Efeitos ecotoxicológicos do herbicida Glifosa em embriões de Physalaemus gracilis (Anura: Leptodactylidae)

Ecotoxicologia do Glifosato em Anuros

Informações do documento

Autor

Suélen Andressa Rinas Trindade

instructor Marilia Teresinha Hartmann, Profª. Dra.
Escola

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Erechim

Curso Engenharia Ambiental e Sanitária
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Erechim
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 2.23 MB

Resumo

I.Resumo do Estudo Ecotoxicologia do Glifosato em Physalaemus gracilis

Este estudo avaliou a toxicidade aguda e crônica do herbicida glifosato, presente na formulação comercial Roundup Original® DI, sobre embriões e larvas de Physalaemus gracilis (Anura: Leptodactylidae). O objetivo principal foi determinar a CL50 (concentração letal média) e analisar os efeitos subletais, como malformações e alterações na atividade natatória. Os testes foram realizados em ambiente de laboratório utilizando desovas coletadas em um charco em Paulo Bento, RS (latitude: -27.7016, longitude: -52.426), com aprovação do Comitê de Ética para Uso de Animais e licença do ICMBio. Foram empregados testes de toxicidade aguda (96 horas) e crônica (168 horas).

1. Introdução e Objetivo do Estudo

O estudo teve como motivação a crescente presença de agrotóxicos, especialmente o glifosato, em ambientes aquáticos devido à expansão da agricultura. A pesquisa focou em avaliar os efeitos ecotoxicológicos do glifosato na fase embrionária e larval de Physalaemus gracilis. A escolha de Physalaemus gracilis como organismo-modelo se justifica por sua ampla distribuição geográfica no Brasil, principalmente em áreas rurais onde a agricultura é predominante, e sua dependência de ambientes aquáticos para reprodução e desenvolvimento, tornando-os sensíveis a contaminações. O estudo utilizou o Roundup Original® DI, uma formulação comercial de glifosato, para realizar testes de toxicidade aguda (96 horas) e crônica (168 horas). A metodologia incluiu a coleta de desovas em um charco em área rural de Paulo Bento, RS (latitude: -27.7016, longitude: -52.426), com autorização do Comitê de Ética para Uso de Animais e licença do ICMBio. Os testes foram conduzidos em triplicata (agudo) e sextuplicata (crônico) para garantir a confiabilidade dos resultados e a utilização de um grupo controle permitiu a comparação dos efeitos do glifosato. O estudo buscou identificar a concentração letal média (CL50) do glifosato e avaliar os efeitos subletais, como malformações e alterações na atividade natatória dos anfíbios, fornecendo dados relevantes para a compreensão dos riscos ambientais associados ao uso deste herbicida.

2. Metodologia Coleta Testes e Análise de Dados

Para a obtenção dos embriões de Physalaemus gracilis, desovas com menos de 24 horas de oviposição foram coletadas em um charco em área rural, conforme aprovado pelo Comitê de Ética e licenciado pelo ICMBio. O teste de toxicidade aguda, com duração de 96 horas, foi realizado em triplicata, utilizando placas de cultura celular com 24 poços e exposição a diferentes concentrações do Roundup Original® DI. O teste de toxicidade crônica, com duração de 168 horas (7 dias), foi realizado em sextuplicata, com o mesmo tipo de placa e exposição a diferentes concentrações. Em ambos os testes, um controle negativo com água desclorada foi incluído. Os embriões foram monitorados em diferentes estágios de desenvolvimento, de acordo com a tabela de Gosner (1960), permitindo acompanhar o desenvolvimento embrionário e larval. As concentrações de glifosato utilizadas no teste crônico foram baseadas na literatura e na Resolução CONAMA 357/2005 (65 e 280 μg/L para águas Classe I, além de 144 μg/L e testes adicionais em 500 e 700 μg/L). Os parâmetros avaliados incluíram mortalidade, desenvolvimento, atividade natatória e malformações, observados diariamente com auxílio de estereomicroscópio. A CL50 foi determinada pelo método Trimmed Spearman-Karber, com nível de confiança de 95%, e a análise estatística dos dados utilizou testes ANOVA one-way com teste post-hoc (Tuckey ou Dunnet), buscando determinar a concentração de efeito não observado (CENO) e a concentração de efeito observado (CEO).

II.Resultados da Toxicidade Aguda do Glifosato

A CL50 do Roundup Original® DI para embriões de Physalaemus gracilis foi de 10600 μg/L. A mortalidade foi significativamente maior em concentrações acima de 900 μg/L, atingindo 100% em concentrações de 35000 μg/L e 50000 μg/L. O tempo de exposição não influenciou significativamente na mortalidade.

