Ensinar: "então, é função de quem?" Atuação do professor interlocutor na educação de surdos da rede estadual paulista

Professor Interlocutor e Educação de Surdos

Informações do documento

Autor

Mara Aparecida De Castilho Lopes

instructor Ida Lichtig, Profa. Dra.
Escola

Universidade De São Paulo, Faculdade De Educação

Curso Educação Especial
Tipo de documento Tese
Local São Paulo
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 4.34 MB

Resumo

I.A Função Social do Professor Interlocutor na Educação de Surdos em São Paulo

Esta pesquisa investiga a função social do Professor Interlocutor na rede estadual de ensino de São Paulo, analisando a contradição entre as políticas públicas federais e estaduais na educação de surdos. O estudo, baseado na Psicologia Histórico-Cultural, questiona se o professor interlocutor atua como professor ou como intérprete de Libras. Duas pesquisas foram conduzidas: um estudo de vídeo da Secretaria de Educação e entrevistas com 21 professores interlocutores em um município do interior paulista, incluindo avaliação de fluência em Libras. A principal contradição reside na diferença entre a expectativa da Secretaria de Educação de São Paulo (que o professor deve atuar como docente) e a compreensão dos professores interlocutores (influenciados pelas políticas federais), que os levam a se verem principalmente como intérpretes. Esta tensão prejudica a educação inclusiva, criando uma relação de subordinação em detrimento da atividade pedagógica plena entre professor regente, professor interlocutor e aluno surdo.

1. Introdução A problemática da função do Professor Interlocutor

A contratação de professores interlocutores na rede estadual de ensino de São Paulo gera incertezas sobre sua atuação com estudantes surdos, pois a legislação estadual não define explicitamente suas funções. Em contraponto, políticas federais determinam que alunos surdos no ensino regular sejam acompanhados por intérpretes de Língua de Sinais, levando à interpretação de que o professor interlocutor assumiria essa função. Este trabalho, embasado na Psicologia Histórico-Cultural, busca identificar a função social do professor interlocutor. A pesquisa utilizará dois estudos: o Estudo 1, analisando um vídeo da Secretaria de Educação sobre a função do profissional, e o Estudo 2, com entrevistas e avaliação de fluência em Libras com 21 professores interlocutores de um município do interior paulista, utilizando um roteiro semiestruturado. A metodologia envolve descrição empírica, elaboração de categorias analíticas, estabelecimento da unidade de análise (contradição entre políticas estaduais e federais) e retorno à realidade para explicar o processo. A pesquisa espera elucidar se o papel do professor interlocutor é o de professor ou de intérprete, questionando o modelo de inclusão escolar vigente.

2. Estudo 1 Significado Social da Atividade do Professor Interlocutor

O Estudo 1 analisa um vídeo disponibilizado pela Secretaria de Educação, visando identificar o significado social da atividade do professor interlocutor. A análise do material indica que o significado social dessa atividade é o de ser professor. O vídeo, destinado à reflexão coletiva sobre o papel do profissional, busca elucidar qual a função social inerente ao cargo. No entanto, o estudo antecipa a descoberta de uma possível divergência entre esse significado social e o sentido pessoal atribuído pelos próprios professores interlocutores, tema que será explorado de maneira mais aprofundada no Estudo 2. A análise preliminar indica que a expectativa da Secretaria de Educação de São Paulo é que o professor interlocutor atue como docente na educação de alunos surdos. Entretanto, a pesquisa aponta para a possibilidade de haver uma divergência entre a expectativa da Secretaria de Educação e a prática real.

3. Estudo 2 Sentido Pessoal da Atividade e a Fluência em Libras

O Estudo 2, realizado por meio de entrevistas com 21 professores interlocutores em um município do interior de São Paulo, investiga o sentido pessoal atribuído pelos profissionais à sua atividade. As entrevistas, com roteiro semiestruturado, buscam entender como esses profissionais percebem suas funções dentro do contexto escolar. Os participantes também foram submetidos a uma avaliação de fluência em Libras. Os resultados do Estudo 2 mostram que o significado social identificado no Estudo 1 (ser professor) não é compartilhado por todos os profissionais. A influência das políticas públicas federais leva muitos a se identificarem como intérpretes, criando uma cisão entre o significado social e o sentido pessoal da atividade. Essa divergência é crucial na perspectiva da educação inclusiva, já que a presença de dois professores na mesma sala deveria implicar em trabalho conjunto, o que não acontece na prática, com o professor interlocutor e o aluno surdo muitas vezes excluídos da atividade pedagógica efetiva. A avaliação de fluência em Libras revelou que a maioria dos professores interlocutores não é fluente na língua de sinais, reforçando o conflito de papéis.

