Múltiplas mutações em peptídeo conservado da proteína E do Dengue virus: implicações para a biologia do vírus

Mutações na Proteína E do Vírus Dengue

Informações do documento

Autor

Anaclara Pincelli Cintra

instructor Daniel Santos Mansur
Escola

Universidade Federal de Santa Catarina

Curso Ciências Biológicas
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Florianópolis
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 12.84 MB

Resumo

I.Resumo do Estudo Fenótipo do Vírus da Dengue Sorotipo 1 com Mutações na Proteína E

Este estudo investigou o fenótipo do vírus da dengue (DENV-1) após a substituição de aminoácidos polares e carregados na região E 250-270 da proteína E por Alaninas, gerando o mutante pBACMut A. O objetivo principal foi avaliar como essas mutações na proteína, crucial para a entrada viral na célula hospedeira via endocitose, afetam a replicação viral e a infectividade. Utilizando-se células Huh7.5, foram realizadas transfecções com o RNA viral (pBACDV1 e pBACMut A) e posteriormente avaliadas a expressão gênica via qPCR, utilizando o gene 18S como referência para células e ORF1-ORF2 do Norovírus murino para sobrenadantes, e a propagação viral por imunofluorescência. Resultados preliminares sugerem que, apesar das mutações em resíduos considerados críticos (como H261, identificado por Christian et al., 2013), a replicação do RNA viral não foi completamente comprometida, embora a infectividade do pBACMut A necessite de mais análises. A pesquisa foi realizada com apoio de Renata Cristina Fleith e contou com a colaboração de Brian Ferguson (University of Cambridge) nas análises bioquímicas.

1. Introdução ao Vírus da Dengue e à Proteína E

O resumo inicia descrevendo a ampla disseminação global do vírus da dengue, destacando a existência de quatro sorotipos que afetam principalmente regiões tropicais e subtropicais. É classificado como um arbovírus do gênero Flavivirus, com genoma de RNA fita simples de senso positivo. A entrada do vírus na célula hospedeira ocorre por endocitose, processo no qual a proteína E desempenha papel fundamental, interagindo com receptores de superfície celular. Mutações pontuais nessa proteína têm demonstrado impacto negativo na biologia viral. A região E 250-270 da proteína E é uma das mais conservadas evolutivamente, sendo o foco deste estudo. A hipótese central é que múltiplas mutações na sequência codante do peptídeo E 250-270 do DENV-1 têm efeito sinérgico e interferem no fenótipo viral. O objetivo é avaliar o fenótipo do vírus da dengue (sorotipo 1) com substituição de aminoácidos polares e carregados da região E 250-270 por Alaninas, denominado pBACMut A. O abstract reforça esses pontos em inglês, adicionando que a replicação do material genético in vitro não parece ser totalmente comprometida pelas mutações no pBACMut A, embora a capacidade infectiva ainda necessite de avaliações adicionais. A introdução destaca a íntima relação entre vírus e seres humanos, mencionando a presença de fragmentos de DNA viral no genoma humano e a importância dos vírus na microbiota humana para a homeostase. A proteína E, com 495 aminoácidos, é a maior proteína de superfície dos Flavivirus e a que possui maior número de antígenos, constituindo o envelope viral em 180 cópias, somadas a 180 cópias de prM, organizadas em três domínios (E-DI, E-DII e E-DIII). O domínio III é o principal alvo de anticorpos neutralizantes e provavelmente responsável pela ligação ao receptor celular.

