Preservação da Fertilidade em Câncer de Mama
Informações do documento
| Autor | Inês Marisa Tribuzi De Magalhães Melo |
| Escola | Instituto De Ciências Biomédicas Abel Salazar Da Universidade Do Porto |
| Curso | Medicina |
| Tipo de documento | Dissertação De Mestrado Integrado |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 597.69 KB |
Resumo
I.Epidemiologia do Cancro da Mama na Mulher Jovem
O cancro da mama (CM) é a neoplasia mais comum em mulheres em idade reprodutiva, afetando cerca de 6,6% das mulheres com menos de 40 anos. Apesar da incidência se manter estável, a mortalidade diminuiu, provavelmente devido a diagnósticos precoces e tratamentos mais eficazes. Mulheres com menos de 45 anos têm risco aumentado de desenvolver CM na mama contralateral, especialmente com radioterapia ou história familiar. O CM em mulheres jovens frequentemente apresenta características mais agressivas, com pior prognóstico e maior risco de metastização. A deteção precoce é crucial para melhorar os resultados, sendo o auto-exame da mama recomendado para mulheres com menos de 40 anos. Testes genéticos para mutações BRCA1/2 são preconizados em casos específicos, como CM antes dos 50 anos ou história familiar de cancro ovárico ou pancreático.
1. Incidência e Mortalidade do Cancro da Mama em Mulheres Jovens
O cancro da mama (CM) é o segundo tipo de cancro mais comum globalmente e o mais frequente no sexo feminino em países desenvolvidos, com uma incidência estimada em 1,4 milhões de casos por ano e 458.000 mortes anuais. Entre 1970 e 1990, observou-se um aumento de 30-40% na incidência na maioria dos países, enquanto na Europa, entre 1980 e 2000, houve um declínio de 15% na mortalidade, tendência que se mantém. Apesar de mais prevalente em mulheres pós-menopáusicas, cerca de 6,6% dos casos ocorrem em mulheres com menos de 40 anos, tornando-o a neoplasia mais comum neste grupo etário. A incidência manteve-se estável nos últimos anos, mas a mortalidade associada reduziu, provavelmente devido a diagnósticos mais precoces e tratamentos mais eficazes. Este dado reforça a importância da deteção precoce e da implementação de estratégias terapêuticas otimizadas para este grupo populacional específico.
2. Características e Prognóstico do Cancro da Mama em Mulheres Jovens
O cancro da mama em mulheres com menos de 45 anos apresenta algumas particularidades. Existe uma probabilidade duas vezes maior de desenvolver cancro na mama contralateral, risco aumentado pelo uso de radioterapia e história familiar (podendo atingir 13% em 10 anos). Vários autores consideram o CM em mulheres jovens como uma entidade clínica independente, associada a um maior número de recorrências loco-regionais, metastização à distância mais frequente e menores taxas de sobrevida aos 5 anos, resultando num pior prognóstico em comparação com mulheres mais velhas. Em mulheres com menos de 35 anos, ao diagnóstico, os tumores tendem a ser maiores, com envolvimento linfovascular mais frequente e estádio mais avançado. A menor incidência de carcinoma ductal in situ antes dos 35 anos pode dever-se a uma deteção tardia, uma vez que este grupo etário não está incluído nos programas de rastreio. Estas diferenças acentuam a necessidade de estratégias de diagnóstico e tratamento específicas para este grupo de pacientes.
3. Fatores Genéticos e Risco de Cancro da Mama e Ovárico
Mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 são os defeitos genéticos mais comuns na origem do cancro da mama, sendo a sua presença um fator de risco significativo, especialmente em mulheres jovens. Mulheres com mutações BRCA1 apresentam maior incidência de tumores de subtipo basal. Além disso, mutações BRCA1/2 aumentam o risco de cancro ovárico (40-50% para BRCA1 e 10-20% para BRCA2). A salpingooforectomia profilática, recomendada após a conclusão dos objetivos reprodutivos, reduz significativamente a mortalidade e o risco de carcinoma primário ovárico (em mais de 80%). A síndrome de Li-Fraumeni, embora rara, deve ser considerada em mulheres muito jovens com CM, uma vez que se trata de uma doença autossómica dominante associada a mutações no gene TP53, com desenvolvimento de CM em idades precoces e outros tumores raros. A identificação de fatores genéticos é, portanto, crucial na avaliação e gestão do risco individual de cancro da mama e ovárico em mulheres jovens.
4. Métodos de Diagnóstico do Cancro da Mama em Mulheres Jovens
A mamografia, quando não urgente, deve ser realizada preferencialmente nas duas primeiras semanas do ciclo menstrual, enquanto a ecografia pode ser feita em qualquer momento. A ressonância magnética (RM) é o método mais sensível para o diagnóstico de CM, devendo ser realizada na segunda semana do ciclo menstrual, sendo superior à mamografia na avaliação do tamanho do tumor e da doença multifocal. No entanto, a RM não é indicada em mulheres jovens sem predisposição genética devido à ausência de evidência de melhoria na recorrência local ou à distância e na taxa de re-intervenção. O auto-exame da mama é recomendado a todas as mulheres com menos de 40 anos, idealmente após a menstruação. A presença de implantes mamários diminui a acuidade diagnóstica da mamografia, podendo atrasar o diagnóstico, embora estudos recentes não demonstrem diferenças significativas no prognóstico, tempo livre de doença e taxa de sobrevida entre mulheres com e sem implantes com CM. A escolha do método diagnóstico deve ser individualizada, considerando os fatores de risco e a história clínica de cada paciente.
