Educação empreendedora: um projeto desenvolvido com crianças do pré-escolar

Educação Empreendedora na Pré-Escolar

Informações do documento

Autor

Cláudia Maria Magalhães Moreira

instructor Professora Doutora Ana Cristina Coelho Barbosa
Escola

Mestrado em Educação Pré-Escolar

Curso Educação Pré-Escolar
Tipo de documento Relatório Final de Prática de Ensino Supervisionada
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 3.91 MB

Resumo

I.A Pertinência do Estudo da Educação para o Empreendedorismo na Educação Pré Escolar

Este estudo qualitativo investiga a educação para o empreendedorismo em crianças do pré-escolar, focando o desenvolvimento de competências empreendedoras (soft skills e hard skills) em crianças de 5 e 6 anos. A pesquisa utilizou a observação participante e análise de dados através de triangulação, baseando-se no manual “Ter Ideias para Mudar o Mundo”. O objetivo não é criar futuros empresários, mas sim desenvolver cidadãos ativos e críticos, utilizando uma metodologia de aprendizagem pela ação, adaptada ao período pré-operatório do desenvolvimento cognitivo (Piaget). A investigação foi conduzida em Viana do Castelo, num jardim de infância com um total de 19 crianças participantes. A metodologia incluiu a análise de documentos, observações, entrevistas e registos áudio-visuais. As Metas de Aprendizagem e os Objetivos Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE) serviram como referencial.

1. A Educação para o Empreendedorismo Uma Abordagem Crítica

Esta seção estabelece a relevância da educação para o empreendedorismo na educação pré-escolar, argumentando que o objetivo não é formar empresários mirins, mas sim desenvolver capacidades empreendedoras em crianças. Cita Fonseca, Gonçalves, Barbosa, Peixoto, Barbosa, Trabulo & Dias (2014b) ao referirem que tais capacidades são “necessárias a qualquer cidadão que se pretenda ativo, participativo e crítico, numa sociedade em contínua evolução”. A abordagem tradicional não é suficiente, sendo necessárias propostas e tarefas desafiantes que estimulem as competências empreendedoras, considerando os interesses e ideias das crianças. O papel do educador na integração desta temática na sua prática é fundamental, planificando atividades que promovam o espírito empreendedor. A escola empreendedora é vista como um espaço que integra profissionais com competências e recursos para fomentar esse espírito, sendo o professor o agente transmissor, promovendo a aprendizagem pela prática e experiências concretas (Pereira et al., 2007; ME, 2006).

2. Competências Empreendedoras na Educação Pré Escolar Soft Skills e Hard Skills

A seção discute as competências empreendedoras, diferenciando competências técnicas (hard skills) e competências pessoais (soft skills). As hard skills, ligadas ao conhecimento, são facilmente avaliáveis através de testes ou provas práticas, enquanto as soft skills, relacionadas com atitudes e aptidões na interação, são mais difíceis de desenvolver e avaliar. A pesquisa se concentra nas soft skills, destacando capacidades como comunicar, persuadir, resolver conflitos, negociar, resolver problemas criativamente, trabalhar em equipe, ser autoconfiante, flexível, adaptar-se a novas situações e gerir o tempo (Fonseca et al., 2014a). A importância de adaptar essas competências à idade das crianças é ressaltada, considerando o desenvolvimento cognitivo, especialmente o período pré-operatório de Piaget (2 a 6/7 anos), caracterizado por aprendizagem intuitiva, desenvolvimento de imagens mentais e grande aprendizagem linguística, com o início do pensamento simbólico (Papalia et al., 1998). A aprendizagem pela ação é destacada como metodologia principal na educação pré-escolar, fomentando interações criativas com pessoas, materiais e ideias.

3. O Manual Ter Ideias para Mudar o Mundo e as Áreas de Conhecimento Empreendedor

Apresenta-se o manual “Ter Ideias para Mudar o Mundo – Manual para treinar o empreendedorismo em crianças dos 3 aos 12 anos” (CEAN, 2009), como guia metodológico para o desenvolvimento de atitudes e competências empreendedoras. Este manual oferece doze áreas de conhecimento empreendedor e propostas de atividades para diferentes faixas etárias, incluindo o pré-escolar. O manual é comparado com “The Big 13- Enterprise Entitlement through the curriculum”, considerado muito simplificado em relação à abordagem e explicação de cada área e ciclo de ensino. A escolha do manual “Ter Ideias para Mudar o Mundo” justifica-se pelas orientações metodológicas e propostas de atividades para o pré-escolar, diretamente ligadas às soft skills. A seção descreve exemplos de áreas de conhecimento empreendedor presentes no manual, como a identificação de diferentes estados de espírito (positivos e negativos), a importância de escutar as pessoas, e a transmissão do projeto, evidenciando a necessidade de adaptar os conceitos à faixa etária das crianças.