2. Mutações na Proteína E e Hipótese do Estudo

Diversos estudos apontam que mutações pontuais na proteína E impactam negativamente a biologia do vírus da dengue. Huang et al. (2010) mostraram que mutações na região AA 98-111 alteram a cinética de crescimento e reduzem a eficiência de fusão. Wispelaere e Yang (2012) sugeriram que mutações na região DI/DII Linker afetam a montagem da partícula viral. Christian et al. (2013) identificaram aminoácidos essenciais para a biologia viral, três deles localizados na porção E250-270: M260, H261 e A267. O estudo descreve a criação do mutante pBACMut A, no qual todos os aminoácidos polares e carregados da região E 250-270 foram substituídos por Alaninas, aminoácidos simples que não alteram significativamente a estrutura da proteína. A escolha dos aminoácidos para mutação levou em consideração sua acessibilidade na superfície tridimensional da proteína (avaliada pelo software ASA), focando em resíduos com pelo menos 50% de acessibilidade, analisando as cargas dos resíduos pelo software Pymol. O trabalho utilizou um cromossomo artificial bacteriano (BAC) codante para a poliproteína do DENV1 (pBACDV1) como base para a construção do mutante, com o fragmento E250-270 substituído por um fragmento mutado, resultando em pBACMut A. As bactérias transformadas com pBACDV1 e pBACMut A foram fornecidas por Renata Cristina Fleith. O interesse em analisar o efeito sinérgico das múltiplas substituições de aminoácidos motivou o desenvolvimento desse mutante, visando um mínimo impacto na estrutura da proteína.

3. Metodologia Experimental e Análises

A metodologia detalha o processo de transcrição in vitro do DNA plasmidial, utilizando a enzima de restrição SwaI para linearizar o DNA, e os kits mMESSAGE mMACHINE e MEGAscript T7 (Life Technologies) para a transcrição. A otimização do rendimento de RNA é abordada, com a introdução do MEGAscript T7 e o pré-tratamento com proteinase K e inibidor de RNase. A transfecção foi realizada em placas de 24 poços com células Huh7.5, utilizando lipossomos (Lipofectin, Invitrogen) e diferentes quantidades de RNA viral (300 ng, 1000 ng, 2000 ng). Foram utilizados controles (Mock e células sem transfecção) para comparação. Em intervalos de 24, 72 e 120 horas pós-transfecção, o sobrenadante foi coletado e armazenado a -80°C, e as células foram processadas para extração de RNA para qPCR ou fixadas para imunofluorescência. A qPCR utilizou o gene 18S como normalizador para amostras de células e ORF1-ORF2 de Norovírus murino para sobrenadantes, com a sequência nucleotídica correspondente à proteína NS5 do DENV-1 como alvo. A imunofluorescência utilizou o anticorpo anti-E de Flavivirus 4G2 (derivado do hibridoma D1-4G2-4-12) e DAPI para marcação nuclear. A titulação viral, realizada com o sobrenadante das células transfectadas após 120h, buscou detectar placas de lise, sendo repetidas as etapas com sobrenadantes congelados e não congelados para controle. Foram utilizadas diluições seriadas do sobrenadante. A PCR foi realizada em um Applied Biosystems StepOne PCR System, e os dados analisados pelo método 2(-Delta Delta C(T)).

II.Metodologia Transcrição in vitro Transfecção e Análises

O estudo utilizou um cromossomo artificial bacteriano (BAC) contendo o genoma do DENV-1 (pBACDV1) como base para gerar o mutante pBACMut A. A transcrição in vitro do DNA plasmidial linearizado (utilizando a enzima SwaI) foi realizada com os kits mMESSAGE mMACHINE e MEGAscript T7 (Life Technologies), buscando otimizar o rendimento de RNA. A transfecção em células Huh7.5 foi feita com lipossomos (Lipofectin, Invitrogen) e diferentes concentrações de RNA viral (300ng, 1000ng, 2000ng). A expressão do RNA viral foi quantificada por qPCR em diferentes tempos (24h, 72h e 120h) pós-transfecção, tanto em células quanto no sobrenadante. A imunofluorescência foi empregada para visualizar a propagação viral utilizando anticorpos anti-E de Flavivirus (4G2). A titulação viral foi realizada com o sobrenadante das células transfectadas, avaliando a presença de placas de lise.

