Ensino da história em momento de transição : interpretação da narrativa sobre Ditadura Civil Militar de Gilberto Cotrim nos livros didáticos entre os anos de 1985 a 1995

Ensino de História e Ditadura Militar

Informações do documento

Autor

Valéria Tortelli

instructor Halferd Carlos Ribeiro Júnior, Prof. Dr.
Escola

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

Curso História
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Erechim, RS
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 2.45 MB

Resumo

I.Análise da Narrativa de Gilberto Cotrim sobre a Ditadura Civil Militar em Livros Didáticos 1985 1995

Este trabalho analisa a interpretação historiográfica de Gilberto Cotrim sobre a Ditadura Civil Militar (1964-1985) em seus livros didáticos de História do Brasil, publicados entre 1985 e 1995. O estudo investiga a fundamentação teórica da narrativa de Cotrim, focando na influência do Marxismo e do materialismo histórico em sua abordagem. A pesquisa compara dois livros didáticos específicos: "História do Brasil para uma geração consciente" (1991) e "História e Reflexão" (1995), observando a evolução da crítica à ditadura ao longo do tempo. Um ponto central é a análise dos silêncios e das revelações presentes na narrativa de Cotrim, em relação a temas polêmicos como torturas, assassinatos, e repressão, e como a proximidade com o fim do regime influenciou sua abordagem. O autor, Gilberto Cotrim, um renomado produtor de livros didáticos no Brasil, é analisado como agente na construção da memória histórica nacional, considerando o papel dos livros didáticos na formação cidadã. A pesquisa busca entender como a transição da ditadura para a redemocratização impactou a narrativa histórica nos materiais didáticos e a construção de um cidadão ativo e reflexivo.

1. Introdução à Pesquisa e Metodologia

A pesquisa analisa a interpretação da Ditadura Civil Militar (1964-1985) nos livros didáticos de História de Gilberto Cotrim, publicados entre 1985 e 1995. O foco principal é a narrativa histórica presente em "História do Brasil para uma geração consciente" (1991) e "História e Reflexão" (1995). A metodologia envolve revisão bibliográfica e análise da narrativa dos livros, buscando identificar a fundamentação teórica da construção da narrativa de Cotrim e sua interpretação historiográfica do tema. Um dos objetivos é compreender como a transição do regime militar para a democracia influenciou a representação da ditadura nos livros didáticos. A pesquisa busca entender se a narrativa de Cotrim demonstra uma manutenção da ordem estabelecida ou se apresenta uma construção crítica do saber histórico, considerando a influência do marxismo, que era uma corrente teórica bastante difundida na época da redemocratização. A subjetividade na escrita da história e o papel do autor como agente na construção da memória histórica são também pontos relevantes da análise.

2. Análise da Narrativa em História do Brasil para uma geração consciente 1991

A análise do livro de 1991 revela uma abordagem sutil da Ditadura Militar, com silenciamentos sobre temas polêmicos como torturas, assassinatos e repressão. A proximidade temporal entre o fim do regime (1985) e a publicação do livro (1991) é apontada como uma possível justificativa para esses silêncios, pois o país ainda sentia os efeitos da censura e da repressão. Apesar disso, a narrativa apresenta uma imagem que sugere uma crítica ao regime, simbolizada por uma imagem de “luz no fim do túnel”, representando a reabertura política. Cotrim destaca as conquistas na modernização do país durante o governo militar, em setores como infraestrutura, energia, transporte e comunicação (Hidroelétricas, Embraer, Embratel), mas contrapõe isso com a descrição dos problemas sociais persistentes, como concentração de terras, educação precária, analfabetismo, dominação do capital estrangeiro e inflação. A fundamentação teórica marxista é percebida na análise econômica do período e na apresentação da divisão socioeconômica do mundo.

