Fundamentação teórica da Quota  Ambiental e estudo de caso de seu desenvolvimento em São Paulo

Quota Ambiental em SP: Estudo de Caso

Informações do documento

Autor

Paulo Mantey Domingues Caetano

instructor/editor Prof. Dr. Leandro Luiz Giatti
Escola

Universidade de São Paulo (USP)

Curso Saúde Ambiental
Tipo de documento Tese
city São Paulo
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 6.95 MB

Resumo

I.Desenvolvimento da Quota Ambiental QA em São Paulo

Este trabalho detalha o desenvolvimento de um novo instrumento urbanístico-ambiental, a Quota Ambiental (QA), inserido na legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo da cidade de São Paulo. O objetivo principal foi criar um instrumento simples e flexível, baseado em fundamentos teóricos sólidos, para promover a qualidade ecossistêmica, melhorar o microclima, e promover o controle de drenagem na fonte. A ecoexergia, simplificada a partir do conceito de Jørgensen, foi utilizada como métrica principal para os dois primeiros objetivos, enquanto o pico de vazão de saída do lote foi usado para o último. O desenvolvimento da QA envolveu um grupo de trabalho da Prefeitura do Município de São Paulo, com a participação ativa do autor, e a consideração de diversos grupos de interesse durante diferentes fases do processo. A QA, inicialmente um instrumento teórico, foi adaptado para atender às diretrizes políticas e aprimorado conceitualmente antes de sua aprovação na Câmara Municipal.

II.Métricas e Padrões da Quota Ambiental

Para a mensuração dos impactos ambientais, a QA utiliza métricas específicas. A ecoexergia simplificada define valores mínimos para lotes em diferentes locais e com diferentes usos e taxas de ocupação, visando a promoção da qualidade ecossistêmica e melhoria do microclima. Para o controle da drenagem, a meta é o impacto zero na vazão de saída do lote. Apesar do objetivo inicial de simplicidade, o processo de desenvolvimento e aprovação levou à adição de complexidade ao instrumento.

1. Desenvolvimento de Métricas para a Quota Ambiental

A definição das métricas para a Quota Ambiental (QA) foi crucial para a sua operacionalização. Para alcançar os objetivos ambientais propostos – promoção da qualidade ecossistêmica, melhoria do microclima e controle de drenagem na fonte – foram selecionadas métricas específicas. Para os dois primeiros objetivos (qualidade ecossistêmica e microclima), optou-se por uma simplificação do conceito de ecoexergia, proposto por Jørgensen, como um indicador único. Essa escolha se justifica pela sua capacidade de sintetizar informações complexas em um único valor, facilitando a aplicação prática do instrumento. Já para o terceiro objetivo (controle de drenagem na fonte), a métrica escolhida foi o pico da vazão de saída do lote, um indicador direto do impacto hídrico da ocupação do solo. A escolha dessas métricas buscou um equilíbrio entre a precisão científica e a praticidade na aplicação, visando a viabilidade da implementação do instrumento na legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo de São Paulo. A simplicidade foi um dos requisitos iniciais do instrumento, mas, como se verá mais adiante, foi parcialmente perdida no processo de desenvolvimento e aprovação da QA.

2. Estabelecimento de Padrões para a QA

Com as métricas definidas, o próximo passo foi o estabelecimento de padrões para a Quota Ambiental. Para os objetivos de promoção da qualidade ecossistêmica e melhoria do microclima, foram definidos valores mínimos de ecoexergia simplificada. Esses valores variam de acordo com a localização do lote, seu uso e sua taxa de ocupação, refletindo a diversidade de contextos urbanos. A definição desses valores mínimos busca garantir um padrão mínimo de qualidade ambiental, mesmo em áreas com diferentes características. Para o objetivo de controle de drenagem na fonte, o padrão estabelecido foi o impacto zero. Isso significa que as intervenções propostas no projeto devem garantir que a vazão de saída do lote não exceda a vazão de entrada, prevenindo problemas de inundação e mitigando os impactos da impermeabilização do solo. Embora o impacto zero represente uma meta ambiciosa, sua inclusão demonstra o compromisso com a preservação hídrica. A busca pelo equilíbrio entre simplicidade, flexibilidade e embasamento teórico guiou as decisões na definição desses padrões, buscando um instrumento prático e eficaz para a gestão ambiental em São Paulo.

III.Influências e Desafios na Implementação da QA

O desenvolvimento da QA foi influenciado por diversos grupos de interesse, incluindo a burocracia municipal, que apresentou as pressões mais severas. O grupo de trabalho buscou harmonizar pressões frequentemente conflitantes entre aspectos ambientais e sociais, buscando consenso interno e antecipando potenciais conflitos. A gestão Haddad na Prefeitura do Município de São Paulo, com sua ampla coalizão política, teve papel importante na aprovação da lei. A legislação preexistente, incluindo o Código de Obras e Edificações, e a necessidade de conciliar a cidade compacta com metas ambientais, também influenciaram o processo.

