Moda e comportamento feminino em Chapecó - SC na década de 1950

Moda feminina em Chapecó (1950)

Informações do documento

Autor

Josiane Uliana

Escola

Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), Campus Chapecó

Curso Licenciatura em História
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Chapecó
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 1.74 MB

Resumo

I.A Moda Feminina em Chapecó na Década de 1950 Relações com a Cultura e a Moral

Esta pesquisa analisa a moda feminina em Chapecó (SC) na década de 1950, explorando a relação entre vestuário, memória e moralização. Utilizando entrevistas com seis mulheres (com idades entre 75 e 84 anos em 1950), fotografias e jornais, o estudo investiga como as tendências de moda influenciaram a vida dessas mulheres, considerando a forte presença do ensino religioso e os padrões corporais da época. A pesquisa destaca a influência da modernidade em uma região interiorana, comparando o acesso a informações sobre moda em Chapecó com grandes centros urbanos. Lojas como Casa Progresso, Casa Tabajara e Lojas Renner são mencionadas como exemplos do comércio de vestuário local. A revista O Cruzeiro surge como importante veículo de disseminação de tendências de moda.

1. Metodologia e Fontes da Pesquisa

A pesquisa utiliza uma abordagem metodológica que combina fontes orais (entrevistas com seis mulheres que viveram em Chapecó na década de 1950, com idades entre 75 e 84 anos na época da pesquisa e que estudaram em colégio católico), fotografias e jornais da época. As entrevistas, com roteiro aberto, visam reconstruir a memória e a experiência dessas mulheres em relação ao vestuário e à moda. A dificuldade em encontrar participantes para as entrevistas é mencionada, com um índice de aceitação baixo, possivelmente devido ao contato telefônico inicial por alguém desconhecido e a sensibilidade do tema para as entrevistadas. A análise das fotografias e jornais permite complementar as informações obtidas nas entrevistas, fornecendo dados sobre o comércio de vestuário e a disseminação de tendências de moda em Chapecó. Os jornais de Florianópolis e Porto Alegre também foram consultados para comparar o conteúdo e a apresentação visual com os periódicos locais, observando a influência da publicidade na integração nacional e construção de representações da realidade, conforme destacado por Chrislene Carvalho dos Santos (2006).

2. A Influência da Moralização Religiosa e o Papel da Moda

Um dos aspectos centrais da pesquisa é a influência da moralização, principalmente representada pelo ensino religioso católico recebido no Colégio Bom Pastor, na relação das mulheres com a moda. O ensino religioso, ministrado por freiras, apresenta-se como uma força contrária à moda, opondo-se a qualquer afronta aos costumes tradicionais e valores cristãos da época. A pesquisa analisa como essa influência religiosa se contrapõe ao desejo de modernização presente em Chapecó na década de 1950, questionando se a presença da moda nos usos cotidianos poderia ser interpretada como uma influência modernizadora para a cidade. O estudo considera as limitações da amostra, constituída por mulheres brancas, católicas, com bom nível de escolaridade para a época e residentes no centro da cidade, reconhecendo que isso delimita a abrangência da pesquisa, mas, ao mesmo tempo, permite uma compreensão mais aprofundada desse grupo específico. A pesquisa busca entender a relação entre a recepção (ou não) dos estilos de moda e as mentalidades da época, incluindo o papel atribuído à mulher e a moldagem de seus corpos aos padrões vigentes, contrastando isso com a possível promoção da liberdade e androginia por alguns estilos.

3. Referencial Teórico e Estudos Precedentes

O estudo se baseia em referências teóricas relevantes, como as concepções de Gilles Lipovetsky sobre moda, em sua obra O Império do Efêmero (1987), e a obra organizada por Mary Del Priore, História das Mulheres no Brasil (1997). Estudo utilizou principalmente os trabalhos de Carla Bassanezi Pinsky sobre o perfil feminino divulgado pela mídia dos anos 1950 e 1960 no Rio de Janeiro e São Paulo, e o trabalho de Guacira Lopes Louro sobre a atuação da mulher no mercado de trabalho na mesma época. A dissertação de mestrado de José Alfredo Beirão Filho (Remodelando corpos: as costureiras e suas reminiscências na Florianópolis de 1950) serviu de inspiração para a metodologia da pesquisa, e a pesquisa antropológica de Fábio Vergara Cerqueira e Denise Ondina Marroni dos Santos (A camisola do dia, patrimônio têxtil da cultura material nupcial) forneceu insights sobre a importância das peças de vestuário na memória das mulheres. Essas referências teóricas e estudos anteriores contribuem para o desenvolvimento do estudo presente, fornecendo um contexto mais amplo para a análise da moda feminina em Chapecó.

