
Ciganos no Brasil: Colonização e Degredo
Informações do documento
Autor | Elisa Maria Lopes Da Costa |
Escola | Centro De Informação E Documentação Amílcar Cabral (Lisboa) |
Curso | História |
Local | Loulé |
Tipo de documento | Conferência (versão modificada para publicação em revista) |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 208.74 KB |
Resumo
I.A Degradação do Povo Cigano para o Brasil durante a Colonização Portuguesa
Este documento analisa a história da degradação (degredo) de ciganos (Povo Cigano) para o Brasil durante a colonização portuguesa, focando no período entre os séculos XVI e XVIII. A historiografia frequentemente ignora o papel do Povo Cigano como elemento colonizador, apesar da sua presença constante e da dupla faceta de rejeição social e atração cultural. A pesquisa demonstra que a legislação portuguesa, semelhante à de outros países europeus, visava reprimir os costumes ciganos, considerados desviantes. Ações como a itinerância, o uso do idioma romani (chamado de geringonça nos documentos), a leitura da sina e até mesmo a mera condição de ser cigano eram motivos para punição, incluindo o degredo para África e o Brasil.
1. A Desconsideração Histórica do Papel do Povo Cigano na Colonização Brasileira
A introdução destaca a negligência da historiografia em relação à contribuição do Povo Cigano como agente colonizador do Brasil. Apesar da coexistência marcada por rejeição social e, simultaneamente, atração cultural, sua influência permanece sub-representada. Ático Vilas-Boas da Mota é citado como um dos poucos que reconhecem essa contribuição, destacando a permanência de uma marca indelével ao longo dos séculos. A quase permanente rejeição social contrastava com a simultânea atração cultural, criando uma dinâmica complexa de fluxo e refluxo na relação entre a sociedade brasileira e o Povo Cigano. Essa coexistência, apesar das dificuldades, deixou um legado duradouro na cultura brasileira, que permanece em grande parte inexplorado pela academia.
2. As Punições e a Legislação Portuguesa Contra os Ciganos
A principal fonte de informação sobre a perseguição aos ciganos é a legislação portuguesa, uma vez que se tratava de uma cultura ágrafa, ou seja, sem registros escritos próprios. A maioria das “faltas” imputadas aos ciganos eram na verdade expressões culturais e tradições, que persistiam independentemente da região onde viviam. Essas faltas incluíam a itinerância em grupo (vista como uma ameaça redobrada), o uso de vestimentas distintas (“traje de ciganos”), o uso da língua romani (“geringonça”), a prática da leitura da sina (“buena-dicha”), a crença em feitiçarias, pequenos furtos, e a mendicância sem autorização. A ausência de relatos de homicídios entre ciganos é destacada, comprovada por análises de listas de degredados para Angola. O objetivo da repressão era a mudança de comportamento para igualar os ciganos à população não cigana, objetivo que se mostrava constantemente frustrante.
3. O Degredo como Instrumento de Controle Social e Colonização
O texto explora a utilização do degredo (exílio) para África e o Brasil como método para controlar a população cigana. A prática do degredo servia também para remover da metrópole indivíduos considerados indesejáveis. A duração da pena variava conforme o destino, sendo mínima de cinco anos para o Brasil, podendo ser menor para a África ou mesmo vitalícia. A aplicação da pena dependia do critério do juiz. A falta de clareza sobre o papel do Povo Cigano na colonização do Brasil está diretamente ligada à aplicação sistemática e implacável do degredo pelas autoridades portuguesas, inclementes e pouco indulgentes. Essa política, baseada em ideais de conquista, ordem e trabalho, resultou na presença constante de ciganos nas colónias portuguesas.
4. Exemplos de Casos de Degredo e a Especificidade das Leis
O documento apresenta exemplos concretos de degredos de ciganos, destacando a Lei XXIV das Cortes (1538), que previa dois anos de degredo em África para ciganos do reino. A punição também atingia as mulheres, muitas vezes punidas independentemente dos crimes dos maridos. João de Torres e sua família são mencionados como um possível, mas não confirmado, caso de degredo para o Brasil em 1574. Outro caso documentado é o de João Giciano, condenado a açoites e galés, cuja pena foi comutada para degredo no Brasil em 1562. Em 1549, cinco homens ciganos foram condenados a cinco anos de degredo por resistência à autoridade, furto e ferimentos, recebendo posteriormente perdão régio. Essas leis e seus exemplos evidenciam a diversidade de punições, o foco na repressão dos costumes ciganos e a arbitrariedade na aplicação da justiça colonial.
5. A Persistência da Repressão e a Busca por Assimilação Cultural
A segunda metade do texto detalha as estratégias contínuas para a repressão e assimilação dos ciganos, demonstrando a persistência da discriminação. Alvarás e decretos visavam expulsar os ciganos de regiões específicas, como a Corte e zonas fronteiriças, sendo Castro Marim um local de desterro conhecido. Em 1686, uma provisão diferenciava entre ciganos “recuperáveis” (nascidos em Portugal) e “irrecuperáveis” (estrangeiros), determinando o degredo para o Maranhão para os que não se integravam. Um decreto de 1718 diversificou os destinos do degredo, incluindo Angola, São Tomé, Ilha do Príncipe, Benguela e Cabo Verde, além do Brasil, que não é explicitamente citado, mas era um destino usual. A legislação também visava a separação de famílias e o abandono dos costumes e da língua romani.
