Reaproveitamento de Resíduos em Construção Civil
Informações do documento
| Autor | Juliana Argente Caetano |
| Escola | Universidade de São Paulo, Escola de Engenharia de São Carlos |
| Curso | Engenharia Hidráulica e Saneamento |
| Tipo de documento | Dissertação |
| Local | São Carlos |
| Idioma | Portuguese |
| Formato | |
| Tamanho | 3.19 MB |
Resumo
I.Caracterização do Resíduo da Shredder e sua Classificação
Este estudo investiga o reaproveitamento da Terra da Shredder, uma fração fina (<2mm) do resíduo da Shredder (ASR - Automotive Shredder Residue) gerada em Iracemápolis-SP, Brasil. Este resíduo sólido industrial, com aspecto de solo, é tipicamente descartado em aterros, contribuindo para sua saturação e causando impactos ambientais. A pesquisa classificou a Terra da Shredder como resíduo Classe IIA (não perigoso e não inerte) após testes de lixiviação, embora alguns elementos como alumínio, fenol total e cádmio tenham excedido os limites de solubilização.
1. Origem e Natureza da Terra da Shredder
A pesquisa centra-se na caracterização e no potencial de reutilização da Terra da Shredder, um subproduto da reciclagem de sucata ferrosa, especificamente o resíduo gerado na trituração de veículos em fim de vida. Este resíduo, conhecido como ASR (Automotive Shredder Residue), é composto majoritariamente por material de pequena granulometria (<2mm) com aparência terrosa. Atualmente, a Terra da Shredder, assim como outros resíduos de Shredder, é destinada a aterros industriais, contribuindo para a saturação destes e gerando impactos ambientais significativos. O alto custo da disposição final desse material em aterros industriais justifica a busca por alternativas de reaproveitamento, o que motivou a presente pesquisa, realizada numa Shredder localizada em Iracemápolis - SP - Brasil. A grande quantidade de resíduos gerados (estima-se 227 kg de resíduos para cada tonelada de material metálico separado, segundo Hoffman, 1993) reforça a urgência em encontrar soluções sustentáveis para o gerenciamento desse tipo de resíduo sólido industrial.
2. Classificação do Resíduo segundo Normas Brasileiras
Para avaliar a periculosidade e o potencial impacto ambiental da Terra da Shredder, foram realizados testes de classificação seguindo normas técnicas brasileiras. Inicialmente, o resíduo foi classificado como Classe IIA, segundo a norma ABNT NBR 10004 (2004), indicando que se trata de um resíduo não perigoso e não inerte. Entretanto, análises mais detalhadas revelaram a presença de substâncias que ultrapassaram os limites de solubilização, como alumínio, fenol total e cádmio. A classificação como Classe IIA, apesar da presença desses elementos, indica que a maior parte do resíduo não apresenta riscos imediatos à saúde ou ao meio ambiente, mas a presença desses elementos reforça a necessidade de buscar alternativas para sua gestão segura e ambientalmente correta. A complexidade da classificação de resíduos sólidos industriais é destacada pela dificuldade em obter dados atualizados e consistentes sobre a geração desse tipo de resíduo no Brasil, como demonstrado pelo relatório preliminar do SINIR em 2011, baseado em dados incompletos e desatualizados de apenas 10 estados.
3. Comparação com Outros Estudos e Considerações Adicionais
A pesquisa compara os resultados obtidos com estudos anteriores, notando diferenças na composição da Terra da Shredder em relação a pesquisas como a de Batista (2014). Embora a fonte geradora seja a mesma, a variação na composição evidencia a importância de análises específicas para cada lote de resíduo. A presença de elementos como cádmio, fenol total, selênio e surfactantes é justificada pela utilização desses compostos em processos industriais, principalmente na indústria automobilística. A necessidade de um processo de despoluição eficiente em veículos em fim de vida é reforçada pela detecção de substâncias perigosas, como chumbo e o herbicida 2,4-D, em estudos anteriores com resíduos similares (Batista, 2014). O estudo destaca a importância da separação adequada de componentes perigosos, como baterias e acumuladores, antes do processo de trituração, para minimizar a contaminação do resíduo final. A pesquisa também aponta a utilização do resíduo em concreto como uma alternativa mais promissora que a recuperação energética do resíduo, visto os problemas causados pela presença de PVC no tratamento térmico do Fluf.