II.Efeitos da Quimioterapia Terapêutica Endócrina e Radioterapia na Fertilidade
A quimioterapia citotóxica, um tratamento fundamental para o CM, é uma importante causa de infertilidade, afetando os folículos primordiais, oócitos e células da granulosa, levando à depleção ovárica e menopausa precoce. A ciclofosfamida, um agente alquilante comum, reduz significativamente o período reprodutivo. A terapia endócrina, incluindo o tamoxifeno e os inibidores da aromatase, também pode impactar a fertilidade, embora de forma menos drástica que a quimioterapia. O tamoxifeno pode causar oligoamenorreia, enquanto os inibidores da aromatase, usados em conjunto com GnRHa, podem ser utilizados para criopreservação de oócitos/embriões. A radioterapia também danifica os ovários, a gravidade do dano dependendo da idade da paciente, dose e campo de radiação. O monitoramento da AMH (hormônio antimülleriano) pode auxiliar na avaliação da reserva ovárica.
1. Impacto da Quimioterapia na Fertilidade
A quimioterapia citotóxica, embora crucial na redução da mortalidade por cancro da mama, apresenta efeitos deletérios a longo prazo na fertilidade. O mecanismo principal é a depleção da reserva ovárica, afetando os folículos primordiais, os oócitos e as células da granulosa. Isso pode resultar em falência ovárica aguda (menopausa imediata ou precoce) ou menopausa precoce (antes dos 40 anos), dependendo da severidade da depleção. A amenorreia temporária é mais comum em mulheres mais jovens, com retorno da menstruação em 6-12 meses após o tratamento, mas com antecipação da menopausa em 5-10 anos. O efeito tóxico ocorre por apoptose direta ou dano vascular, com hialinização dos vasos corticais e fibrose. Mulheres com menos de 40 anos têm 61% de risco de amenorreia após quimioterapia, enquanto o risco sobe para 95% em mulheres com mais de 40 anos. A ciclofosfamida, agente alquilante frequentemente usado, induz a formação de pontes de DNA nas células da granulosa, diminuindo os níveis de estrogênio e progesterona e causando fibrose ovárica. Uma dose de 2,4-3 g/m² durante 12-16 semanas pode reduzir o período reprodutivo em cerca de 10 anos.
2. Efeitos da Terapêutica Endócrina na Fertilidade
A terapêutica endócrina, parte do tratamento adjuvante em mulheres pré-menopáusicas, também pode afetar a fertilidade. O tamoxifeno, embora raramente usado isoladamente, pode aumentar a liberação de gonadotrofinas, levando a um hiperestrogenismo que resulta em cistos ovarianos e oligoamenorreia (em 16-38% dos casos). No entanto, ao contrário da quimioterapia, o tamoxifeno não afeta permanentemente a reserva ovárica, com a oligoamenorreia sendo revertida em 3-6 meses após a descontinuação do tratamento. A supressão ovárica com análogos da hormona libertadora de gonadotrofina (GnRHa) é outro método de terapia endócrina que demonstrou reduzir o risco de recorrência e aumentar a sobrevida quando usado isoladamente. Os GnRHa possuem um efeito bifásico, inicialmente estimulando a produção de FSH e LH, mas posteriormente inibindo-a, diminuindo os níveis de estrogênio e progesterona a partir da 3ª ou 4ª semana de tratamento. A supressão ovárica com GnRHa não é sempre eficaz, exigindo monitorização regular dos níveis de estrogênio. Os inibidores da aromatase, usados em mulheres pré-menopáusicas, têm eficácia limitada isoladamente, necessitando da administração concomitante de GnRHa para evitar um aumento drástico de gonadotrofinas. O efeito estimulador inicial dos GnRHa em conjunto com os inibidores da aromatase pode ser utilizado para criopreservação de oócitos/embriões.
3. Impacto da Radioterapia na Fertilidade
A radioterapia também afeta a fertilidade, causando atrofia ovárica e depleção da reserva ovárica. A sensibilidade à radiação varia com a idade, com mulheres com menos de 40 anos sendo menos sensíveis do que mulheres mais velhas. A idade da paciente, a dose de radiação e o campo de radiação influenciam os efeitos sobre os ovários. Baixos níveis de AMH antes da quimioterapia e idade avançada são fatores preditores de amenorreia induzida pela quimioterapia. A AMH, uma glicoproteína produzida pelas células da granulosa dos folículos pré-antrais e antrais, é um biomarcador sensível para avaliar a reserva ovárica, diminuindo com a idade e sendo indetectável após ooforectomia bilateral. A monitorização da AMH, juntamente com outros biomarcadores como FSH, estradiol e inibina B, pode auxiliar no monitoramento da recuperação da função ovárica após o tratamento. No entanto, o uso da AMH após quimioterapia para cancro da mama ainda não é totalmente validado, devido a custos elevados e falta de sensibilidade/reprodutibilidade dos ensaios disponíveis.