1. Determinação da CL50 de Glifosato

O teste de toxicidade aguda com Roundup Original® DI, com duração de 96 horas, resultou em uma CL50 (Concentração Letal 50%) de 10600 μg/L para embriões de Physalaemus gracilis. Este valor representa a concentração do herbicida que causa a mortalidade de 50% dos embriões no período do teste. O intervalo de confiança de 95% para a CL50 ficou entre 9740 μg/L e 11530 μg/L. A taxa de mortalidade no grupo controle foi baixa (0,90%). A análise da mortalidade ao longo do tempo mostrou que a concentração do glifosato foi o fator determinante na mortalidade dos embriões, e não o tempo de exposição em si. Em concentrações mais elevadas (35000 μg/L e 50000 μg/L), a mortalidade foi muito alta, atingindo 100% dos embriões no final do teste de 96 horas. Em concentrações menores, a mortalidade aumentou com o aumento da concentração do glifosato. Observa-se que a partir de 900 μg/L, a diferença na mortalidade em relação ao grupo controle foi estatisticamente significativa (Tukey, p<0,05). É importante ressaltar que as concentrações de 500 μg/L e 700 μg/L foram descartadas da análise devido à alta mortalidade inesperada no grupo controle, impossibilitando a conclusão do teste.

III.Resultados da Toxicidade Crônica do Glifosato e Efeitos Subletais

O teste de toxicidade crônica revelou alterações significativas na atividade natatória em todas as concentrações testadas (65, 144, 280, 500 e 700 μg/L), com 23,36% dos embriões/larvas apresentando movimento reduzido, aumentado ou espasmódico. Foram observadas malformações (boca, intestino, cauda), embora sem significância estatística em relação ao controle, exceto para cauda curvada na concentração de 65 μg/L. A concentração de 65 μg/L, limite máximo permitido pela Resolução CONAMA nº 357/05 para águas doces, apresentou a maior variedade de malformações, destacando a preocupação com os efeitos subletais do glifosato mesmo em concentrações consideradas permitidas.

1. Alterações na Atividade Natatória

O teste de toxicidade crônica (168 horas) do glifosato em Physalaemus gracilis revelou alterações significativas na atividade natatória em todas as concentrações testadas, quando comparadas ao grupo controle. Um total de 23,36% dos embriões/larvas expostos apresentaram algum tipo de alteração no movimento. Essas alterações incluíram: movimento reduzido (16,24% das larvas no final do teste), movimentação aumentada (4,56%) – larvas mais agitadas que o grupo controle – e natação com contrações espasmódicas (2,28%). A análise estatística demonstrou que a concentração do glifosato influenciou significativamente a atividade natatória (F 3, 20 = 5,82, p ≤ 0,01, Dunnet, p < 0,05), enquanto o tempo de exposição não foi um fator significativo (F 5,18 = 1,59; p = 0,21). Observou-se que alguns indivíduos conseguiam recuperar a atividade natatória normal, mas muitos apresentavam novas alterações ou morriam posteriormente. A maior ocorrência de atividade natatória reduzida foi observada nas primeiras 48 horas de teste, enquanto a atividade aumentada e espasmódica se tornaram mais evidentes após 72 e 96 horas, respectivamente, coincidindo com estágios específicos de desenvolvimento larval (Gosner 23-25).

2. Malformações Observadas

Além das alterações na atividade natatória, o estudo identificou malformações em larvas de Physalaemus gracilis expostas ao glifosato. As malformações mais frequentes foram: alterações na boca (ausência de queratodontos e partes do lábio superior e inferior, afetando 40,74% das larvas), alterações no intestino, e cauda curvada (12,04%). Outras malformações, embora menos frequentes, incluíram lente turva, corpo inchado, abdômen alongado e corcunda. Embora detectadas, as malformações não apresentaram significância estatística em relação ao grupo controle, exceto pela cauda curvada, que mostrou aumento significativo na concentração de 65 μg/L. Vale ressaltar que a concentração de 65 μg/L, que corresponde ao limite máximo permitido por lei para glifosato em águas doces (CONAMA 357/2005), apresentou a maior diversidade de tipos de malformações, mesmo sem ser a concentração que causou o maior número total de indivíduos malformados. Isto reforça a necessidade de se considerar os efeitos subletais do glifosato, mesmo em concentrações consideradas permitidas pela legislação.

