Canais Escavados: Impacto em Hidroelétricas
Informações do documento
| Autor | João António Cunha Mendes |
| instructor | Professora Irene Fernandes |
| Escola | Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto |
| Curso | Engenharia Civil |
| Ano de publicação | 2016 |
| Tipo de documento | Dissertação de Mestrado Integrado |
| Local | Porto |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 5.02 MB |
Resumo
I.Energia Eólica e Armazenamento em Portugal
O principal desafio da energia eólica em Portugal é a sua intermitência. Para otimizar a sua utilização, o país investiu fortemente em sistemas de armazenamento de energia, principalmente através do reforço de aproveitamentos hidroelétricos reversíveis. Esses sistemas permitem bombear água para montante quando há excesso de produção eólica e turbiná-la posteriormente, gerando energia hidroelétrica em momentos de maior demanda. A localização das turbinas eólicas considera a continuidade do vento, evitando velocidades excessivas. A combinação de energia eólica e energia hidroelétrica em Portugal representa uma estratégia importante de gestão de energia e redução de emissões de CO2.
1. Intermitência da Energia Eólica e Necessidade de Armazenamento
O texto inicia-se explicitando a maior desvantagem da energia eólica: a sua intermitência. A produção de eletricidade a partir do vento é instável, variando a sua velocidade e não coincidindo sempre com os picos de procura. Para contornar este problema, a utilização otimizada da energia eólica exige sistemas de armazenamento de energia, capazes de guardar o excesso gerado em momentos de maior produção para uso posterior em períodos de menor geração ou maior consumo. O documento destaca que, atualmente, o método mais eficiente de armazenamento de energia eólica é a utilização de aproveitamentos hidroelétricos reversíveis. Estes sistemas, já presentes em algumas centrais hidroelétricas portuguesas, permitem bombear água para montante quando a produção eólica é elevada e depois usar essa água para gerar eletricidade através de turbinas, quando necessário. Esta estratégia é essencial para garantir um fornecimento de energia estável e confiável, apesar da natureza imprevisível da energia eólica.
2. Aposta Nacional na Energia Eólica e Aproveitamento Hidroelétrico
Portugal tem feito uma aposta significativa na integração da energia eólica na sua matriz energética. Embora o país já possuísse diversas centrais hidroelétricas, algumas delas com sistemas reversíveis para bombagem, a entrada em grande escala da energia eólica marcou uma mudança importante. A seleção dos locais para a instalação dos parques eólicos obedece a critérios rigorosos, sendo a continuidade do vento, sem velocidades excessivas, um fator fundamental. A produção de energia eólica, por ser intermitente, pode levar a desperdícios em horas de menor consumo, como durante a noite. Para solucionar esse problema, surgiu a ideia de usar a energia excedente da produção eólica, em períodos de baixa demanda, para bombear água de jusante para montante em aproveitamentos hidroelétricos com albufeiras, criando assim uma reserva estratégica de energia que pode ser usada posteriormente.
II.Hidroelectricidade em Portugal Histórico e Potencial
A história da energia hidroelétrica em Portugal remonta a 1894, com o primeiro aproveitamento hidroelétrico em Vila Real. O desenvolvimento desta fonte de energia teve avanços e recuos, influenciados pelo preço do petróleo e políticas nacionais. Após o Tratado de Quioto (1997), houve um novo impulso na exploração do potencial hídrico português, com o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH) visando atingir 70% do potencial hídrico até 2020 (7GW). Diversas barragens e centrais hidroelétricas foram construídas ou modernizadas, incluindo alguns sistemas de bombagem, que permitem o armazenamento da energia hidroelétrica.
1. Origens da Hidroelectricidade em Portugal
A utilização da água para produção de energia elétrica surgiu a nível mundial em meados do século XIX, mas em Portugal, a sua implementação só ocorreu cerca de 50 anos depois, em 1892. A Companhia Elétrica e Industrial de Vila Real deu início ao projeto do primeiro aproveitamento hidroelétrico, concluído em 1894 por Emílio Biel no rio Corgo (afluente do Douro), com potência aproximada de 120 kW. Este empreendimento inicial, posteriormente substituído por outro na Ínsua e uma central em Terrajido, representou um marco na redução da dependência quase total de combustíveis fósseis para a produção de eletricidade em Portugal. A construção de aproveitamentos hidroelétricos continuou ao longo do tempo, com exemplos como o aproveitamento hidroelétrico de Furado (Rio Cávado, 1896, com 93 kW) e o aproveitamento de Penide (Rio Cávado, 1951), demonstrando a evolução gradual mas contínua da utilização da hidroelectricidade no país. Antes mesmo da viragem do século XX, a potencialidade do rio Guadiana já era avaliada, contribuindo para a localização atual da albufeira do Alqueva.