3. Análise da Narrativa em História e Reflexão 1995

Em contraste com o livro de 1991, a edição de 1995 apresenta uma crítica mais contundente à Ditadura Militar, quebrando os silêncios e abordando diretamente temas antes evitados. A distância temporal maior entre o fim do regime e a publicação permite uma análise mais livre e crítica. Cotrim denuncia os abusos de poder dos militares, utilizando termos fortes como “campeão do poder ditatorial e da violência repressiva”. A narrativa descreve os problemas sociais do Brasil durante o período, como o “milagre econômico”, a dívida externa, a inflação, o desemprego, a concentração de renda e a educação precária. Apesar de reconhecer alguns pontos positivos em setores como transporte, energia e comunicação, a ênfase recai sobre as injustiças e os impactos negativos do regime. A influência marxista se manifesta na crítica ao sistema capitalista, à exploração e à desigualdade social, com a utilização de conceitos como a divisão entre ricos e pobres, exploradores e explorados, burguesia e proletariado.

4. Gilberto Cotrim O Autor e a Construção da Memória Histórica

A pesquisa contextualiza o papel de Gilberto Cotrim como autor de livros didáticos e agente na construção da memória histórica. A ampla distribuição de suas obras nas escolas públicas brasileiras reforça sua influência na formação das novas gerações. A análise de sua narrativa considera a influência do marxismo e a evolução de sua crítica ao período da ditadura, refletindo o contexto de redemocratização do país e a busca por uma nova pedagogia histórica, mais crítica e participativa. O estudo observa a relação entre a ocorrência dos fatos e a produção da narrativa, demonstrando como a proximidade temporal com os eventos da ditadura influencia a abordagem do tema nos livros didáticos. A análise evidencia a construção da narrativa histórica como um processo subjetivo, influenciado por ideologias e concepções do autor, em um contexto de transição entre a historiografia tradicional e uma nova historiografia crítica, com forte influência marxista.

II.O Ensino de História durante a Ditadura e a Redemocratização

O estudo contextualiza o ensino de História no Brasil durante a Ditadura Civil Militar e o período de redemocratização (1985-1995). Analisa-se como a legislação educacional, como a LDB de 1971, influenciou o currículo escolar, restringindo o conteúdo e a atuação docente. A pesquisa destaca a redução da carga horária de História e a imposição ideológica do regime, incluindo matérias como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira. A chegada dos anos 80 e a reabertura política trazem mudanças significativas: a extinção de disciplinas como EMC e OSPB, a separação de Estudos Sociais em História e Geografia, e a crescente influência da pedagogia histórico-crítica e do pensamento marxista no ensino da História. Isso resultou em uma nova historiografia, mais crítica e voltada para a formação de um cidadão consciente.

1. O Ensino de História durante a Ditadura Civil Militar 1964 1985

O período da Ditadura Civil Militar (1964-1985) marcou profundamente o ensino de História no Brasil. A educação foi permeada por aspectos políticos, sofrendo impactos com as mudanças de governo. A legislação educacional, como a LDB de 1971 (que sucedeu a de 1961 e as reformas universitárias de 1968), visava um controle ideológico, direcionando o ensino para a manutenção da ordem estabelecida. Rodrigues (2012) destaca o objetivo da LDB de 1971 em sondar aptidões e iniciar os alunos para o trabalho, de acordo com as necessidades do mercado. A inclusão de matérias como Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira, a partir de 1968-1971, vinculou o ensino da História à moral e ao dever cívico, mas também resultou em carga horária reduzida e em um ensino de história menos relevante (Fonseca, 2003). O regime militar buscou um controle ideológico amplo, restringindo a formação e atuação de professores, adequando o ensino da História à uma abordagem tradicional, influenciando a população a aceitar as medidas econômicas e políticas impostas. Fonseca (1995) descreve a intenção do governo em evitar questionamentos e manter o poder da população restrito.

