Educação artística numa sociedade multicultural: estudo da cultura material do povo Sámi

Educação Artística Sámi: Multiculturalismo

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Autor

Kati Janina Varjosalo-Da Costa Rodrigues Alves

instructor/editor Professora Doutora Anabela Moura Correia
school/university Não especificado no documento. Necessário consultar a capa ou folha de rosto da dissertação para obter essa informação.
subject/major Mestrado em Educação Artística, Área de Especialização em Educação Artística
Tipo de documento Dissertação de Mestrado
academic year/year document was written Não especificado no documento.
city where the document was published Não especificado no documento.
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 6.56 MB

Resumo

I.A Necessidade de Educação Multicultural em Artes Foco na Cultura Sámi e Nórdica

Esta pesquisa de ação, realizada em escolas portuguesas (EB 2,3 de Vila Verde e EB 2,3/S de Caminha), investiga a escassez de recursos e a falta de conhecimento sobre a cultura Sámi e, mais amplamente, as culturas nórdicas no ensino artístico português. A pesquisa utilizou métodos qualitativos, incluindo análise de artefatos e observação participante, para avaliar a adequação de modelos de análise de artefatos propostos por Sudha Daniel (2009) e Brian Allison (1972), verificando sua eficácia no desenvolvimento pessoal e cultural dos participantes. A pesquisa destacou a urgência em promover a educação multicultural e intercultural, combatendo estereótipos e preconceitos, e a necessidade de formação de professores para abordagens pedagógicas inclusivas. A investigadora, uma finlandesa vivendo em Portugal desde 1997, detectou um desconhecimento significativo sobre a rica cultura finlandesa e o artesanato dos países nórdicos entre os professores e alunos portugueses. O estudo utilizou questionários e registros fotográficos como ferramentas de coleta de dados e analisou a eficácia de uma intervenção curricular focada na cultura Sámi, com foco na Educação Patrimonial e artesanato Sámi, incluindo a observação de artefatos, jogos sensoriais e a apresentação de materiais sobre a cultura Sámi (incluindo o Joiku e a relação homem-rena). Os resultados apontaram para a necessidade de maior acesso a recursos de educação multicultural e intercultural e de maior formação de professores nesse âmbito.

1. Introdução A Lacuna no Ensino de Culturas Nórdicas em Portugal

A pesquisa parte da constatação da escassa abordagem da cultura e artesanato dos povos escandinavos/nórdicos no ensino português, apesar da abertura das fronteiras e da crescente riqueza cultural na União Europeia (formada em 7 de fevereiro de 1992). A investigadora, finlandesa residente em Portugal desde 1997, observa essa lacuna, atribuindo-a à escassez de recursos, principalmente em português, e à tendência dos professores em focar apenas em suas próprias culturas ou em culturas majoritárias. Allison (1972) reforça a ideia de que conceitos de arte baseados apenas nas artes ocidentais são limitados, pois a arte ocidental representa apenas um tipo entre muitos. Mason (1988) defende o acesso à arte de qualidade de diversas culturas nas escolas, promovendo a apreciação e valorização do artesanato e design de várias origens, alertando para uma abordagem pluralista que ultrapasse as Belas Artes ou as artes ocidentais. A ausência de conhecimento e preparação para abordar culturas nórdicas, especialmente a cultura Sámi, constitui o problema central da pesquisa, dado o valor estético e a variedade de técnicas presentes nesse patrimônio cultural.

