
Coordenação no 1º Ciclo: Desafios
Informações do documento
Autor | Maria De Fátima Miranda Melo |
instructor | Professora Doutora Susana Mira Leal |
Escola | Universidade Dos Açores |
Curso | Supervisão Pedagógica – Área De Especialização Em Educação De Infância E/Ou Ensino Básico – 1º Ciclo |
Tipo de documento | Dissertação |
Local | Ponta Delgada |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.75 MB |
Resumo
I.O Papel dos Coordenadores de Núcleo e de Departamento na Gestão Escolar Portuguesa
Este estudo analisa as práticas e os papéis dos Coordenadores de Núcleo e dos Coordenadores de Departamento nas escolas portuguesas, focando-se na sua atuação como gestores e supervisores escolares. A pesquisa investiga como a gestão intermédia se materializa na prática, confrontando-a com o quadro legal e analisando os desafios e potencialidades destes cargos na promoção da qualidade do ensino e da inovação pedagógica. A pesquisa destaca a importância do trabalho colaborativo e da cultura escolar no sucesso destas funções.
1. Aspectos Legais da Gestão Escolar e suas Implicações
A análise inicia com a contextualização da política portuguesa em matéria de organização escolar e instâncias de gestão intermédia, destacando a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86). Esta lei, através do Artigo 45º, trouxe clareza à administração e gestão de estabelecimentos de ensino, promovendo a eficiência e a eficácia, mas também integrando preocupações como a integração comunitária, a participação de todos os envolvidos no processo educativo, e a priorização de critérios pedagógicos e científicos sobre os administrativos. A lei também estabeleceu a possibilidade de organização por estabelecimento ou grupo de estabelecimentos, aspectos não muito explícitos em modelos anteriores e que nem sempre se traduziram em prática. A fragmentação e o isolamento da rede escolar, agravados pelas assimetrias regionais na distribuição de recursos humanos, dificultam a implementação de um modelo de gestão único em todo o país, segundo o estudo. A necessidade de um quadro legal mais abrangente e flexível, que promova o crescimento em vez de criar entraves burocráticos, é destacada, alinhando-se com a afirmação de Lemos e Silveira (2003, p. 10) sobre a importância de um sistema que impulsione o desenvolvimento.
2. Definição Legal das Competências dos Coordenadores e sua Prática
O estudo aprofunda a análise das competências legais atribuídas aos Coordenadores de Núcleo e de Departamento, recorrendo ao Decreto-Lei nº 115-A/98 (e alterações posteriores) e ao Decreto Legislativo Regional nº 18/99/A. Para o Coordenador de Núcleo, são identificadas funções de previsão de dados, organização de recursos humanos e físicos, direção e coordenação de atividades, e verificação do cumprimento de objetivos. A ideia de promoção de relações comunitárias e cooperativas para resolver problemas e aumentar a coesão no trabalho docente é também destacada. A atuação do Coordenador de Departamento, por sua vez, centra-se no contato com os docentes do departamento. Apesar da lei definir a repartição de tarefas, a pesquisa observa uma relação colaborativa entre os dois coordenadores, com o Coordenador de Núcleo atuando frequentemente como um elo de comunicação entre os docentes e o Coordenador de Departamento. A importância do conhecimento do clima organizacional, que pode ser aberto (confiança, participação, comunicação) ou fechado (autoritário, rígido), para o sucesso da escola e dos alunos, é também referenciada, citando Brunet (1995, p. 138) e a influência da cultura escolar (Nóvoa, 1995, p.32) e sua importância em processos de mudança e autoavaliação (Ferreira et al., 1996).
3. A Supervisão como Processo Colaborativo e a Importância da Formação Contínua
A evolução da literatura e da legislação sobre supervisão é analisada, passando de um acompanhamento limitado aos estágios iniciais para um papel crucial na formação contínua de professores. A formação especializada em supervisão assume particular relevância para os cargos de gestão intermédia. Autores como Sánchez (1997, citado por Marques, 2002) e Zenhas (2006) apontam a falta de formação específica nesses cargos, muitas vezes compensada pela experiência, autoformação e senso comum, o que se revela insuficiente em escolas modernas. A supervisão é apresentada como um processo colaborativo, que encoraja a reflexão na ação (Schön, 1998; Zeichner, 1993, referenciados em Alarcão e Tavares, 2003, p. 35), visando o desenvolvimento contínuo do professor, transformando a hetero-supervisão em auto-supervisão (Alarcão e Tavares, 2003, p. 36). A teoria sistémica aplicada à escola (Garmston, Lipton e Kaiser, 2002) é usada para compreender a escola como um sistema dinâmico, capaz de auto-construir-se, com a supervisão como um processo permanente que promove outros processos (Oliveira-Formosinho, 2002, p. 117). O estudo também cita Cabral (2009, p. 220) a respeito do papel do coordenador de departamento nos Açores, reconhecido por professores como fundamental para trabalho cooperativo, reflexão sobre avaliação e partilha de boas práticas.