4. Conclusões A Necessidade de uma Atuação Docente Consciente

A pesquisa defende a tese de que o professor interlocutor é, acima de tudo, um professor, devendo assumir conscientemente a atividade de ensino do aluno surdo para promover seu desenvolvimento pleno. A atividade pedagógica, por sua natureza coletiva, exige a colaboração entre o professor regente e o professor interlocutor na organização do ensino para todos os estudantes, tanto surdos quanto ouvintes. A pesquisa ressalta a contradição entre as políticas estaduais de São Paulo e as federais, influenciando a percepção de função pelos professores interlocutores. Enquanto a Secretaria de Educação espera que assumam função docente, a influência das políticas federais que enfatizam intérpretes de Libras leva muitos a se enxergarem prioritariamente nessa função. A falta de fluência em Libras em muitos professores interlocutores, comprovada pela avaliação linguística, agrava essa problemática. A pesquisa aponta para a necessidade de revisão das políticas estaduais e da formação docente, buscando integrar a perspectiva inclusiva com a necessidade de atendimento bilíngue para garantir a efetiva aprendizagem dos alunos surdos.

II.O Significado Social e o Sentido Pessoal da Atividade do Professor Interlocutor

A análise dos dados revela uma cisão entre o significado social da atividade (ser professor) e o sentido pessoal que os professores interlocutores atribuem a ela (atuar como intérprete de Libras). A influência das políticas federais, que defendem a educação bilíngue e a presença de professores bilíngues e intérpretes de Libras, cria essa discrepância. A maioria dos professores interlocutores entrevistados não demonstra fluência suficiente em Libras, exacerbando o problema. A pesquisa aponta para a necessidade de o professor interlocutor assumir sua função docente na educação de surdos, promovendo o desenvolvimento pleno dos alunos, em contraste com a realidade de atuação como um intérprete subordinado ao professor regente.

1. A Dissonância entre Significado Social e Sentido Pessoal

A pesquisa revela uma divergência central entre o significado social da função do professor interlocutor e o sentido pessoal que os profissionais atribuem a ela. Enquanto o significado social, inferido a partir da análise de um vídeo da Secretaria de Educação, aponta para a função docente como primordial, o sentido pessoal dos professores interlocutores, conforme entrevistas realizadas no Estudo 2, demonstra uma percepção diferente. Influenciados pelas políticas públicas federais que enfatizam a presença de intérpretes de Libras para alunos surdos no ensino regular, muitos professores interlocutores entendem sua função prioritariamente como a de interpretação, mesmo sem dominar plenamente a Libras. Essa discrepância resulta numa cisão entre a expectativa da Secretaria de Educação e a realidade da prática docente. A pesquisa destaca como a influência das políticas federais afeta a autopercepção dos professores interlocutores, levando-os a se identificarem mais com o papel de intérpretes do que com o de professores, mesmo quando a Secretaria de Educação espera que atuem como docentes na educação do aluno surdo. A consequência é uma prática pedagógica comprometida, devido à falta de clareza sobre as responsabilidades e o objetivo principal da função do professor interlocutor na educação de surdos.

2. Implicações na Educação Inclusiva e na Prática Pedagógica

A divergência entre o significado social e o sentido pessoal da atividade do professor interlocutor impacta diretamente a prática pedagógica e a efetividade da educação inclusiva. A expectativa seria de uma atuação conjunta entre o professor regente e o professor interlocutor, promovendo uma atividade pedagógica integrada e que atenda às necessidades específicas do aluno surdo. Contudo, a realidade observada é de subordinação, com o professor interlocutor muitas vezes relegado a um papel secundário e o aluno surdo marginalizado no processo de ensino-aprendizagem. Essa dinâmica prejudica o desenvolvimento linguístico e a plena participação do aluno surdo nas atividades escolares. A ausência de uma atuação docente mais efetiva por parte do professor interlocutor, associada à falta de fluência em Libras na maioria dos casos, cria uma barreira significativa para a inclusão efetiva e a promoção de uma educação bilíngue de qualidade. A pesquisa evidencia a necessidade de uma mudança de paradigma, promovendo uma parceria entre os professores e garantindo a participação ativa do aluno surdo em todas as etapas do processo educativo.

