
Currículo: Cartografia Conceitual
Informações do documento
Autor | Lou Guimarães Leão Caffagni |
Escola | Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo |
Curso | Educação |
Tipo de documento | Tese |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 5.06 MB |
Resumo
I.A Filosofia da Diferença de Deleuze e Guattari na Pesquisa em Educação Uma Cartografia Conceitual
Este estudo cartografa a influência da filosofia da diferença de Deleuze e Guattari na pesquisa em educação, focando principalmente na teoria do currículo. A pesquisa analisa como conceitos-chave como multiplicidade, rizoma, e plano de imanência são apropriados e reinterpretados em trabalhos acadêmicos brasileiros. Autores como Sueli Rolnik e sua obra seminal, Micropolítica: Cartografias do desejo, são analisados como ponto de partida dessa influência no Brasil. A pesquisa também investiga a relação entre a filosofia de Deleuze e Guattari e autores como Foucault, Spinoza, Nietzsche e Marx, identificando convergências e divergências conceituais. A metodologia cartográfica, inspirada em Deleuze e Guattari, é empregada para mapear as linhas de força e as conexões conceituais neste campo de estudo.
1. A Introdução da Filosofia da Diferença no Contexto Brasileiro
Esta seção discute a chegada da filosofia da diferença de Deleuze e Guattari ao Brasil, destacando o papel fundamental da obra Micropolítica: Cartografias do desejo, escrita por Sueli Rolnik em parceria com Félix Guattari. Publicada em 1986, durante o período de redemocratização, a obra resultou de diversas viagens de Guattari ao Brasil entre 1982 e 1986, e retrata debates com membros de várias instituições sociais (universidades, partidos políticos, sindicatos, movimentos de homossexuais e feministas, etc.). A publicação de Micropolítica marca um ponto de inflexão, influenciando a pesquisa em psicologia social e servindo como um trampolim para a ampla disseminação da filosofia da diferença e o método cartográfico no país. O texto destaca também a trajetória de publicações de obras de Deleuze e Guattari no Brasil, mencionando as traduções de Anti-Édipo (1976), Kafka, para uma literatura menor (1977), e posteriormente, Mil Platôs pela Editora 34, ressaltando os desafios e problemas encontrados em algumas das traduções iniciais. A obra de Sueli Rolnik, fortemente influenciada pela filosofia da multiplicidade e por Félix Guattari, é apresentada como um exemplo paradigmático dessa influência duradoura.
2. A Ausência de uma Teoria da Educação em Deleuze e Guattari e a Razão de seu Estudo no Campo Educacional
Apesar de Deleuze e Guattari não terem produzido obras dedicadas especificamente à educação, o texto argumenta que seu pensamento oferece contribuições significativas para o campo educacional. A ausência de uma teoria da educação sistematizada não impede a relevância de seus conceitos para educadores, como aponta Sílvio Gallo, que sugere que o inusitado e imprevisto em suas ideias força a reflexão e a problematização de novos desafios. O texto compara a influência de Deleuze e Guattari com a de Marx e Gramsci, ambos com impacto considerável na educação sem obras específicas sobre o tema. A pesquisa ressalta a capacidade de alguns pensadores, ao se instalarem em um terreno filosófico específico, de gerar transformações nas práticas concretas e discursos acadêmicos, utilizando o exemplo de Vygotsky e sua influência, mesmo durante a Guerra Fria, como prova desta afirmação. A influência da filosofia da multiplicidade nos meios acadêmicos brasileiros é considerada, mas é apontado que a influência de Deleuze e Guattari nos estudos sobre educação é predominantemente teórica e crítica, com esforços em direção a uma análise construtivista diferente do construtivismo piagetiano.
3. O Método Cartográfico como Ferramenta de Análise
O estudo justifica o uso da metodologia cartográfica como instrumento de análise. A cartografia, contrária às generalizações, acompanha as linhas que compõem territórios conceituais, traçando novas conexões e explorando a heterogeneidade. Elementos como conectividade, heterogeneidade, problematização, composição, colagem e sobreposição de métodos são destacados como características essenciais dessa abordagem. A definição de cartografia como acompanhamento das linhas de força que compõem agenciamentos singulares, conforme Deleuze e Guattari, e a compreensão dos conceitos como intensidades que percorrem o campo de imanência, são apresentadas como base teórica para o método utilizado. O texto esclarece que, apesar da natureza não convencional da cartografia, as práticas de coleta e análise de dados são similares às de outras pesquisas, incluindo revisão bibliográfica, pesquisa de campo, entrevistas, observações, e análise de diversos tipos de material. O objetivo não é a busca da verdade objetiva, mas sim a produção de um mapa conceitual, um processo mais próximo de 'garatujar' do que de definir linhas precisas, segundo a autora.