2. O Povo Sámi Um Caso de Estudo de Cultura Indígena Europeia

A pesquisa foca-se na cultura do povo Sámi, único povo indígena da União Europeia, residente na Lapónia (Suécia, Finlândia, Noruega e Rússia). Seu modo de vida e tradições diferenciam-se da cultura tipicamente ocidental (Kulonen, 2005). A educação patrimonial assume papel fundamental na pesquisa, considerando o risco de alienação cultural em sociedades marcadas pelo consumismo. Moura (2002) e Pessanha de Moares (s/d) ressaltam a carência de materiais didáticos nas escolas, dificultando a abordagem do patrimônio cultural de outros países. A falta de interesse e a percepção de conhecimento exclusivo da universidade contribuem para essa escassez. O estudo analisa a Educação Patrimonial como ferramenta para a conservação e divulgação do patrimônio cultural, material e imaterial, incluindo o etnográfico. A abordagem interdisciplinar é sugerida como forma de integrar o patrimônio em diferentes disciplinas do currículo, usando-o como motivador. A ligação homem-rena é destacada como um traço marcante do modo de vida nômade dos Sámi, influenciando o vestuário e os utensílios, que precisavam ser resistentes e fáceis de transportar. Apesar de não produzirem arte puramente decorativa, o artesanato Sámi é visto como uma 'indústria de arte' (Lehtola, 2001), onde o artesão 'vê' o objeto acabado na matéria-prima, respeitando sua forma original.

3. Desafios Modernos à Cultura Sámi e Tendências no Artesanato

A sociedade moderna pós-Segunda Guerra Mundial trouxe desafios à cultura Sámi, com antigos modos de vida e habilidades manuais tradicionais perdendo significado. O artesanato, especialmente de objetos masculinos (como púcaras de madeira), foi substituído por produtos modernos, tornando raros os objetos de materiais duros como osso de rena e madeira. Mesmo com menor foco em decoração, a qualidade dos materiais, a funcionalidade e os acabamentos são rigorosos. O artesanato Sámi mantém-se valorizado, apesar das mudanças sociais, representando papel fulcral na conservação e transmissão de cultura, língua e identidade. Há uma tendência internacional de aproximar artesanato e arte, enfatizando o caráter individual e a criatividade do artesão, dando novos usos à 'arte popular' (Roberts, 1972). Lehtola et al. (2006) apontam que para os Sámi, o artesanato não é apenas performance técnica; transmite conhecimentos seculares sobre materiais, natureza e visão de mundo, sendo a paciência e persistência virtudes essenciais. A luta pela preservação de recursos naturais e contra a construção de centrais hidroelétricas na Lapónia (como o caso do rio Alta, nos anos 80) gerou símbolo para o movimento Sámi, incluindo uma bandeira.

II.Metodologia e Coleta de Dados Uma Abordagem Qualitativa

A metodologia da pesquisa foi qualitativa, buscando compreender a percepção dos professores e alunos sobre as culturas nórdicas. Foram utilizados questionários aplicados a 13 professores em Vila Verde (Julho de 2010) e 11 em Caminha (Novembro de 2010), além de observação participante, registros fotográficos e análise de documentos. A análise documental incluiu livros e artigos sobre a cultura Sámi, acessados devido à impossibilidade de acesso direto a centros de pesquisa fora do território nacional. A análise de artefatos foi fundamental na intervenção curricular, utilizando objetos e materiais relacionados à cultura Sámi para atividades sensoriais com os alunos, buscando promover a fruição, criação e reflexão artística. A pesquisa de ação permitiu uma avaliação contínua do processo, com reflexões e ajustes ao longo das dez sessões realizadas no atelier de artes da escola de Caminha. A investigadora também utilizou a sua própria experiência como referência, com o seu projecto anterior intitulado “Sámi - um aspecto da cultura ocidental” servindo de base para a intervenção. Foi importante também a colaboração com uma colega de mestrado, que contribuiu para o registro de ideias e reflexões sistemáticas.

III.Resultados e Conclusões Desafios e Oportunidades na Educação Artística

Os resultados revelaram um desconhecimento generalizado sobre a cultura Sámi e as culturas nórdicas entre os professores, mesmo considerando a proximidade geográfica e a integração na União Europeia. Muitos estereótipos foram identificados, com confusão entre Lapónia e Pólo Norte, e percepções limitadas sobre os modos de vida e as expressões artísticas do povo Sámi. Apesar de limitações nas respostas dos alunos, a intervenção curricular demonstrou a possibilidade de promover a apreciação e compreensão da cultura Sámi através de atividades sensoriais e exploratórias, utilizando imagens, vídeos, e artefatos culturais. A pesquisa destaca a importância da Educação Patrimonial e da formação intercultural de professores, com a necessidade de acesso a recursos e materiais pedagógicos adequados para abordar temas multiculturais. A experiência da investigadora com a artesã Sámi, Sigga-Marja Magga, foi crucial na produção de materiais, mas a pesquisa sugere a possibilidade de substituí-la por colaborações com famílias de imigrantes ou alunos nas comunidades escolares. A investigação conclui que é necessário promover uma educação artística menos etnocêntrica, focando na diversidade cultural e na preservação da cultura material e imaterial.

