
Moedas Romanas na Germânia: Numismática e Império
Informações do documento
Autor | Tomás Partiti Cafagne |
instructor/editor | Prof. Dr. Vagner Carvalheiro Porto |
Escola | Universidade de São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia |
Curso | Arqueologia |
Tipo de documento | Dissertação de Mestrado |
Local | São Paulo |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 3.89 MB |
Resumo
I.Relações entre Roma e os Povos Germânicos Contatos e Conflitos
Este estudo investiga as complexas relações entre Roma e seus vizinhos germânicos, entre os séculos I a.C. e II d.C., focando nos períodos de Júlio César e Augusto. As fontes primárias incluem os Comentarii de Bello Gallico e Germania, de Tácito. A análise aborda as estratégias romanas de negociação, enfrentamento e anexação de territórios, a organização social dos povos germânicos (Suevos, Cheruscos, Ubios, entre outros), e o papel dos reféns na política romana. A pesquisa destaca as práticas sociais e organização militar germânicas, contrastando-as com a sociedade gaulesa, analisando a importância do poder militar e religioso (Druidas e Cavaleiros na Gália). A arqueologia complementa as fontes textuais, fornecendo evidências materiais destas interações.
1. A Expansão Romana e as Relações com os Povos Germânicos
O documento inicia descrevendo as tensões nas relações entre Roma e seus vizinhos, especialmente os povos germânicos, entre os séculos I a.C. e II d.C. A política expansionista romana, marcada por negociação, confronto e anexação, define o cenário. Para entender essas relações, o estudo analisa as fontes textuais, destacando os Comentarii de Bello Gallico e Germania, como fontes principais para o conhecimento dos povos germânicos que habitavam a região denominada Germânia, suas práticas sociais e organização. A migração de povos germânicos, como os Suevos, devido à opressão sofrida, é apresentada como fator relevante, segundo a descrição de César. O comportamento e práticas de guerra dos Suevos, incluindo seu sistema de cultivo de terras e organização social, são detalhados, revelando uma sociedade guerreira, agrária e pastoril. A utilização de reféns, principalmente filhos de elites locais, como política romana, é analisada, com o exemplo de Armínio, filho de um chefe cherusco, que serviu como refém em Roma e posteriormente como auxiliar do exército romano. César, em suas campanhas, demonstra sua estratégia militar e política, buscando inspirar temor nos germânicos, punir os Sugambros e libertar os Ubios da opressão.
2. Comparação Social entre Gauleses e Germânicos e a Organização Social Germânica
O texto prossegue comparando as estruturas sociais dos povos gauleses e germânicos, conforme descrito por Júlio César. A análise destaca os Druidas e os Cavaleiros como grupos de maior prestígio e relevância na sociedade gaulesa, detendo poder religioso e militar. Em relação à sociedade germana, César enfatiza a menor importância dada à agricultura, contrastando com a prática de criação de gado e caça, e a rotatividade anual nos campos cultivados, justificada pela manutenção do espírito guerreiro e pela prevenção da concentração de terras nas mãos de um único indivíduo. A obra de Tácito, especificamente o capítulo VII da Germania, descreve a estrutura de poder germânica, dividida em três grupos: reis (da nobreza local, sem poder absoluto), generais (escolhidos por mérito militar) e sacerdotes (com autoridade para punir, com base em um poder divino). O tamanho do séquito de um chefe germânico é um indicativo de seu status e poder, sempre composto por guerreiros experientes, demonstrando a centralidade do poderio militar na hierarquia social das elites germânicas.