IV.Discussão e Conclusões

Embora a toxicidade aguda do glifosato tenha sido relativamente baixa (CL50 de 10600 μg/L), os resultados do teste crônico demonstram seu potencial para causar efeitos subletais em Physalaemus gracilis, afetando a atividade natatória e a morfologia dos embriões/larvas mesmo em concentrações abaixo dos limites legais. A utilização de Physalaemus gracilis como organismo-modelo é justificada pela sua ampla distribuição em áreas rurais brasileiras, frequentemente expostas à contaminação por agrotóxicos. Os resultados reforçam a necessidade de mais estudos para melhor compreender os impactos do glifosato em anfíbios e na biodiversidade aquática, especialmente considerando que os efeitos em concentrações subletais podem impactar as populações a longo prazo. A comparação com outros estudos (e.g., Howe et al., 2004; Almeida, 2014; Costa, 2014) indicou que a formulação comercial pode ser mais tóxica que o princípio ativo. O estudo destaca a discrepância entre os limites legais para água potável (500 μg/L, FUNASA) e as concentrações que causam efeitos ecotoxicológicos crônicos em anfíbios.

1. Comparação com Outros Estudos e Implicações da Baixa Toxicidade Aguda

Apesar da CL50 de 10600 μg/L para Physalaemus gracilis indicar baixa toxicidade aguda do glifosato em comparação com outras espécies de anfíbios (como Physalaemus cuvieri, Rana pipiens e Rana clamitans, com CL50s menores relatadas na literatura), a discussão destaca que a formulação comercial (Roundup Original® DI) pode ser mais tóxica do que o princípio ativo isolado. A baixa toxicidade aguda observada não descarta a ocorrência de efeitos nocivos, uma vez que os testes crônicos revelaram impactos significativos mesmo em concentrações consideradas baixas. A diferença na toxicidade entre estudos pode ser atribuída à presença de ingredientes inertes e surfactantes na formulação comercial, fatores que influenciam a absorção e a biodisponibilidade do glifosato nos organismos aquáticos. A discussão enfatiza que, embora a mortalidade tenha sido baixa no teste agudo, concentrações subletais demonstram o potencial para causar alterações comportamentais e morfológicas significativas, impactando a saúde e sobrevivência da espécie. O estudo também menciona que o glifosato, apesar de ter baixa toxicidade aguda, pertence à classe dos organofosforados, conhecidos por seus efeitos a longo prazo na saúde ambiental (ABRASCO, 2015).

2. Efeitos Subletais e a Importância da Fase Inicial do Desenvolvimento

O estudo destaca a importância da avaliação dos efeitos subletais em embriões e larvas, pois esta fase inicial do desenvolvimento é crítica para a formação de tecidos e órgãos, tornando os organismos mais suscetíveis aos efeitos de xenobióticos (BROEG et al., 2005). As malformações observadas, principalmente na boca (essencial para a alimentação), intestino e cauda (afetando a locomoção), podem comprometer a sobrevivência e o desenvolvimento adequado dos indivíduos, mesmo em concentrações subletais. A pesquisa cita que a Resolução CONAMA nº 357/05 estabelece 65 μg/L como limite máximo de glifosato em águas doces, valor adotado também no Canadá. Entretanto, mesmo nessa concentração, o estudo observou diversos tipos de malformações e alterações significativas na atividade natatória, evidenciando os riscos para a saúde de Physalaemus gracilis e a inadequação dos limites legais vigentes. A comparação com o limite da FUNASA para água potável (500 µg/L) mostra uma grande discrepância entre o nível considerado seguro para consumo humano e as concentrações que já causam impactos ecotoxicológicos crônicos nos anfíbios.

3. Conclusões e Recomendações para Futuros Estudos

Em conclusão, o estudo mostrou que a formulação comercial de glifosato apresentou CL50 de 10600 μg/L para Physalaemus gracilis, indicando baixa toxicidade aguda. No entanto, os resultados do teste crônico demonstram que concentrações subletais do herbicida podem causar alterações morfológicas (malformações na boca, intestino e cauda) e comportamentais (alterações na atividade natatória), impactando a sobrevivência da espécie. A maior variedade de malformações foi observada na concentração de 65 μg/L, o limite máximo permitido pela CONAMA para águas doces. A utilização de Physalaemus gracilis como organismo-modelo se justifica por sua ampla distribuição em áreas rurais brasileiras, sujeitas à contaminação por agrotóxicos. A pesquisa ressalta a deficiência da legislação brasileira quanto à especificação dos efeitos tóxicos de diferentes formulações de agrotóxicos em anfíbios, reforçando a necessidade de mais estudos para extrapolar os resultados a nível ambiental e biológico, e para uma melhor regulamentação do uso de glifosato, considerando os efeitos subletais sobre a biodiversidade aquática.