2. Expansão e Consolidação da Hidroelectricidade até 1960
Até 1930, surgiram diversas centrais hidroelétricas, na sua maioria de pequena potência, públicas e privadas, principalmente para uso industrial e local. No entanto, a rede nacional era limitada pela dificuldade de transporte da energia e pela irregularidade da produção, pois a maioria dos aproveitamentos era a fio de água, sem capacidade de armazenamento. A partir dessa década, a produção de energia hidroelétrica torna-se uma prioridade do estado português, visando impulsionar a produção industrial e agrícola através da irrigação. Para tal, foram criados os Serviços Hidráulicos e a Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, que realizaram estudos para avaliar o potencial energético dos rios. Este período marcou também os primeiros planos para grandes aproveitamentos hidroelétricos em rios como o Zêzere, Cávado, Lima, Mondego, Guadiana e Douro, culminando na publicação da Lei nº 2002 (1944), que estabeleceu as bases legais para a produção, transporte e distribuição de energia elétrica, priorizando a origem hidráulica. Apesar dos esforços e da criação de vários diplomas legais, a execução de grandes empreitadas só se tornou viável após o fim da Segunda Guerra Mundial.
3. Retorno à Aposta na Energia Hidroelétrica e o Programa PNBEPH
Com o aumento do preço do petróleo nas últimas décadas, voltou a existir um forte interesse nacional em explorar o potencial hidroelétrico português, reconhecido como um dos maiores da União Europeia ainda por explorar, e com a necessidade de reduzir a dependência energética externa. Em 2007, foi lançado o Programa Nacional de Barragens com Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH), com o objetivo ambicioso de atingir cerca de 70% do potencial hídrico nacional até 2020 (7 GW), representando um acréscimo de 24% em relação ao início do programa. Este programa envolveu a avaliação de 25 projetos, sendo que 10 foram selecionados para implementação. O texto destaca que a aposta em centrais termoelétricas, impulsionada pelo baixo preço do petróleo na década de 60, havia deixado o potencial hídrico português subutilizado. O Tratado de Quioto (1997), com o seu enfoque na redução de emissões de carbono, foi um fator determinante para o retorno ao investimento em aproveitamentos hidroelétricos.
III.Construção de Aproveitamentos Hidroelétricos Escavação e Desmonte
A construção de aproveitamentos hidroelétricos envolve extensas obras de escavação, frequentemente em locais montanhosos. O processo de escavação requer estudos geotécnicos para avaliar a resistência ao desmonte dos materiais. Técnicas como o ensaio SPT e a sísmica de refração são utilizadas para determinar as características do terreno. O fator de empolamento é crucial para o planeamento do transporte e disposição dos materiais escavados. A presença de água, especialmente em escavações em rios, exige métodos específicos, como dragagem e o uso de batelões ou plataformas de aterro. Em casos de rochas com alta resistência, o desmonte com explosivos é necessário, seguindo normas rigorosas de segurança como a NP-2074 para minimizar o impacto em construções vizinhas. A escolha da técnica de escavação depende da resistência ao desmonte, da presença de água e das características geológicas do local.
1. Evolução das Técnicas de Escavação
As técnicas de escavação evoluíram significativamente. Inicialmente, o processo era manual, usando pás e picaretas, resultando em baixo rendimento e alta dependência de mão-de-obra barata. Embora os prazos fossem considerados razoáveis para grandes volumes, se houvesse mão-de-obra suficiente, a produtividade era muito baixa (50 m³/h necessitavam de pelo menos 100 homens). Com a evolução social e o aumento do custo da mão-de-obra, aliado à crescente demanda industrial, a escavação mecânica tornou-se mais vantajosa economicamente. Apesar da mecanização generalizada, a escavação manual ainda é necessária em trabalhos que exigem precisão e agilidade. Atualmente, o planeamento de obras de escavação não dispensa a utilização de meios mecânicos, sendo crucial a preparação prévia, que inclui estudos geológicos para caracterizar as superfícies a escavar, mesmo com a possível imprevisibilidade da variedade de solos e rochas. A análise dos resultados da prospeção geológica por técnicos experientes é fundamental para um bom planeamento, definindo a melhor estratégia e recursos necessários, podendo reduzir custos e imprevistos durante a execução.
2. Classificação dos Materiais e Ensaios Geotécnicos
Para orientar a execução dos trabalhos de escavação, é importante classificar os materiais superficiais quanto à sua resistência ao desmonte, uma vez que esta característica influencia diretamente os custos operacionais. O documento menciona a utilização de ensaios geotécnicos como o SPT (Standard Penetration Test), um ensaio normalizado, rápido e económico, que avalia a resistência à compressão simples do solo. Outro ensaio importante é a sísmica de refração, que mede as velocidades de propagação das ondas ultrassónicas P e S, permitindo identificar camadas, alterações de consolidação, porosidade, falhas e descontinuidades. Este ensaio é considerado o mais eficaz para determinar as características do terreno para a execução de uma escavação, fornecendo dados para estimar a resistência ao desmonte. Além dos ensaios, o fator de empolamento, que representa a expansão volumétrica do material ao ser removido do seu estado natural, é crucial para o planeamento do transporte e deposição dos materiais escavados, especialmente em projetos localizados em zonas montanhosas, onde se espera encontrar camadas de materiais sedimentares e rochas com alta resistência ao desmonte.
