Contribuição ao estudo da ação in vitro do veneno da aranha marrom, Loxosceles gaucho, sobre plaquetas humanas e de coelho. Participação das plaquetas na dermonecrose induzida experimentalmente pelo veneno loxoscélico em coelhos

Veneno Loxosceles: Ação em Plaquetas

Informações do documento

Autor

Flávio Luiz Tavares

instructor Orientadora: (Nome da orientadora não especificado no texto)
Escola

Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade de São Paulo

Curso Patologia Experimental e Comparada
Tipo de documento Tese (Doutorado em Ciências)
Local São Paulo
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 7.07 MB

Resumo

I.Interação in vitro do Veneno de Loxosceles gaucho com Plaquetas

Este estudo investigou a interação in vitro entre o veneno de Loxosceles gaucho e suas frações, particularmente a fração esfingomielinásica, com plaquetas humanas e de coelhos. Os resultados demonstraram que tanto o veneno total quanto a fração esfingomielinásica induziram agregação plaquetária em plasma rico em plaquetas (PRP), sendo a resposta mais intensa nas plaquetas humanas. A agregação exigiu a presença de componentes plasmáticos. A análise da lactato desidrogenase (LDH) indicou ausência de lise plaquetária nas concentrações testadas. Esses achados sugerem um mecanismo de ativação plaquetária mediado pelo veneno e sua fração esfingomielinásica, envolvendo componentes plasmáticos.

1. Agregação Plaquetária Induzida pelo Veneno de Loxosceles gaucho

O estudo investigou a agregação plaquetária induzida in vitro pelo veneno total de Loxosceles gaucho e sua fração esfingomielinásica em plaquetas humanas e de coelhos, utilizando plasma rico em plaquetas (PRP). Observou-se que ambos, veneno total e fração esfingomielinásica, causaram um aumento na agregação plaquetária em amostras de PRP. A resposta foi significativamente mais intensa em plaquetas humanas. Um achado crucial foi a ausência de agregação em plaquetas lavadas, demonstrando a necessidade de componentes plasmáticos para a indução dessa resposta. Isso sugere a participação de fatores plasmáticos na mediação do efeito do veneno sobre as plaquetas. A utilização de plaquetas lavadas permitiu determinar que fatores do plasma são essenciais para a ação do veneno, destacando a complexidade da interação entre o veneno e o sistema sanguíneo.

2. Atividade da Fração Esfingomielinásica e Lise Celular

A pesquisa analisou especificamente a ação da fração esfingomielinásica, principal componente do veneno, sobre a agregação plaquetária. Os resultados mostraram que esta fração também induziu agregação plaquetária em PRP, tanto humano quanto de coelho, embora com intensidade diferente entre as espécies. A mensuração da atividade da lactato desidrogenase (LDH), um marcador de lise celular, não detectou lise plaquetária significativa nas concentrações de veneno utilizadas. Este dado é relevante, pois demonstra que a agregação plaquetária induzida pelo veneno e sua fração não está associada a uma destruição significativa das plaquetas. Essa observação é importante para compreender o mecanismo de ação do veneno, distinguindo a agregação da lise celular, e, assim, contribui para uma melhor compreensão dos mecanismos envolvidos no loxoscelismo.

3. Necessidade de Componentes Plasmáticos na Agregação Plaquetária

A ausência de agregação plaquetária em experimentos com plaquetas lavadas (sem componentes plasmáticos) foi um ponto-chave do estudo. Isso indica que a ação do veneno de Loxosceles gaucho, tanto o veneno total quanto sua fração esfingomielinásica, requer a presença de fatores presentes no plasma para a indução da agregação. A identificação desses fatores plasmáticos críticos permanece como um tópico importante para futuras investigações e a compreensão completa do mecanismo de ação do veneno sobre as plaquetas. Este dado demonstra a complexa interação entre o veneno, as plaquetas e os componentes plasmáticos no processo de agregação, abrindo perspectivas para estudos mais detalhados sobre os mecanismos moleculares envolvidos.