II.Utilização da Terra da Shredder em Peças de Concreto para Pavimentação
O trabalho propõe a utilização da Terra da Shredder como substituto parcial da areia em concreto para pavimentação, via técnica de solidificação/estabilização em matrizes de cimento Portland. Foram produzidos corpos de prova com teores de substituição de 5%, 10%, 15% e 20%. A matriz com 20% de substituição apresentou resistência mecânica compatível com a norma ABNT NBR 9781, levando à fabricação de peças com essa proporção. Os resultados indicaram bom desempenho mecânico e físico dos blocos, com a maioria dos elementos nocivos encapsulados pelo cimento.
1. Metodologia de Incorporação da Terra da Shredder no Concreto
A pesquisa investigou a viabilidade de utilizar a Terra da Shredder como um substituto parcial da areia na produção de peças de concreto para pavimentação. A técnica empregada foi a de solidificação/estabilização (S/S) em matriz de cimento Portland. Para determinar a melhor proporção de substituição, foram produzidos corpos de prova com diferentes teores de substituição da areia natural pela Terra da Shredder: 5%, 10%, 15% e 20% em massa. Os testes de resistência mecânica foram cruciais para determinar a porcentagem ideal. A escolha do cimento Portland CP V-ARI justifica-se por sua alta resistência inicial, permitindo menor tempo de cura e desforma, fatores importantes na produção industrial de artefatos de concreto. O uso deste cimento é comum na indústria de blocos para pavimentação, e a sua alta resistência contribui para uma maior durabilidade e sustentabilidade dos produtos finais. A pesquisa também considerou dois tipos de areia como agregado miúdo, areia fornecida pelo IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e areia comum.
2. Resultados da Resistência Mecânica e Desempenho Físico
Os resultados dos ensaios demonstraram que a matriz de concreto com 20% de substituição da areia pela Terra da Shredder atingiu uma resistência mecânica compatível com a norma ABNT NBR 9781. Essa constatação levou à produção de peças de concreto para pavimentação utilizando esta proporção de substituição. As peças produzidas com a Terra da Shredder apresentaram bom desempenho tanto mecânico quanto físico. Os ensaios de resistência à compressão mostraram resultados superiores ao valor exigido pela norma aos 9 dias de cura, e aos 28 dias o resultado ficou ligeiramente abaixo, mas dentro de uma margem aceitável, considerando a utilização de um material não convencional. Além da resistência mecânica, o desempenho físico também foi avaliado, especificamente através do ensaio de absorção de água, que se manteve dentro dos parâmetros da norma, confirmando a boa qualidade das peças produzidas. A pesquisa sugere, no entanto, novos testes com porcentagens menores de substituição (entre 15% e 20%) para garantir que o parâmetro de resistência aos 28 dias esteja totalmente dentro dos limites estabelecidos pela norma.
III.Desempenho Mecânico e Químico das Peças de Concreto
Os blocos de concreto para pavimentação apresentaram boa resistência à compressão aos 9 dias, superando os requisitos da norma. Aos 28 dias, embora ligeiramente abaixo do ideal, a resistência foi considerada satisfatória. Em relação ao desempenho químico, após a solidificação/estabilização, a maioria dos contaminantes (ferro total, fluoretos, manganês, selênio e surfactantes) foram eficientemente encapsulados. No entanto, alumínio, fenol total e cádmio excederam os limites permitidos, embora com redução significativa em relação aos níveis encontrados no resíduo original. O cádmio, em particular, também estava presente em blocos de controle sem o resíduo, sugerindo contaminação dos materiais convencionais.
