Contributo para o estudo e conservação da espécie galinha-d'água (gallinula chloropus linnaeus, 1758)

Conservação da Galinha-d’água nos Açores

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Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 4.47 MB

Resumo

I.Distribuição e Abundância da Galinha d água Gallinula chloropus na Ilha Terceira Açores

Este estudo investigou a distribuição e abundância da galinha-d'água (Gallinula chloropus), especificamente a subespécie Gallinula chloropus correiana, na Ilha Terceira, Açores. Foram realizados censos semanais no Paul da Praia da Vitória e na Lagoa do Ginjal, e monitorizações mensais em sete outras lagoas para avaliar a presença/ausência da espécie. Os resultados indicaram que a espécie é encontrada principalmente no Paul da Praia da Vitória, com uma população significativamente maior que na Lagoa do Ginjal. A presença da galinha-d'água em outras zonas húmidas da ilha foi escassa. A pesquisa analisou fatores como tipo de vegetação, perturbações antrópicas, altitude, pH da água e dados climáticos (precipitação e temperatura) obtidos através do site CLIMAAT para entender os fatores que influenciam a distribuição da espécie. A análise de cluster revelou que as lagoas de baixa altitude, onde a Gallinula chloropus nidifica, apresentam menor precipitação e temperaturas mais elevadas que outras lagoas.

1. Metodologia de Estudo da População de Galinha d água

O estudo da distribuição e abundância da galinha-d'água (Gallinula chloropus) na Ilha Terceira, Açores, envolveu um período de quase dois anos de monitorização intensiva. Censos semanais foram realizados no Paul da Praia da Vitória e na Lagoa do Ginjal para contabilizar o número de indivíduos e ninhos. Adicionalmente, monitorizações mensais foram conduzidas em outras sete lagoas entre agosto de 2010 e agosto de 2011 para verificar a presença ou ausência da espécie. Durante estas monitorizações, foram recolhidos dados sobre diversos fatores que poderiam influenciar a existência da espécie nas lagoas, permitindo comparações com os locais de nidificação conhecidos. Os dados incluíram o tipo de vegetação, a ocorrência de perturbações, os elementos estruturais da lagoa (como a presença de ilhas ou muros), a altitude, o pH, o nível de oxigênio e a temperatura da água. Dados climáticos adicionais, como precipitação total e temperaturas mínima, máxima e média, foram obtidos para cada lagoa através do site CLIMAAT, complementando a análise dos fatores ambientais.

2. Análise de Cluster e Distribuição da Galinha d água

Uma análise de cluster foi realizada considerando fatores climáticos e ambientais para determinar as semelhanças entre as lagoas estudadas. Esta análise revelou três grupos distintos. O primeiro grupo incluiu as lagoas de baixa altitude, o Paul da Praia da Vitória e a Lagoa do Ginjal, onde a galinha-d'água nidifica, caracterizadas por menor precipitação e temperaturas da água e do ar mais elevadas. O segundo grupo compreendeu lagoas em altitudes intermediárias, seis das sete lagoas monitorizadas mensalmente. Finalmente, o terceiro grupo consistiu apenas em uma lagoa com altitude mais elevada e pH mais ácido. As monitorizações mensais nas sete lagoas adicionais revelaram a ausência da galinha-d'água nestes locais. A análise confirmou a preferência da espécie por áreas de baixa altitude com características climáticas específicas. A ausência da espécie em outros locais não se deveu apenas à falta de vegetação adequada, pois em todas as lagoas havia vegetação apropriada para alimentação, descanso e nidificação.

3. Impacto de Perturbações e Cobertura Vegetal na População de Galinha d água

Para avaliar o impacto das perturbações, um índice de perturbação foi calculado para cada lagoa. A análise deste índice revelou que as perturbações detetadas não influenciaram a existência da espécie. Os índices de perturbação das lagoas onde a galinha-d'água estava ausente eram iguais ou menores que aqueles das zonas húmidas onde a espécie nidificava. A cobertura vegetal estruturante também foi avaliada, concluindo-se que todas as lagoas monitorizadas apresentavam vegetação adequada para a alimentação, descanso e nidificação da galinha-d'água. Portanto, nem as perturbações antrópicas nem a falta de vegetação explicaram a ausência da espécie nas lagoas onde não foi encontrada, sugerindo outros fatores preponderantes na sua distribuição.