3. A Necessidade de Fluência em Libras e Formação Docente

A pesquisa destaca a importância da fluência em Libras e de uma formação docente adequada para os professores interlocutores. A avaliação linguística realizada com os participantes do Estudo 2 revelou que a maioria não possuía a fluência necessária em Libras para desempenhar efetivamente as tarefas de um intérprete ou professor bilíngue. Essa deficiência linguística compromete a comunicação com o aluno surdo e, consequentemente, sua aprendizagem. A pesquisa chama atenção para a necessidade de uma formação docente mais específica e abrangente, que prepare os professores interlocutores para a função docente no contexto da educação de surdos, incluindo o domínio da Libras e o desenvolvimento de metodologias de ensino apropriadas para os alunos surdos, garantindo o acesso aos conteúdos curriculares. A ausência desta formação adequada contribui para a percepção distorcida do papel do professor interlocutor, reforçando a ideia de que a função se limita à interpretação, em detrimento de uma atuação docente completa e eficaz. A pesquisa sublinha que a formação deve contemplar não apenas a fluência em Libras, mas também o desenvolvimento de competências pedagógicas específicas para a educação de surdos.

III.Políticas Públicas e a Educação de Surdos Contradições entre Níveis Federal e Estadual

A pesquisa destaca a discrepância entre as diretrizes federais e as políticas estaduais de São Paulo. O nível federal, por meio do Decreto 5.626/2005 e outros documentos, propõe a educação bilíngue, com ênfase na Libras como primeira língua e professores bilíngues, além da presença de intérpretes. Em contraponto, a rede estadual de São Paulo prioriza a inclusão escolar, com os alunos surdos integrados às turmas regulares, sem o devido suporte linguístico e pedagógico consistente para garantir o desenvolvimento linguístico do aluno surdo. A pesquisa analisa como essas políticas conflitantes impactam a função e a atuação dos professores interlocutores, resultando em uma prática pedagógica ineficiente.

1. Políticas Federais Ênfase na Educação Bilíngue

As políticas públicas federais para a educação de surdos, como o Decreto 5.626/2005 e a proposta do AEE – Pessoa com Surdez (BRASIL, 2007b), defendem a educação bilíngue como modelo ideal. Essa abordagem prioriza a Libras como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua, reconhecendo a importância da Língua Brasileira de Sinais para o desenvolvimento linguístico e cognitivo dos alunos surdos. O Decreto 5.626/2005 prevê a oferta de educação bilíngue em escolas bilíngues ou em classes bilíngues dentro de escolas regulares, enfatizando a necessidade de professores bilíngues que atuem sem a necessidade de intérpretes, principalmente nos anos iniciais do ensino fundamental. A proposta do AEE sugere que o ensino de português como segunda língua ocorra em horários diferenciados das aulas regulares. Essas políticas federais demonstram um entendimento da necessidade de uma abordagem que respeite a cultura surda e promova o acesso ao currículo escolar em Libras, com o português sendo ensinado como segunda língua, utilizando metodologias específicas para essa realidade, diferenciadas do ensino de português para ouvintes. A pesquisa demonstra a intenção do governo federal em promover o acesso dos alunos surdos ao currículo escolar em sua língua de origem (Libras), e o aprendizado do português como segunda língua em um processo pedagógico adequado.

2. Políticas Estaduais de São Paulo A Perspectiva da Inclusão Escolar

Em contraponto às políticas federais, a rede estadual de ensino de São Paulo apresenta uma abordagem diferente, priorizando a inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais em classes comuns. Segundo a Resolução n. 11 (SÃO PAULO, 2008), a inclusão, permanência, progressão e sucesso escolar em classes comuns são consideradas a alternativa mais eficaz. Essa perspectiva, embora aparentemente inclusiva, demonstra uma falta de atenção às necessidades linguísticas específicas dos alunos surdos. A resolução prioriza a inserção em salas de aula regulares, sem garantir recursos adequados para o desenvolvimento linguístico em Libras ou o aprendizado do português como segunda língua. O tempo de atendimento especializado é limitado a no máximo duas horas-aula, duas ou três vezes por semana, em contraponto às necessidades diárias de atendimento educacional especializado no contraturno, conforme o MEC. A pesquisa destaca a falta de recursos e de um planejamento específico para a inclusão de alunos surdos nas classes regulares, mostrando como a política estadual de inclusão, na prática, pode resultar em exclusão linguística e pedagógica. A ausência de horários diferenciados para atendimento especializado em Libras e a falta de professores bilíngues comprometem o acesso do aluno surdo ao currículo, gerando uma situação de desigualdade no processo educacional.