II. Prática na Supervisão Escolar
Apesar da legislação definir funções de supervisão para ambos os coordenadores, a prática revela disparidades. O Coordenador de Departamento, embora teoricamente focado na supervisão pedagógico-curricular, frequentemente limita-se a tarefas administrativas e de coordenação entre núcleos. O Coordenador de Núcleo, enquanto gestor, exerce também funções de supervisão informal, apoiando docentes e identificando problemas. Este estudo analisa a discrepância entre a liderança escolar ideal e a realidade, e as implicações para a formação contínua de professores.
1. Discrepância entre a Teoria e a Prática da Supervisão Escolar
O estudo destaca a divergência entre as funções de supervisão definidas legalmente para os Coordenadores de Núcleo e de Departamento e a sua prática efetiva nas escolas portuguesas. Enquanto a legislação descreve um papel ativo de supervisão pedagógica e curricular para ambos, a realidade apresenta um cenário distinto. A pesquisa evidencia que o Coordenador de Departamento, embora teoricamente voltado para a supervisão pedagógico-curricular, muitas vezes se limita a tarefas de articulação curricular ou mesmo à gestão do processo educativo, uniformizando a lecionação em termos de conteúdos e avaliação. Já o Coordenador de Núcleo, apesar de sua função primordial ser de gestão interna do núcleo, desenvolve, na prática, atividades próximas da supervisão informal, apoiando os docentes e atendendo às necessidades específicas da escola. Essa atuação informal, embora crucial, sobrecarrega o coordenador, que não dispõe de mecanismos para lidar com a demanda. A pesquisa aponta para uma supervisão muitas vezes superficial e informal, embora se reconheça a sua importância na melhoria da prática educativa. A necessidade de formalizar e estruturar essa atividade de supervisão, através de formação específica e reorganização do tempo letivo, se apresenta como uma solução para dignificar a prática e garantir uma supervisão mais efetiva.
2. O Coordenador de Núcleo Gestão e Supervisão na Prática
A análise das funções do Coordenador de Núcleo revela uma atuação que transcende a mera gestão interna. Embora inicialmente definido como gestor da vida interna do núcleo, a prática demonstra que o Coordenador de Núcleo desempenha funções próximas da supervisão, com ações informais de acompanhamento dos docentes e atendimento às necessidades da escola. Suas responsabilidades incluem presidir a reuniões do conselho de núcleo, servir como interlocutor entre os elementos do núcleo e outros órgãos de gestão, avaliar o desempenho do pessoal não docente, e lidar com assuntos imediatos do estabelecimento. Estas atividades se enquadram em competências de supervisão, que incluem atender a problemas específicos da escola, buscando um clima e cultura escolar que promovam um ensino de qualidade. A reflexão sobre a comunicação institucional e o funcionamento orgânico da escola também é considerada uma função supervisora neste contexto. Adicionalmente, o acompanhamento do desenvolvimento do Projeto Curricular de Turma de cada docente do núcleo, atribuído formal ou informalmente, também se integra em suas responsabilidades de supervisão, mostrando a abrangência de suas funções na escola.