6. Estratégias de Controle e Tentativas de Integração Séculos XVII e XVIII
No século XVII, havia tentativas de controlar os ciganos através da proibição de sua participação em festividades religiosas e de sua concentração em determinados locais. Um alvará de 1720 proibia a entrada de estrangeiros no Brasil, incluindo os ciganos, e decretos posteriores, principalmente em Minas Gerais após a descoberta de ouro em 1695, reforçavam as medidas repressivas, com a prisão e o degredo para Angola. Essas tentativas frequentemente falhavam devido à mobilidade e resistência da população cigana. Em 1760, notícias da Bahia relatavam que alguns ciganos buscavam uma vida mais “regulada”, com os homens ingressando em ofícios mecânicos e alguns se alistando ao exército. No entanto, mesmo com essa aparente integração, a discriminação persistia, como demonstrado pela dificuldade das filhas de ciganos em encontrar trabalho na Bahia. A persistência de decretos de expulsão até o século XVIII demonstra a ineficácia das políticas de assimilação.
II.Leis e Penalidades Impostas aos Ciganos
As leis portuguesas impunham diversas penalidades aos ciganos, visando a assimilação cultural. A Lei XXIV das Cortes de 1538, por exemplo, determinava o degredo de dois anos para África. Castigos mais severos incluíam a separação familiar, açoites, e o degredo vitalício para o Brasil ou África. A legislação evoluiu ao longo dos séculos, com penas agravadas no século XVI e a diversificação dos locais de degredo, incluindo Angola, São Tomé, Cabo Verde, Índia, e várias capitanias brasileiras (Maranhão, Ceará, Rio Grande). Algumas leis visavam a separação dos casais e a eliminação da língua romani.
1. Aspectos Culturais como Motivos de Punição
A legislação portuguesa, baseada na única fonte sistemática disponível (a legislação escrita), impunha penalidades aos ciganos por práticas consideradas como desvios comportamentais. Na realidade, muitas dessas práticas eram expressões legítimas de sua cultura e tradições. A itinerância em grupo, o uso de vestimentas e idioma próprios (a língua romani, chamada de 'geringonça' nos documentos), a prática da leitura de sina ('buena-dicha'), a crença em feitiçarias, pequenos furtos e a mendicância sem autorização eram motivos de punição. É crucial observar que a persistência desses costumes não estava ligada à área geográfica em que se encontravam, reforçando a natureza cultural dessas práticas. A ausência significativa de alusões a crimes violentos como homicídios é mencionada, contrastando com a percepção negativa amplamente difundida.
2. Agressão e Intensificação das Penalidades
O objetivo de mudar os comportamentos considerados desviantes e assim integrar os ciganos à sociedade portuguesa não foi alcançado. Pelo contrário, ao longo do século XVI, as penas foram agravadas, refletindo a sua condição de insubmissos. A separação das famílias era uma prática recorrente, sugerindo uma tentativa de aniquilação do grupo, ainda que não expressa explicitamente na legislação, com exceção das duas leis que impuseram a pena de morte. A exclusão social e a recusa da integração caracterizaram esse período. A duração das penas de degredo variava, sendo mínima de 5 anos para o Brasil e podendo ser inferior para África, dependendo do juiz, existindo casos de sentenças vitalícias.
3. A Lei XXIV das Cortes 1538 e outras Leis Repressivas
A Lei XXIV das Cortes de 1538 representou um marco na perseguição aos ciganos, impondo-lhes dois anos de degredo em África. As leis posteriores ampliaram a repressão, especialmente contra as mulheres, com castigos que incluíam açoites e degredo perpétuo para o Brasil, mesmo em casos em que apenas os maridos eram presos. A diversidade de penalidades e a forma de aplicá-las, com ampla margem para a interpretação judicial, refletem a complexidade da situação. Um exemplo concreto é a provisão de 20 de Julho de 1686, que ordenava a expulsão de ciganos estrangeiros e o degredo para o Maranhão daqueles considerados “nacionais” que não abandonassem seus costumes. A legislação demonstra a intenção de controlar os movimentos e o modo de vida cigano, visando sua total assimilação à sociedade portuguesa.