3. Arqueologia como Complemento às Fontes Textuais
A pesquisa destaca a importância da arqueologia para complementar as fontes textuais na compreensão dos contatos entre Roma e os povos germânicos. Enquanto a documentação textual ajuda a conhecer a realidade dos povos locais e alguns aspectos dos contatos, a arqueologia permite analisar as marcas materiais deixadas nos contextos locais do centro-norte da Europa. Grupos como os da cultura Przeworsk, com suas movimentações para regiões próximas, deixaram marcas arqueológicas que indicam autonomia e liberdade, e sugerem que a circulação de objetos, inclusive romanos, poderia ocorrer por meio de conflitos entre grupos locais. A cultura material da cultura Przeworsk está associada às rotas de comércio do âmbar, utilizando carroças, cavalos e barcos para a movimentação de bens, como ferro trabalhado. Objetos romanos encontrados em rotas sul/centro/norte da Polónia e além são indicadores destas vias de circulação. A cultura Wielbark, com seu caráter migratório em direção ao Mar Negro, é analisada por Cieśliński (2016), relacionando sua expansão com relatos romanos sobre ataques de tribos góticas na região, evidenciando a diversidade de grupos germânicos presentes na região. A arqueologia revela detalhes dos enterramentos Wielbark, com marcas como círculos de pedra ou montes de terra, indicando possível influência escandinava em alguns aspectos funerários, mas mantendo um caráter predominantemente continental. Os enterramentos, com variações na posição dos corpos ou utilização de urnas, refletem a organização social, com a sociedade Wielbark descrita como patriarcal, apesar de haver um desequilíbrio nos registros de enterramentos masculinos e femininos, o que levanta questões a serem investigadas.
II.A Percepção Romana do Espaço e o Limes
A compreensão romana do espaço geográfico influencia a interpretação das relações com os povos germânicos. A análise considera a perspectiva romana de território administrado versus povos externos, explorando a ideia de controle indireto através do clientelismo. A construção do limes, inicialmente com fins administrativos (sob a dinastia Flaviana), é discutida, assim como o papel do rio Danúbio como divisor de áreas de controle romano. Whittaker (1994) é uma referência crucial neste contexto, destacando a construção ideológica do poder romano e a subestimação das distâncias entre o centro e a periferia do Império.
1. A Cosmologia Romana e a Representação do Espaço
A seção discute como a visão romana do espaço influenciava a percepção e a representação das relações com os povos vizinhos. Há uma ênfase em estudos que buscavam ordem, harmonia e limites científicos ou ideológicos na delimitação dos espaços ocupados por romanos e povos vizinhos. Os estudos antigos, segundo o texto, focavam mais nos grupos periféricos, negligenciando os espaços naturais não ocupados, levando a distorções cartográficas devido à subestimação das distâncias entre o centro e a periferia do Império Romano. A citação de Whittaker (1994, p. 12-13) reforça essa ideia de distorção cartográfica. Essa visão da periferia impacta a percepção da relação entre Roma e seus vizinhos.
2. Poder Controle e o Conceito de Limes
A seção analisa a percepção do espaço entre as fronteiras e os centros do Império Romano, enfatizando que o poder romano, especialmente nos períodos de Júlio César e Augusto, era visto como ilimitado, não necessariamente correspondendo a um controle físico do espaço. Whittaker (1994, pp. 14-15 e 16-17) é citado para reforçar essa ideia de poder sem limites, uma construção ideológica que demonstrava a força do Império, mesmo além de suas capacidades operacionais. Essa concepção resultava na noção de um território administrado por Roma, com povos externos sujeitos ao seu poder, mas não necessariamente valendo o esforço de anexação. O projeto do limes, que surgiu com a dinastia Flaviana, é apresentado como uma forma de demarcação de limites administrativos, diferente do conceito de fronteira física. Whittaker (1994, p. 46 e 47) questiona o senso comum sobre Adriano e Antonino Pio como principais responsáveis pela construção das fronteiras, apontando Domiciano como iniciador da construção de fortes na Germânia, continuada por Trajano. O rio Danúbio, segundo Whittaker (1994, p. 43), era um divisor entre o controle interno e externo de Roma, e não seu limite.
3. Clientelismo e Controle Indireto
O texto explica como o controle indireto romano sobre os territórios se dava através do clientelismo. Este conceito romano visava a cooptação das elites locais para a esfera de poder romana, oferecendo-lhes benesses em troca de obrigações estabelecidas através de diplomacia ou, em certos casos, guerra. As elites locais se tornavam estados clientes de Roma, ou foederati, mantendo certa autonomia, mas, na perspectiva romana, eram parte integrante do Império (Whittaker, 1994, p. 44). Esse sistema de controle indireto complementa a visão do poder romano como algo que transcende seus limites operacionais, mostrando diferentes formas de exercer influência e domínio sobre os territórios e povos vizinhos, sem depender exclusivamente de uma ocupação militar direta.