II.Comércio e Imprensa A Moda Possível em Chapecó

A análise do comércio de vestuário em Chapecó na década de 1950 revela a transição de um sistema baseado em caixeiros viajantes para estabelecimentos mais fixos. No final da década, a cidade contava com mais de 300 estabelecimentos comerciais, incluindo cerca de 22 atacadistas e 321 varejistas. A imprensa, especialmente o jornal O Imparcial e a revista O Cruzeiro, desempenhou um papel crucial na disseminação de informações sobre moda, influenciando os padrões corporais e estilos desejados pelas mulheres chapecoenses. A pesquisa destaca a influência da moda carioca e, por extensão, da moda francesa, como referência para o vestuário feminino na cidade.

1. Evolução do Comércio de Vestuário em Chapecó

A pesquisa investiga a forma como as mulheres de Chapecó adquiriam artigos de vestuário antes do desenvolvimento do comércio local na década de 1950. Dados da pesquisa Antes do Oeste (Rosa e Silva, 2010) mostram que, até 1930, a aquisição de roupas se dava principalmente através de viajantes e comerciantes de outras regiões, indicando uma dependência de um comércio menos estruturado e mais rural. A troca de produtos agrícolas por manufaturas era comum. A partir dos anos 1940 e 1950, o comércio local se desenvolve, e em meados da década de 1950 Chapecó já contava com mais de 300 estabelecimentos comerciais, incluindo 22 atacadistas e 321 varejistas (IBGE, 1958-1964). A pesquisa tenta precisar o número de lojas de vestuário por meio de anúncios em jornais e entrevistas, identificando alguns estabelecimentos como Casa Progresso, Casa de Calçados de Davi e Cia, Comércio Chapecoense Iguassú Ltda, Casa Bartolamei, Casa Vitória, Casa Guindani, Casa Tabajara, Mercado Chapecoense, Casa Bordignon, Casas Pernambucanas e Lojas Renner. A abertura da Casa Tabajara em 1951, anunciada como a primeira loja especializada em artigos para senhoras e crianças, representa um marco nesse processo de desenvolvimento do comércio de vestuário em Chapecó.

2. A Imprensa como Veículo de Divulgação da Moda

A pesquisa destaca o papel da imprensa na divulgação da moda em Chapecó, observando que, historicamente, a imprensa foi um meio importante para disseminar tendências, iniciando com bonecas de cera e evoluindo para ilustrações e, posteriormente, fotografias (Del Priore, 2000). A partir de 1840, o número de periódicos voltados para o público feminino aumentou no Brasil. A pesquisa cita a revista O Cruzeiro como um veículo influente na década de 1950, destacando sua popularidade e as colunas de cinema e moda. A entrevistada Marina destaca a importância da revista para a divulgação de comportamentos e estilos do Rio de Janeiro, então capital do país, e a influência da moda francesa. O jornal O Imparcial, de Chapecó, em 1958, anunciava a venda de 17 títulos de revistas em sua redação, entre elas O Cruzeiro. A pesquisa analisa também a construção de estereótipos por meio das imagens publicitárias nos jornais, revelando padrões corporais e de comportamento que influenciavam a percepção da moda e beleza (Chrislene dos Santos, 2006). A pesquisa ressalta que, mesmo em grandes centros, a roupa pronta não era uma aquisição comum na década de 1950 (Lipovetsky, 2009).

3. Roupas Prontas vs. Confecção Caseira A Realidade em Chapecó

A pesquisa aponta que, embora lojas como a Casa Tabajara (1951) e Lojas Renner já vendessem roupas prontas, essas peças eram consideradas caras, o que explica a prevalência do hábito de costurar e produzir roupas em casa. Para eventos especiais como festas e bailes, as mulheres recorriam aos serviços de costureiras profissionais. O estudo observa o maior apelo ao público feminino na produção de vestuário, com cursos de corte e costura oferecidos em instituições escolares e aprendizados caseiros. A invenção e disseminação da máquina de costura, segundo Lipovetsky (2009), foram fundamentais para a democratização da moda, marcando uma transição de um monopólio das elites para uma maior acessibilidade, processo que se intensifica na década de 1960. A pesquisa aponta que a produção caseira de roupas, combinada com a aquisição de roupas prontas no final da década de 1950, constitui um panorama complexo do acesso ao vestuário em Chapecó, refletindo a transição entre modelos de consumo e produção.