2. A Transformação do Ensino de História na Redemocratização 1985 1995

A década de 1980 e a redemocratização trouxeram mudanças significativas para o sistema de ensino e para o ensino de História. Horn e Germinari (2010) apontam o surgimento e a afirmação da pedagogia histórico-crítica, que se tornou um fator decisivo na reconceptualização do saber escolar, principalmente no contexto social, político e econômico da sociedade brasileira. Mudanças curriculares em estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná separaram Estudos Sociais em História e Geografia, permitindo um estudo mais aprofundado. Outras transformações incluíram a extinção de disciplinas como Educação Moral e Cívica (EMC), Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Estudos dos Problemas Brasileiros (EPB), além dos cursos de Licenciatura Curta em Estudos Sociais (Fonseca e Silva, 2010). A partir de 1994, iniciou-se a avaliação sistemática dos livros didáticos. Neste período, o ensino de História passou a exercer um papel de crítica social, atentando para conflitos e diferenças, incluindo as de classe. A influência do pensamento marxista foi significativa, considerando o aluno um sujeito da história, que precisa desenvolver consciência histórica-social para atuar nas transformações sociais e políticas (Fonseca, 2003). Silva e Fonseca (2010) descrevem a luta contra a desvalorização da História, currículos fragmentados e a precarização da profissão docente.

III.Análise dos Livros Didáticos de Gilberto Cotrim

A pesquisa centra-se na análise da narrativa presente nos livros didáticos de Gilberto Cotrim, focando na sua interpretação da Ditadura Civil Militar. A análise compara as abordagens em diferentes edições, evidenciando a evolução da crítica ao regime. No livro de 1991, observa-se uma abordagem mais sutil, com silêncios sobre aspectos polêmicos, enquanto a edição de 1995 apresenta uma crítica mais contundente e completa, abordando abertamente temas como repressão e violência. O estudo destaca a influência da teoria marxista na construção da narrativa, identificando conceitos como a luta de classes (burguesia e proletariado) e a crítica ao capitalismo. A escolha de imagens e a linguagem utilizada pelo autor também são analisadas, para compreender como a representação da ditadura e da redemocratização se materializam.

1. Fundamentação Teórica e Interpretação Historiográfica

A análise da narrativa de Gilberto Cotrim nos livros didáticos se concentra em dois pontos principais: a fundamentação teórica que sustenta sua narrativa sobre a Ditadura Civil Militar e sua interpretação historiográfica do tema. A pesquisa busca identificar se a narrativa de Cotrim se alinha a uma manutenção da ordem estabelecida ou se busca uma construção crítica do saber histórico, questionando a historiografia tradicional e investigando a possível influência de correntes teóricas como o marxismo, bastante presente no debate historiográfico da época da redemocratização. O estudo examina se a narrativa histórica é pautada pelos valores de uma classe dominante e do positivismo, ou se já apresenta elementos de uma nova historiografia, mais crítica e voltada para a formação cidadã. A influência do pensamento marxista é analisada, considerando conceitos como infraestrutura, materialismo histórico e dialético, a luta de classes (burguesia e proletariado), e a crítica ao capitalismo.

2. Comparação entre as Narrativas de 1991 e 1995

O trabalho compara a abordagem da Ditadura Civil Militar em dois livros didáticos de Gilberto Cotrim: "História do Brasil para uma geração consciente" (1991) e "História e Reflexão" (1995). A análise busca identificar as diferenças na interpretação e na profundidade da crítica ao regime em cada obra. O livro de 1991, publicado poucos anos após o fim da ditadura, apresenta uma abordagem mais sutil, com silêncios sobre temas polêmicos como torturas, assassinatos e repressão. Já o livro de 1995, dez anos após a reabertura política, apresenta uma crítica mais contundente, abordando abertamente os aspectos repressores do regime. A mudança de abordagem é analisada considerando a distância temporal entre os eventos e a produção da narrativa, sugerindo que a proximidade com o fim do regime, em 1991, pode ter influenciado a omissão de detalhes polêmicos. Em 1995, a narrativa se torna mais direta e reflexiva, muitas vezes em tons de denúncia, e já mais livre da censura.

