
Educação: Crise e Euforia em Portugal e Brasil
Informações do documento
instructor/editor | Benedita Portugal E Melo (Ie-Ul) |
Escola | Faculdade De Letras Da Universidade Do Porto |
Curso | Educação |
Local | Porto |
Tipo de documento | Livro |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.08 MB |
Resumo
I.Acesso a Computadores e Uso de TIC por Crianças em Famílias Portuguesas
Esta pesquisa investiga o uso de computadores e tecnologias de informação e comunicação (TIC) por crianças do 1º ciclo do ensino básico em Portugal, focando a influência do contexto familiar. Dois estudos de caso, um em Leiria (Agrupamento de Escolas de Leiria, com 1652 alunos em 2009/10, 561 no 1º ciclo e 185 professores, 30 no 1º ciclo) e outro em Ponta Delgada (Escola Básica Integrada de Ponta Delgada), analisaram a relação entre desigualdades sociais e o acesso à tecnologia. Apesar da alta taxa de acesso a computadores (92% em Ponta Delgada e 93% em Leiria em 2010/11), observa-se um uso desigual, com crianças de famílias mais privilegiadas (capital escolar elevado) tirando maior proveito e realizando um uso mais educacional das máquinas.
1. Níveis de Acesso a Computadores em Portugal
O estudo analisou o acesso a computadores por crianças portuguesas do 1º ciclo do ensino básico, revelando um acesso generalizado, apesar da heterogeneidade social. Em Leiria, 93% das crianças tinham acesso a computadores em 2010/2011, enquanto em Ponta Delgada, esse número atingiu 92% no mesmo período. Embora a maioria das crianças tivesse acesso a computadores em casa, apenas cerca de dois terços (63% em Leiria e 70% em Ponta Delgada em 2009/10) utilizavam regularmente esses recursos. A pesquisa também observou a presença disseminada de outros computadores nos lares (84% em Ponta Delgada e 91% em Leiria em 2009/10), reforçando a ideia de acesso generalizado, embora não necessariamente igualitário na utilização. A introdução do computador Magalhães, fornecido pelo governo, teve um impacto significativo, constituindo-se como o primeiro computador pessoal para muitas crianças, possibilitando um acesso individualizado e autónomo à tecnologia, com taxas de utilização em torno de 84% em ambas as localidades no ano de 2009/10, demonstrando a importância deste programa na democratização do acesso à tecnologia.
2. Uso das TIC e o Fator Socioeconômico
A pesquisa destaca que, apesar do acesso generalizado a computadores, o uso efetivo e o aproveitamento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) variam significativamente de acordo com o contexto socioeconômico das famílias. Crianças de famílias mais abastadas, com maior capital escolar, tendem a ter um uso mais frequente e educativo da internet e dos computadores, com práticas digitais moldadas pelo apoio e orientação dos pais. Em contraste, crianças de famílias com menor capital escolar demonstram menor aproveitamento desses recursos tecnológicos, limitando-se em muitos casos a um uso mais básico ou esporádico, evidenciando a desigualdade digital e a sua forte correlação com a classe social. A utilização das TIC demonstra uma correlação mais forte com o nível de escolaridade do que com a idade, contrariando a ideia de um fosso geracional. Este fator demonstra como o acesso à tecnologia não garante, por si só, a inclusão digital e o aproveitamento educativo dessas ferramentas, apontando para a necessidade de políticas públicas que considerem as desigualdades sociais para garantir a equidade no acesso e uso das TIC.
3. Análise Comparativa entre Leiria e Ponta Delgada
O estudo utilizou dois locais distintos como base para análise: o Agrupamento de Escolas de Leiria e a Escola Básica Integrada de Ponta Delgada. Em Leiria, o Agrupamento possuía, no ano letivo de 2009/10, 1652 alunos, dos quais 561 no 1º ciclo, e um corpo docente de 185 professores, sendo 30 deles atuando no 1º ciclo. Ponta Delgada, por sua vez, apresenta uma população discente socialmente heterogênea, com uma considerável presença de beneficiários de ação social escolar (58% no 1º ciclo em 2008/09). Apesar das diferenças regionais e características socioeconômicas de cada local, ambos os estudos evidenciaram uma alta taxa de acesso a computadores entre as crianças, embora com nuances no uso e aproveitamento desses recursos tecnológicos, demonstrando a desigualdade digital e a sua relação com o capital escolar das famílias, independentemente do contexto geográfico.