II.Metodologia e Instrumentos de Recolha de Dados

A investigação qualitativa, com enfoque na observação participante, foi o método principal. A investigadora desempenhou um duplo papel, de educadora estagiária e investigadora, permitindo um envolvimento prolongado (outubro a junho). Foram utilizados diversos instrumentos de recolha de dados: análise de documentos (registos biográficos e documentos do jardim de infância), observações, entrevistas, registos fotográficos, gravações áudio e vídeo. A triangulação de dados foi crucial para validar os resultados e garantir a qualidade da investigação, seguindo critérios de qualidade em métodos naturalistas (Vale, 2004).

1. Abordagem Metodológica Investigação Qualitativa e Observação Participante

O estudo adotou uma metodologia qualitativa, fundamentada na observação participante, como método principal para a recolha de dados. A investigadora, assumindo um duplo papel de investigadora e educadora estagiária, integrou-se no contexto do jardim de infância durante um período prolongado (de outubro a junho), estabelecendo uma relação próxima com as crianças e observando as suas interações e comportamentos de forma natural. Esta imersão permitiu conhecer profundamente o contexto educativo e as dificuldades e interesses das crianças. A observação participante, conforme Vale (2004), é uma forma de observação onde o observador participa ativamente na situação a ser observada, interagindo com os sujeitos mas sem condicionar suas perspetivas. Este método contrastou com a observação não participante, que mantém o observador externo à situação. A escolha pela observação participante facilitou a compreensão da forma como as crianças pensavam e interagiam, enriquecendo a análise qualitativa da investigação.

2. Instrumentos de Recolha de Dados e Análise Triangulação e Critérios de Qualidade

A recolha de dados utilizou diversos instrumentos para garantir a riqueza e profundidade da análise. Inicialmente, analisou-se documentos existentes no jardim de infância, como registos biográficos das crianças e documentos relativos ao contexto educativo, para caracterizar melhor o grupo e os recursos disponíveis. Durante a implementação das atividades, foram recolhidas evidências por meio de entrevistas, observações detalhadas, registos fotográficos e gravações áudio e vídeo. A quantidade de informação gerada exigiu a redução dos dados através da triangulação, técnica que, segundo Coutinho (2008), busca confirmação para aumentar a credibilidade da interpretação. A triangulação foi combinada com outras técnicas naturalistas para assegurar a qualidade da investigação, tais como o envolvimento prolongado da investigadora no contexto, a revisão por pares (com a educadora cooperante e o par pedagógico), e a descrição pormenorizada das observações (Vale, 2004). Este rigor metodológico buscou garantir a validade e a confiabilidade dos resultados.

III.Análise e Interpretação de Dados Desenvolvimento do Projeto Filme da Amizade

O estudo acompanhou o desenvolvimento de um projeto – 'Filme da Amizade' – guiado pelo manual “Ter Ideias para Mudar o Mundo”, focando quatro áreas de conhecimento empreendedor: 'O que eu quero fazer?', 'Os nossos estados de espírito', 'Aprender a escutar as pessoas', e 'Aprender a transmitir o nosso projeto'. As crianças, com idades entre 5 e 6 anos, participaram ativamente em todas as fases, desde a geração de ideias (estimulo de ideias) e planeamento (construção de protótipos) até à execução. Apesar de algumas dificuldades na comunicação em grupo e na persistência em tarefas, o projeto permitiu observar a aquisição de competências empreendedoras e a interiorização de conceitos como o significado de ‘sonho’ e ‘empreendedorismo’. A análise foca a aplicação prática de habilidades como o trabalho em equipe, a negociação e a comunicação eficaz. O projeto culminou na produção de um filme, demonstrando a capacidade de criar e executar um plano.

1. O Projeto Filme da Amizade Da Ideia à Realização

A análise dos dados centra-se no desenvolvimento do projeto 'Filme da Amizade', criado pelas crianças a partir dos seus sonhos e desejos. O processo de criação do projeto, orientado pelo manual 'Ter Ideias para Mudar o Mundo', envolveu a exploração de quatro áreas de conhecimento empreendedor: 'O que é que eu quero fazer?', 'Os nossos estados de espírito', 'Aprender a escutar as pessoas', e 'Aprender a transmitir o nosso projeto'. A fase inicial focou a partilha de ideias, onde cada criança apresentou um desenho representando o seu sonho. A partir dessas ideias individuais, o grupo, através de discussão e votação, definiu o projeto coletivo 'Filme da Amizade'. Este processo de construção coletiva evidenciou a importância da comunicação e do trabalho em equipa, mesmo com as dificuldades encontradas pelas crianças, em especial na comunicação em grupo. A investigadora atuou como mediadora, auxiliando o grupo a organizar e articular as ideias.

2. Aquisição de Competências Empreendedoras durante o Projeto

A realização do projeto 'Filme da Amizade' permitiu a observação da aquisição de competências empreendedoras pelas crianças. Apesar de nem todas as áreas do manual terem sido abordadas sequencialmente, e a área 'Sem liderança não há trabalho' não ter sido trabalhada explicitamente devido à idade das crianças, algumas delas demonstraram atitudes de liderança, como a iniciativa, a capacidade de ouvir os colegas, e a persistência em cumprir compromissos. As crianças foram estimuladas a definir papéis, materiais necessários e etapas do projeto, construindo cartazes para organizar as ideias e acompanhar o desenvolvimento. A construção da narrativa do filme, por exemplo, envolveu a discussão coletiva sobre objetivos, estratégias, a identificação de colaboradores e seus papéis, bem como a definição da mensagem principal do filme: a amizade. A análise focou como as crianças foram internalizando e verbalizando as diferentes etapas do projeto, desde sua concepção até sua conclusão.