3. O Coordenador de Departamento Supervisão Curricular e Limitações Práticas
O estudo contrasta a definição legal do Coordenador de Departamento, como figura vocacionada para a supervisão curricular e pedagógica, com a sua atuação prática. Embora a lei lhe atribua responsabilidades como analisar oportunidades para melhorar as aprendizagens e prevenir a exclusão, e identificar necessidades de formação dos docentes, a realidade mostra uma atuação frequentemente limitada. A supervisão muitas vezes se restringe a pequenos trabalhos de articulação curricular ou à simples gestão do processo educativo, uniformizando a lecionação nos vários núcleos. A pesquisa identifica vários constrangimentos associados a essa limitação, relacionados tanto à organização interna do departamento como à sua natureza relativamente nova na prática escolar. As reuniões de departamento, segundo alguns entrevistados, concentram-se excessivamente na matéria curricular, em detrimento da discussão de outras temáticas e partilha de experiências, comprometendo o potencial da função de supervisão para uma análise mais aprofundada e inovadora. O estudo destaca a enorme diferença entre o que é exigido legalmente e a atuação real, prejudicando a qualidade dos processos educativos nas escolas.
III.Desafios e Constrangimentos à Gestão Intermédia Escolar
Vários fatores dificultam a atuação eficaz dos coordenadores. A falta de formação específica para estes cargos é um problema recorrente. O desinteresse dos docentes em assumir estes papéis, frequentemente devido à sobrecarga de trabalho burocrático e à falta de reconhecimento, limita o potencial de inovação pedagógica. A falta de apoio institucional, especialmente do Conselho Executivo, também prejudica a implementação de projetos inovadores e a resolução de problemas como o abandono escolar. A pesquisa evidencia a necessidade de uma maior articulação entre os coordenadores e a importância do trabalho em equipa para superar estes obstáculos.
1. A Falta de Formação Específica como Obstáculo à Eficácia
Um dos principais desafios à gestão intermédia escolar em Portugal é a quase inexistência de formação específica para os Coordenadores de Núcleo e de Departamento. A pesquisa revela que muitos coordenadores recorrem à experiência pessoal, autoformação e senso comum para desempenhar suas funções, o que se mostra insuficiente para as complexidades da gestão escolar moderna. Essa falta de formação especializada compromete o desenvolvimento pleno das suas competências, limitando a sua capacidade de dinamizar a escola e implementar projetos de inovação. A ausência de formação específica é apontada como um dos fatores que contribui para a escolha de coordenadores com base em critérios pessoais, em vez de profissionais, privilegiando aspectos individuais em detrimento da experiência e qualificação necessárias para os cargos. A consequência direta é um desempenho aquém do potencial, prejudicando a eficácia da gestão intermédia e a implementação de ações estratégicas para melhorar a qualidade do ensino.
2. Desinteresse Docente e Dificuldades na Articulação e Trabalho Colaborativo
O desinteresse dos docentes em assumir cargos de coordenação representa um obstáculo significativo à gestão intermédia eficaz. Muitas vezes, os coordenadores eleitos não são os mais adequados às exigências específicas dos cargos, por falta de interesse ou incapacidade em assumir as responsabilidades inerentes. Esse desinteresse se manifesta na resistência à mudança e na inércia dos docentes em participar ativamente nas atividades do núcleo e do departamento. Consequentemente, iniciativas inovadoras ficam comprometidas pela falta de adesão e colaboração. A pesquisa observa um certo comodismo e isolamento dos docentes, que tendem a se concentrar apenas nas suas tarefas de sala de aula, desinteressando-se pelos problemas da escola como um todo. A falta de articulação entre os coordenadores e a dificuldade em fomentar o trabalho colaborativo se apresentam como desafios importantes para a implementação de projetos e estratégias de melhoria da qualidade do ensino, comprometendo a efetividade da supervisão e gestão escolar.
3. A Importância do Apoio Institucional e a Sobrecarga de Trabalho Burocrático
O estudo destaca a importância crucial do apoio institucional para mitigar os constrangimentos enfrentados pelos coordenadores. O respaldo e a compreensão dos órgãos de gestão superiores, especialmente o Conselho Executivo, são fundamentais para atenuar as dificuldades e permitir a implementação de novas iniciativas. O Conselho Executivo, por ter um melhor conhecimento das exigências legais e do relacionamento institucional, pode fornecer apoio crucial para levar projetos a bom termo. Contudo, a sobrecarga de trabalho burocrático, que compete aos coordenadores, absorve tempo e energia que poderiam ser investidos em atividades pedagógicas e de supervisão mais efetivas. Essa sobrecarga impede os coordenadores de se dedicarem plenamente às tarefas de supervisão, reflexão e acompanhamento dos docentes, prejudicando a melhoria das práticas educativas. A pesquisa revela que a atuação dos coordenadores se concentra em atividades de uniformização e acompanhamento, em uma perspectiva de fiscalização, em vez de uma abordagem mais proativa e focada em inovação e melhoria contínua do processo educativo.