II.O Papel da Família na Mediação do Uso de Computadores Coordenação Familiar
O estudo destaca a importância da mediação familiar no uso de computadores pelas crianças. As pesquisas, que utilizaram questionários a pais e alunos e entrevistas, revelaram que a mãe frequentemente assume o principal papel na coordenação familiar do uso de computadores, mesmo se percebida como menos competente do que o pai. Este envolvimento materno é mais pronunciado em famílias com baixo capital escolar, revelando a influência das relações de género na educação digital das crianças. A análise identificou três grupos distintos de uso do computador Magalhães (um programa específico fornecido às crianças), variando de exploração regular (offline) até ao não uso, fortemente correlacionado com o nível socioeconômico da família.
1. A Mãe como Principal Agente de Coordenação Familiar
O estudo revela que, independentemente do nível socioeconômico, a mãe geralmente assume o papel principal na coordenação do uso de computadores pelas crianças. Isso inclui ajudar, vigiar e apoiar os trabalhos escolares usando o computador, seja o computador Magalhães ou outros dispositivos. Este padrão é mais acentuado em famílias com baixo capital escolar, onde a mãe assume uma responsabilidade ainda maior na mediação tecnológica. A pesquisa utiliza dados de entrevistas e questionários (INQP1 e INQP2) para suportar esta conclusão, mostrando como a mãe frequentemente acompanha o uso do computador Magalhães, auxiliando e estabelecendo regras de uso. Apesar de, em alguns casos, as mães se considerarem menos competentes com computadores do que os pais, elas demonstram um maior envolvimento prático no acompanhamento das crianças. Essa constatação reflete a distribuição tradicional dos papéis educacionais na família, especialmente em meios sociais desfavorecidos.
2. Diferenças de Envolvimento Familiar com Base no Capital Escolar
A pesquisa destaca a influência do capital escolar dos pais na forma como eles se envolvem na coordenação do uso de computadores pelas crianças. Pais com maior capital escolar demonstram maior envolvimento e confiança na sua capacidade de auxiliar os filhos, pesquisando informações relevantes e acompanhando ativamente o uso da tecnologia, como demonstrado em trechos de entrevistas. Em contrapartida, mães com baixo capital escolar (4º ou 6º ano de escolaridade) confessam dificuldades e limitações, muitas vezes delegando a ajuda aos filhos mais velhos. Esse contraste indica uma desigualdade na capacidade de acompanhamento tecnológico, que se manifesta também na coordenação do uso do computador Magalhães e outros computadores. A pesquisa utiliza dados de entrevistas para ilustrar essa diferença, comparando discursos de pais com diferentes níveis de escolaridade, destacando as limitações em famílias com baixos recursos educacionais.
3. Três Perfis de Uso do Computador Magalhães e a Coordenação Familiar
A análise de dados permitiu identificar três grupos distintos no uso do computador Magalhães em casa: um grupo que utiliza o computador regularmente, mas apenas offline; um grupo que não o utiliza, frequentemente associado a famílias com baixo capital escolar e falta de acesso a outros computadores e internet; e um grupo que faz um uso polivalente do computador, com acesso à internet e outros computadores, típico de famílias com capital escolar elevado. Esses perfis refletem diferenças na relação das crianças com os computadores e seus contextos familiares, incluindo a coordenação familiar do uso. O grupo com uso polivalente apresenta maior apoio parental e menos restrições quanto ao tempo e tipo de utilização. Já o grupo que não utiliza o computador Magalhães demonstra falta de acesso a outros recursos tecnológicos e menor suporte dos pais. A pesquisa utilizou análise de correspondências múltiplas e análise de clusters hierárquicos para identificar esses grupos distintos de uso, revelando a complexa interação entre o acesso à tecnologia, o capital escolar familiar e a forma como a família participa na mediação do uso de computadores.