3. Aspectos da Narrativa e a Influência Marxista

A análise da narrativa de Cotrim identifica a influência do marxismo em diversos pontos. A abordagem apresenta um viés político e econômico, com uma divisão socioeconômica do mundo entre ricos e pobres, exploradores e explorados, burguesia e proletariado. Cotrim cita e utiliza autores com a mesma base teórica marxista, aprofundando o estudo dessa perspectiva. A análise considera a linguagem e as escolhas imagéticas do autor, como a imagem ilustrativa de 1991 que representa a reabertura política, simbolizando uma crítica ao regime e a esperança na volta da democracia. O livro de 1995 é descrito como diferente por abordar temas até então não abordados e por apresentar uma descrição mais completa e direta dos anos de 1964 a 1985. A análise investiga se a narrativa de Cotrim se mantém dentro de uma manutenção da ordem estabelecida ou se apresenta alguma limitação para uma construção crítica do saber, considerando os valores de uma classe dominante e a influência do positivismo versus uma nova historiografia.

IV.Considerações Finais

A conclusão destaca a consonância da narrativa de Gilberto Cotrim com a nova proposta pedagógica do ensino de História no período pós-ditadura. A análise demonstra a preocupação de Cotrim com a formação de um cidadão crítico e reflexivo, influenciada pelo Marxismo. A evolução da sua narrativa, de uma abordagem mais contida em 1991 para uma crítica mais direta e contundente em 1995, reflete a mudança do contexto político e a superação da censura, permitindo uma abordagem mais completa e honesta dos eventos da Ditadura Civil Militar nos livros didáticos.

1. Consonância com a Nova Pedagogia Histórica

A análise final conclui que a narrativa de Gilberto Cotrim em seus livros didáticos, publicados entre 1985 e 1995, estava em consonância com a nova proposta pedagógica do ensino de História que se configurava nesse período. A preocupação com a formação de um novo cidadão ativo e reflexivo, necessidade que surgiu no momento histórico de redemocratização do país, é um ponto central dessa nova pedagogia. A análise de sua narrativa revela uma preocupação em ultrapassar a historiografia tradicional, buscando uma construção crítica do saber histórico, em contraponto a uma possível manutenção da ordem estabelecida pela ditadura. O estudo destaca a influência marcante do pensamento marxista na fundamentação teórica, proporcionando uma interpretação da história que questiona o sistema capitalista e busca uma compreensão mais crítica e aprofundada dos eventos históricos.

2. Evolução da Narrativa e a Superação da Censura

A pesquisa destaca a evolução da narrativa de Cotrim ao longo do período analisado. O estudo compara a abordagem da Ditadura Civil Militar presente em livros publicados em momentos distintos: 1991 e 1995. A análise demonstra uma mudança significativa, passando de uma abordagem mais sutil e com silêncios sobre aspectos polêmicos em 1991 (provavelmente influenciada pela proximidade temporal com o fim do regime e a persistência de certos resquícios da censura) para uma crítica mais contundente e direta em 1995. Esta mudança evidencia a superação gradativa da censura e a maior liberdade de expressão no contexto da redemocratização. A análise observa como a construção da narrativa histórica é influenciada pela subjetividade do autor, suas ideologias e a época em que escreve, mas também como o contexto social e político do momento afeta a sua representação da história.

3. Formação Cidadã e a Influência Marxista

Em resumo, a análise da narrativa de Gilberto Cotrim em seus livros didáticos revela uma preocupação com a formação de um novo cidadão, ativo e reflexivo, alinhada à pedagogia histórica que se consolidava na redemocratização brasileira. A forte influência do marxismo, tanto na fundamentação teórica quanto na construção da narrativa, é evidente, influenciando a interpretação dos eventos históricos, principalmente no que se refere à análise política e econômica do período. A pesquisa conclui que a evolução da narrativa de Cotrim, demonstra a transição de um período de restrições à liberdade de expressão para um contexto mais democrático e aberto ao debate, permitindo uma abordagem mais completa e crítica da Ditadura Civil Militar nos livros didáticos.