III.Práticas de Vestimenta Feminina e Sociabilidade em Chapecó

O estudo detalha as práticas de vestimenta feminina em Chapecó na década de 1950, destacando o impacto da moralização religiosa e a adaptação de tendências de moda (como o estilo godê) ao contexto local. A influência do Colégio Bom Pastor no comportamento das alunas é analisada, contrapondo-se ao desejo de modernidade presente na cidade. O comprimento das saias, os decotes e os penteados são analisados como indicadores da relação entre moda, gênero e normas sociais. Os locais de sociabilidade, como missas e bares, são considerados como espaços de exposição e interação social, através do uso do vestuário. A pesquisa aponta para a influência de atrizes de Hollywood como símbolos de beleza e moda.

1. Estilos de Vestimenta na Década de 1950 em Chapecó

As entrevistadas relatam mudanças significativas no vestuário feminino em Chapecó na década de 1950, comparando-o com a década anterior. O uso de saias com armação, como o godê americano e o godê ponche, tornou-se comum após o lançamento das coleções de Christian Dior, adotando um estilo “bem rodado” que utilizava maior quantidade de tecido. Uma entrevistada descreve saias com diâmetros de 5,5 a 7,5 metros. Embora semelhantes ao estilo adolescente divulgado para o estilista francês, as roupas usadas pelas entrevistadas apresentavam uma diferença significativa: os ombros não ficavam à mostra. O padrão de decotes e a exposição do busto e ombros eram moralmente questionados, principalmente no ambiente religioso, sendo necessário o uso de casacos ou boleros para cobrir os ombros em situações como ir à igreja. A ausência de fotos coloridas da época dificulta a análise das cores, mas o uso do preto, embora associado ao luto, também representava luxo, como demonstrado pelo relato de uma entrevistada sobre o uso de um vestido preto tomara-que-caia em bailes. O comprimento das saias e vestidos também era regulado, idealmente “quatro dedos” abaixo do joelho, embora houvesse variações e a existência de modelos mais compridos, lançados pelo estilista Dior (Braga e Prado, 2011).

2. Penteados e Padrões de Beleza Feminina

A pesquisa analisa a influência da moda nos penteados femininos da época, observando que o comprimento do cabelo era, geralmente, no máximo até os ombros. Mulheres com cabelo liso buscavam ondulações, utilizando técnicas caseiras ou em salões de beleza, cuja existência em Chapecó é confirmada por algumas entrevistadas, enquanto outras negam sua presença. As técnicas de ondulação permanente e o uso de papelotes eram comuns para alcançar o efeito desejado. O padrão divulgado em revistas e anúncios da década era de cabelos com ondulações e comprimento curto a médio, embora o estudo reconheça a existência de cabelos curtos, estilo masculino, adotado por mulheres em busca de um estilo considerado rebelde, mas pouco mencionado no senso comum. Essa preferência por cabelos curtos contradiz a ideia generalizada de que a década de 1950 foi um período de luxo e “feminilidade”, revelando a diversidade de estilos e comportamentos.

3. Sociabilidade e Exposição da Moda em Chapecó

A pesquisa explora os meios de sociabilidade através dos quais as mulheres em Chapecó expunham e interagiam com suas roupas. Ir à missa, prática comum em uma cidade majoritariamente católica, é destacada como um momento de exposição da vestimenta, com variações na frequência e vestuário de acordo com a classe social. A queima da igreja em 1950 e a realização de missas em um barracão provisório até 1956 são contextualizados. As “bombonieres”, bares onde as adolescentes se encontravam para comer saladas de frutas e bolos, e os passeios pela avenida são mencionados como espaços de sociabilidade onde as roupas eram exibidas. A frequência em grupo de meninas que faziam passeios demonstra como o espaço público era utilizado para a socialização, expressa pelas roupas. O estudo também menciona uma realidade diferente para as internas do Colégio Bom Pastor, com restrições de passeios e frequencia ao cinema, em contraste com o acesso a esses espaços pelas outras entrevistadas. A pesquisa destaca a importância do uso da roupa como forma de comunicação social, e a discursividade visual como elemento integrador do sujeito em meios de sociabilidade, conforme abordado por Jacques Revel (2009) e Daniela Calanca (2008).

