Leptina e Cancro da Próstata
Informações do documento
| Autor | Andreia Henriques Moutinho Ribeiro |
| instructor | Professora Doutora Mariana Monteiro, Professora Auxiliar |
| Escola | Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto |
| Curso | Oncologia |
| Tipo de documento | Dissertação de Mestrado |
| Local | Porto |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 4.29 MB |
Resumo
I.Caracterização da Linha Celular RM1
Este estudo investigou o papel da leptina no crescimento tumoral de câncer de próstata utilizando a linha celular RM1 (células de adenocarcinoma de próstata androgênio-independentes). Através de imunocitoquímica, foi confirmada a presença da isoforma longa do receptor de leptina (OBRb) na membrana celular das células RM1. Entretanto, estudos moleculares por RT-PCR mostraram apenas expressão da isoforma curta (OBRa), levantando questões sobre a especificidade do anticorpo utilizado e a funcionalidade do receptor de leptina na proliferação dessas células.
1. Imunocitoquímica para o Receptor da Leptina
Um estudo imunocitoquímico (ICQ) foi realizado nas células RM1 (passagem 17) para avaliar a presença da isoforma longa do receptor de leptina (OBRb). Utilizando um anticorpo primário anti-OBR específico para a isoforma longa, observou-se marcação positiva (coloração castanha) na periferia das células RM1, indicando a presença do receptor na membrana celular. Para validação, o mesmo ICQ foi realizado em células de exudado peritoneal de camundongo C57BL6/J, servindo como controle positivo (marcação em macrófagos, que expressam OBRb) e negativo (ausência de marcação em neutrófilos). A utilização de células de exudado peritoneal como controle permite confirmar a especificidade da reação do anticorpo para o receptor da leptina, validando a positividade observada nas células RM1. Esta metodologia rigorosa contribui para a robustez dos resultados, minimizando a possibilidade de resultados falso-positivos.
2. Estudos Moleculares para Caracterização do Receptor de Leptina
Para complementar os resultados da imunocitoquímica, estudos moleculares foram conduzidos para caracterizar a linha celular RM1 quanto à presença do receptor de leptina (OBR). Especificamente, utilizou-se a técnica de RT-PCR para detectar a expressão dos genes que codificam as isoformas curta (OBRa) e longa (OBRb) do receptor. Os resultados mostraram positividade apenas para a expressão do gene da isoforma curta (OBRa), mas não para a isoforma longa (OBRb). Este resultado, obtido por uma técnica de alta sensibilidade, contrasta com os resultados positivos da imunocitoquímica para OBRb, levantando questões sobre a especificidade do anticorpo anti-OBR utilizado no ICQ (OBR 12-A, Alpha Diagnostics) para a isoforma longa do receptor. A discrepância entre os resultados de imunocitoquímica e RT-PCR sugere a necessidade de estudos adicionais para clarificar a expressão e funcionalidade do receptor de leptina na linha celular RM1, utilizando metodologias alternativas e/ou anticorpos com maior especificidade para a isoforma longa.
3. Análise por Western Blot para Receptores de Leptina
Adicionalmente, realizou-se uma análise por Western blot para procurar a presença das proteínas dos receptores de leptina (OBRa e OBRb) nas células RM1. A técnica de Western blot, após eletroforese SDS-PAGE, permite a separação das proteínas por peso molecular, possibilitando a identificação de proteínas específicas através de anticorpos. Apesar da detecção de numerosas bandas proteicas, nenhuma correspondeu aos pesos moleculares esperados para as isoformas do receptor de leptina (80 kDa para OBRa e 120 kDa para OBRb). As bandas observadas, mesmo aquelas em faixas de peso molecular próximas aos esperados, não permitiram concluir sobre a presença de OBR nas células RM1. A ausência de bandas correspondentes aos pesos moleculares esperados para OBRa e OBRb levanta a possibilidade de clivagem proteolítica do antígeno durante a preparação das amostras, quantidade insuficiente de amostra, baixa especificidade ou deterioração do anticorpo primário, ou ainda a baixa sensibilidade da técnica colorimétrica usada para detecção da reação antígeno-anticorpo, quando comparada a métodos como quimioluminescência e quimiofluorescência.
