
Crises de Mortalidade em Ponta Delgada (1900-1922)
Informações do documento
Autor | Albertino José Ribeiro Monteiro |
Escola | Universidade dos Açores |
Curso | História Insular e Atlântica (séculos XV-XX) |
Ano de publicação | Não especificado, mas indica-se que o estudo abrange o primeiro quartel do século XX. |
Tipo de documento | Artigo/Ensaio Acadêmico |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 412.47 KB |
Resumo
I.Métodos de Análise de Crises Demográficas em Ponta Delgada
O estudo analisa crises de mortalidade em Ponta Delgada no primeiro quartel do século XX, utilizando metodologias de J. Dupâquier e Lorenzo Del Panta e Massimo Livi-Bacci para avaliar a mortalidade e identificar epidemias. A metodologia de Del Panta e Livi-Bacci, baseada em médias móveis, foi privilegiada pela sua objetividade. O trabalho investiga a dimensão quantitativa das crises demográficas, mas também os condicionamentos sociais, econômicos e culturais que as influenciaram.
1. Introdução à Demografia e Mortalidade
O texto inicia definindo a importância do estudo da mortalidade na ciência demográfica, citando Lévy. A compreensão da morte como elemento definidor do ser humano e a simplicidade de sua quantificação (apenas a data do óbito) são destacadas. A definição conceitual de indicadores de mortalidade, presente desde o século XVIII, e o papel da mortalidade na transição demográfica (declínio anterior ao da natalidade) são pontos-chave. Sauvy é citado para a diferenciação entre demografia pura (quantitativa) e demografia em sentido lato, que engloba sociologia, história, economia, medicina, biologia e geografia, buscando explicar causas e implicações dos comportamentos demográficos na dinâmica social. A mortalidade, portanto, é apresentada como uma variável multifacetada, ligada a aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos, influenciada por idade, local de residência, profissão, grupo social, alimentação e cuidados de saúde, fatores que explicam a amplitude de crises demográficas históricas, frequentemente causadas por infecções.
2. Metodologias para Análise de Crises de Mortalidade
O estudo aborda diferentes metodologias para medir os efeitos das crises de mortalidade na dinâmica populacional. Métodos baseados na relação entre óbitos e nascimentos (Meuvret e Hansen) são considerados, mas criticados por sua dependência da variável natalidade, especialmente em populações pequenas, sujeitas a maiores distorções. O princípio de Dupâquier, que defende a avaliação apenas com base nos óbitos, é apresentado. A metodologia de Del Panta e Livi-Bacci, baseada em médias móveis de 11 anos (excluindo os quatro valores extremos), é escolhida para a análise por proporcionar maior objetividade e rigor, superando a potencial distorção do método de Dupâquier em anos com níveis de mortalidade muito discrepantes. A escolha do método se justifica pela busca de uma análise mais objetiva e rigorosa das crises de mortalidade que afetaram o concelho de Ponta Delgada.
3. Objetivo e Escopo do Estudo em Ponta Delgada
O objetivo principal do trabalho é analisar as crises de mortalidade no concelho de Ponta Delgada durante o primeiro quartel do século XX. A pesquisa busca avaliar a dimensão dessas crises, indo além da análise quantitativa para investigar os condicionamentos que levaram à sua ocorrência e amplitude. O foco está em entender o “como” e o “porquê” dessas crises. O estudo se concentra em quatro anos críticos (1907, 1912, 1918 e 1922), investigando as condições sanitárias e as epidemias que contribuíram para o aumento da mortalidade nestes períodos. A dificuldade de encontrar informação sobre as causas de morte em 1907 e 1912 é mencionada, indicando a utilização de dados complementares, como distribuição por idade e informações da imprensa local (relatórios do subdelegado de saúde e artigos).
II. Gripe Espanhola 1918 em Ponta Delgada Impacto e Contexto
A análise da gripe espanhola de 1918 em Ponta Delgada revela o impacto devastador da pandemia. O vírus chegou através de navios, principalmente um navio japonês vindo de Bordéus, infectando cerca de 17.000 pessoas (um terço da população) e causando cerca de 800 mortes. A taxa de mortalidade foi particularmente alta na zona suburbana, afetando mais homens entre 20 e 40 anos. A resposta da sociedade incluiu a formação da Comissão Central de Assistência Sanitária às Famílias Pobres e a colaboração de entidades americanas. O porto de Ponta Delgada emerge como ponto crucial na entrada da epidemia.