4. Expansão Geográfica do Degredo e o Alvará de 1720
Com o passar do tempo, o degredo passou a ser aplicado a territórios cada vez mais diversos. Um decreto de 1718, por exemplo, determinava o envio de presos das fronteiras para a Índia, Angola, São Tomé, Ilha do Príncipe, Benguela e Cabo Verde, com o Brasil também considerado como destino. Um alvará anterior, de 15 de setembro, previa a comutação do degredo de África para o Maranhão, Ceará e Rio Grande do Brasil. O Alvará de 1720 demonstra claramente a intenção das autoridades portuguesas de controlar o comportamento dos ciganos e impor uma vida “civil” a eles. As medidas incluíam a entrega dos jovens a mestres para o aprendizado de ofícios, o recrutamento militar de adultos, a proibição de comércio em bestas e escravos, a proibição de viver em bairros separados, e a proibição do uso de armas. Qualquer transgressão acarretava o degredo perpétuo para São Tomé ou Príncipe, sem direito a apelação. Esta legislação, como outras anteriores, demonstra a persistência na perseguição e na busca de uma integração forçada.
III.A Presença Cigana no Brasil Colonial Degredos Adaptação e Resistência
Apesar das medidas repressivas, ciganos chegaram ao Brasil via degredo, alguns casos documentados incluem João de Torres (1574), João Giciano (1562), e outros indivíduos e famílias mencionados em decretos e atas. A adaptação à vida colonial variou. Há registros de ciganos exercendo atividades como a venda (Francisca Rodrigues em São Paulo, 1603) e trabalhos com metais. Oliveira China descreve a presença de ciganos em Salvador, em 1689 e no Rio de Janeiro. No entanto, as autoridades coloniais continuaram a perseguir e expulsar os ciganos, especialmente em regiões mineradoras como Minas Gerais, onde decretos de expulsão foram emitidos repetidamente no século XVIII. A resistência cigana se manifestou na manutenção dos costumes e na mobilidade, dificultando a ação das autoridades. A integração nunca foi plena, mesmo com iniciativas como o envio de jovens para ofícios e o recrutamento militar.
IV.O Legado do Degredo Cigano Perspectivas e Desafios para Pesquisa Histórica
Apesar da documentação incompleta, o documento conclui que o degredo teve um impacto significativo na presença e na história do Povo Cigano no Brasil. A pesquisa futura deve considerar abordagens interdisciplinares para melhor compreender a complexa interação entre a população cigana e o contexto da colonização portuguesa no Brasil. É necessário superar os desafios de encontrar documentação completa, especialmente sobre a experiência cigana em regiões mais remotas e a resistência a medidas de assimilação cultural. A persistência de estereótipos sobre os ciganos destaca a necessidade de uma análise crítica das fontes históricas. A correspondência de Domenico Capaci (um matemático italiano) e a descrição de Oliveira China mostram perspectivas distintas sobre a população cigana no Brasil colonial.
1. O Degredo como Fator Determinante da Presença Cigana no Brasil
A seção inicia reconhecendo a falta de conhecimento preciso sobre o papel do Povo Cigano na colonização brasileira, sugerindo uma relação direta entre o degredo e sua presença nas terras portuguesas. As autoridades portuguesas, implacáveis, aplicaram o degredo como forma de controle, impondo-o sistematicamente. A Lei XXIV das Cortes (1538) já previa o degredo para a África, mas o Brasil também se tornou um destino comum, com sentenças que variavam em duração. A análise de listas de degredados para Angola (1715-1756) revela a ausência de homicídios entre ciganos, questionando a imagem de violência associada ao grupo. A aplicação do degredo revela a intenção das autoridades em impor ordem e trabalho, em detrimento da integração social.
2. Casos de Ciganos Degradados João de Torres e João Giciano
O texto apresenta alguns casos individuais de ciganos degradados para o Brasil colonial, com o propósito de ilustrar a aplicação das leis repressivas. João de Torres, considerado um possível primeiro caso de degredo para a colônia (em 1574), teve sua pena comutada de cinco anos nas galés para o Brasil, podendo levar sua família. A confirmação de sua presença no Brasil, no entanto, não é possível devido à falta de registros de embarque. João Giciano, natural do Reino da Grécia, acusado de roubo, teve sua sentença de açoites e galés comutada para um degredo no Brasil em 1562. Esses exemplos ilustram a variabilidade das punições e a possibilidade de comutação de penas mais severas para o degredo, dependendo das circunstâncias e da avaliação dos casos, destacando a precariedade dos registros e a incompletude dos dados disponíveis.
3. Desafios da Pesquisa e a Necessidade de Abordagens Interdisciplinares
A conclusão destaca a necessidade de estudos interdisciplinares para melhor compreensão da presença e da experiência do Povo Cigano no Brasil colonial. A ausência de registros escritos da cultura cigana e a incompletude de muitos arquivos oficiais dificultam a pesquisa, gerando lacunas na compreensão da história do grupo na colônia. A análise sugere que a integração nunca foi plena e que as leis, apesar dos seus intentos, não conseguiram apagar a cultura cigana ou reprimir totalmente suas práticas. A correspondência entre o matemático italiano Domenico Capaci e um correspondente, na qual ele se refere como “Um Cigano a outro Cigano”, evidencia a presença de interações e relações complexas que requerem estudos mais aprofundados. A pesquisa futura deve explorar novas fontes e perspectivas para uma compreensão mais abrangente.