II.Avaliação do Crescimento das Células Tumorais RM1 In Vivo
Para determinar a influência da obesidade no crescimento tumoral, células RM1 foram inoculadas em quatro grupos de camundongos: C57BL6/J normoponderais (controle), camundongos obesos db/db (mutação inativadora do receptor de leptina), camundongos obesos ob/ob (deficiência de leptina), e camundongos com obesidade induzida por dieta (DIO). Uma curva dose-resposta inicial determinou a concentração ideal de inoculação (3,0 x 105 células). Após 14 dias, os tumores induzidos nos grupos ob/ob e DIO foram significativamente maiores que no grupo controle, enquanto os tumores no grupo db/db foram significativamente menores. Uma correlação inversa significativa foi observada entre os níveis plasmáticos de leptina e o peso do tumor, índice mitótico e grau de proliferação tumoral. Os níveis de insulina não mostraram relação com o crescimento tumoral.
1. Curva Dose Resposta em Ratinhos C57BL6 J Normoponderais
Inicialmente, realizou-se um estudo para determinar a concentração ideal de células RM1 para induzir o crescimento tumoral em camundongos C57BL6/J normoponderais. Foram utilizados 42 ratinhos (n=6/grupo) inoculados com concentrações crescentes de células RM1 (1,5x105, 3,0x105, 6,0x105, 7,5x105, 9,0x105, 1,2x106, 1,8x106) na região subcutânea dorsal. Após 14 dias, observou-se uma relação proporcional entre a concentração do inóculo e o crescimento tumoral. A dose de 3,0x105 células/500µL de PBS foi escolhida para estudos subsequentes devido à menor variabilidade no tamanho dos tumores (erro padrão da média) e à análise histológica que revelou menor necrose e alta densidade mitótica nesta dosagem. Esta escolha otimiza a consistência dos resultados em experimentos posteriores, assegurando a reprodutibilidade e confiabilidade dos dados obtidos. A análise histológica (HE) foi crucial na seleção da dosagem ideal, considerando a menor extensão de necrose e a maior densidade mitótica como indicadores de maior viabilidade tumoral.
2. Crescimento das Células RM1 em Ratinhos Obesos
A segunda fase do estudo avaliou o crescimento de células RM1 em camundongos obesos com diferentes perfis hormonais endógenos. Utilizaram-se 24 ratinhos machos adultos C57BL6/J, divididos em quatro grupos (n=6/grupo): controle (C57BL6/J normoponderais), ob/ob (deficiência de leptina), db/db (mutação inativadora do receptor de leptina), e DIO (obesidade induzida por dieta). Todos os grupos foram inoculados com 3,0x105 células RM1 (dosagem previamente determinada). O peso corporal dos animais foi monitorizado durante 14 dias, revelando pesos significativamente superiores (p<0,001) nos grupos ob/ob e db/db em comparação com o grupo controle. Embora o peso dos animais DIO não tenha diferido significativamente do grupo controle, a análise da percentagem de gordura epididimária indicou maior obesidade nestes animais. Esta avaliação permitiu a comparação do crescimento tumoral em diferentes modelos de obesidade, considerando as diferenças na regulação da leptina e sensibilidade à mesma. O uso de um grupo controle permitiu uma análise comparativa rigorosa, validando os efeitos da obesidade nos modelos estudados.
3. Análise dos Resultados do Crescimento Tumoral
A comparação entre os grupos revelou que os tumores induzidos nos grupos ob/ob e DIO foram significativamente maiores (p<0,001) que no grupo controle, enquanto o grupo db/db apresentou tumores significativamente menores (p=0,047). A análise morfométrica mostrou índice mitótico e densidade de núcleos marcados com Ki-67 (marcadores de proliferação celular) significativamente mais baixos no grupo db/db (p<0,001). Uma correlação inversa significativa (p<0,01 e p<0,001) foi observada entre os níveis plasmáticos de leptina e o peso do tumor, índice mitótico e grau de proliferação tumoral. Não houve relação entre os níveis de insulina e as características do tumor. A análise da correlação entre os níveis de leptina e o crescimento tumoral permitiu inferir um potencial papel inibidor da leptina no desenvolvimento do tumor. A ausência de correlação com a insulina sugere que outros fatores, além da insulina, estão envolvidos na regulação do crescimento tumoral nestes modelos.