II.Fatores Ambientais e Perturbações que Afetam a Galinha d água

A investigação analisou o impacto de perturbações antrópicas e da cobertura vegetal na presença da galinha-d'água. Um índice de perturbação foi calculado para cada lagoa. Os resultados sugeriram que as perturbações observadas não influenciaram significativamente a existência da espécie, uma vez que os índices de perturbação em lagoas sem a galinha-d'água foram iguais ou inferiores às lagoas onde a espécie nidifica. A cobertura vegetal também não se mostrou um fator determinante na ausência da ave, pois todas as lagoas possuíam vegetação adequada para alimentação, descanso e nidificação. A altitude, no entanto, parece ser um fator limitante, com a espécie preferindo zonas baixas.

1. Análise de Perturbações Antrópicas

O estudo investigou o impacto das perturbações antrópicas na presença da galinha-d'água. Para isso, foi calculado um índice de perturbação para cada lagoa monitorizada, considerando as atividades humanas registradas em cada local. A análise deste índice permitiu concluir que as perturbações detetadas não são um fator determinante na existência ou ausência da espécie. De fato, os índices de perturbação das lagoas onde a galinha-d'água não foi encontrada foram iguais ou inferiores aos índices das lagoas onde a espécie nidificava. Isto sugere que, embora as atividades humanas possam exercer algum nível de pressão, elas não são o principal fator limitante à distribuição da galinha-d'água nos locais estudados na Ilha Terceira. A pesquisa indica que a espécie demonstra uma tolerância considerável a um certo grau de perturbação antrópica. Essa constatação é relevante para a implementação de estratégias de conservação, uma vez que indica a possibilidade de coexistência entre a espécie e as atividades humanas, desde que mantido um nível de perturbação dentro de limites aceitáveis para a ave.

2. Influência da Cobertura Vegetal

A pesquisa também avaliou a influência da cobertura vegetal estruturante na distribuição da galinha-d'água. A análise da vegetação presente em todas as lagoas monitorizadas revelou que todas possuíam vegetação adequada para a alimentação, descanso e nidificação da espécie. Esta constatação permitiu concluir que este fator, isoladamente, não explica a ausência da galinha-d'água em algumas das lagoas. A presença de vegetação apropriada não garante, por si só, a presença da ave. Outros fatores ecológicos, além da disponibilidade de recursos vegetais, desempenham um papel crucial na sua distribuição e abundância nas diferentes zonas húmidas da Ilha Terceira. Este resultado enfatiza a complexidade dos fatores que determinam o habitat adequado para a espécie, mostrando que a vegetação é um fator necessário, mas não suficiente para garantir sua presença. Outras variáveis ambientais e possivelmente outros fatores não avaliados no estudo, devem ser considerados.

3. Fatores Climáticos e Ambientais Análise de Cluster

Para compreender a influência dos fatores climáticos e ambientais na distribuição da galinha-d'água, foi realizada uma análise de cluster. Esta técnica agrupou as lagoas com base em suas similaridades em termos de precipitação total, temperatura da água e temperatura do ar. A análise resultou em três grupos distintos. O primeiro grupo incluiu lagoas de baixa altitude (Paul da Praia da Vitória e Lagoa do Ginjal), onde a espécie nidifica, caracterizadas por baixa precipitação e temperaturas elevadas. O segundo grupo agrupou lagoas em altitudes intermediárias, e o terceiro, uma lagoa de alta altitude com pH mais ácido. A análise de cluster evidencia que as condições climáticas e ambientais, particularmente altitude e temperatura, desempenham um papel significativo na distribuição da galinha-d’água. A preferência da espécie por zonas de baixa altitude, com temperaturas mais elevadas e precipitação reduzida, sugere uma adaptação específica a este tipo de ambiente. Esta informação é fundamental para estratégias de conservação eficazes, direcionando os esforços para a proteção e gestão de habitats que reúnam estas condições.