1. Transcrição in vitro do DNA Plasmidial

Esta etapa descreve a produção in vitro de RNA viral a partir do DNA plasmidial. Inicialmente, o DNA plasmidial, contendo o gene da proteína E do vírus da dengue, foi linearizado utilizando-se a enzima de restrição SwaI (10 U/µL, New England Biolabs). A digestão foi realizada com 2,5 µL da enzima, 2,5 µg de DNA, 5 µL de tampão 3.1 (New England Biolabs) e água livre de nucleases, num volume final de 50 µL, incubando a mistura a 30°C por 16 horas. A digestão foi confirmada por eletroforese em gel de agarose a 0,8%. Para a transcrição in vitro, foram utilizados dois kits: o mMESSAGE mMACHINE e o MEGAscript T7 High Transcription Kit (ambos da Life Technologies). O primeiro kit foi utilizado seguindo as recomendações do fabricante. Para o segundo kit, a solução da reação continha 2 µL de ATP, 2 µL de CTP, 2 µL de UTP, 1 µL de GTP, 4 µL de tampão, 2 µL de enzima, 1 µL de CAP 40 mM e 1 µL de inibidor de RNase. A escolha do segundo kit visava melhorar o rendimento da reação, que com o primeiro kit era sempre inferior a 13 µg de RNA. A utilização do MEGAscript T7, combinada com o pré-tratamento das amostras com proteinase K e a adição de inibidor de RNase durante a reação, superou esse rendimento mínimo.

2. Transfecção Celular e Controles Experimentais

A transfecção, ou seja, a introdução do RNA viral nas células, foi realizada em placas de cultura celular de 24 poços contendo células Huh7.5 (linhagem de hepatoma humano, Lin et al., 2000). A confluência celular foi mantida entre 70-80% no momento da transfecção, com a preparação das placas no dia anterior, contendo 6,4 x 10^4 células por poço. A transfecção utilizou lipossomos (Lipofectin, Invitrogen), na proporção de 1:8 (2,5 µL de Lipofectin e 17,5 µL de Opti-MEM (Gibco) por reação), incubada por 30 minutos à temperatura ambiente. Antes da transfecção, o meio de cultura (DMEM/F12, Gibco) com 10% de SFB (Gibco) e 1% de penicilina/estreptomicina (Gibco) foi substituído por 500 µL de Opti-MEM. Foram preparadas soluções contendo 300 ng, 1000 ng ou 2000 ng de RNA viral em 20 µL de Opti-MEM. Essas soluções foram misturadas com a solução de Lipofectin e Opti-MEM incubada, num volume total de aproximadamente 40 µL. Em seguida, essa mistura foi adicionada a 250 µL de Opti-MEM em microtubos e então transferida para os poços com as células. O meio original das células foi substituído por 290 µL dessa solução (ou apenas Lipofectin e Opti-MEM no Mock). Foram utilizadas placas separadas para cada tempo de coleta (24h, 72h e 120h). Poços com o mesmo procedimento sem RNA viral (Mock) e poços apenas com células em meio DMEM/F12 (controle basal) também foram incluídos.

3. Análises qPCR Imunofluorescência e Titulação Viral

Após os tempos de incubação (24, 72 e 120 horas), o sobrenadante foi aspirado e armazenado a -80°C. As células foram processadas para extração de RNA, destinado às análises de qPCR ou fixadas com metanol/acetona (1:1) a -20°C por pelo menos 16 horas para imunofluorescência. A imunofluorescência utilizou DAPI (1 µg/mL) para marcação nuclear, e anticorpo anti-E de Flavivirus 4G2 como primário, seguido de anticorpo secundário Alexa Fluor 488 rabbit anti-mouse IgG. Para a qPCR, utilizou-se o gene 18S como referência para amostras celulares e ORF1-ORF2 de Norovírus murino para amostras do sobrenadante, visando a detecção da sequência nucleotídica correspondente à proteína NS5 do DENV-1. Para a titulação viral, utilizaram-se sobrenadantes das células transfectadas com pBACDV1, pBACMut A e Mock (após 120h), também incluindo um novo Mock para controle celular. As titulações foram feitas com sobrenadantes congelados e não congelados, usando diluições seriadas em duplicata técnica, e avaliando a presença de placas de lise após seis dias de incubação. A PCR quantitativa em tempo real foi realizada no aparelho Applied Biosystems StepOne PCR System, e os dados analisados pelo método 2(-Delta Delta C(T)) usando o StepOne Software v2.1 e Excel, com gráficos no Graphpad Prism.