1. Influência de Grupos de Interesse e Pressões Políticas

A implementação da Quota Ambiental (QA) em São Paulo enfrentou desafios significativos decorrentes da influência de diversos grupos de interesse. O processo de desenvolvimento e aprovação da QA envolveu a interação com diferentes stakeholders, que influenciaram o instrumento em diferentes fases e níveis. Alguns grupos chegaram a se manifestar diretamente junto ao grupo de trabalho responsável pela elaboração da minuta do projeto de lei. A burocracia municipal, em particular, exerceu pressões consideráveis, sendo apontada como a fonte mais severa de dificuldades. Apesar do apoio da alta administração, houve momentos de divisão interna em relação ao conflito entre aspectos ambientais e sociais. O grupo de trabalho buscou harmonizar essas pressões conflitantes, antecipando-as e desenvolvendo uma dinâmica interna para alcançar consensos e se posicionar frente a demandas muitas vezes opostas. A necessidade de conciliar diferentes interesses e perspectivas contribuiu para a complexidade do processo, comprometendo parcialmente o objetivo inicial de simplicidade do instrumento. A busca por consenso e a necessidade de adequação a diretrizes e decisões políticas resultaram em modificações significativas no instrumento teórico original.

2. Desafios na Gestão Pública e a Insegurança Jurídica

A implementação da QA também foi impactada por desafios inerentes à gestão pública em São Paulo. O excesso de formalização no executivo paulistano, com ênfase em processos e expedientes administrativos, pode ser danoso para a condução de políticas públicas, pois o fluxo burocrático não garante sua consecução. A escassez de recursos e a complexa legislação municipal, muitas vezes vaga e anterior à Constituição Federal de 1988, contribuem para a insegurança jurídica dos servidores. O alto grau de responsabilização dos funcionários, em conjunto com a falta de clareza sobre o que foi ou não recepcionado pela nova constituição, resulta em um ambiente de trabalho extremamente opressivo, análogo a terror e paranoia. A possibilidade de processos administrativos, cíveis ou criminais, com consequências graves, incluindo exoneração, multas e ações de improbidade administrativa, gera medo e cautela excessiva. Essa insegurança jurídica dificulta a tomada de decisões inovadoras e a implementação de soluções não convencionais. Servidores comissionados, nomeados sem concurso público, tendem a priorizar a rapidez no trâmite dos processos em detrimento de uma análise mais aprofundada das questões, impactando negativamente a eficácia das políticas públicas. A própria lei, por sua vez, confere poderes legislativos a uma entidade privada (ABNT) sem publicação no Diário Oficial.

3. A Predileção pela Reservação e a Questão da Inovação

Apesar do objetivo inicial de estimular medidas não convencionais, a minuta final do projeto de lei para a QA demonstra uma preferência pelo sistema de reservação de controle de escoamento superficial como medida padrão ('default'). Essa opção deve-se a diversos fatores: a reservação é vista como uma medida mais segura e fácil de entender do ponto de vista jurídico; medidas não convencionais requerem regulamentação detalhada, o que demanda tempo e recursos; a legislação municipal já previa a utilização de sistemas de reservação; e a existência de leis estaduais com disposições semelhantes impedia a revogação total das leis municipais. Embora se reconheça o valor de medidas não convencionais, manter a exigência de sistemas de reservação foi considerado mais viável politicamente, evitando a percepção de um retrocesso na legislação ambiental. Apesar disso, a QA permite a utilização de medidas não convencionais como complementares, desde que demonstrem o atendimento aos critérios de desempenho hidrológico-hidráulico. A própria natureza discrecionária do instrumento permite certa flexibilidade para soluções inovadoras, mesmo com a permanência da reservação como requisito mínimo. Essa escolha ilustra o conflito entre a busca por inovação e a necessidade de garantir a aceitação e a implementação eficaz do instrumento.

IV.Considerações sobre a Metodologia de Pesquisa

Devido à natureza interdisciplinar do tema, o método empregado na pesquisa foi análogo ao fenomenológico, combinando aspectos do estudo de caso e da observação participante, considerando a participação ativa do autor como servidor público na criação da QA.

1. Adequação Metodológica ao Estudo Sui Generis

A pesquisa sobre a Quota Ambiental (QA) apresenta um caráter único ('sui generis'), pois o autor participou ativamente do seu desenvolvimento como servidor público da Prefeitura do Município de São Paulo. Essa condição demandava uma metodologia que transcendesse os métodos tradicionais, como o estudo de caso e a observação participante. O estudo de caso, embora pudesse ser exploratório, descritivo ou explanatório, não se adequava por não avaliar os fenômenos à luz de teorias preexistentes e por se constituir em observação sem manipulação dos acontecimentos, o que não era o caso aqui. Da mesma forma, a observação participante não era adequada devido à participação ativa do pesquisador no evento. Diante dessas limitações, optou-se por uma metodologia análoga à fenomenológica, permitindo uma abordagem que integrasse a experiência vivencial do pesquisador com a análise do fenômeno em estudo. Esta escolha permitiu uma compreensão mais profunda dos processos envolvidos na criação e implementação da QA, considerando as diversas influências e pressões políticas e sociais presentes.