III.Culturas Materiais e Mobilidade Przeworsk e Wielbark
A pesquisa analisa as culturas materiais de grupos germânicos, como a cultura Przeworsk e a cultura Wielbark, utilizando a arqueologia para compreender a dinâmica das interações com Roma. A mobilidade destes grupos, evidenciada por registros arqueológicos, sugere autonomia e a possibilidade de circulação de objetos romanos através de conflitos. Kontny (2016) e Cieśliński (2016) são fontes importantes neste contexto, analisando a influência das rotas de comércio, como a rota do âmbar, na circulação de bens e o caráter migratório da cultura Wielbark, a influência de grupos escandinavos e a organização social patriarcal, mas com uma presença significativa de sepultamentos femininos (ex: cemitério de Kowalewko).
1. A Cultura Material da Cultura Przeworsk e as Rotas de Comércio
Esta seção examina a cultura Przeworsk e sua interação com o Império Romano através da análise de sua cultura material. O texto destaca a mobilidade geográfica deste grupo, evidenciada por registros arqueológicos que mostram movimentações para o norte e leste. Essa mobilidade indica autonomia e liberdade, e sugere que a circulação de objetos, possivelmente incluindo objetos romanos, ocorria também por meio de conflitos entre grupos locais (Kontny, 2016, p. 171). A cultura Przeworsk estava integrada em redes de troca, especialmente em torno das rotas comerciais do âmbar (Kontny, 2016, p. 206). Estas redes utilizavam diversas formas de transporte, como carroças, cavalos, barcos longos e barcaças, facilitando a movimentação de bens, incluindo o ferro trabalhado, para o norte e para o sul. Os objetos importados de origem romana são considerados indicadores de rotas de circulação, chegando através de rotas sul/centro/norte da Polônia e além (Kontny, 2016, p. 206), demonstrando a complexa interconectividade da região.
2. A Cultura Wielbark Migração Enterramentos e Organização Social
A seção focaliza a cultura Wielbark, inicialmente localizada em uma pequena região ao norte da Polônia, entre a foz do rio Vístula e o rio Rega. Cieśliński (2016, p. 222) aponta uma zona de exclusão entre os territórios Wielbark e Przeworsk, coerente com os escritos de Tácito sobre áreas não habitadas entre os povos germânicos. O caráter migratório desta cultura é destacado, com evidências arqueológicas reforçando sua expansão em direção ao Mar Negro (Cieśliński, 2016, p. 229). Cieśliński propõe uma ligação entre os textos de historiadores romanos que registram ataques de tribos góticas no Mar Negro e o surgimento da cultura Wielbark nesta região. A cultura Wielbark abrangeu várias tribos germânicas, incluindo góticos, gépidos, rugii e lemovii, sendo que alguns destes grupos não são mencionados em fontes romanas. Os enterramentos Wielbark apresentam diferentes marcadores, como círculos de pedra ou montes de terra, com similaridades a sítios escandinavos, mas mantendo seu caráter continental. Cieśliński sugere a migração de pequenos grupos escandinavos, mas destaca a rápida assimilação dos elementos Wielbark por esses grupos, com a adoção específica de elementos funerários. A análise dos enterramentos indica uma sociedade patriarcal, embora a quantidade reduzida de objetos associados ao gênero masculino nos cemitérios, como no caso de Kowalewko (onde apenas 37 de 500 enterramentos eram masculinos - Cieśliński, 2016, p. 238), sugere uma possível migração de homens para o sul em grupos de guerra. A presença de espadas curtas, esporas, escudos, machados de batalha e pontas de flecha em alguns enterramentos indica a existência de guerreiros, com armamentos semelhantes aos de Przeworsk nos primeiros séculos d.C., e aos escandinavos a partir do século III d.C. (Cieśliński, 2016, p. 240). Caixas de madeira com ferramentas para tecer e costurar, e vasos romanos, indicam o status social das mulheres.
IV.A Escandinávia e os Contatos com Roma
O estudo explora os contatos da Escandinávia (Dinamarca e Suécia, especificamente as ilhas Fyn e Gotland) com o Império Romano, focando na presença de moedas romanas em contextos arqueológicos. Hedeager (1992) é referência chave, analisando a elite cavaleira escandinava e sua relação com a redistribuição de bens de prestígio romanos. A análise inclui a organização militar escandinava (cavalaria, infantaria e arqueiros) e o papel das lideranças locais na obtenção e distribuição de bens romanos, considerando a perspectiva marxista estruturalista. As descobertas arqueológicas (tesouros, enterramentos, etc.) em locais como Gudme e Lundeborg demonstram a importância destes centros de poder e produção, particularmente no que diz respeito à circulação de moedas romanas, principalmente nos séculos III e IV d.C. A análise considera a transição do Império Romano Ocidental para o Oriental, com Constantinopla como novo centro de emissão monetária.