III.Resultados e Discussão Expressão Genética e Infectividade

Análises de qPCR mostraram que o mutante pBACMut A mantém uma expressão significativa de RNA viral em todos os tempos avaliados, sugerindo que as mutações na região E 250-270 não impedem completamente a replicação viralin vitro. No entanto, a titulação viral não detectou placas de lise, indicando uma possível diminuição da infectividade. A diferença na expressão relativa de RNA entre pBACDV1 e pBACMut A nas 24h iniciais sugere diferenças na eficiência de transfecção, dificultando a comparação direta dos resultados. A análise de imunofluorescência confirmou a expressão da proteína E em células transfectadas com pBACDV1, evidenciando a replicação viral. Os resultados são discutidos à luz de estudos prévios que identificaram aminoácidos críticos na proteína E para a infectividade (Christian et al., 2013; Wispelaere e Yang, 2012), incluindo o resíduo H261, que foi modificado em pBACMut A. Estudos adicionais são necessários para elucidar completamente o impacto das mutações na infectividade do vírus da dengue.

1. Análise da Expressão Relativa de RNA Viral por qPCR

A expressão relativa de RNA viral foi avaliada por qPCR em células Huh7.5 transfectadas com pBACDV1 e pBACMut A, em diferentes tempos (24h, 72h e 120h pós-transfecção), e também nos sobrenadantes correspondentes. O gene 18S serviu como gene de referência para as amostras de células, enquanto a sequência ORF1-ORF2 do Norovírus murino foi utilizada como referência para as amostras de sobrenadante. Os resultados indicaram a presença de uma quantidade significativa de RNA viral do mutante pBACMut A em todos os tempos de coleta, tanto em células quanto no sobrenadante, sugerindo que as mutações introduzidas não impedem completamente a replicação do RNA viral in vitro. Entretanto, uma diferença significativa na expressão relativa de RNA entre pBACDV1 e pBACMut A foi observada após 24 horas, indicando possíveis diferenças na eficiência da transfecção entre os grupos, dificultando a comparação direta da expressão viral em tempos posteriores (72h e 120h). A ausência de detecção de DV1 no grupo Mock e no controle basal (células Huh7.5 não transfectadas sem Lipofectin e Opti-MEM) confirma a especificidade da detecção do RNA viral.

2. Visualização da Propagação Viral por Imunofluorescência

A propagação do vírus da dengue nas células Huh7.5 transfectadas foi visualizada por imunofluorescência. Utilizou-se o anticorpo primário 4G2 (anti-E de Flavivirus) para marcar a proteína E, seguido do anticorpo secundário Alexa Fluor 488 rabbit anti-mouse IgG (visualizado em verde). O DAPI foi utilizado para marcar os núcleos celulares (visualizado em azul). As imagens de microscopia mostraram a localização da proteína E predominantemente no citoplasma celular, confirmando a replicação e a expressão da proteína viral nas células transfectadas com pBACDV1. As imagens, em diferentes ampliações (320x e 400x), permitiram uma visualização detalhada do espalhamento viral no citoplasma das células infectadas, fornecendo evidências visuais da replicação viral bem-sucedida. Esta análise corroborou os dados da qPCR, mostrando a capacidade de replicação viral nas células transfectadas com o plasmídeo selvagem.

3. Titulação Viral e Discussão dos Resultados

A titulação viral do sobrenadante após 120 horas de transfecção com RNA de pBACDV1 e pBACMut A não apresentou placas de lise, indicando ausência ou baixos níveis de partículas virais infecciosas no sobrenadante. Este resultado contrastou com os dados da qPCR, que mostraram uma expressão significativa de RNA viral. Para descartar a possibilidade de que o congelamento (-80°C) do sobrenadante afetasse a viabilidade das partículas virais, uma nova transfecção seguida de titulação direta do sobrenadante foi realizada. Os resultados são discutidos em relação a estudos prévios sobre mutações isoladas na proteína E (Christian et al., 2013), que identificaram aminoácidos críticos para a infectividade, incluindo H261 (substituído por Alanina em pBACMut A). A manutenção da expressão significativa de RNA de pBACMut A sugere que as mutações não interferem na replicação do RNA viral, mas sim em etapas posteriores, como a montagem ou a infectividade da partícula viral completa. Estudos como o de Wispelaere e Yang (2012), que observaram mutações compensatórias após passagens virais, são mencionados como contexto para futuras investigações.