
Processos Ecológicos em Rios
Informações do documento
Autor | Ferreira, Verónica |
instructor/editor | Maria João Feio |
Escola | Universidade de Coimbra |
subject/major | Ecologia |
Tipo de documento | Capítulo de Livro |
city_where_the_document_was_published | Coimbra |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.36 MB |
Resumo
I.Decomposição de Folhas em Pequenos Ribeiros de Floresta
Este estudo investiga a decomposição de folhas em pequenos ribeiros de floresta, um processo crucial para a ecologia de rios e a manutenção da biodiversidade de rios portugueses. A pesquisa foca-se na Serra do Açor e Serra do Caramulo em Portugal, analisando a influência da vegetação ripária (ex: castanheiros, eucaliptos) na acumulação de detritos (de 204 a 715 g/m²/ano). A taxa de decomposição é afetada por diversos fatores, incluindo a tipologia de folhas (flexibilidade), a estrutura do ribeiro (pedras, troncos), e o caudal. Métodos como o uso de sacos de rede permitem avaliar a decomposição microbiana e a ação de macroinvertebrados aquáticos, com destaque para os fragmentadores (ex: Sericostoma vittatum, Lepidostoma hirtum) e seu consumo de folhas.
1. Importância da Decomposição de Folhas em Ribeiros
A decomposição de folhas em pequenos ribeiros de floresta é um processo ecológico fundamental, influenciando o balanço energético e o ciclo de nutrientes em larga escala. Esses ribeiros, geralmente sombreados pela vegetação ripária, dependem da matéria orgânica proveniente das folhas para grande parte de sua energia e nutrientes, que circulam através da cadeia trófica aquática. A decomposição, um processo complexo com diferentes fases e organismos envolvidos, é sensível a variações ambientais. O estudo enfatiza a importância dos pequenos ribeiros como parte integrante da paisagem, ocupando posições estratégicas nas bacias hidrográficas. A produção de detritos vegetais varia significativamente com a vegetação; por exemplo, em florestas de caducifólias na Serra do Açor a produção anual é estimada em 261 g/m², enquanto nas plantações de eucalipto na Serra do Caramulo é de 204 g/m², e na Mata da Margaraça (Serra do Açor), dominada por castanheiros, chega a 715 g/m². A decomposição das folhas, portanto, representa um processo chave para a saúde e funcionamento destes ecossistemas.
2. Fatores que Influenciam a Retenção e Decomposição de Folhas
A retenção das folhas no leito dos ribeiros é influenciada pelas características das folhas e do próprio ribeiro. Folhas mais flexíveis, como as de amieiro (Alnus glutinosa) e castanheiro (Castanea sativa), são mais facilmente retidas entre pedras e ramos do que folhas mais rígidas, como as de carvalho (Quercus robur) e eucalipto (Eucalyptus globulus). A quantidade de estruturas proeminentes no leito do rio (pedras e troncos) e o caudal também influenciam a retenção; ribeiros com maior número de estruturas e menor caudal retêm as folhas mais facilmente. A maior parte das folhas é retida a poucos metros do ponto de entrada na água; cerca de 50% da massa total das folhas permanece próxima à sua entrada. A acumulação anual de detritos varia consideravelmente: na Serra do Açor, foram registados 669 g/m²; na Ribeira de São João (Serra da Lousã), 6,3 g/m²; e na Mata da Margaraça, 1880 g/m². Já em ribeiros de plantações de eucalipto na Serra do Caramulo, a acumulação é ainda maior, atingindo 3092 g/m², devido à maior entrada de detritos no verão, quando o caudal é menor. O material lenhoso representa mais de 60% da massa dos detritos acumulados, devido à sua lenta decomposição.
3. Metodologia de Estudo da Decomposição Método dos Sacos de Rede
O estudo da decomposição de detritos vegetais em ribeiros iniciou-se na década de 1960, com o uso de sacos de rede, um método adaptado de estudos terrestres. Em Portugal, o primeiro estudo deste tipo data de 1992. O método utiliza sacos de malha fina (≤ 0,5 mm) para avaliar a decomposição induzida pela comunidade microbiana (impedindo a entrada de macroinvertebrados) e sacos de malha grossa (> 0,5 mm) para avaliar a decomposição conjunta da comunidade microbiana e dos macroinvertebrados. Após um período de incubação, os sacos são recuperados, os detritos são secos e pesados para determinar a massa remanescente. A percentagem de massa remanescente (%Mr = Mr/Mi × 100, onde Mr é a massa remanescente e Mi a massa inicial) e o tempo de incubação são usados para estimar a taxa de decomposição. Geralmente, assume-se um modelo exponencial negativo, mas em casos de decomposição lenta, um modelo linear pode ser mais adequado. A escolha do modelo depende do tempo de incubação e da proporção de compostos recalcitrantes presentes nos detritos.
