
Geologia da Ilha do Campeche
Informações do documento
Autor | Norberto Olmiro Horn Filho |
Escola | Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) |
Curso | Geociências, Geografia |
Local | Florianópolis |
Tipo de documento | Texto Explicativo para Mapa Geológico |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 7.50 MB |
Resumo
I.Geologia da Ilha do Campeche Substrato Geológico e Unidades Litoestratigráficas
Este estudo geológico da Ilha do Campeche, localizada em Santa Catarina, caracteriza seu substrato. Foram identificadas três unidades litoestratigráficas principais: a Suíte Intrusiva Pedras Grandes, a Suíte Cambirela, e as intrusões básicas da Formação Serra Geral (Bacia do Paraná). As rochas mais antigas são os granitoides da Suíte Intrusiva Pedras Grandes, representados pelo Granito Ilha, datado em aproximadamente 524±68 Ma (final do Neoproterozoico). A Suíte Cambirela inclui granitoides porfiríticos (Granito Itacorubi, Riolito Cambirela) e diques básicos. A Formação Serra Geral é representada por diques de diabásio, intrusivos nas rochas mais antigas. A análise da composição mineralógica e textural das rochas foi crucial para a classificação das unidades geológicas.
1. Unidades Litoestratigráficas da Ilha do Campeche
O estudo identificou três unidades litoestratigráficas principais na Ilha do Campeche. A primeira é associada às rochas do Embasamento Cristalino, subdividida em duas suítes: a Suíte Intrusiva Pedras Grandes e a Suíte Cambirela. A Suíte Intrusiva Pedras Grandes, representada principalmente pelo Granito Ilha, é considerada a unidade mais antiga, com idade estimada em 524 ± 68 Ma (final do Neoproterozoico), baseada em datações Rb/Sr (Basei, 1985). Sua mineralogia é composta por cristais de feldspatos alcalinos, plagioclásios (em menor proporção) e quartzo; biotitas são raras. Texturalmente, apresenta-se equigranular grossa a média, com estrutura maciça. Predominam sienogranitos e monzogranitos. A Suíte Cambirela engloba granitoides porfiríticos (Granito Itacorubi e Riolito Cambirela), diques e corpos filoneanos de origem vulcânica (riolitos, riodacitos e dacitos). A terceira unidade é composta pelas intrusões básicas da Formação Serra Geral (Bacia do Paraná), representadas por diques de diabásio, intrusivos em relação às rochas graníticas. A análise de relações de contato entre diques básicos mais antigos (Suíte Cambirela) e mais recentes (Formação Serra Geral) indica diferentes pulsos magmáticos. A observação de diferentes texturas e padrões estruturais entre os diabásios corrobora essa hipótese de múltiplos eventos magmáticos. O Granito Ilha, segundo Zanini et al. (1997) e Bitencourt et al. (2008), ocorre na maior parte da Ilha de Santa Catarina e em porções do litoral entre Florianópolis e Paulo Lopes. Em alguns pontos, como na Pedra da Guincha (ponto 10), observa-se o corte de monzogranitos por veios de aplito, indicando injeção de líquidos residuais durante a cristalização. Em outros pontos, como o ponto 12, há diques de riolito porfirítico intrudindo rochas básicas, indicando contemporaneidade magmática.
2. Embasamento Cristalino e sua Relação com a Província Costeira
O Embasamento Cristalino na Ilha do Campeche está inserido na parte sul da Província Mantiqueira (Almeida et al., 1977), fazendo parte do Escudo Catarinense e do Domínio Interno do Cinturão Dom Feliciano (Basei, 1985), também conhecido como Batólito Florianópolis. Este último, formado por rochas graníticas com direção preferencial NE, resultou de pulsos magmáticos associados à tectônica transgressiva do final do Ciclo Brasiliano (Bitencourt et al., 2008). As unidades mais antigas são faixas granito-gnáissicas do Proterozoico Superior. Após a estabilização tectônica, ocorreram intrusões de batólitos graníticos anorogênicos (Suíte Intrusiva Pedras Grandes) e vulcanismo ácido a intermediário (Suíte Cambirela). Segundo Horn Filho (2003), a província costeira de Santa Catarina na área de estudo é representada pelas unidades do Embasamento Cristalino e pela bacia marginal passiva de Santos. Nas partes mais elevadas predomina o Embasamento Cristalino e seus depósitos continentais, enquanto nas partes mais baixas são encontrados depósitos quaternários associados a sistemas deposicionais transicionais (planície costeira) e marinhos (plataforma continental). O Batólito Florianópolis, representado pela Suíte Intrusiva Pedras Grandes e Suíte Cambirela, constitui a primeira unidade relacionada ao Embasamento Cristalino na Ilha. A maior parte da ilha é composta por rochas granitoides, consideradas as mais antigas na coluna geológico-estratigráfica. As semelhanças texturais e composicionais levaram à classificação destas rochas como pertencentes à Suíte Intrusiva Pedras Grandes (Basei, 1985; Zanini et al., 1997).