III.Discussão Geral e Conclusão
Os resultados sugerem uma complexa interação entre obesidade, leptina, e o crescimento do câncer de próstata. Embora camundongos obesos ob/ob (com baixos níveis de leptina) apresentassem maior crescimento tumoral, os camundongos db/db (com altos níveis de leptina e resistência à leptina) mostraram menor crescimento. Isso indica que a relação entre leptina e a proliferação celular em células RM1 pode ser mais complexa do que se esperava, possivelmente envolvendo a interação entre as isoformas do receptor de leptina (OBRa e OBRb) e outras citocinas (ex: adiponectina, IGF-1, IL-6, TNF-α). Estudos futuros devem investigar a ativação das vias de sinalização intracelular (MAPK, STAT3 e PI3-K) em resposta à leptina nas células RM1 e considerar outros fatores circulantes frequentemente alterados na obesidade e relacionados à resistência à insulina. Os resultados também destacam a necessidade de estudos adicionais usando modelos animais que permitam avaliar o efeito da leptina independentemente de outros fatores alterados na obesidade.
1. A Obesidade a Leptin e o Crescimento do Câncer de Próstata
A discussão inicia abordando a controversa relação entre obesidade e carcinoma de próstata, destacando a leptina como uma molécula chave nessa associação. A leptina, hormônio produzido principalmente pelo adipócito, apresenta níveis plasmáticos aumentados na obesidade, proporcionalmente à massa gorda. Sua ligação ao receptor OBR ativa vias intracelulares (JAK2/STAT3, MAPK/ERK, PI-3K/Akt) que promovem a proliferação e angiogênese celular, potencialmente contribuindo para o desenvolvimento tumoral. A isoforma longa do receptor de leptina (OBRb) é a principal responsável por essa ativação. Estudos in vitro em linhas celulares de câncer de próstata androgênio-independentes (DU 145 e PC-3) já mostraram essa ação da leptina. A complexidade da relação entre leptina e crescimento tumoral é destacada, considerando a existência de diferentes isoformas do receptor e o contexto de obesidade com seus múltiplos fatores circulantes. A análise dos resultados do estudo em modelos animais se torna crucial para elucidar essa complexidade.
2. Interpretação dos Resultados In Vivo e a Ação da Leptin
Os resultados in vivo mostraram um crescimento tumoral significativamente maior nos grupos de camundongos ob/ob (deficiência de leptina) e DIO (obesidade induzida por dieta) comparado ao grupo controle. Contrariamente, o grupo db/db (resistência à leptina) exibiu crescimento tumoral significativamente menor. Observa-se uma correlação negativa e estatisticamente significativa entre os níveis plasmáticos de leptina e a proliferação celular nos tumores. Esta correlação inversa, surpreendente em relação a estudos prévios, sugere um possível papel inibidor da leptina na proliferação das células RM1, ao menos no contexto deste modelo experimental específico. A discrepância entre os resultados da imunocitoquímica (positiva para OBRb) e RT-PCR (negativa para OBRb) nas células RM1 é discutida, questionando a especificidade do anticorpo utilizado e levantando a possibilidade de a leptina não estar a atuar através da isoforma longa do receptor. A possibilidade da isoforma curta (OBRa) mediar os efeitos da leptina também é considerada.
3. Limitações e Sugestões para Pesquisas Futuras
A discussão aborda as limitações do estudo, incluindo a possível influência de outros fatores circulantes além da leptina (adiponectina, IGF-1, IL-6 e TNF-α) no crescimento tumoral, os quais não foram avaliados neste estudo. A discordância entre os resultados da imunocitoquímica para OBRb e a análise molecular por RT-PCR, que aponta para a possível ausência da isoforma longa do receptor de leptina funcional nas células RM1, é ressaltada. Como conclusão, o estudo sugere um papel inibidor da leptina no crescimento tumoral, mas ressalta a necessidade de estudos futuros para clarificar a ação da leptina através das diferentes isoformas do receptor e sua influência na ativação de vias de sinalização intracelular (MAPK, STAT3 e PI3-K) nas células RM1. Estudos com camundongos normoponderais, mas com hiperleptinémia induzida exogenamente, são propostos para avaliar o efeito da leptina independentemente de outros fatores alterados na obesidade, como forma de esclarecer completamente a relação entre leptina, obesidade e crescimento tumoral no contexto do câncer de próstata.