4. O Conceito de Conceito em Deleuze e Guattari e sua Relação com Outros Campos do Conhecimento
A seção aprofunda a compreensão do conceito de conceito em Deleuze e Guattari, destacando sua relação com um plano pré-filosófico, a 'Terra', que serve como suporte e espaço constituído pelo acontecimento filosófico. A 'Terra' é descrita como o caos, a realidade sem a morfologia e a gramática impostas pelo homem. O conhecimento é visto como um processo de redução de velocidades de fluxos desterritorializados, seleção de variáveis e recorte de disciplinas dentro de multiplicidades. Conhecer não equivale a representar, a filosofia adiciona uma perspectiva que modifica a totalidade. A análise se estende a outros campos do conhecimento além da filosofia, distinguindo a arte (produção de afectos e perceptos), a ciência (produção de functivos e proposições), e a filosofia (criação de conceitos). O texto menciona a distinção entre doxa e conhecimento verdadeiro, semelhante à de Platão, porém com a característica da multiplicidade e ligação com os corpos sensíveis. Apesar da não-sobredeterminação dos saberes, a filosofia, de acordo com 'O que é filosofia?', detém o papel de traçar a divisão formal entre essas três formas de saber.
II.Conceitos Chave e suas Aplicações no Currículo
A pesquisa identifica a diferença e a multiplicidade como os conceitos deleuzianos mais influentes na teoria curricular. A diferença, presente em aproximadamente 42% dos trabalhos analisados, é aplicada em diversas áreas, incluindo estudos culturais (pensando identidades e culturas positivas), análise da relação entre conhecimento científico e escolar, e discussões filosóficas abstratas. A multiplicidade, presente em 22% dos trabalhos, também é um conceito central, influenciando estudos sobre identidade cultural, abordagens pedagógicas inovadoras e a crítica de modelos curriculares tradicionais. O estudo também explora a complexa relação entre os conceitos de identidade e diferença na construção de currículos, contrastando abordagens que criticam a formação de identidades culturais massivas com outras que as veem positivamente.
III.Crítica e Problematização da Apropriação Deleuze Guattariana no Currículo
A análise critica a tendência de algumas pesquisas em reproduzir dicotomias simplistas (modernidade/pós-modernidade, controle/liberdade) ao se apropriar da filosofia da diferença. O estudo argumenta pela necessidade de uma abordagem mais nuançada que articule os conceitos de desterritorialização e reterritorialização para compreender a complexidade do currículo. Autores como Julio Groppa Aquino são analisados em suas críticas à escrita científica e aos modelos tradicionais de pedagogia. A pesquisa destaca a importância de considerar a disciplina, a razão e a linguagem científica como dimensões inerentes ao fazer educativo, contrapondo-se a visões que defendem uma educação sem prescrições. A obra de Sandra Corazza é examinada como exemplo de uma abordagem que, apesar de inovadora, corre o risco de uma desterritorialização excessiva, confundindo a proposta curricular com a literatura.
1. Limites da Crítica Deleuze Guattariana no Currículo O Risco da Oposição Binária
Esta seção analisa as limitações presentes em algumas pesquisas que utilizam a filosofia de Deleuze e Guattari no campo do currículo. A principal crítica aponta para a utilização de oposições binárias e polarizadas, como a que se estabelece entre controle/modernidade/ciência de um lado e rizoma/liberdade/criação de outro. Essa simplificação leva alguns autores a propor uma educação sem prescrições, baseada na inovação e diferença, negligenciando aspectos fundamentais do fazer educativo como disciplina, razão científica e o valor do conhecimento. A tese central argumenta que, para construir um plano de imanência na educação, é necessário articular as linhas de desterritorialização e reterritorialização, reconhecendo a complexidade e multiplicidade do currículo. A defesa de um currículo baseado apenas na criação e espontaneidade é considerada uma simplificação que não aborda adequadamente a questão da diferença no currículo, pois ignora dimensões cruciais da educação. A análise defende a necessidade de integrar diferentes perspectivas para desenvolver problemas concretos da teoria curricular, superando esquemas binários de pensamento.