IV.A Importância da Comunicação e do Trabalho Colaborativo na Escola Reflexiva
A investigação sublinha a necessidade de uma comunicação aberta e eficaz entre todos os agentes escolares para alcançar a qualidade do ensino. O fomento do trabalho colaborativo entre docentes e entre os próprios coordenadores é crucial. A pesquisa destaca a necessidade de criar espaços para reflexão sobre as práticas educativas e a importância da cultura escolar em promover a auto-avaliação e a melhoria contínua. A pesquisa conclui que a promoção de uma escola aprendente, que valoriza o desenvolvimento pessoal e profissional de seus membros, requer um forte apoio institucional e a atuação de líderes escolares capazes de dinamizar a mudança.
1. A Comunicação Eficaz como Pilar da Supervisão Escolar
O estudo enfatiza a comunicação como elemento fundamental para uma supervisão escolar eficaz. A qualidade e eficácia da comunicação nas organizações são cruciais para as relações interpessoais e profissionais. Uma comunicação aberta, que garanta a transmissão de informações claras e precisas, incentive a troca de opiniões, oriente os membros da equipe, forneça feedback sobre o desempenho e incentive o trabalho em equipa, é essencial. A pesquisa destaca a importância da comunicação tanto na relação entre os coordenadores e os docentes quanto na articulação entre os diferentes órgãos da escola. A comunicação eficiente facilita a resolução de conflitos, a partilha de informações e a construção de um clima relacional positivo, contribuindo para uma escola mais colaborativa e eficiente. A pesquisa sublinha a necessidade de uma comunicação aberta e autêntica, com atitudes de encorajamento, colaboração e interajuda (Oliveira, 1992, p. 18), e a importância da negociação, diálogo e partilha de definições coletivas sobre normas e regras (Santiago, 2000, p. 28), para fortalecer a autonomia da escola.
2. Trabalho Colaborativo e Partilha de Práticas como Estratégias de Melhoria
A promoção do trabalho colaborativo e da partilha de práticas educativas emerge como estratégia crucial para alcançar a qualidade do ensino e construir uma escola reflexiva. Os coordenadores, em especial os de núcleo, procuram introduzir ou reforçar dinâmicas de colaboração, principalmente na planificação de conteúdos pedagógicos e atividades letivas. A pesquisa destaca a importância dos contatos informais, para além das reuniões formais, para facilitar a troca de experiências e a construção de uma comunidade de aprendizagem. No entanto, o estudo aponta para desafios relacionados à falta de articulação entre coordenadores e ao isolamento e comodismo de alguns docentes, que se concentram apenas em suas atividades individuais de sala de aula. A pesquisa salienta a dificuldade em conseguir a adesão dos docentes a dinâmicas de trabalho colaborativo e a importância da partilha de informações, recursos e a resolução conjunta de problemas (Bolívar, 2003, p. 256) para a melhoria da eficácia da escola, bem como a liderança que promove mudanças voluntárias nas crenças, comportamentos e atitudes (Greenfield Jr., 2000, pp. 257-258).
3. A Escola Reflexiva e a Necessidade de uma Cultura Colaborativa
O estudo defende a construção de uma cultura escolar que valorize o desenvolvimento pessoal e profissional dos seus membros, promovendo a reflexão crítica em processos colaborativos. Essa cultura, entendida como um sistema, visa a responsabilização, autonomia, colaboração e ação partilhada, com vista à qualidade da escola. Para isso, é necessária a superação da resistência à mudança por parte de alguns docentes e da própria estrutura de gestão escolar. O apoio institucional e o respaldo do Conselho Executivo são fundamentais para promover a aceitação de novas iniciativas e superar a inércia. O estudo contrasta a idealizada “escola reflexiva” com a realidade observada, onde a atuação dos coordenadores frequentemente se limita à gestão corrente. Há uma necessidade de os coordenadores assumirem a responsabilidade de pensar a escola a médio e longo prazo, introduzindo inovações substanciais na qualidade da sua instituição. A pesquisa enfatiza a importância de se criar uma cultura de supervisão, desenvolvimento, responsabilização, autonomia, colaboração e ação partilhada, para a melhoria contínua da escola.