CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO

Demissão de Praticante Desportivo

Informações do documento

Autor

Cristóvão Da Costa Carvalho

instructor Professor Doutor João Leal Amado
Escola

Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra

Curso Ciências Jurídico-Forenses
Tipo de documento Dissertação de Mestrado
city Coimbra
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 702.37 KB

Resumo

I.O Status de Trabalhador Assalariado no Direito Desportivo Português

Este documento analisa o regime jurídico do atleta profissional em Portugal, focando-se principalmente no contrato de trabalho desportivo e sua evolução legal. A Lei 54/2017, de 14 de julho, representou uma mudança de paradigma, alterando a conceção de profissionalismo desportivo e o regime jurídico específico dos contratos de trabalho desportivo. Anteriormente, a qualificação de profissional dependia da atividade principal ou exclusiva do atleta, o que gerava ambiguidades. A lei de 2017, porém, passou a definir o contrato como aquele em que o atleta presta serviços desportivos mediante retribuição sob autoridade e direção de uma entidade. Importantes debates sobre a subordinação jurídica dos atletas, principalmente em modalidades individuais versus coletivas, são abordados. A figura de José Bento Pessoa, primeiro atleta profissional português em 1896 (ciclismo), e o impacto do futebol na profissionalização do desporto são mencionados como marcos históricos. A lei também trata de questões como o registro obrigatório dos contratos e a responsabilidade civil em caso de cessação indevida do contrato.

1. Evolução do Conceito de Contrato de Trabalho Desportivo

A seção analisa a evolução histórica da legislação portuguesa sobre o contrato de trabalho desportivo, destacando a mudança de paradigma introduzida pela Lei 54/2017. Antes desta lei, a definição de profissionalismo no desporto era ambígua, baseando-se principalmente na remuneração e na atividade principal do atleta. Isso gerava dificuldades na distinção entre atletas amadores, não amadores e profissionais, especialmente em modalidades individuais. O texto menciona José Bento Pessoa, como o primeiro atleta profissional português em 1896, contratado pela marca Raleigh, evidenciando a longa trajetória do profissionalismo no desporto em Portugal e a ascensão gradual da modalidade, com o ciclismo e o boxe como exemplos. Posteriormente, a crescente influência econômica no desporto, especialmente com o futebol a partir da década de 1950, levou à necessidade de uma regulamentação mais precisa. A lei de 1960 é mencionada como um primeiro passo, mas insuficiente para abordar a complexidade da questão. O crescimento exponencial do profissionalismo no desporto, impulsionado por receitas e marketing, tornou o antigo critério de remuneração obsoleto. A discussão sobre as definições de João Leal Amado e sua contribuição para o debate também é destacada.

2. A Lei 54 2017 e a Redefinição do Contrato de Trabalho Desportivo

A Lei 54/2017, de 14 de julho, é apresentada como um ponto de inflexão na legislação portuguesa sobre o contrato de trabalho desportivo. O texto destaca que a lei, embora não defina explicitamente o praticante desportivo profissional, mudou o critério para a qualificação como profissional, abandonando a exigência de a atividade desportiva ser a principal ou exclusiva do atleta. A nova definição de contrato de trabalho desportivo, prevista no artigo 2.º, alínea a), estabelece uma relação contratual baseada na retribuição em troca da prestação de atividades desportivas sob a autoridade e direção de uma entidade. A crítica de João Leal Amado, que questiona a definição de trabalhador por conta de outrem se não houver subordinação jurídica e retribuição, é referenciada como sendo uma das inspirações da nova legislação. A diferença entre desportos coletivos e individuais, em relação à subordinação jurídica, é analisada, com ênfase na questão de que a simples existência de um contrato de trabalho confere a qualidade de profissional, independente do tipo de modalidade. A persistência de critérios diferentes para a qualificação do profissionalismo, mesmo dentro do mesmo ordenamento jurídico, é apontada como uma questão que necessita de aprofundamento. A evolução legislativa entre 2007 e 2017 ilustra as constantes mudanças no paradigma da profissionalização dos atletas.

3. Especificidades do Contrato e a Questão da Subordinação Jurídica

A seção analisa as razões pelas quais o contrato de trabalho desportivo exige regulamentação específica. A efemeridade da carreira profissional dos atletas, em comparação com outras profissões, é um fator determinante. A subordinação jurídica no desporto é considerada mais intensa do que em outros contextos laborais. A dependência do sucesso desportivo para a subsistência do espetáculo é também apontada. A natureza dual do objeto do contrato, desportiva e laboral, é enfatizada. O texto discute a duração dos contratos a termo, com foco no impacto do acordo Bósman em termos de liberdade de circulação dos jogadores, que era antes muito limitada. O contrato a termo é apresentado como uma conquista social, mas também como uma condição menos estável do que os contratos de trabalho tradicionais. A legislação portuguesa estabelece um período máximo de cinco épocas para a duração do contrato, em contraste com os oito anos anteriores, buscando um equilíbrio entre a segurança do atleta e as necessidades das entidades empregadoras. A questão do registo do contrato é abordada, esclarecendo o seu carácter declarativo e não constitutivo, embora a sua ausência possa ter consequências desportivas e até mesmo jurídicas.