3. Contradições e Consequências na Prática

A pesquisa evidencia as contradições entre as políticas públicas federais e estaduais, que geram impactos diretos na atuação do professor interlocutor e na educação de surdos em São Paulo. A ausência de clareza na legislação estadual sobre a função do professor interlocutor, combinada com a influência das políticas federais de educação bilíngue, cria uma situação ambígua. Enquanto a Secretaria da Educação de São Paulo espera que o professor interlocutor assuma um papel docente, a realidade é marcada por uma interpretação baseada na presença de intérpretes de Libras nas políticas federais. Essa ambiguidade resulta numa prática pedagógica fragmentada, onde o professor interlocutor frequentemente não consegue exercer sua função docente plenamente devido à falta de recursos e ao conflito entre as orientações federais e estaduais. A falta de fluência em Libras em muitos desses professores, além da ausência de horários e recursos específicos para o desenvolvimento linguístico dos alunos surdos, demonstra a ineficácia da política de inclusão praticada na rede estadual paulista, em contraste com os objetivos da educação bilíngue defendidos pelo governo federal. A pesquisa conclui que a falta de consonância entre esses níveis de governo compromete a educação de surdos, necessitando-se de uma revisão profunda nas políticas públicas e na formação docente para que a inclusão se torne realmente efetiva.

IV.A Prática Pedagógica e a Necessidade de Uma Abordagem Coletiva

A pesquisa argumenta que a atividade pedagógica deve ser coletiva, envolvendo o professor regente e o professor interlocutor em conjunto para o desenvolvimento do aluno surdo. A situação atual, no entanto, apresenta uma relação de subordinação, excluindo tanto o professor interlocutor quanto o aluno surdo do processo pedagógico completo. A pesquisa defende a necessidade de uma abordagem consciente, considerando as necessidades específicas do aluno surdo, que inclua o desenvolvimento da Libras e a aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua, em vez da atuação fragmentada atual.

1. A Prática Atual Subordinação e Exclusão

A pesquisa revela que a prática pedagógica atual na educação de surdos, no contexto da rede estadual de São Paulo, não reflete a idealizada abordagem coletiva. Apesar da presença de dois professores na sala de aula – o professor regente e o professor interlocutor – a dinâmica observada é de subordinação, e não de colaboração. O professor regente assume o controle principal da atividade de ensino, relegando o professor interlocutor e o aluno surdo a posições periféricas. As atividades de estudo do aluno surdo, muitas vezes, são planejadas e organizadas pelo professor interlocutor, mas este não se sente investido da autoridade para efetivamente exercer sua função docente, resultando em uma dupla exclusão. A pesquisa questiona por que, se há dois professores em sala de aula, a intenção de trabalho conjunto não se concretiza. A conclusão é que, na lógica atual, as atividades docentes são ditadas pelo professor regente, a quem o professor interlocutor está subordinado, resultando numa marginalização do aluno surdo e do próprio professor interlocutor no processo de ensino e aprendizagem.

2. Contradição entre Inclusão e Abordagem Bilíngue

A prática pedagógica observada demonstra uma contradição fundamental entre a perspectiva inclusiva defendida pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e o modelo bilíngue preconizado pelas políticas federais para a educação de surdos. A rede estadual prioriza a inclusão do aluno surdo em classes comuns, sem garantir os recursos necessários para o seu pleno desenvolvimento linguístico e pedagógico. Em contraponto, as políticas federais, como o Decreto 5.626 (BRASIL, 2005) e a proposta do AEE – Pessoa com Surdez (BRASIL, 2007b), defendem a educação bilíngue, o que implica num ensino em Libras e a aprendizagem da língua portuguesa como segunda língua. Essa divergência se reflete na prática com a supressão da função docente do professor interlocutor, mesmo que esse profissional seja o único bilíngue disponível em muitas escolas. A falta de horários específicos para o atendimento bilíngue e a ausência de professores bilíngues comprometem seriamente a aprendizagem do aluno surdo. A pesquisa aponta para a necessidade de uma mudança de paradigma, a fim de conciliar a inclusão com o atendimento às necessidades linguísticas do aluno surdo.

3. A Atividade Pedagógica como Processo Consciente e Coletivo

A pesquisa defende a necessidade de uma atividade pedagógica consciente e coletiva, envolvendo ativamente o professor regente, o professor interlocutor, e o aluno surdo. Bernardes (2009) argumenta que a atividade de ensino, realizada conscientemente e com a finalidade de humanização dos estudantes, determina seus meios e operações. A pesquisa constata que, na prática, a atividade não é consciente, com os professores interlocutores assumindo o planejamento e a organização das atividades, mas sem o reconhecimento de sua função docente. Essa falta de clareza sobre os papéis contribui para a marginalização do aluno surdo e do professor interlocutor. Para que a inclusão seja efetiva, a atividade pedagógica deve ser um processo coletivo, consciente e com a finalidade de promover o desenvolvimento pleno dos sujeitos envolvidos. A pesquisa destaca a importância de superar as perspectivas antagônicas entre inclusão e educação bilíngue, enfatizando a necessidade de ambientes bilíngues com organização do ensino planejada coletivamente e consciente de suas finalidades, para garantir o acesso dos estudantes surdos ao currículo escolar completo.