3. Escavação em Rio Métodos e Considerações
A escavação em rios apresenta desafios adicionais em comparação com a escavação em ambiente terrestre. É essencial uma avaliação prévia das condições subaquáticas, incluindo o levantamento batimétrico do leito do rio (frequentemente com recurso a mergulhadores) e estudos geológico-geotécnicos. A diversidade de tipos de superfícies, estados de erosão, largura e irregularidade do leito do rio exigem soluções de escavação adequadas. O documento menciona a dragagem, que pode ser inicial (criação de um canal artificial), de manutenção, ou ambiental. A dragagem inicial é focada neste contexto, consistindo na remoção inicial do material para a criação do canal. Outra técnica é a escavação com recurso a batelão, que funciona como uma plataforma de trabalho para equipamentos de escavação submersos. Esta solução é mais adequada para trabalhos de menor profundidade e dimensão. A escavação com recurso a plataformas de aterro, por sua vez, consiste em criar aterros sucessivos no leito do rio, permitindo o acesso de máquinas de terraplanagem convencionais e, se necessário, a utilização de explosivos para o desmonte de materiais de alta resistência. A utilização de explosivos exige medidas de segurança adicionais, incluindo a norma portuguesa NP-2074, para controlar as vibrações e proteger estruturas próximas.
IV.Exemplo Aproveitamento Hidroelétrico de Foz Tua AHFT
O AHFT, executado pelo consórcio Mota-Engil, Somague e MSF entre 2011 e 2016 (previsão), custou cerca de 400 milhões de euros (preço de 2014). Produz aproximadamente 600 GWh/ano, evitando a emissão de cerca de 450.000 toneladas de CO2 anualmente. A construção envolveu a escavação de um canal de 600 metros, com largura média de 54 metros, utilizando aterros longitudinais sucessivos como plataformas de trabalho e desmonte com explosivos (técnica de pré-corte e smooth blasting). O projeto incluiu o reforço das fundações das pontes existentes. A albufeira criada servirá para o abastecimento de água, combate a incêndios e lazer, beneficiando 5 concelhos.
1. Detalhes do Projeto AHFT e Consórcio
O Aproveitamento Hidroelétrico de Foz Tua (AHFT) teve sua execução iniciada em abril de 2011, pela Barragem do Foz Tua, ACE, um consórcio formado pelas empresas Mota-Engil, Somague e MSF. O projeto tinha previsão de conclusão para setembro de 2016, com um período de execução de 5 anos e meio e um custo total previsto de 400 milhões de euros (preço de 2014). O AHFT, uma vez concluído, terá capacidade para produzir cerca de 600 GWh/ano (incluindo bombagem), quantidade suficiente para abastecer uma cidade do tamanho de Braga e o dobro do consumo dos 5 concelhos diretamente afetados pela albufeira. Esta produção hidroelétrica evitará a emissão de aproximadamente 450.000 toneladas de CO2 por ano, equivalente à emissão anual de cerca de 200.000 veículos. A albufeira criada terá um impacto significativo na região, fornecendo reserva de água estratégica para abastecimento, combate a incêndios e regularização de caudais, além de promover o turismo através da criação de uma área de recreação náutica.
2. Escavação do Canal Métodos e Fases
A construção do AHFT envolveu a escavação de um canal com cerca de 600 metros de comprimento e uma largura média de 54 metros. A cota de trabalho foi definida em 74 metros, com base na curva de vazão do rio Tua, podendo ser ultrapassada com caudais superiores a 45 m³/s. A solução de escavação utilizada foi baseada em aterros longitudinais sucessivos a esta cota, que serviram como plataformas de trabalho para a perfuração e desmonte com explosivos. O desmonte foi feito majoritariamente por pré-corte (pre-plitting) com furos de 75 mm de diâmetro, espaçados de 75 cm e inclinados a 4V:1H, e na zona do canal, por smooth blasting com furos verticais. O trabalho foi dividido em quatro fases, aproveitando as épocas de estiagem para otimizar o rendimento e a segurança. Na primeira fase, o aterro foi construído na margem esquerda até ao meio do leito, seguindo-se a detonação e remoção parcial para criar um canal. Os resíduos foram transportados para a outra margem para permitir a execução da segunda fase, e o restante para a escombreira (que ficará submersa). Taludes próximos à ponte rodoviária serão revestidos com muros de betão.
3. Reforço das Fundações das Pontes e Considerações Finais
Durante o reperfilamento do leito do rio, foi necessário reforçar as fundações dos pilares da ponte ferroviária, pois estavam quase diretamente assentes no leito do rio. A solução adotada foi a execução de estacas secantes com 60 cm de diâmetro e 8 a 9 metros de profundidade, alternando estacas de betão simples com estacas de betão armado, ligadas superiormente por um maciço de encabeçamento. O documento conclui com uma breve menção ao fato de que, das quatro dezenas de grandes aproveitamentos hidroelétricos em operação ou em fase final de construção em Portugal, onze estão equipados com grupos reversíveis (turbinar e bombear). Destes, quatro foram construídos no século passado, com a bombagem usada para auxiliar na gestão do sistema elétrico. Atualmente, o aumento da produção eólica reforça o uso da bombagem como sistema de armazenamento de energia.