III.Ecologia da Reprodução da Galinha d água no Paul da Praia da Vitória e na Lagoa do Ginjal

O estudo comparou a reprodução da galinha-d'água no Paul da Praia da Vitória e na Lagoa do Ginjal. No Paul da Praia da Vitória, as posturas iniciam-se mais cedo (abril) que na Lagoa do Ginjal (maio), resultando num período reprodutivo mais longo e maior número de crias. A observação de juvenis foi mais prolongada no Paul da Praia da Vitória (junho a outubro) comparado à Lagoa do Ginjal (julho a setembro), sugerindo pelo menos duas posturas por casal no Paul. A Lagoa do Ginjal apresenta um número menor de indivíduos, possivelmente devido à existência de apenas um casal reprodutor e à destruição de locais de nidificação pelo pastoreio marginal.

1. Comparação da Reprodução no Paul da Praia da Vitória e na Lagoa do Ginjal

O estudo comparou a ecologia reprodutiva da galinha-d'água em dois locais chave na Ilha Terceira: o Paul da Praia da Vitória e a Lagoa do Ginjal. Observou-se que a época reprodutiva inicia mais cedo no Paul da Praia da Vitória (abril) do que na Lagoa do Ginjal (maio). Consequentemente, o nascimento das crias também ocorre mais cedo e se estende por um período maior no Paul da Praia da Vitória (maio a julho/agosto), enquanto na Lagoa do Ginjal a reprodução é mais concentrada (junho e julho). A observação de juvenis também se estendeu por mais tempo no Paul da Praia da Vitória (junho a outubro) em comparação com a Lagoa do Ginjal (julho a setembro). Esta diferença na duração da observação de juvenis sugere que no Paul da Praia da Vitória ocorrem pelo menos duas posturas por casal, enquanto na Lagoa do Ginjal este número parece ser menor, possivelmente devido à suspeita de haver apenas um casal reprodutor neste local. A diferença na temporalidade e sucesso reprodutivo entre os dois locais reflete as condições específicas de cada ambiente e a sua influência na reprodução da espécie.

2. Número de Indivíduos e Sucesso Reprodutivo

A análise dos dados de monitorização revela uma diferença significativa no número de indivíduos adultos entre o Paul da Praia da Vitória e a Lagoa do Ginjal. O Paul da Praia da Vitória apresenta uma população adulta consideravelmente maior. Este fato pode ser explicado pela provável presença de apenas um casal reprodutor na Lagoa do Ginjal, contrastando com o número bem maior no Paul da Praia da Vitória. A menor quantidade de indivíduos na Lagoa do Ginjal também pode ser resultado da destruição de potenciais locais de nidificação devido ao pastoreio marginal intensivo. A combinação de um número menor de casais reprodutores e a degradação do habitat resulta em menor sucesso reprodutivo na Lagoa do Ginjal. Em 2010, o nascimento de crias no Paul da Praia da Vitória foi observado em maio, junho, julho e agosto; enquanto que em 2011, apenas em maio, junho e julho. A diferença no número de crias e a duração da época reprodutiva ressaltam a importância das condições ambientais e da disponibilidade de recursos para o sucesso reprodutivo da espécie.

3. Dispersão de Juvenis e Habitats Alternativos

O período de observação de juvenis foi significativamente mais longo no Paul da Praia da Vitória (junho a outubro) do que na Lagoa do Ginjal (julho a setembro). Esta diferença sugere uma maior taxa de mortalidade ou dispersão de juvenis na Lagoa do Ginjal. A dispersão de juvenis para habitats alternativos é um elemento importante para a sobrevivência da espécie na ilha. A observação de um juvenil na Lagoa do Negro em setembro de 2008, sugere que a Lagoa do Ginjal pode servir como um local de origem para a dispersão de juvenis para outras zonas húmidas da ilha. A identificação destes habitats alternativos é crucial para a conservação da espécie e deve ser considerada na elaboração de estratégias de manejo e conservação. A menor disponibilidade de recursos e a maior pressão antrópica na Lagoa do Ginjal podem estar influenciando a dispersão dos juvenis para outros locais, em busca de melhores condições de sobrevivência. A pesquisa destaca a necessidade de considerar a conectividade entre diferentes zonas húmidas para garantir a persistência da população.