1. Conhecimento dos Professores sobre Culturas Nórdicas Uma Lacuna Significativa

A pesquisa revelou um baixo nível de conhecimento sobre culturas europeias, particularmente as nórdicas, entre os professores das escolas de Vila Verde e Caminha. Apesar da importância dos países nórdicos como referência em desenvolvimento socioeconômico e cultural, e na integração de imigrantes e minorias étnicas (OCDE, 2006; OCDE, 2007), existe uma quase total ignorância sobre sua riqueza etnográfica e estética em Portugal. Os questionários aplicados em julho de 2010 (Vila Verde) e novembro de 2010 (Caminha) confirmaram essa falta de conhecimento, com os professores demonstrando um desconhecimento quase total das características culturais dos países nórdicos, incluindo a Finlândia, e declarando não abordar tais temas em suas práticas letivas. Essa falta de conhecimento se estende a aspectos artísticos e estéticos, com os professores recorrendo a pesquisas superficiais na internet e outras fontes, muitas vezes repletas de estereótipos. Um professor, entretanto, destacou a abordagem de aspectos culturais e sociais dos países nórdicos como exemplo positivo em termos de cidadania.

2. Resultados da Intervenção Curricular Aprendizagem sobre a Cultura Sámi

A intervenção curricular, centrada na cultura Sámi, utilizou atividades de exploração sensorial (tato, olfato, visão e paladar) com artefatos Sámi e recursos como imagens, vídeos (excertos do documentário “Joana Lumley na terra das auroras boreais”), PowerPoints, áudios e lendas. A atividade de exploração sensorial com objetos com os olhos vendados promoveu a identificação de materiais como pelo e chifre de rena. A apresentação de imagens e vídeos gerou questionamentos e curiosidade sobre a vida dos Sámi, sua relação com a natureza e as auroras boreais. A visita virtual guiada pela investigadora a Lapônia, com a apresentação de fotografias da sua viagem (verão de 2010) e do trabalho de uma artesã Sámi, Sigga-Marja Magga, serviu como fonte de inspiração para os alunos criarem seus trabalhos inspirados na cultura Sámi. Uma prova de sabores da Lapónia (chouriço de rena e compota de lakka) também contribuiu para uma maior imersão sensorial na cultura. Os alunos criaram trabalhos artísticos e relatórios escritos sobre a cultura Sámi e a experiência sensorial, demonstrando compreensão da importância do desenho na criação de objetos e do artesanato na preservação da cultura material e imaterial.

3. Conclusões e Recomendações Formação Intercultural e Recursos Pedagógicos

A pesquisa concluiu que a falta de conhecimento sobre culturas nórdicas entre professores é significativa e que os estereótipos culturais e preconceitos precisam ser desafiados por meio de práticas de educação multicultural. A articulação interdisciplinar entre professores, o acesso a dados fidedignos e recursos pedagógicos adequados são cruciais para superar essa deficiência. Apesar de haver atividades e projetos nas escolas, o desconhecimento de conteúdos e metodologias multiculturais e a escassez de materiais pedagógicos sobre identidade cultural permanecem como desafios. A formação profissional, que torne os professores confiantes para abordagens interculturais, é fundamental. Os próprios professores precisam tomar medidas ativas, buscando colaboração com universidades e pesquisadores, consultando bancos de dados e recursos culturais. A pesquisa propõe que, em futuras abordagens, a participação de familiares dos alunos e imigrantes residentes na comunidade possa substituir o recurso a especialistas externos, utilizando os seus saberes e experiências. A experiência da investigadora demonstra a viabilidade de atingir os objetivos de uma Educação Artística menos etnocêntrica, incluindo culturas dos países nórdicos e da cultura Sámi, no currículo escolar.