2. A Crítica de Julio Groppa Aquino à Escrita Escolar Uma Abordagem Foucaultiana
A seção examina o trabalho de Julio Groppa Aquino, que critica a forma científica e moderna de pensamento, questionando a classificação binária da escrita escolar em gêneros representativos e figurados (literatura/metáfora). Aquino argumenta que a escrita não se reduz à cópia da realidade, expressando uma vontade de potência, e que a linguagem se refere a forças, não a fatos. A função do pesquisador, nesse contexto, seria desconstruir regimes de verdade e mostrar a arbitrariedade do discurso. A proposta de Aquino é criar uma escrita heteróclita que combine diversos suportes expressivos e gêneros linguísticos, como uma forma de resistir à disciplinarização da escrita científica. A análise destaca a força crítica do texto de Aquino, que problematiza o status quo sem propor soluções prontas, oferecendo conceitos como ferramentas para os pesquisadores e professores. A pesquisa questiona a generalização da crítica à representação em toda a linguagem científica e moderna, argumentando que autores como Hume e Kant não se enquadram totalmente nessa caracterização. A matemática, por exemplo, é apontada como um sistema não-representacional que opera através de axiomas e problemas virtuais que se atualizam em múltiplas soluções.
3. A Análise de Sandra Corazza Currículo Louco e o Risco do Nomadismo Generalizado
O trabalho de Sandra Corazza é analisado por sua abordagem poética e desconstrutiva da linguagem acadêmica, utilizando metáforas como 'currículo louco' e 'currículo nômade'. Corazza critica a forma representativa e cientificista, buscando uma desterritorialização absoluta dos termos linguísticos. Sua imagem do currículo como um espaço fora das categorias tradicionais de pensamento, recusando bipartições e vagando entre saberes, é analisada. Embora inovadora, a crítica de Corazza é questionada por sua tendência à generalização, propondo um monismo do pensamento deleuze-guattariano na educação e correndo o risco de confundir a proposta curricular com a literatura. A análise observa que a linguagem poética de Corazza, embora desconstrua formas estabelecidas, apresenta o risco de um nomadismo generalizado que resulta numa educação e currículo desterritorializados e indistinguíveis da literatura. O texto contrapõe o espaço euclidiano ao espaço riemanniano como metáfora para ilustrar a necessidade de um espaço disjuntivo na educação que permita novos devires, indo além de modelos rígidos e restritivos.
4. Antônio Carlos Amorim e a Relação entre Saber Científico e Saber Escolar
Esta seção discute o artigo de Antônio Carlos Amorim, que articula a crítica à representação e à identidade com o ensino de ciências. Amorim analisa uma aula sobre respiração, mostrando como o professor combina diversos recursos pedagógicos, científicos e imagéticos. O autor argumenta pela igualdade entre saber científico e escolar, ambos construções arbitrárias e inexatas do mundo, sem relação de hierarquia ou sobreposição, mas com interação complexa. O saber escolar é considerado uma criação independente, seguindo seus próprios princípios. O currículo, nessa perspectiva, é produto da criação de professores e especialistas em educação. A análise de Amorim enfoca o modo de produção de conhecimento pedagógico e científico pelo professor, com a combinação de referenciais diversos para criar um sentido para o conhecimento escolar, sem necessidade de unidade dogmática. A desvalorização do saber escolar é criticada a partir da noção de razão suplementar de Derrida, e a ideia de que todos os termos são derivados e arbitrários é enfatizada.
IV.A Influência de Foucault e a Abordagem Biopolítica do Currículo
A pesquisa reconhece a forte influência de Foucault nos estudos sobre educação e a relação dessa influência com a apropriação de Deleuze e Guattari. Conceitos como biopolítica, governo, e dispositivo disciplinar são analisados em sua relação com o currículo. O estudo examina como o dispositivo disciplinar se manifesta em práticas curriculares contemporâneas, especialmente na relação com tecnologias digitais e o conceito de 'pedagogia do controle'. A análise contrapõe a pedagogia do controle ao conceito foucaultiano de cuidado de si, propondo uma reflexão crítica sobre os mecanismos de normalização e governo do corpo na escola.
1. A Influência de Foucault na Recepção de Deleuze e Guattari em Estudos Educacionais
Esta seção destaca a importância da influência de Michel Foucault na penetração do pensamento de Deleuze e Guattari no campo da educação. A forte presença de Foucault nos estudos educacionais, com 38 trabalhos o citando dentre 84 sobre o currículo, serviu como um fator determinante para a incorporação de Deleuze e Guattari nesse mesmo campo. A análise aponta para uma longa proximidade entre os três pensadores, notando-se a criação de conceitos próximos: micropolítica e microfísica do poder, discurso e agenciamentos enunciativos, dispositivos e máquinas, diagrama e plano de imanência, governo e controle. A similaridade de referências filosóficas (Nietzsche, Kant, Heidegger, Blanchot, Freud e Marx) também reforça essa convergência. A influência de Foucault sobre a obra de Deleuze é explicitada, com temas como a crítica à representação e ao sujeito, análises filosóficas de obras literárias, e a noção de micropolítica e ética sendo diretamente influenciados por Foucault. A relação entre Foucault e Deleuze é bilateral, com ambos escrevendo sobre o trabalho um do outro, consolidando essa forte interdependência intelectual.