3. Dificuldades e Desafios no Processo Comunicação e Compreensão de Conceitos

Durante o desenvolvimento do projeto, algumas dificuldades foram observadas, principalmente na comunicação em grupo. Algumas crianças manifestaram timidez e dificuldade em expressar suas opiniões, uma situação recorrente em crianças dessa faixa etária (Papalia et al., 1998). A investigadora utilizou estratégias para incentivar a participação de todas as crianças, como questionamentos individuais e atividades de estimulação da escuta. Outras dificuldades surgiram na compreensão de conceitos, como o próprio conceito de 'sonho' (inicialmente associado apenas ao sono) e o termo 'empreendedorismo'. A investigadora utilizou recursos como histórias e vídeos para auxiliar a compreensão desses conceitos. Apesar dessas dificuldades, a análise demonstra que as crianças internalizaram os conhecimentos e competências subjacentes a cada etapa do projeto, evidenciado através de diálogos e entrevistas em pequenos grupos. A falta de persistência e desconcentração, comuns nessa idade, foram gradualmente superadas com o desenvolvimento do projeto.

IV.Limitações do Estudo e Sugestões para Futuros Estudos

O tempo limitado disponível para a pesquisa (devido à integração na Prática de Ensino Supervisionada II (PES II)) foi uma das principais limitações. A pequena duração do projeto e sua realização a cada 15 dias afetaram a profundidade da análise. Apesar disso, a utilização de múltiplos instrumentos de recolha de dados permitiu obter informações detalhadas. A utilização da escala ECERS para avaliar o ambiente educativo foi uma mais-valia. Sugestões para estudos futuros incluem a ampliação do período de observação e intervenção, para uma avaliação mais aprofundada das competências empreendedoras no pré-escolar e mais estudos empíricos na área de educação para o empreendedorismo em contextos de pré-escolar.

1. Limitações do Estudo Tempo e Abordagem

A principal limitação do estudo foi o tempo reduzido disponível para a implementação do projeto, devido à sua integração na Prática de Ensino Supervisionada II (PES II). O projeto foi abordado a cada 15 dias, durante alguns meses, o que impossibilitou uma abordagem mais contínua e profunda do tema da educação para o empreendedorismo no pré-escolar. Esta limitação de tempo, consequência da necessidade de dividir o tempo com o par de estágio, afetou a profundidade da análise e impossibilitou uma avaliação mais detalhada de todas as crianças. A escassez de estudos empíricos sobre educação para o empreendedorismo na educação pré-escolar também contribuiu para as dificuldades encontradas na revisão da literatura. Apesar dessas restrições, a utilização de uma variedade de instrumentos de recolha de dados permitiu obter uma informação detalhada, compensando, em parte, a limitação temporal.

2. A Utilização da Escala ECERS e a Experiência na PES I e PES II

A utilização da escala ECERS (Early Childhood Environment Rating Scale) na PES I, para avaliar a qualidade do ambiente educativo do jardim de infância, mostrou-se uma mais-valia para a compreensão do contexto e para o planeamento das intervenções. Essa avaliação permitiu uma análise aprofundada do espaço e recursos disponíveis, contribuindo para uma melhor compreensão das condições em que o projeto foi implementado. A experiência na PES I, que durou de outubro a janeiro com um dia de observação/implementação por semana, foi crucial para o primeiro contato com o grupo de crianças, percebendo seus interesses e dificuldades. Embora essencial, o tempo foi curto para uma avaliação completa de todas as crianças. A PES II, de fevereiro a junho, com maior intervenção (três dias por semana), permitiu trabalhar temas e áreas curriculares não abordados na PES I devido ao tempo limitado. O duplo papel de educadora estagiária e investigadora, na PES II, representou um grande desafio, mas que contribuiu para o sucesso do estudo e forneceu ferramentas essenciais para a formação da investigadora como futura educadora.

3. Sugestões para Futuros Estudos Tempo de Observação e Abordagem Temática

Considerando as limitações encontradas, sugere-se para futuros estudos um prolongamento do tempo de observação e intervenção, permitindo uma caracterização mais completa do grupo e um planeamento mais eficaz das atividades. A falta de estudos empíricos na área da educação para o empreendedorismo em contexto pré-escolar evidencia a necessidade de mais pesquisas neste campo, contribuindo para uma melhor compreensão das melhores práticas. O estudo focou a educação para o empreendedorismo, uma temática relativamente inovadora no contexto da educação pré-escolar, ainda que relacionada com os Objetivos Curriculares para a Educação Pré-Escolar (OCEPE). O período de reflexão após cada sessão de implementação, com a equipa de docentes supervisores e educadora cooperante, foi importante para a adequação de estratégias e a correção de erros, reforçando a importância da formação contínua e da partilha de experiências na prática educativa.