II.Influência de Fatores Ambientais na Decomposição
A decomposição microbiana, principalmente por fungos aquáticos (hifomicetes), desempenha um papel fundamental. A atividade microbiana é influenciada pela concentração de nutrientes na água (nitrogênio, fósforo). Experimentos de fertilização na Ribeira do Candal (Serra da Lousã) demonstram que o aumento de nutrientes estimula a atividade dos decompositores e a taxa de decomposição. Entretanto, níveis muito elevados de nutrientes podem levar à redução de oxigênio e inibir a decomposição. A temperatura da água também afeta a decomposição, com experiências de aquecimento in situ na Ribeira do Candal mostrando que um aumento de 3°C pode acelerar a degradação de folhas, especialmente as mais recalcitrantes. A substituição da floresta nativa por plantações de eucalipto, por exemplo, pode reduzir a diversidade e abundância de macroinvertebrados, impactando negativamente a taxa de decomposição.
1. Atividade Microbiana e a Decomposição
A decomposição de folhas é fortemente influenciada pela atividade de microorganismos, principalmente fungos aquáticos (hifomicetes) e bactérias. Em estudos realizados ao longo de um gradiente de perturbação no rio Ave, os fungos contribuíram para 74-90% da perda de massa foliar devido à atividade microbiana, enquanto as bactérias contribuíram apenas para 10-26%, demonstrando a importância preponderante dos fungos neste processo. A atividade reprodutiva dos hifomicetes, ou seja, a produção de esporos, também contribui para a perda de massa foliar, incorporando até 7% da massa inicial de folhas de carvalho em 85 dias (Mata da Margaraça), 10% em folhas de carvalho em 63 dias (Ribeira do Botão), e 10% em folhas de eucalipto em 90 dias (Ribeira do Botão). No entanto, a maior parte da massa foliar é convertida em micélio (biomassa fúngica) ou mineralizada, liberando dióxido de carbono. A atividade microbiana indiretamente estimula a atividade de invertebrados fragmentadores, pois a maceração enzimática das folhas pelos microorganismos as torna mais macias e nutritivas, tornando-as mais atrativas para esses organismos.
2. Influência da Concentração de Nutrientes na Decomposição
A concentração de nutrientes na água, particularmente nitrogênio e fósforo, é um fator determinante na taxa de decomposição foliar. Como as folhas são geralmente pobres em nutrientes, a disponibilidade desses elementos na água influencia a atividade dos decompositores. Um aumento na disponibilidade de nutrientes inorgânicos na água geralmente estimula a atividade dos decompositores e a utilização do carbono orgânico das folhas, acelerando a decomposição. Entretanto, concentrações muito altas de nutrientes podem levar a uma diminuição na concentração de oxigênio ou aumento da sedimentação, inibindo a decomposição, como pode ocorrer em áreas urbanizadas ou com agricultura intensiva. Em experiências com fertilização, observou-se uma estimulação das taxas de decomposição e da atividade reprodutiva dos hifomicetes aquáticos com o aumento da concentração de nitrogênio, seguindo um modelo do tipo Michaelis-Menten, indicando uma resposta não linear. A saturação ocorreu a concentrações relativamente baixas de nitrogênio.
3. Efeito da Temperatura na Decomposição e Atividade de Fragmentadores
O aumento da temperatura da água também afeta a taxa de decomposição e a atividade dos organismos envolvidos. Experiências de aquecimento in situ na Ribeira do Candal (Serra da Lousã), com aumento de 3°C na temperatura da água, foram conduzidas para avaliar seus efeitos. Este aumento de temperatura estimula o crescimento de biofilmes autotróficos (microalgas), modificando sua composição e capacidade de utilização da matéria orgânica. Embora incrementos de 3°C não pareçam afetar a abundância dos fragmentadores, eles estimulam sua atividade, acelerando a decomposição, principalmente de folhas mais recalcitrantes como as de carvalho. Essa maior taxa de consumo pode ser atribuída a uma melhor qualidade foliar (mediada pela atividade fúngica) e/ou às maiores necessidades energéticas dos fragmentadores para completar seu ciclo de vida mais rapidamente em temperaturas mais altas.