1. Análise do Desempenho Mecânico
As peças de concreto para pavimentação produzidas com a Terra da Shredder foram submetidas a ensaios de resistência à compressão, seguindo as normas ABNT NBR 5738 (1994) e ABNT NBR 5739 (2007). Os resultados mostraram um bom desempenho mecânico. Aos nove dias de cura, a resistência à compressão superou os valores mínimos exigidos pela norma. Aos 28 dias, embora tenha apresentado um valor ligeiramente inferior ao estabelecido pela norma (uma diferença de apenas 0,9 MPa), o desempenho foi considerado satisfatório, especialmente considerando-se que se trata de um material não convencional. A pequena discrepância aos 28 dias sugere a necessidade de ajustes na composição do concreto, possivelmente reduzindo a porcentagem de substituição da areia natural pela Terra da Shredder para uma faixa entre 15% e 20%, a fim de otimizar a resistência a longo prazo e garantir a conformidade total com as normas técnicas. O bom desempenho mecânico demonstra o potencial do uso da Terra da Shredder como agregado em concreto para pavimentação.
2. Avaliação do Desempenho Químico e Eficiência de Estabilização
Para avaliar a eficiência da técnica de solidificação/estabilização e o impacto da incorporação da Terra da Shredder no desempenho químico do concreto, foram realizados testes de solubilização. Os resultados demonstraram que o bloco de concreto final foi classificado como Classe IIA (não perigoso e não inerte), conforme a norma ABNT NBR 10004 (2004). Cinco dos oito elementos nocivos encontrados no resíduo original (ferro total, fluoretos, manganês, selênio e surfactantes) foram eficientemente estabilizados, suas concentrações não ultrapassando os limites estabelecidos pela norma. No entanto, alumínio, fenóis totais e cádmio apresentaram concentrações acima do limite máximo permitido. Embora o alumínio e os fenóis totais tenham apresentado um alto índice de estabilização, com reduções significativas em suas concentrações, eles ainda não atingiram os níveis exigidos pela norma. A concentração de cádmio, por sua vez, permaneceu praticamente inalterada, indicando que não houve encapsulamento eficiente desse elemento. A presença de cádmio também foi observada em peças de concreto produzidas com materiais convencionais, sem o resíduo, sugerindo contaminação potencial nos próprios materiais de construção. Apesar destes resultados, a matriz de cimento demonstrou uma boa capacidade de encapsular vários elementos nocivos do resíduo, reduzindo significativamente seu potencial poluidor.
IV.Materiais e Métodos
A pesquisa utilizou cimento Portland CP V-ARI, areia normal (Instituto de Pesquisas Tecnológicas - IPT) e a Terra da Shredder. Foram realizados ensaios de resistência à compressão, absorção de água, e análise de lixiviação (conforme Standard Methods SW 846) para avaliar a eficiência de encapsulamento de metais pesados. O IPT forneceu a areia utilizada nos testes de índice de pozolanicidade (ABNT NBR 5752).
1. Materiais Utilizados
A pesquisa utilizou como materiais principais o cimento Portland CP V-ARI, escolhido por sua alta resistência inicial e disponibilidade no mercado, e a Terra da Shredder, o resíduo sólido em foco. Dois tipos de areia foram empregados como agregado miúdo: areia fornecida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e areia comum. A areia do IPT foi utilizada em ensaios específicos, como na determinação do índice de pozolanicidade com o cimento, seguindo a norma ABNT NBR 5752 (2014). A especificação da areia do IPT inclui características como granulometria, teor de argila, feldspato, mica e matéria orgânica. A água utilizada na composição do concreto deveria estar isenta de impurezas para garantir a qualidade do produto final, conforme os preceitos de Frasson Júnior (2000), que indica que o excesso de água pode levar a problemas de desmoldagem e deformações, apesar de contribuir para o adensamento do concreto em processos de vibro-prensagem. A pesquisa também utilizou equipamentos de rotina em laboratórios de construção civil como prensa hidráulica e estufa.