1. Contatos Materiais Romanos na Escandinávia Moedas e Outros Bens
Esta seção aborda os contatos entre a Escandinávia (Dinamarca e Suécia, especificamente as ilhas Fyn e Gotland) e o Império Romano, focando na presença de objetos romanos, principalmente moedas, em contextos arqueológicos locais. A presença destas moedas sugere contatos tanto indiretos (via rotas bálticas) quanto diretos com o Império. A análise da cultura material romana na Escandinávia considera a redistribuição de bens de prestígio, importados de Roma, pela elite cavaleira, que detinha o poder militar e político (Hedeager, 1992, p. 160). Essa elite controlava a distribuição destes bens para outros membros da sociedade guerreira, influenciando a estrutura de poder local (Hedeager, 1992, p. 169). A força dessas lideranças dependia da capacidade de obter e redistribuir esses bens de prestígio entre seus guerreiros, configurando uma forma de organização do poder importante para o período romano, mas não para períodos posteriores.
2. Organização Social e Militar na Escandinávia Romana
A sociedade escandinava no período romano era liderada por militares profissionais, com os cavaleiros como grupo dominante (Hedeager, 1992, p. 170). Evidências arqueológicas, como esporas e cabrestos, indicam a presença de cavaleiros, enquanto lanças, machados, escudos e cotas de malha apontam para a existência de infantaria. A presença de pontas de flechas em depósitos de pântanos sugere o uso de arqueiros em combate (Hedeager, 1992, p. 162). Este sistema militar e a sua relação com a obtenção e distribuição de bens de prestígio, importados de Roma, influenciaram a estruturação das elites e das relações de poder na sociedade escandinava do período. A análise deste contexto social e militar fornece uma perspectiva para entender a dinâmica dos contatos com o Império Romano, considerando tanto a obtenção de bens de prestígio quanto a participação em conflitos militares.
3. Gudme Lundeborg Um Centro de Poder e Produção
O estudo analisa o complexo Gudme-Lundeborg na Dinamarca, destacando a importância de Gudme como centro de poder e produção, e de Lundeborg como via de comunicação e contato externo (Jorgens, 2010, p. 275). A monumentalidade da residência principal em Gudme, com 500 metros quadrados e objetos indicando riqueza (tesouro de ouro, prataria romana, objetos de vidro e bronze, denários), sugere a presença de oficinas de produção. Jorgens argumenta que o senhor de Gudme obtinha recursos por meio de pagamentos pelo uso das fazendas e oficinas controladas por ele, e também pelo porto de Lundeborg (Jorgens, 2010, p. 275). A importância de Gudme é relacionada ao interesse romano na região ao norte do limes, evidenciado por achados romanos, especialmente moedas que chegaram através de Lundeborg entre os séculos III e IV d.C. Com o tempo, há uma mudança nos objetos encontrados, indicando uma transição do contato com o Império Romano Ocidental para o Oriental, com Constantinopla e o Mediterrâneo Oriental como novos centros emissores de moedas de ouro. Gudme atuava como ponto importante na construção de relações locais e nos contatos com outros grupos, tanto em Funen como em outras regiões.
V.Moedas Romanas no Norte e Centro da Europa Interpretações e Usos
A análise das moedas romanas (denários, sestércios, sólidi) encontradas no Norte e Centro da Europa fornece insights sobre as relações entre Roma e seus vizinhos. A pesquisa considera a frequência de diferentes denominações e os possíveis usos das moedas, além do valor intrínseco, dentro de economias locais (utilizando as teorias de Polanyi, Dalton e Hodges). O tesouro de Frombork (Polónia), descoberto em 1911, serve como exemplo para análise de contexto, com Bursche e Zapolska (2014) como referências importantes. A pesquisa enfatiza a necessidade de integrar os achados numismáticos com outros dados arqueológicos e históricos para uma compreensão mais completa das relações econômicas e políticas entre Roma e os povos germânicos. As Guerras Marcomanas e a cooptação de guerreiros germânicos são discutidas no contexto da circulação de moedas. Green (2007) e Hedeager (1992) oferecem perspectivas teóricas adicionais para analisar a circulação de bens de prestígio, como as moedas, e o significado das trocas simbólicas entre as elites locais.