4. Impacto da Alteração da Floresta na Decomposição
A substituição de florestas caducifólias mistas por plantações de eucalipto leva a uma redução na taxa de decomposição de folhas, principalmente em ambientes mais áridos onde os ribeiros de eucaliptal podem secar na estação mais quente. Essa redução está relacionada à diminuição no número de espécies e abundância de macroinvertebrados fragmentadores. Em ribeiros oligotróficos, onde a atividade microbiana é limitada, a taxa de decomposição é geralmente mais rápida em ribeiros com concentrações moderadas de nutrientes. No entanto, diferenças nas taxas de decomposição entre ribeiros podem ser atribuídas a diversas características da água e da vegetação ripária, tornando a manipulação de nutrientes in situ a melhor forma de avaliar seu efeito isoladamente. Experimentos demonstram que alterações na composição da comunidade de macroinvertebrados e a alteração da cobertura vegetal influenciam diretamente a decomposição de folhas, como observado na comparação entre a decomposição em florestas mistas e plantações de eucalipto.
III.Produção Primária e Secundária em Ecossistemas Lóticos
A produção primária em ribeiros, realizada por algas, cianobactérias e macrófitos, é fundamental para o funcionamento do ecossistema aquático. Estudos na bacia do rio Ave mostram a relação entre a eutrofização e a produtividade primária; níveis moderados de nutrientes estimulam a produção, mas altos níveis podem ser prejudiciais. A produção secundária, referente à produção de biomassa pelos consumidores (animais, fungos e bactérias), também é abordada, destacando-se a variação sazonal na produção de larvas de tricópteros (Sericostoma vittatum) na Ribeira de São João (Serra da Lousã). A pesquisa destaca a importância de considerar a variação da produção primária e secundária ao longo do ano e em diferentes habitats para uma melhor compreensão dos ecossistemas aquáticos.
1. Produção Primária em Sistemas Lóticos
A produção primária em ecossistemas lóticos (rios e ribeiros) é realizada por organismos autotróficos como algas, cianobactérias, briófitos e macrófitos, que captam energia solar para produzir biomassa. Essa biomassa fornece carbono e energia para os seres heterotróficos. É importante distinguir entre produtividade primária bruta (PPG), que é a taxa de produção de matéria orgânica via fotossíntese, e produtividade primária líquida (PPL), que considera a energia gasta na respiração celular. A produção primária varia entre rios, dependendo das características fluviais e ribeirinhas. Na bacia do rio Quarteira (sul de Portugal), estudos mostraram que extrapolar resultados do metabolismo de um habitat específico para toda a área pode levar a sub ou superestimações. Uma experiência in situ na bacia hidrográfica do rio Ave (norte de Portugal) ao longo de um gradiente de eutrofização mostrou que, com nutrientes limitantes, a biomassa e a produtividade dos produtores primários (algas bentônicas) aumentavam com o aumento moderado da concentração de nutrientes, mas diminuíam com níveis muito altos devido à diminuição de oxigênio e outros fatores de stress. Este padrão é semelhante ao observado na decomposição de folhas. A biomassa de biofilmes em ribeiros florestados, onde a luz é limitante, pode ser máxima no outono, mesmo com dias mais curtos e menor intensidade de luz, devido ao aumento da disponibilidade de luz após a queda das folhas.
2. Fatores que Influenciam a Produção Primária
A produção primária em sistemas lóticos é influenciada por diversos fatores, incluindo a disponibilidade de nutrientes (nitrato, amônia e fosfato solúvel) e a dinâmica das comunidades biológicas. A competição entre espécies, a herbivoria e distúrbios físico-químicos (contaminação por metais, cheias) afetam a estrutura e atividade das comunidades de produtores primários. Em ribeiros florestados, onde a luz é um fator limitante, a biomassa de biofilmes (algas, bactérias e fungos) pode ser máxima no outono, apesar da menor intensidade de luz, devido à maior disponibilidade de luz após a queda das folhas. A produção primária é um processo complexo e sua caracterização requer uma cobertura completa dos diferentes tipos de habitat e a consideração de sua proporção relativa e escala apropriada. A informação sobre o metabolismo e a produtividade primária é escassa em rios e ribeiros portugueses, sendo necessário um maior esforço de investigação nesta área.