2. Abordagem Interdisciplinar e Desafios da Redação

A pesquisa sobre a QA demandou uma abordagem interdisciplinar ou, no mínimo, multidisciplinar, dada a complexidade do tema e a interação entre diferentes áreas do conhecimento. Essa característica trouxe desafios tanto em termos de pesquisa quanto de redação. Em relação à pesquisa, o pesquisador precisou adotar uma perspectiva abrangente, observando o fenômeno de múltiplos ângulos, diferentemente de um enfoque mais específico e direcionado. Em relação à redação, a interdisciplinaridade exigiu uma linguagem acessível a leitores com diferentes formações, sem presumir conhecimentos prévios. Para superar essas dificuldades, o autor optou por soluções de compromisso, como o uso de anexos para apresentar informações mais técnicas, permitindo uma leitura do texto principal sem a necessidade de recorrer a esses apêndices, mantendo também sua autonomia. A eventual superposição de conteúdos entre o texto principal e os anexos é consequência dessa estratégia metodológica, buscando tornar o conhecimento acessível a um público mais amplo e diverso.

V.Bases Teóricas da QA Indicadores de Saúde Ecossistêmica

A QA se baseia em indicadores de saúde ecossistêmica, utilizando conceitos como ecoexergia, máxima potência, diversidade, biomassa, emergia, e ascendência. Autores como Jørgensen, Odum, e Ulanowicz são citados como referências para o desenvolvimento das métricas e a compreensão de princípios de maximização em ecossistemas. Apesar de críticas à abordagem da exergia em sistemas fora do equilíbrio, o trabalho argumenta pela viabilidade da ecoexergia simplificada como um indicador prático para o contexto urbano.

1. Indicadores de Saúde Ecossistêmica e a Ecoexergia

A Quota Ambiental (QA) fundamenta-se em indicadores de saúde ecossistêmica para avaliar o impacto ambiental das intervenções urbanas. A escolha desses indicadores busca refletir a complexidade dos ecossistemas e sua capacidade de suporte à vida. Entre os indicadores mencionados, a ecoexergia, derivada do conceito de exergia proposto por Jørgensen, desempenha um papel central. A ecoexergia simplificada é utilizada como métrica principal para avaliar a qualidade ecossistêmica e a melhoria do microclima, proporcionando um valor único que sintetiza informações complexas. Outros indicadores de saúde ecossistêmica citados incluem máxima potência (Lotka), máximo armazenamento (Jørgensen-Mejer), máximo empoderamento e emergia (Odum), máxima ascendência (Ulanowicz), e outros. A seleção desses indicadores considerou a necessidade de compatibilizá-los com métodos tradicionais de quantificação em ecologia e sua capacidade de representar a organização ecossistêmica, desde estruturas até funções como equilíbrio energético e hídrico. Apesar de críticas à aplicação da exergia em sistemas longe do equilíbrio, a ecoexergia simplificada mostrou-se satisfatória no contexto da QA para São Paulo. A escolha se justifica pela sua praticidade e capacidade de fornecer uma medida integrativa, mesmo em um cenário urbano de alta complexidade.

2. Princípios de Maximização e o Desenvolvimento de Ecossistemas

A fundamentação teórica da QA também se baseia em princípios de maximização, observados no desenvolvimento de ecossistemas. Fath, Patten e Choi (2001) demonstraram a complementaridade e consistência mútua entre dez indicadores ecológicos, sugerindo um padrão comum para o desenvolvimento de ecossistemas. Estudos posteriores de Fath et al. (2004) sugerem que alguns princípios de maximização são válidos em algumas fases da sucessão ecológica, com a maximização da potência e do armazenamento de exergia como princípios válidos em todas as fases. Essa abordagem teórica contribui para a justificativa da utilização da ecoexergia como métrica na QA, argumentando que, nas condições de aplicação do instrumento urbanístico-ambiental proposto, há uma relação de proporcionalidade entre o máximo armazenamento de exergia e a máxima dissipação de exergia. Ou seja, a ecoexergia, neste contexto específico, serve como uma métrica para a dissipação de exergia, conectando a teoria ecológica com a prática da gestão ambiental urbana. A escolha de uma métrica mais simples, a ecoexergia simplificada, busca um balanço entre a precisão científica e a facilidade de aplicação no contexto prático do planejamento urbano em São Paulo.