1. Panorama Histórico das Moedas Romanas e sua Presença na Europa
Esta seção inicia traçando um panorama histórico da produção monetária romana e das diferentes denominações encontradas no Norte e Centro da Europa. O foco principal é nos denários, a denominação mais frequente nos contextos estudados, que eram moedas de alto valor produzidas em uma única oficina em Roma, sob forte controle imperial. Esse controle abrangia a manutenção do peso e tamanho das moedas, fatores que determinavam seu valor no mundo romano. A análise considera a presença de outras denominações, como sestércios e sólidi, e suas implicações políticas e econômicas nos contextos estudados, buscando compreender a circulação dessas moedas como um reflexo das relações políticas entre Roma e seus vizinhos além do limes.
2. Usos Locais das Moedas Romanas e Teorias Antropológicas
A pesquisa discute a necessidade de analisar as moedas romanas considerando tanto a perspectiva do Império Romano quanto a dos povos locais e seus usos da moeda. Para isso, o estudo se vale de teorias antropológicas sobre economias sem mercado, propostas por Polanyi, Dalton e Hodges, para construir uma noção local do valor e uso da moeda por populações consideradas “primitivas”. A proposta de Dalton, apresentada por Bursche, considera quatro usos principais das moedas como "All Purpose Money": forma de pagamento, meio de troca, padrão de valor e garantidor de valor. A análise da quantidade de diferentes denominações monetárias, especialmente a escassez de moedas de bronze (asses e sestércios) no contexto báltico, indica que as moedas romanas não eram adotadas em sua totalidade, sugerindo um escopo limitado de usos, principalmente no comércio diário de menor valor.
3. O Tesouro de Frombork e a Cronologia do Fluxo Monetário
O tesouro de Frombork, descoberto em 1911 na Polônia, serve como estudo de caso para melhor contextualizar o uso e atribuições locais das moedas romanas. O tesouro continha 32 moedas (28 denários, um sestércio, duas moedas de bronze indefinidas e um sólido), além de objetos de bronze e contas de vidro. A análise da cronologia do tesouro, baseada nas datas aproximadas das moedas, sugere um período de grande fluxo de moedas na região da Polônia associado ao reinado de Marco Aurélio e seus descendentes (Zapolska, 2014, p. 99), durando pouco tempo, do início do governo de Aurélio até os primeiros anos de Septímio Severo. Apesar disso, moedas romanas continuaram circulando em contextos locais, mesmo após o período romano, em contextos de migrações e períodos medievais. A autora, Zapolska, e Bursche argumentam pela necessidade de unificar os estudos numismáticos para entender a presença de moedas romanas como um fenômeno mais amplo, justificando o recorte regional no Báltico, tanto continental quanto insular. A presença de um objeto de bronze danificado e um lingote de bronze no tesouro contribui para uma melhor contextualização do seu uso.
4. Perspectivas Teóricas e Conclusões
A seção integra diferentes perspectivas teóricas para interpretar a circulação de moedas romanas no contexto Báltico. A perspectiva marxista estruturalista de Lotte Hedeager, que enfatiza o diálogo entre estruturas locais, regionais e supra-regionais na produção de mudanças sociais, é considerada. Embora os valores intrínsecos das moedas no contexto germânico sejam abordados a partir de uma perspectiva antropológica, a visão de Hedeager ajuda a entender as diversas forças em ação na circulação das moedas na ótica romana. As Guerras Marcomanas, empreendidas por Marco Aurélio, são analisadas como um exemplo de como a expansão territorial romana e seus conflitos influenciaram na circulação de moedas e na cooptação de guerreiros germânicos para os exércitos auxiliares. A análise também incorpora a perspectiva de Thomas Green (2007), que considera objetos romanos como bens de luxo, com alta especialização na produção. A circulação destes bens, incluindo as moedas, é analisada a partir das negociações entre as elites regionais, evidenciando a natureza circunstancial e pouco expressiva da troca comercial com uso de moedas nos contextos locais do período.