3. Produção Secundária em Ecossistemas Fluviais
A produção secundária refere-se à produção de novos tecidos pelos consumidores (animais, fungos e bactérias) nos ecossistemas fluviais. A energia ingerida e assimilada é usada em três processos: manutenção, reprodução e crescimento. A produtividade, expressa por unidade de área e tempo, indica a eficiência na transferência de energia entre níveis tróficos. Organismos maiores geralmente têm produção baixa, enquanto organismos menores crescem mais rapidamente. No centro de Portugal, a respiração das algas bentônicas é mais estimulada pelo aumento da temperatura do que pela concentração de nutrientes. Na primavera, o aumento simultâneo de ambos os fatores estimula a respiração das algas mais do que o previsto individualmente, aumentando a liberação de CO2 para a atmosfera. Este estudo, no entanto, não forneceu informações sobre os efeitos na produtividade primária ou na atividade fotossintética. A produtividade varia ao longo do ano; por exemplo, para as larvas de tricópteros Sericostoma vittatum, na Ribeira de São João (Serra da Lousã), a produção foi maior na primavera devido ao maior tamanho dos indivíduos e temperaturas mais elevadas, enquanto no verão a produção foi baixa devido ao menor tamanho.
IV.Serviços de Ecossistemas Fluviais e Indicadores de Qualidade
O documento enfatiza a importância dos serviços de ecossistemas fluviais, como a purificação da água e a regulação de nutrientes. A biodiversidade desempenha papel chave nesses serviços. A monitorização ecológica de rios e a utilização de indicadores funcionais, como a taxa de decomposição de folhas, são propostas para avaliar a saúde dos ecossistemas. A pesquisa destaca a complexidade da relação entre os rios e sua bacia de drenagem, enfatizando a necessidade de indicadores robustos e de fácil compreensão para auxiliar na restauração de rios e na tomada de decisões relacionadas à conservação e gestão destes recursos. A relação entre a ecologia de ribeiros e os serviços ecossistêmicos é explorada, indicando a necessidade de pesquisas que promovam uma relação saudável entre a sociedade e os cursos de água.
1. Serviços dos Ecossistemas Fluviais
Os ecossistemas fluviais fornecem diversos serviços às populações, classificados em quatro categorias (Tabela 12.2, não incluída neste resumo). Esses serviços dependem dos processos que ocorrem nos ecossistemas. Por exemplo, a purificação da água depende da retenção e degradação da matéria orgânica, desnitrificação e fotossíntese; e no caso de contaminantes, de sua remoção biológica. A biodiversidade é essencial para a maioria dos serviços, influenciando diretamente sua eficácia. Em ribeiros florestados, uma alta diversidade de decompositores e fragmentadores estimula a degradação foliar, melhorando a reciclagem de nutrientes e a qualidade da água. No entanto, frequentemente há conflitos entre a preservação da biodiversidade e outros benefícios, como a energia hidroelétrica obtida por barragens. A avaliação dos serviços fluviais é complexa, especialmente devido à interação íntima e assimétrica entre a rede fluvial e sua bacia de drenagem, incluindo as áreas ripárias, tornando-os 'compartilhados' com outros ecossistemas.
2. Indicadores de Qualidade e Monitorização Ecológica
A decomposição de folhas, processo sensível a variações ambientais e mediado por diversos organismos (bactérias, fungos e invertebrados), é proposta como um indicador funcional de alterações na qualidade ambiental. Em rios do centro de Portugal (Serras do Caramulo e Lousã), as taxas de decomposição respondem de forma previsível a alterações na floresta (eucaliptos causam inibição) e ao aumento de nutrientes na água (estimulação). Apesar de ser um bom indicador, a grande variação natural nas taxas de decomposição e a ocorrência de múltiplas perturbações (algumas aceleram e outras inibem a decomposição) devem ser consideradas. A monitorização ecológica de rios, baseada em parâmetros estruturais (número e tipo de espécies) segundo a Diretiva, poderia ser complementada por parâmetros funcionais, como as taxas de decomposição, para uma avaliação mais completa. A complexa relação entre os rios e suas bacias hidrográficas exige a busca por indicadores robustos, compreensíveis e aceitos por pesquisadores, tomadores de decisão e público em geral. A valorização econômica dos serviços dos ecossistemas pode contribuir para estratégias mais eficazes de conservação e gestão.