1. Contexto Histórico e Propagação da Gripe Espanhola
A seção contextualiza a pandemia de gripe de 1918, iniciando com sua provável origem nos EUA e sua rápida disseminação global, impulsionada pelas movimentações de tropas durante a Primeira Guerra Mundial. A primeira vaga na primavera de 1918 causou apreensão em Ponta Delgada, devido às frequentes comunicações marítimas com o exterior, especialmente Lisboa, onde a pandemia já grassava. Apesar do receio e apelos às autoridades para medidas de prevenção nos navios vindos de Lisboa, a ilha escapou à primeira onda, registrando apenas dois óbitos. No outono de 1918, porém, uma segunda onda atingiu a ilha com grande intensidade. A descrição da rápida propagação global da pandemia é detalhada, mostrando sua chegada à Europa, Ásia e outras regiões, culminando em milhões de mortos em outubro de 1918. Apesar de uma trégua temporária no Natal, uma terceira onda, menos intensa que a segunda, mas igualmente grave, atingiu a América do Norte e a Europa no início de 1919.
2. Chegada e Disseminação da Gripe em Ponta Delgada
A entrada da gripe em Ponta Delgada, no contexto da segunda onda global, é atribuída a tripulantes de um navio japonês vindo de Bordéus, com cerca de 35 dos 60 tripulantes infectados. Cinco destes tripulantes faleceram em Ponta Delgada entre os dias 15 e 21 de setembro, após internamento no hospital de isolamento, cuja capacidade era limitada. Navios de guerra americanos também contribuíram para a disseminação, com alguns casos de gripe entre suas tripulações. O porto de Ponta Delgada é identificado como o principal ponto de entrada da doença, gerando debates sobre a eficácia das medidas de defesa sanitária em relação aos regulamentos internacionais. A freguesia de São José, a mais populosa e onde se localizavam hospitais de isolamento, se tornou o centro da propagação para o restante da ilha, afetando rapidamente vilas e aldeias vizinhas, incluindo médicos e enfermeiros. O impacto na vida cotidiana foi significativo, com o fechamento de empresas devido à doença. Mesmo o jornal 'Diário dos Açores' teve de interromper a publicação temporariamente.
3. Impacto e Resposta Social à Pandemia em Ponta Delgada
A análise da gripe de 1918 em Ponta Delgada destaca a intensidade e rapidez da disseminação, atingindo as freguesias urbanas inicialmente, e posteriormente, Arrifes e Relva. O declínio da epidemia iniciou em novembro, primeiro nas freguesias da cidade. O número total estimado de infectados no concelho foi de cerca de 17.000 pessoas (um terço da população), resultando em aproximadamente 800 óbitos, com uma letalidade entre 4,3% e 5%. A taxa de mortalidade foi similar nas áreas urbana e rural, considerando ambos os sexos, embora a zona suburbana tenha apresentado taxas mais elevadas (25,7‰). A análise da mortalidade por idade e sexo revela uma curva em “W”, com maior impacto proporcional em adultos (20 a 40 anos), e maior diferença entre homens e mulheres entre 20 e 49 anos, desfavorecendo os homens. A gravidade da situação levou à criação da Comissão Central de Assistência Sanitária às Famílias Pobres, para auxiliar os mais necessitados, em conjunto com a colaboração de entidades americanas, demonstrando a mobilização social para enfrentar a crise. A pandemia atingiu principalmente as classes desfavorecidas e a letalidade da doença, apesar dos números parecerem baixos, é considerada significativa pela rápida ocorrência da grande maioria dos óbitos em um curto espaço de tempo (cerca de um mês e meio).
III. Peste Bubónica 1922 em Ponta Delgada Propagação e Medidas Preventivas
A epidemia de peste bubónica de 1922 em Ponta Delgada é analisada, destacando sua entrada provavelmente via marítima, através de ratos. A doença afetou principalmente as freguesias urbanas (Matriz, São José, São Pedro, Arrifes, Relva) e se espalhou rapidamente devido a precárias condições sanitárias. A taxa de mortalidade foi maior em pessoas com mais de 35 anos. Apesar de esforços preventivos, iniciados desde o início do século, a epidemia causou um aumento significativo na mortalidade, atingindo um índice de crise segundo a classificação de Dupâquier. O papel de medidas de saúde pública e a desratização foram cruciais no combate à doença.
IV.Análise da Mortalidade em Ponta Delgada 1900 1925 Tendências e Conclusões
A análise da taxa bruta de mortalidade em Ponta Delgada entre 1900 e 1925 indica uma tendência de crescimento, especialmente devido aos anos críticos de 1918 (gripe espanhola) e 1922 (peste bubónica). Os anos de 1920 e 1923, embora não atingindo o nível de crise, também registraram alta mortalidade por causa da peste. Os anos de 1907 e 1912 também apresentaram crises de mortalidade, porém de causas não totalmente esclarecidas devido à falta de informação em registros de óbitos. A pesquisa destaca a importância de considerar fatores sociais e ambientais na compreensão das crises demográficas.