4. Responsabilidade Civil e Indemnização em Caso de Cessação Indevida

Esta secção analisa a responsabilidade civil em casos de cessação indevida de contrato. A Lei 54/2017 inovou ao estabelecer um regime de indemnização por danos sofridos pela parte lesada em caso de resolução ilícita do contrato. Anteriormente, havia um teto máximo para a indemnização, enquanto a lei atual estabelece um teto mínimo, correspondente às retribuições vincendas. A possibilidade de indemnizações superiores é permitida caso haja prova de danos maiores. A lei não prevê o princípio da reintegração do trabalhador desportivo, o que é justificado pela natureza individualizada da profissão desportiva e pela dificuldade de garantir a efectiva ocupação do atleta mesmo reintegrado. A introdução da responsabilidade solidária do “terceiro cúmplice”, ou seja, a nova entidade empregadora desportiva em caso de demissão indevida, é discutida, especialmente no contexto da transferência de atletas. O caso do Sporting Clube de Portugal, no episódio de Alcochete, serve como exemplo. O texto conclui que, apesar das mudanças legislativas para proteger a competição, muitas vezes o jogador é quem arca com o maior risco.

II.Especificidades do Contrato de Trabalho Desportivo

O texto destaca as peculiaridades do contrato de trabalho desportivo, como a sua duração limitada (máximo de cinco épocas, segundo a Lei 54/2017), justificada pela natureza efémera da carreira desportiva e o acordo Bósman como fator de mudança. A questão das cláusulas de rescisão, frequentemente utilizadas pelas entidades empregadoras para ‘blindar’ os contratos e, em alguns casos, resultar em situações de ‘encarceramento contratual’, é analisada. Os deveres da entidade empregadora (proporcionar condições adequadas de treino e competição) e os deveres do praticante (prestação de serviços, respeito à ética desportiva) são igualmente examinados, assim como a figura dos empresários desportivos e seu crescente protagonismo. A lei prevê a indemnização em caso de cessação indevida do contrato, podendo atingir valores consideravelmente altos, dependendo da situação. O Sporting Clube de Portugal, no caso Alcochete, é usado como exemplo da complexidade destas situações.

1. Duração do Contrato e o Acordo Bósman

A duração do contrato de trabalho desportivo é uma das principais especificidades analisadas. A lei impõe um período máximo de cinco épocas, uma alteração em relação aos oito anos anteriormente previstos. Essa limitação considera a efemeridade da carreira desportiva e o desgaste físico dos atletas. A decisão reflete a busca de um equilíbrio entre a estabilidade necessária para o planeamento das entidades empregadoras e a realidade do envelhecimento precoce da carreira desportiva. A discussão inclui a comparação com o regime geral de trabalho, onde a estabilidade é mais valorizada. A mudança de paradigma é justificada pela necessidade de proteger o desporto e a competição, mitigando os riscos financeiros para os clubes caso os contratos fossem ilimitados. O texto também destaca o impacto do acordo Bósman na evolução dos contratos, permitindo maior liberdade de circulação dos jogadores, em contraste com o passado, onde os jogadores eram, de certa forma, propriedade dos clubes.

2. Registo do Contrato e Cedência de Atletas

O registo do contrato de trabalho desportivo é abordado como um dever da entidade empregadora, embora não seja condição de validade. A sua importância reside no seu impacto desportivo: a ausência de registo impede a participação do atleta nas competições. A possibilidade de o atleta invocar a falta de registo como justa causa para demissão é mencionada. A cedência de atletas é analisada como uma prática comum e incentivada neste contexto, diferente da legislação laboral comum. O texto destaca os benefícios para o clube cedente (rentabilizar ativos), o atleta (maior visibilidade e tempo de jogo) e o clube cessionário (reforço da equipa sem grande investimento). A lei define o dever de a entidade empregadora proporcionar as condições necessárias à participação efetiva em treinos e atividades preparatórias, mas esta ocupação efetiva é limitada à preparação para a competição, não abrangendo períodos de inatividade ou exclusão da equipa.

3. Cláusulas Resolutivas e a Autonomia das Partes

A seção discute as cláusulas resolutivas no contrato de trabalho desportivo, contrastando com o regime geral do trabalho. Enquanto no regime geral a estabilidade no emprego é priorizada, no desporto as cláusulas resolutivas são vistas como um instrumento de libertação do trabalhador, permitindo a rescisão do contrato antes do prazo estipulado, desde que haja justa causa. A possibilidade de revogação por acordo mútuo é analisada, embora a realidade muitas vezes implique que o jogador não receba qualquer compensação. As cláusulas de rescisão, muitas vezes com valores exorbitantes, são criticadas pelo seu potencial para criar situações de “encarceramento contratual”, dificultando a saída do atleta antes do termo do contrato. O texto apresenta as cláusulas de rescisão como um “mal menor”, já que, ao final do contrato, o jogador fica livre para assinar com outro clube. A utilização abusiva dessas cláusulas por parte das entidades empregadoras pode ser contornada por mecanismos legais, previstos no Código Civil e no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo (RJCTD), que permitem a redução do valor da multa a pagar.