III.Desigualdades no Acesso e Uso de Computadores Capital Escolar e Relação Escola Família
A pesquisa confirma a existência de uma significativa desigualdade digital em Portugal, relacionada diretamente com o capital escolar dos pais. Crianças de famílias com maior capital escolar demonstram maior facilidade no uso de computadores, acesso mais frequente à internet e maior apoio dos pais para trabalhos escolares. Em contraponto, crianças de famílias desfavorecidas, muitas vezes beneficiárias de ação social escolar (58% no 1º ciclo em 2008/09), apresentam menor acesso e uso, muitas vezes dependendo de irmãos mais velhos para ajuda com os computadores. Este estudo destaca a influência da relação escola-família e a importância da consideração das desigualdades sociais nas políticas educacionais que envolvem tecnologias da informação e comunicação (TIC).
1. Capital Escolar e o Acesso Desigual às Tecnologias
O estudo demonstra uma forte relação entre o capital escolar dos pais e o acesso, uso e aproveitamento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) pelas crianças. Famílias com maior capital escolar (nível de educação dos pais) proporcionam às crianças maior acesso a computadores e internet, resultando num uso mais frequente e, significativamente, mais voltado para fins educativos, com o apoio e orientação dos pais. Em contraste, crianças de famílias com baixo capital escolar demonstram menor acesso e uso das tecnologias, muitas vezes dependendo de irmãos mais velhos para ajuda e apresentando dificuldades no uso da internet, o que comprova a existência de uma desigualdade digital em Portugal. A pesquisa destaca que este padrão se mantém mesmo com a disponibilização de programas governamentais como o computador Magalhães, demonstrando que o acesso à tecnologia, por si só, não garante a inclusão digital, sendo crucial considerar as disparidades socioeconômicas para uma verdadeira equidade.
2. A Relação Escola Família na Mediação do Uso de Computadores
A pesquisa enfatiza a importância da relação escola-família na mediação do uso de computadores pelas crianças. O estudo mostra que o nível de envolvimento dos pais na utilização da tecnologia pelos filhos varia significativamente com o capital escolar. Pais com maior capital escolar acompanham mais ativamente o uso dos computadores pelas crianças, auxiliando-as em tarefas escolares e orientando suas atividades online. Já pais com menor capital escolar, especialmente as mães, demonstram maior dificuldade em auxiliar os filhos, muitas vezes recorrendo à ajuda de irmãos mais velhos. Isso demonstra como a falta de conhecimento e recursos tecnológicos em algumas famílias dificulta o acompanhamento das atividades digitais das crianças, criando uma barreira para o seu desenvolvimento educacional e a participação plena no ambiente digital. A pesquisa destaca a necessidade de políticas de apoio que fortaleçam a relação escola-família, reduzindo a disparidade de recursos e conhecimentos na mediação do uso das TIC.
3. O Computador Magalhães e a Persistência das Desigualdades
Apesar da iniciativa do programa governamental do computador Magalhães, que visava democratizar o acesso à tecnologia, a pesquisa indica que as desigualdades persistem. Embora tenha sido o primeiro computador pessoal para muitas crianças, o seu impacto variou de acordo com o capital escolar das famílias. Em famílias com alto capital escolar, o computador Magalhães se integrou a um ambiente tecnológico já existente, reforçando o uso de tecnologias para fins educativos. Em famílias com baixo capital escolar, o computador, mesmo sendo um recurso importante, não foi suficiente para superar as barreiras de acesso à internet e a falta de apoio e orientação dos pais, demonstrando as limitações de uma abordagem focada apenas na distribuição de equipamentos. A pesquisa conclui que, para reduzir a desigualdade digital, é necessário considerar o capital escolar e a relação escola-família como fatores determinantes, implementando políticas que promovam não apenas o acesso à tecnologia, mas também a inclusão digital e a formação de pais e responsáveis.