V.Formação Docente e o Papel do Professor Interlocutor

A pesquisa também aborda a formação dos professores interlocutores, destacando a necessidade de uma formação adequada para exercer a função docente na educação de surdos. A análise de documentos da Secretaria de Educação de São Paulo mostra inconsistências e a falta de clareza sobre a formação necessária. A pesquisa indica a falta de verificação da fluência em Libras como requisito para a contratação de profissionais do AEE ou SAPE, impactando a qualidade da educação inclusiva na rede estadual. Há pouca ou nenhuma menção a professores bilíngues conforme as diretrizes federais.

1. Formação e Requisitos para Professores Interlocutores Discrepâncias entre a Expectativa e a Realidade

A pesquisa analisa os requisitos de formação para professores interlocutores na rede estadual de São Paulo, apontando discrepâncias entre a expectativa da Secretaria de Educação e a realidade da formação dos profissionais contratados. A Secretaria prioriza a licenciatura plena em Pedagogia, em detrimento de cursos em Letras-Libras, aproximando o perfil do professor alfabetizador de ouvintes e distanciando-o do professor bilíngue ou intérprete de Libras. Documentos analisados (SÃO PAULO, 2009a; 2009c) enfatizam a função docente do professor interlocutor, mas não há exigência explícita de fluência em Libras ou competência para o ensino de português como segunda língua. Essa falta de clareza nos documentos oficiais contribui para a situação onde muitos professores interlocutores se veem principalmente como intérpretes, influenciados pelas políticas federais, mesmo sem a fluência necessária em Libras. A pesquisa evidencia que a formação docente atual não prepara adequadamente os professores interlocutores para o exercício pleno de suas funções, impactando negativamente a qualidade do processo de ensino-aprendizagem dos alunos surdos. A ausência de critérios claros para a fluência em Libras, tanto na formação quanto na contratação, demonstra a necessidade de uma revisão profunda nos processos de seleção e capacitação.

2. A Necessidade de Formação Bilíngue e o Contexto do Atendimento Educacional Especializado AEE

A pesquisa destaca a importância de uma formação bilíngüe para os professores interlocutores, considerando a necessidade de domínio tanto da Libras quanto da língua portuguesa para atender às necessidades específicas dos alunos surdos. A comparação entre a atuação do professor interlocutor e o professor especializado do Atendimento Educacional Especializado (AEE) revela a insuficiência da formação atual. A contratação de professores especializados, via SAPE (Serviço de Apoio Pedagógico Especializado), também não garante a fluência em Libras ou a competência para o ensino de português como segunda língua. A pesquisa argumenta que a ausência de uma formação consistente afeta a qualidade do atendimento, principalmente em escolas que não dispõem de salas de recursos, deixando o professor interlocutor como a única figura bilíngue, mesmo sem a qualificação adequada para tal papel. A falta de profissionais com domínio da Libras e das metodologias pedagógicas apropriadas para a educação bilíngue, combinada à estrutura do SAPE que não prioriza a verificação da fluência em Libras, cria um ciclo vicioso que perpetua a problemática da exclusão do aluno surdo do processo de ensino-aprendizagem. O ideal seria a formação de professores bilíngues, como preconizado pelo MEC, em oposição ao modelo atual.

3. Formação em Exercício e a Consciência do Lugar Social do Educador

A pesquisa aborda a formação em exercício como um elemento fundamental para o desenvolvimento da consciência profissional do professor interlocutor. Ao assumir a posição de estudante, o educador se apropria dos conteúdos da sua atividade principal, o ensino-aprendizagem. A constituição da consciência do lugar social do educador acontece na coletividade, no trabalho conjunto na escola e no estudo compartilhado. Para que o professor interlocutor atue de forma plena e consciente de sua função, a formação deve ser contínua e integrada a um processo coletivo na escola, que promova a reflexão crítica sobre o papel do educador na sociedade e no contexto específico da educação de surdos. A análise dos documentos da Secretaria de Educação de São Paulo e dos depoimentos dos professores interlocutores demonstra a necessidade de uma formação que integre os aspectos pedagógicos e linguísticos, a fim de que esses profissionais possam assumir conscientemente sua função docente e promover o desenvolvimento pleno dos alunos surdos. A formação inicial e contínua deve incluir a reflexão crítica sobre o contexto socioeconômico que afeta a educação dos alunos surdos.