4. Deveres das Partes e o Princípio da Estabilização Contratual

Os deveres da entidade empregadora e do praticante desportivo são detalhados. Para a entidade empregadora, inclui o registo do contrato, proporcionar condições de treino e competição, submeter os atletas a exames médicos, e respeitar as regras de ética desportiva. Para o praticante, inclui a prestação da atividade desportiva, participação em treinos e competições, preservação das condições físicas e o cumprimento das regras de ética desportiva. A discussão sobre a justa causa para a rescisão contratual é aprofundada, com ênfase nos deveres específicos do praticante desportivo, previstos no artigo 13º do RJCTD, e a sua violação como fundamento para o despedimento. O período experimental, antes obrigatório, tornou-se dependente de estipulação contratual. A rescisão por iniciativa do praticante, quando contratualmente convencionada, é discutida, com foco no elevado valor das cláusulas de rescisão e o seu efeito limitador à liberdade contratual do atleta. A possibilidade de redução do valor destas cláusulas, em casos de abuso, também é destacada.

III.Casos Dúbios de Justa Causa e Proteção do Atleta

O documento aborda situações ambíguas de justa causa para a rescisão do contrato, focando-se em casos como o afastamento do grupo de trabalho, falta de inscrição em competições e o uso de equipas B. Discute-se também a responsabilidade objetiva dos clubes em situações de lesões, e a necessidade de proteção do atleta contra situações de assédio e abuso da sua condição física. A Lei 54/2017 introduz inovações para proteger os direitos do atleta, mas o equilíbrio entre a necessidade de proteger a competição e os direitos individuais do atleta continua sendo um desafio. O artigo 143.º do Código Penal (ofensa à integridade física) é mencionado como possível enquadramento legal em casos graves de abuso.

1. Casos Dúbios de Justa Causa Afastamento do Grupo e Inscrição em Competições

A seção discute situações ambíguas em que a justa causa para demissão de um atleta pode ser questionada. Um caso recorrente é o afastamento do grupo de trabalho por razões técnicas e táticas, muitas vezes justificadas de forma genérica (“treinos específicos”, “opções estratégicas”). A análise questiona se, em tais situações, há violação do direito do atleta à ocupação efetiva do seu tempo de trabalho. Outro caso problemático é a não inscrição do atleta em competições, mesmo com o contrato registrado. O texto argumenta que o incumprimento do dever de proporcionar condições de participação desportiva e de treino efetivo, por parte do clube, pode configurar justa causa para demissão, ainda que o clube o justifique como “opção técnica”. A criação de equipas B pelos clubes como forma de contornar o dever de ocupação efetiva também é discutida. O texto argumenta que a permanência prolongada de um jogador contratado para a equipa principal na equipa B, sem justificativa contratual, configura violação deste direito.

2. Direitos de Personalidade Assédio e Responsabilidade Objetiva

A proteção aos direitos de personalidade do atleta é abordada, principalmente no que diz respeito ao assédio. O texto menciona como exemplo o uso de meios de comunicação social por parte das entidades empregadoras para denegrir a imagem do trabalhador, sem que este tenha direito de réplica. Esta situação é considerada uma violação dos direitos do atleta, podendo constituir justa causa para demissão. No caso de lesões, defende-se a aplicação de uma responsabilidade objetiva do clube, independente da culpa, desde que a lesão torne a continuidade da relação laboral-desportiva impossível. O dever do clube de proporcionar condições de segurança aos praticantes durante os treinos e jogos é destacado, sugerindo a aplicação do regime previsto no Código Civil (artigo 483º e seguintes) com adaptações. A possibilidade de abuso da condição física do atleta pela entidade desportiva também é abordada, mencionando exemplos como obrigar um jogador lesionado a jogar ou a submeter-se a tratamentos prejudiciais à saúde, situações que podem até configurar crime previsto no Código Penal (artigo 143º – ofensa à integridade física).

3. Salários em Atraso e Necessidade de Proteção Integral do Atleta

A questão dos salários em atraso, um problema frequente no desporto profissional em Portugal, é analisada como um fator limitador do direito de demissão do atleta. A legislação exige um pré-aviso ao clube sobre o atraso salarial, antes do atleta poder exercer seu direito de demissão, o que é considerado uma restrição excessiva. O texto defende a necessidade de normas mais protetoras do praticante desportivo, especialmente no que concerne à ocupação efetiva, condições de segurança e à proteção contra abusos por parte das entidades empregadoras. O objetivo é garantir ao atleta a devida segurança física, econômica e psicológica. O texto conclui que, embora haja limitações à liberdade do atleta para proteger a competição, este é fundamental para o sucesso do desporto, e, portanto, deve ser protegido por normas mais abrangentes, não necessariamente no âmbito da demissão livre, mas sim em relação aos seus direitos fundamentais.