III.Preservação da Fertilidade em Pacientes com Cancro da Mama
Dada a elevada incidência de infertilidade associada ao tratamento do CM, a preservação da fertilidade é crucial. A criopreservação de embriões e oócitos, após estimulação ovárica controlada, é a estratégia mais eficaz e com maior taxa de nascimentos. A maturação in vitro de oócitos é uma alternativa promissora, especialmente para casos que necessitem de tratamento imediato. A criopreservação de tecido ovárico representa uma opção para casos urgentes, evitando atrasos no início da quimioterapia. Independentemente do método escolhido, o aconselhamento prévio sobre as opções de preservação da fertilidade é fundamental para que as pacientes possam tomar decisões informadas e manter suas aspirações reprodutivas.
1. Métodos de Preservação da Fertilidade Uma Visão Geral
Existem múltiplas estratégias para a preservação da fertilidade em sobreviventes de cancro da mama em idade reprodutiva. Estas incluem a criopreservação de oócitos e embriões, a maturação in vitro de oócitos, a criopreservação de tecido ovárico e a supressão ovárica com análogos de GnRH. A escolha do método ideal depende de diversos fatores, incluindo o tipo de tratamento oncológico, o tempo disponível antes do início do tratamento, a idade da paciente, o tipo de cancro e a disponibilidade de um parceiro. É crucial o aconselhamento ativo durante o planeamento do tratamento para incorporar medidas de preservação da fertilidade. A preservação da fertilidade deve ser um assunto discutido precocemente com a paciente, idealmente antes do início da terapêutica gonadotóxica, permitindo que a decisão seja individualizada e mais adequada às suas necessidades e circunstâncias. As recomendações da ASCO e ASRM enfatizam a importância deste aconselhamento precoce, embora mais de 50% dos oncologistas admitam não abordar rotineiramente este tema.
2. Estimulação Ovárica e Criopreservação de Embriões Oócitos
A estimulação ovárica e a subsequente criopreservação de embriões ou oócitos são os métodos mais utilizados para preservação da fertilidade em mulheres pré-menopáusicas com cancro da mama, apresentando maior taxa de nascimentos. A maioria das pacientes é tratada com protocolos curtos contendo antagonistas de GnRH, iniciados na fase folicular precoce ou na fase lútea. A estimulação com gonadotrofinas é iniciada no 2º-3º dia do ciclo, com os antagonistas de GnRH iniciados no 6º dia (quando os folículos atingem 12-14mm). Em pacientes com cancro da mama, um ciclo de estimulação ovárica controlada é frequentemente realizado entre a cirurgia e a quimioterapia pós-operatória. A criopreservação de embriões é realizada rotineiramente com embriões excedentes da fertilização in vitro (FIV) e requer cerca de 2 semanas de estimulação ovárica, atrasando o início da quimioterapia. A criopreservação de oócitos, sem fertilização, é uma alternativa para mulheres sem parceiro ou que não desejam doação de esperma. O aumento dos níveis de estrogênio durante a estimulação ovárica, em pacientes com cancro da mama, pode potencializar o crescimento de células neoplásicas com recetores estrogênicos, levando à implementação de protocolos alternativos com tamoxifeno, inibidores da aromatase ou FIV em ciclo natural, sendo os protocolos com letrozole os preferidos em casos com recetores hormonais positivos.
3. Maturação Oocitária In Vitro e Criopreservação de Tecido Ovárico
A maturação in vitro de oócitos é um método recente, ainda em fase experimental, que constitui uma alternativa interessante pois não requer estimulação ovárica com gonadotrofinas, reduzindo complicações e permitindo o início imediato da quimioterapia. É uma opção emergente para mulheres que necessitam de iniciar a quimioterapia rapidamente ou para pacientes pré-púberes. A criopreservação de tecido ovárico é a principal opção para mulheres com menos de 38 anos que requerem tratamento antineoplásico urgente, como a quimioterapia neoadjuvante. Este procedimento permite o início imediato do tratamento sem estimulação ovárica prévia ou doação de esperma, sendo independente da fase do ciclo menstrual. Pode ser a única opção disponível para mulheres com neoplasias sensíveis ao estrogênio, pré-púberes ou com neoplasias muito agressivas. Embora eficaz, apresenta desvantagens, como o caráter invasivo e o risco de reintrodução de células malignas após transplante, especialmente em pacientes com mutações BRCA. A sobrevida limitada do tecido ovárico transplantado devido à isquemia pós-transplante também é uma preocupação; estudos sugerem que o uso de enxertos vascularizados e fatores angiogénicos podem melhorar a sobrevivência folicular. A transplantação ortotópica é geralmente preferida, permitindo conceção natural, enquanto a transplantação heterotópica requer recolha oocitária e FIV.