II.Efeito da Trombocitopenia na Lesão Dermonecrótica in vivo

Utilizando um modelo de trombocitopenia em coelhos induzida por anticorpos anti-plaquetas, o estudo investigou o papel das plaquetas no desenvolvimento da lesão dermonecrótica causada pelo veneno de Loxosceles gaucho. Coelhos trombocitopênicos apresentaram lesões mais extensas e severas, com maiores áreas de equimose e escaras necróticas, comparados aos animais com contagem normal de plaquetas. Parâmetros da coagulação e da função de polimorfonucleares não mostraram alterações significativas entre os grupos, sugerindo que a influência das plaquetas no processo de lesão dermonecrótica se concentra no controle da expansão e gravidade da necrose.

1. Indução da Trombocitopenia e Modelo Experimental

O estudo utilizou um modelo in vivo para investigar o papel das plaquetas na lesão dermonecrótica induzida pelo veneno de Loxosceles gaucho. A trombocitopenia foi induzida em coelhos através da administração intravenosa de anticorpos anti-plaquetas (IgG). A metodologia incluiu a coleta de sangue, o processamento de plaquetas e a administração controlada da IgG. Foram estabelecidos grupos controle (trombocitopênico e normal), permitindo a comparação dos efeitos do veneno na presença e ausência de plaquetas. A indução da trombocitopenia foi monitorada pela contagem de plaquetas, garantindo a eficácia do modelo experimental na redução do número de plaquetas circulantes. A escolha do coelho como modelo animal justifica-se pela facilidade de induzir a trombocitopenia e pela possibilidade de gerar um modelo experimental para o estudo da lesão.

2. Comparação da Lesão Dermonecrótica em Coelhos Trombocitopênicos e Normais

Após a indução da trombocitopenia, os coelhos foram inoculados com o veneno de Loxosceles gaucho. A avaliação da lesão dermonecrótica foi realizada em diferentes tempos (4, 24 e 120 horas) após a injeção do veneno, permitindo observar a evolução da lesão. Um resultado importante foi a observação de lesões significativamente maiores e mais severas nos coelhos trombocitopênicos, caracterizadas por áreas maiores de equimose e escaras necróticas, em comparação com os coelhos com contagem normal de plaquetas. A comparação entre os grupos permitiu concluir que a presença de plaquetas exerce um papel protetor, limitando a extensão da lesão. A análise da gravidade da lesão, baseada em parâmetros como tamanho das equimoses e extensão das escaras necróticas, foi fundamental para a interpretação dos resultados.

3. Avaliação de Parâmetros Hematológicos e da Coagulação

Para avaliar se a trombocitopenia induzida afetava outros parâmetros hematológicos além da contagem de plaquetas, foram medidos os níveis plasmáticos do fator de von Willebrand (vWF), os tempos de protrombina e tromboplastina parcial ativada (TTPA), e a capacidade fagocítica dos polimorfonucleares. Os resultados demonstraram que não houve alterações significativas nesses parâmetros entre os coelhos trombocitopênicos e os controles com contagem normal de plaquetas. A ausência de alterações nesses marcadores sugere que a influência da trombocitopenia na lesão dermonecrótica é específica e não decorre de disfunções mais amplas no sistema de coagulação ou na resposta imune inata. A normalidade desses parâmetros reforça a conclusão de que o efeito protetor das plaquetas na lesão é direto e específico para a contenção da necrose.

III.Ativação Plaquetária e Marcadores de Adesão

O estudo investigou a ativação plaquetária induzida pelo veneno de Loxosceles gaucho avaliando a expressão de marcadores de superfície plaquetária. O veneno induziu aumento na expressão da glicoproteína GPIIb-IIIa em plaquetas de coelho, mas não de forma tão expressiva em humanas. A expressão de P-selectina aumentou em plaquetas de coelho expostas ao veneno total, sugerindo adesão e ativação plaquetária. A fração esfingomielinásica mostrou menor impacto na expressão dessas moléculas.