2. Biopolítica e o Dispositivo Curricular A Pedagogia do Controle
A seção aprofunda a análise da biopolítica foucaultiana no contexto curricular, focando em como o dispositivo curricular de normalização e governo do corpo atravessa a escola. A transversalidade de temas como saúde, relações de gênero, ética e meio ambiente nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) é apresentada como exemplo dessa influência. A 'pedagogia do controle', termo utilizado pelos autores, descreve a multiplicação e disseminação dos saberes e práticas voltadas ao corpo, visando à formação de um sujeito flexível e tolerante, mas também moldado para as demandas do mercado. Essa pedagogia, segundo o texto, articula conhecimentos da saúde com tecnologias de governo do eu, visando à capitalização do fator humano e ao crescimento das forças produtivas. O 'fitness', por exemplo, é apresentado como uma das múltiplas linhas de ação desse dispositivo de controle, promovendo a interiorização das disposições de mercado e a formação de um sujeito econômico. A seção ressalta o caráter normalizador desse dispositivo, questionando a possibilidade de escapar a esse controle e a existência de conhecimento não associado ao governo dos corpos.
3. Comparação entre Pedagogia do Controle e o Cuidado de Si em Foucault
Este subtópico compara a 'pedagogia do controle' com o conceito foucaultiano de 'cuidado de si', presente no pensamento helênico e romano. Enquanto a 'pedagogia do controle' é caracterizada pela transmissão de enunciados de cima para baixo, de especialistas para a população, o 'cuidado de si' é analisado como uma relação entre mestre e discípulo, baseada na parrhesía. Neste último, o indivíduo é orientado em um território ético indeterminado, confrontado com problemáticas e participando ativamente na construção de si. Na 'pedagogia do fitness', em contraste, problemas e soluções são preestabelecidos, e os participantes apenas executam técnicas prontas. A principal diferença reside na participação e no direito aos problemas: a pedagogia do fitness apresenta problemas e soluções prontas, enquanto o 'cuidado de si' envolve a proposta de técnicas e exercícios de pensamento que visam à constituição autônoma do indivíduo. A análise conclui que o 'cuidado de si' se opõe ao caráter normalizador da pedagogia do controle, ao se focar na constituição ética autônoma do sujeito.
4. O Dispositivo Disciplinar na Sociedade Digital
A seção analisa a expansão do dispositivo disciplinar na sociedade digital, onde ele extrapola os limites físicos e se dissemina através de aparatos eletrônicos. A vigilância centralizada é substituída por sistemas de segurança conectados, e mecanismos de busca possibilitam um controle inédito sobre a informação. O texto argumenta que, nesse contexto, o desenvolvimento curricular na sociedade digital não se restringe à tecnologia, mas à viabilidade de novos espaços desterritorializados. As novas tecnologias criam novas relações entre saber, poder e subjetividade, e o sujeito se constitui em meio aos imperativos de velocidade e efemeridade da informação, mimetizando as disposições do mercado. Mesmo com as novas tecnologias, as formas curriculares digitais continuam muitas vezes a seguir o modelo disciplinar e burocrático voltado para o controle. Três estratégias de 'normalização e policiamento' da escrita escolar são identificadas: a divisão em gêneros discursivos, a função examinatória da escrita, e a submissão da escrita à leitura.
V.Estudos de Caso e Abordagens Diversas
A pesquisa apresenta estudos de caso que exemplificam diferentes abordagens da filosofia da diferença na teoria curricular. São analisados trabalhos que investigam a construção de currículos em contextos específicos, como a construção de um currículo Xavante, a apropriação da cultura africana em projetos educacionais e a relação entre cultura, currículo e cotidiano em redes de sociabilidade. Autores como Ada Kroef (crítica ao conceito de cultura como ferramenta de dominação), Marco Antonio Barzano (análise crítica da cristalização de um currículo em um projeto de resgate da cultura africana), e Janete de Carvalho (articulação entre multiplicidade, rizoma e teoria do desenvolvimento afetivo da cognição) são considerados. A pesquisa mostra a diversidade de interpretações e aplicações da filosofia de Deleuze e Guattari na educação brasileira.