2. Métodos de Análise
A metodologia incluiu diversos ensaios para avaliar a caracterização da Terra da Shredder e o desempenho das peças de concreto produzidas. Para a obtenção do extrato lixiviado, a amostra de resíduo passou por uma peneira de malha 9,5 mm e foi misturada a uma solução ácida, sendo agitada mecanicamente por 18 horas a 25°C. O filtrado resultante foi analisado segundo a 22ª edição do Standard Methods SW 846 (2012). O teor de finos do material foi determinado com base na norma ABNT NBR NM 46, através de um processo de lavagem e peneiramento em peneira de 75 µm. A massa específica do resíduo foi determinada utilizando-se um método de imersão em água. A granulometria foi analisada de acordo com a NBR 7211 (2009), utilizando um conjunto de peneiras e um agitador mecânico. O desempenho mecânico das peças de concreto foi avaliado através de ensaios de resistência à compressão, segundo as normas ABNT NBR 5738 (1994) e ABNT NBR 5739 (2007), utilizando corpos de prova cilíndricos. O desempenho físico foi avaliado através do ensaio de absorção de água, seguindo as recomendações da NBR 9781 (2013).
V.Conclusão
A Terra da Shredder mostrou potencial para ser utilizada em concreto para pavimentação, reduzindo o volume de resíduos sólidos industriais destinados a aterros. Embora alguns elementos não tenham sido completamente encapsulados, o estudo demonstra a viabilidade da técnica de solidificação/estabilização para o reaproveitamento deste resíduo em aplicações na construção civil. Recomenda-se otimizar a porcentagem de substituição (entre 15% e 20%) para atender completamente aos padrões de resistência mecânica da norma ABNT NBR 9781.
1. Seleção de Materiais e Padronização
A escolha dos materiais foi crucial para o sucesso da pesquisa. O cimento Portland CP V-ARI foi selecionado por sua capacidade de atingir altas resistências em curtos períodos de tempo, além de sua ampla disponibilidade comercial. Essa característica é particularmente vantajosa na produção industrial de blocos de pavimentação, pois reduz os tempos de desforma e cura. Foram utilizados dois tipos de areia como agregado miúdo: areia fornecida pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e areia comum. A areia do IPT foi usada para garantir padronização e atender aos requisitos da norma ABNT NBR 5752 (2014) para a determinação do índice de pozolanicidade. A água utilizada na mistura de concreto precisava estar isenta de impurezas que pudessem afetar negativamente a qualidade do produto final. A Terra da Shredder, o resíduo em estudo, constituiu a variável principal na composição dos corpos de prova. O controle de qualidade dos materiais foi rigorosamente realizado seguindo normas técnicas relevantes.
2. Métodos de Ensaio e Procedimentos
A metodologia empregada envolveu uma série de ensaios para caracterizar os materiais e avaliar o desempenho do concreto produzido. Para determinar a massa específica da Terra da Shredder, foi utilizado o método de imersão em água. A granulometria do material foi analisada seguindo a norma NBR 7211 (2009), utilizando um conjunto de peneiras. A determinação do índice de consistência, como exigido pela norma ABNT NBR 5752 (2014), para avaliar a capacidade pozolânica, envolveu a produção de duas argamassas: uma com areia normal e cimento convencional, e outra contendo 25% do resíduo. Testes de lixiviação foram realizados para avaliar o potencial poluidor e a eficiência de encapsulamento de metais pesados, seguindo a metodologia da 22ª edição do Standard Methods SW 846 (2012). A resistência mecânica do concreto foi aferida através de ensaios de compressão, realizados em corpos de prova moldados conforme ABNT NBR 5738 (1994) e testados de acordo com ABNT NBR 5739 (2007). A absorção de água, um indicador do desempenho físico, seguiu as orientações do Anexo B da NBR 9781 (2013). A escolha dos métodos e normas seguiu os padrões estabelecidos para materiais convencionais, reconhecendo a necessidade de normas específicas para resíduos sólidos.