1. Expressão de GPIIb IIIa e Ativação Plaquetária

A ativação plaquetária induzida pelo veneno de Loxosceles gaucho foi avaliada pela expressão da glicoproteína GPIIb-IIIa, utilizando um anticorpo monoclonal específico. Os resultados mostraram um aumento significativo na expressão de GPIIb-IIIa em plaquetas de coelho expostas ao veneno, indicando uma mudança conformacional na proteína e sua consequente ativação. Em contrapartida, a resposta em plaquetas humanas foi menos pronunciada, sugerindo uma menor sensibilidade à ação do veneno nesta espécie. A diferença na resposta entre as espécies pode estar relacionada à origem do anticorpo utilizado, produzido a partir de plaquetas de coelho, sendo potencialmente mais reativo à proteína de coelho. O estudo destaca a importância da GPIIb-IIIa como um marcador de ativação plaquetária no contexto do envenenamento por Loxosceles gaucho, ressaltando as diferenças na resposta entre espécies.

2. Expressão de P selectina e Resposta às Concentrações do Veneno

A P-selectina, outra molécula de adesão plaquetária, foi utilizada como marcador adicional de ativação plaquetária. O veneno total de Loxosceles gaucho induziu um aumento na expressão de P-selectina na superfície das plaquetas de coelho, mas não em plaquetas humanas. Anticorpos monoclonais específicos para cada espécie foram empregados na análise, reforçando a especificidade dos resultados. A ausência de aumento na expressão de P-selectina em plaquetas humanas, mesmo na presença do veneno total, sugere que a ativação plaquetária induzida pelo veneno pode não ser suficientemente intensa ou apresentar um mecanismo diferente em humanos, em comparação com coelhos. As concentrações de fração esfingomielinásica testadas não causaram aumento significativo na marcação de nenhum dos anticorpos, indicando que este componente isoladamente não possui um efeito tão marcante na expressão da P-selectina.

IV.Ensaios de Adesão Plaquetária e a Fração Esfingomielinásica

Ensaios de adesão plaquetária in vitro demonstraram que tanto o veneno total quanto a fração esfingomielinásica induziram a adesão de plaquetas ao colágeno. Plaquetas humanas mostraram maior adesão ao veneno total, enquanto plaquetas de coelho foram mais responsivas à fração esfingomielinásica. A resposta ao veneno total foi menos regular, possivelmente devido à presença de múltiplos componentes enzimáticos, enquanto a fração esfingomielinásica apresentou uma resposta dose-resposta mais clara.

1. Adesão Plaquetária Induzida pelo Veneno Total e Fração Esfingomielinásica

Ensaios de adesão plaquetária foram realizados utilizando plasma rico em plaquetas (PRP) humano e de coelho, com o veneno total de Loxosceles gaucho e sua fração esfingomielinásica. Os resultados mostraram que ambos induziram adesão plaquetária ao colágeno, mas com diferenças interespécies. O veneno total induziu maior adesão em plaquetas humanas do que em coelhos. Em contraste, a fração esfingomielinásica causou maior adesão em plaquetas de coelho. A fração esfingomielinásica apresentou uma resposta dose-dependente clara, ao contrário do veneno total, cuja resposta foi menos regular. A diferença na resposta entre o veneno total e a fração esfingomielinásica sugere a participação de outros componentes do veneno na adesão plaquetária, além da esfingomielinase. A metodologia utilizou microplacas sensibilizadas com colágeno, com adaptações para o uso do veneno loxoscélico, garantindo a validade dos resultados obtidos.

