a uma maior probabilidade de recaída.
3. Causalidade entre Consumo de Canabinóides e Esquizofrenia e Conclusões
A complexa relação entre o consumo de canabinóides e o desenvolvimento de esquizofrenia é discutida. Embora se observe uma associação entre o consumo de canabinóides e a ocorrência posterior de eventos psicóticos, estabelecer uma relação de causalidade é difícil devido a diversos fatores implicados. O consumo contínuo de cannabis em doentes com quadros psicóticos semelhantes à esquizofrenia, mas sem abstinência (e, portanto, sem diagnóstico de esquizofrenia segundo o DSM-5), dificulta a análise. O uso concomitante de outras substâncias psicoativas, histórico de outras doenças mentais e fatores de risco comuns para ambos os quadros (consumo de canabinóides e esquizofrenia) contribuem para essa dificuldade. Apesar disso, a revisão conclui que existe uma associação consistente entre o consumo de canabinóides e quadros psicóticos agudos e persistentes, mas que estes transtornos não afetam todos os consumidores, apenas os predispostos ou com fatores de risco, como consumo crônico, início precoce, uso de múltiplas substâncias e razão THC:CBD elevada, como em canabinóides sintéticos. Vulnerabilidade genética, história familiar de esquizofrenia e trauma na infância são também fatores relevantes.
VII.Conclusão
A revisão conclui que existe uma associação consistente entre o consumo de canabinóides e quadros psicóticos, agudos e persistentes. Os fatores de risco incluem consumo crônico, início precoce do consumo, uso de múltiplas substâncias psicoativas, e a presença de polimorfismos genéticos. A alta concentração de delta-9-THC em algumas formulações de cannabis aumenta o risco. O estudo destaca a necessidade de medidas de prevenção e redução de danos, especialmente considerando o impacto sobre a saúde mental, e a necessidade de investigação adicional sobre os riscos a longo prazo. A regulamentação do uso de canabinóides para fins terapêuticos também é mencionada como crucial, devido ao seu alto potencial para abuso e consequências negativas para a saúde mental.
1. Associação Consistente entre Consumo de Canabinóides e Quadros Psicóticos
A conclusão reforça a existência de uma associação consistente e comprovada entre o consumo de canabinóides e quadros psicóticos agudos e persistentes. Esta associação, no entanto, não é universal, afetando principalmente indivíduos predispostos ou com fatores de risco. O perfil do consumidor mais suscetível é descrito como consumidor crônico, com início do consumo numa fase precoce da vida e uso de múltiplas substâncias psicoativas. O consumo de canabinóides com alto rácio THC:CBD, como os canabinóides sintéticos, também aumenta o risco. Outros fatores de risco incluem vulnerabilidade genética, história familiar de esquizofrenia, história pessoal de trauma na infância e doença psiquiátrica preexistente. A revisão sistematiza os achados, destacando a necessidade de investigações adicionais para aprofundar a compreensão da relação entre esses fatores e a probabilidade de desenvolver quadros psicóticos.
2. Implicações para a Prevenção Redução de Danos e Regulamentação
A conclusão enfatiza a necessidade de implementar medidas globais para a prevenção e redução do consumo de cannabis, especialmente considerando o aparecimento de formulações cada vez mais potentes, com maior concentração de delta-9-THC, e consequentemente maior risco de efeitos psicoativos e quadros psicóticos. A revisão destaca a importância de estudos futuros para explorar outros possíveis riscos associados ao consumo de canabinóides. Em relação ao uso terapêutico, a conclusão ressalta a necessidade de regulamentações próprias e controlo rigoroso da utilização de canabinóides, principalmente em pessoas com predisposição para doenças mentais. A complexidade da relação entre o consumo de canabinóides e o desenvolvimento de esquizofrenia é reiterada, com a dificuldade em estabelecer uma relação de causalidade direta, devido à multiplicidade de fatores envolvidos. A revisão conclui que o consumo recreativo, em face dos potenciais riscos, justifica o reforço de políticas públicas de prevenção e acompanhamento.