IV.Potencial para Observação de Aves e Turismo Ornitológico

Tanto o Paul da Praia da Vitória como a Lagoa do Ginjal apresentam potencial para a observação de aves, contribuindo para o turismo ornitológico na Ilha Terceira. Um estudo de Guimarães (2012) indica que o turismo ornitológico na Praia da Vitória gerou €76.000 nos 7 anos anteriores à pesquisa, mostrando o impacto econômico desta atividade. O estudo recomenda medidas para melhorar as condições de habitat da galinha-d'água e aumentar o interesse para a observação de aves nestas zonas, como a criação de margens suaves nas ilhas existentes do Paul da Praia da Vitória para facilitar a alimentação das aves limícolas e a criação de uma nova ilha no mesmo local. A preservação destes habitats é crucial para a conservação da galinha-d'água e outras espécies de aves.

1. Potencial das Zonas Húmidas para Observação de Aves

O estudo identificou o Paul da Praia da Vitória e a Lagoa do Ginjal como zonas húmidas com grande potencial para a observação de aves. Um inventário de espécies, realizado entre 2009 e 2012, e a análise de dados de três fontes distintas (Birding Azores, Aves dos Açores e Comité de Raridades) permitiram calcular um índice de potencial interesse para observação de aves em cada local. Ambos os locais demonstraram alto potencial, embora a Lagoa do Ginjal tenha apresentado um índice ligeiramente inferior, possivelmente devido ao menor número de registos de observação de espécies neste local, em comparação com o Paul da Praia da Vitória, que é mais conhecido e frequentado por observadores de aves. A conservação destas zonas húmidas é fundamental não só para a proteção da galinha-d'água, mas também para a manutenção da biodiversidade aviária e o incremento do turismo ornitológico na região. A preservação destes ecossistemas contribui para a riqueza natural da ilha e oferece oportunidades de desenvolvimento socioeconômico sustentável.

2. Impacto Econômico do Turismo Ornitológico em Praia da Vitória

A potencialidade para o turismo ornitológico, especialmente em torno da galinha-d'água, é realçada pela sua importância econômica. Um estudo de Guimarães (2012) indica que observadores de aves que visitaram a Ilha Terceira nos sete anos anteriores ao estudo gastaram €76.000 em Praia da Vitória. Este dado demonstra o impacto positivo do turismo ornitológico na economia local, representando uma importante fonte de receita, especialmente na época baixa do turismo na ilha. O estudo de Guimarães (2012) também identificou medidas de gestão para o Paul da Praia da Vitória que podem atrair mais observadores de aves, incentivando-os a permanecer por mais tempo na ilha, como a criação de margens suaves nas ilhas existentes para permitir a alimentação das aves limícolas, a criação de uma nova ilha e o aumento da circulação de água no interior do Paul. Investir na melhoria dos habitats para observação de aves pode gerar um retorno econômico significativo para a região.

3. Medidas de Conservação e Gestão Integrada

A conservação do Paul da Praia da Vitória e da Lagoa do Ginjal é crucial, não apenas para a preservação da galinha-d'água, mas também para a proteção das diversas espécies de aves que utilizam esses habitats. A melhoria das condições destes locais como habitats importantes para o abrigo das aves e o consequente aumento do número de visitas de observadores de aves requerem medidas de conservação integradas. Estas medidas devem levar em consideração a necessidade de conciliar a conservação da biodiversidade com o desenvolvimento do turismo ornitológico, garantindo a sustentabilidade a longo prazo. Sugestões incluem a limitação do acesso às margens do Paul da Praia da Vitória para prevenir a perturbação dos ninhos e a restrição de atividades recreativas incompatíveis com o meio ambiente. A gestão integrada destes espaços considera não só os aspetos ecológicos, mas também a dimensão socioeconômica, promovendo o desenvolvimento local através do turismo sustentável, respeitando o patrimônio natural e a qualidade de vida da população.

Referência do documento

  • Strategies for bird conservation: the Partners in Flight planning process (Bonney, R., D. N. Pashley, R. Cooper, & L. Niles)
  • Aves dos Açores (Pereira, C., Melo, C., Sampaio, H.)