1. Cultura Identidade e Multiplicidade Abordagens Contrastantes
Esta seção analisa diferentes abordagens sobre cultura, identidade e multiplicidade no currículo, contrastando perspectivas que criticam a formação de identidades culturais massivas com aquelas que as veem de forma positiva. Ada Kroef (2001) critica a cultura como um dispositivo de dominação simbólica, análogo ao capitalismo, extraindo uma segunda mais-valia cultural. Kroef identifica três acepções de cultura: cultura-valor (hierarquia social baseada no acesso à cultura), cultura como alma coletiva (relativizando a noção moderna de cultura), e cultura de massa (bens e objetos semióticos difundidos no mercado). Em contraste, Marco Antonio Barzano (2010) problematiza a cristalização de um currículo em um projeto de resgate da cultura africana, criticando a fixação da identidade cultural. Já Dulce Camargo e Judite Albuquerque (2003) analisam positivamente a construção de uma identidade em devir no currículo Xavante, defendendo um projeto pedagógico específico para cada nação, fruto de negociação entre tradições culturais e a necessidade de apropriação de mecanismos pedagógicos escolares. A análise destaca a variedade de interpretações do conceito de identidade, desde a crítica de sua construção massiva até sua valorização como elemento positivo na construção de currículos específicos.
2. Crueldade no Currículo Uma Perspectiva Artaudiana
A seção explora o conceito de crueldade no currículo, baseando-se na concepção de Antonin Artaud. A crueldade, para Artaud, não se limita ao sadismo e à violência física, mas também ao turbilhão de vida que gera formas e transformações. Marlucy Paraíso e Thiago de Oliveira (2013) argumentam que a crueldade resulta do conflito entre vetores impessoais da vida e o processo de individuação do corpo. A crueldade artaudiana, portanto, possui duas dimensões: a imposição do Ser, condicionando os modos de vida, e um movimento capaz de arrancar a vida de sua forma individual. A teoria de Artaud é aplicada ao currículo para mostrar a inerência dessas duas dimensões no território pedagógico, apontando a necessidade de se reconhecer a tensão entre a imposição de estruturas e o processo de criação e transformação na educação. A análise destaca a importância de entender que a crueldade no currículo não se limita apenas a atos explícitos de violência, mas também aos processos de controle e normatização que podem anular a criatividade e a individualidade.
3. Redes de Sociabilidade Multiplicidade e o Currículo
Esta seção examina a relação entre cultura, currículo e cotidiano através do conceito de rede de sociabilidade. Janete de Carvalho (2013) analisa a produção cultural e as redes de sociabilidade a partir da multiplicidade, enquanto Angela Francisca Caliman Fiorio, Kelen Antunes Lyrio e Carlos Eduardo Ferraço (2012) relacionam o conceito de rede com transversalidade e rizoma. A abordagem enfatiza a interconectividade dos saberes e a importância de trabalhar com a multiplicidade de teorias disponíveis, rompendo fronteiras disciplinares e entendendo as teorias como limites e hipóteses a serem possivelmente negadas. A análise destaca a importância de trabalhar com o cotidiano e reconhecer como os conhecimentos são tecidos em redes ou rizomas, valorizando a criatividade no cotidiano. A citação de Alves e Garcia (2002) reforça a necessidade de assumir os limites teóricos desde o início do trabalho, percebendo-as como hipóteses sujeitas à revisão e negação, seja pelos próprios pesquisadores ou por outros que os sucederem. A abordagem propõe uma postura dinâmica e crítica em relação ao conhecimento, reconhecendo sua natureza provisória e multifacetada.
4. Rizoma Controle e a Escola Nômade Uma Crítica à Visão Binária
A seção final analisa a apropriação do conceito de rizoma e sua oposição ao controle e à arborescência na teoria curricular. A análise critica a tendência a criar oposições binárias simplistas, como a oposição entre a escola da razão e a escola nômade, apontando que essa dicotomização reproduz o mesmo mecanismo classificatório que se pretende criticar. A oposição entre rizoma e controle, presente em Deleuze e Guattari, é considerada válida como operador filosófico, mas não como categoria fixa. O texto argumenta que a simples oposição entre sedentário/nômade, ou razão/nomadismo, não produz uma verdadeira diferença conceitual, pois preestabelece a solução do problema desde o início. A crítica se concentra na tendência de condenar o saber escolar como um elemento privilegiado das práticas de normalização, sem considerar sua complexidade e a possibilidade de diferentes apropriações e transformações.