2. Efeito da Complexidade do Veneno Total na Adesão Plaquetária

A resposta irregular das plaquetas ao veneno total, em contraste com a resposta dose-dependente da fração esfingomielinásica, sugere que a presença de múltiplos componentes no veneno total pode interferir na adesão plaquetária. A presença de hialuronidases, fosfatases e fosfohidrolases, enzimas conhecidas por estarem presentes no veneno de Loxosceles, poderia estar afetando a regularidade da adesão plaquetária ao colágeno. Apesar do aumento observado na adesão plaquetária com o veneno total, a irregularidade da resposta dificulta a análise da relação entre a concentração do veneno e o nível de adesão. A complexa composição do veneno, que vai além da fração esfingomielinásica, deve ser considerada na interpretação desses resultados, justificando estudos futuros com frações purificadas do veneno.

V.Análise Histopatológica e Papel das Plaquetas na Lesão

A análise histopatológica revelou intensa hemorragia e deposição de fibrina em coelhos trombocitopênicos, indicando um papel das plaquetas na modulação da hemorragia e do edema. Embora a trombocitopenia não tenha inibido a formação de trombos intravasculares, a lesão dermonecrótica foi significativamente maior em animais sem plaquetas, sugerindo que as plaquetas contribuem para minimizar a gravidade da lesão, possivelmente ao limitar a difusão do veneno e fornecer substratos para a esfingomielinase D.

1. Observações Histológicas da Lesão Dermonecrótica

A análise histopatológica de amostras de pele de coelhos, após injeção do veneno de Loxosceles gaucho, revelou características clássicas da lesão dermonecrótica do loxoscelismo. A coloração de Fraser-Lendrum permitiu a visualização de hemorragia, deposição de fibrina e áreas de escaras necróticas. Nos animais com trombocitopenia, a hemorragia foi mais intensa já nas primeiras 4 horas após a injeção, enquanto nos animais com contagem normal de plaquetas, este fenômeno se tornou mais evidente apenas após 24 horas. A deposição de fibrina também foi mais pronunciada em animais trombocitopênicos após 24 horas. Após 120 horas, a espessura das escaras necróticas e a extensão do infiltrado leucocitário foram maiores nos animais depletados de plaquetas, indicando uma progressão mais agressiva da necrose. A análise microscópica detalhada forneceu evidências morfológicas da influência das plaquetas na evolução da lesão.

2. Participação das Plaquetas na Formação de Trombos Intravasculares

A análise histológica em coelhos com contagem normal de plaquetas mostrou a participação das plaquetas na formação de trombos intravasculares, em vasos de pequeno e médio calibre. A imunohistoquímica para GPIIb-IIIa confirmou a presença de agregados plaquetários nos trombos, interagindo com leucócitos, células endoteliais e hemácias. Apesar da depleção plaquetária, a formação de trombos persistiu, com intensa deposição de fibrina e participação de leucócitos e hemácias, indicando que a formação de trombos não depende exclusivamente da presença de plaquetas. A observação de trombos, mesmo na ausência de agregados plaquetários, sugere a existência de outros mecanismos trombogênicos além da participação direta das plaquetas na progressão da lesão dermonecrótica. A formação de trombos intravasculares, mesmo na ausência de plaquetas, indica mecanismos trombogênicos independentes da agregação plaquetária.

3. Papel das Plaquetas na Severidade da Lesão Dermonecrótica

Apesar da formação de trombos intravasculares não ser completamente inibida pela trombocitopenia, a lesão dermonecrótica evoluiu de forma mais intensa nos animais sem plaquetas. Equimoses superficiais foram observadas mais precocemente (4 horas) nos animais trombocitopênicos, em comparação com os animais com contagem normal de plaquetas (24 horas). As escaras necróticas foram mais extensas e profundas nos animais depletados de plaquetas. Esses resultados sugerem que as plaquetas desempenham um papel na atenuação da severidade da lesão, possivelmente reduzindo o edema e a hemorragia inicial, fatores que contribuem para a necrose tecidual. A observação de lesões mais severas nos animais sem plaquetas sugere um papel protetor das plaquetas no processo inicial da formação da lesão, mesmo que não diretamente na formação de trombos. A ausência de plaquetas leva a uma exacerbação da hemorragia e edema, contribuindo para uma necrose tecidual mais extensa.