IV.Identidade Alternativa A Moda Construindo Gênero em Chapecó

Esta seção explora a complexa relação entre moda, gênero e identidade em Chapecó. O estudo compara a pressão para a conformidade com os ideais de feminilidade impostos pela Igreja Católica (representada pelo Colégio Bom Pastor) e a busca por expressão individual através de estilos de moda. A pesquisa analisa como a moda permitia, simultaneamente, a segregação e a libertação, refletindo as contradições sociais da época. A assimilação de tendências mais conservadoras não descarta a influência modernizadora da moda como um todo em Chapecó. O texto finaliza enfocando a moda como espelho das relações socioculturais, capaz de desafiar e afrontar padrões considerados fundamentais.

1. A Moda como Segregação e Libertação A Década de 1950

A década de 1950 apresenta uma dualidade em relação à moda: de um lado, o ideal do pós-guerra de mulher como dona de casa, mãe e esposa; de outro, a rebeldia juvenil que se expressava através do vestuário. Dois polos de comportamento se manifestavam na moda: a elegância e requinte francês versus a rebeldia americana. A pesquisa analisa como a moda, simultaneamente, segregava e libertava, refletindo as contradições sociais. A adoção de estilos, sejam conservadores ou não, representava um rompimento com os costumes locais, aproximando as mulheres de Chapecó das tendências de grandes centros urbanos. A moda, portanto, espelha as relações socioculturais, podendo intimidar e desafiar padrões considerados fundamentais. Mesmo a adesão a estilos conservadores representava uma aproximação com a forma de vestir própria de centros maiores, embora com adaptações.

2. A Influência do Colégio Bom Pastor e a Moral Religiosa

O Colégio Bom Pastor, administrado por freiras, desempenhou um papel significativo na formação das entrevistadas, transmitindo não apenas educação formal, mas também valores religiosos que influenciavam diretamente a relação delas com a moda. O ensino era majoritariamente voltado para o público feminino, embora tenha mantido turmas masculinas temporariamente na mesma década. A separação entre meninos e meninas reforçava a ideia de mundos masculino e feminino distintos. De acordo com Parisoto (2013), as irmãs franciscanas aplicavam as prerrogativas escolares determinadas pelo governo, mas também os valores estabelecidos pela Igreja Católica. Expor o corpo era considerado desvalorização como mulher, demonstrando a ligação entre moda e transformações de mentalidades sobre o corpo feminino. A moral religiosa se atenha principalmente a exposição do corpo, influenciando as relações de amizade e inclusão social, conforme relatado pela entrevistada Marina. Louro (1997, p. 447) destaca a dicotomia entre Eva e Maria como conceito central da moral religiosa, contrastando a virtude social com o descumprimento das regras divinas. Em culturas católicas e protestantes, a roupa servia como parâmetro de avaliação da adequação aos costumes e às exigências éticas.

3. Padrões Corporais Ícones de Beleza e Julgamentos Morais

A pesquisa evidencia a preocupação com padrões corporais específicos na década de 1950: magreza, cintura fina e pernas belas eram ideais de elegância. A gordura era vista como algo que prejudicava a elegância. Entretanto, a pesquisa também destaca a influência de atrizes de Hollywood, como Ingrid Bergman e Gina Lollobrigida, como ícones de beleza e moda. A entrevistada Nair enfatiza a busca por uma “cintura bem feita” e “pernas sem defeitos”. Contudo, a assimilação dessas referências estava sujeita a julgamentos morais, com distinções entre atrizes consideradas “certinhas” (como Romy Schneider e Celli Campello) e outras, como Brigitte Bardot e Marilyn Monroe, vistas como escandalosas. A imagem e ações das atrizes eram indissociáveis nesse contexto. A pesquisa conclui que a moda, mesmo em sua expressão mais conservadora, representava um espelho das relações socioculturais da época em Chapecó, podendo afetar padrões considerados fundamentais, ao mesmo tempo em que representava uma influência modernizadora da cidade.