II.Geomorfologia da Ilha do Campeche Modelados de Dissecação e Acumulação
A geomorfologia da Ilha do Campeche apresenta modelados de dissecação e acumulação. Os modelados de dissecação, dominados por processos erosivos pluviais e fluviais, ocorrem nas áreas mais elevadas, formando falésias (composta, escarpada e mergulhante) e plataformas de abrasão marinha. Os modelados de acumulação incluem formações marinhas (praias de enseada e cascalhosa, terraços marinhos) e eólicas (dunas frontais, mantos eólicos). A praia da Enseada, voltada para oeste, é protegida da ação direta das ondas, enquanto a praia cascalhosa, ao norte, é mais inclinada e sujeita à abrasão. A dinâmica praial é fortemente influenciada pelas ondas, correntes litorâneas, marés e ventos, com variações sazonais na erosão e deposição de sedimentos, conforme observado por Schmidt (2010). A ilha atua como um obstáculo natural, criando uma “zona de sombra” a oeste, influenciando a acumulação sedimentar.
1. Modelados de Dissecação na Ilha do Campeche
A geomorfologia da Ilha do Campeche é marcada por modelados de dissecação, resultantes de processos erosivos pluviais e fluviais, predominantes na porção continental do relevo. Esses processos não apresentam um controle estrutural significativo e, segundo o Manual Técnico de Geomorfologia (IBGE, 2009), são classificados como dissecados homogêneos. A intensa ação erosiva esculpiu formas de relevo características, como o costão, uma costa abrupta resultante da erosão marinha de alta energia. O costão forma o limite entre as áreas continentais mais elevadas e o oceano, predominantemente na porção leste da ilha, enquanto a porção oeste é mais protegida. Mazzer (2001) aponta que cerca de 90% da linha de costa da ilha é composta por rochas do embasamento cristalino, formando extensas falésias com diferentes morfologias: compostas, escarpadas e mergulhantes. Além do costão, os modelados de dissecação incluem formas de terracete estrutural, interflúvio tabular (formando pequenas colinas) e plataformas de abrasão marinha. A dissecação fluvial é evidente na presença de sulcos estruturais que compõem canais com padrões de drenagem paralelos, e está associada a formas de relevo como interflúvios tabulares, colinas e outeiros.
2. Modelados de Acumulação na Ilha do Campeche Praias e Dunas
Em contraponto aos modelados de dissecação, a Ilha do Campeche também apresenta modelados de acumulação, originados de processos marinhos e eólicos. As formações marinhas incluem praias de enseada e cascalhosa, terraços marinhos e terracete estrutural. A praia cascalhosa, localizada na porção norte, é composta por sedimentos cascalhosos com blocos e seixos retrabalhados pela abrasão marinha (Foto 14), apresentando maior inclinação (6º a 12º) que a praia da Enseada (<6º). A praia da Enseada, na porção oeste da ilha, é a área mais aplainada, protegida da ação direta das ondas. Os terraços marinhos, formados por transgressões e regressões marinhas, são faixas estreitas e levemente inclinadas em direção ao mar, apresentando ruptura de declive em relação à planície marinha atual (Guerra, 1993). Os modelados eólicos são representados por dunas frontais e mantos eólicos. A duna frontal, localizada na porção noroeste, é alongada e paralela à linha de costa, com vegetação herbácea que indica um caráter parcialmente ativo. A presença de um manto eólico, sobreposto ao terraço marinho e ancorado em um depósito de encosta, completa as formações eólicas da ilha.
3. Dinâmica Praial e Influência Oceanográfica na Ilha do Campeche
A dinâmica praial da Ilha do Campeche é fortemente influenciada por ondas, correntes, marés e ventos, especialmente durante eventos de ressacas. Mazzer (2001) descreve o predomínio de ondulações vindas do leste (nordeste, leste e sudeste) na região, com ondulações mais fortes do sul durante o inverno. A praia da Enseada, voltada para oeste, encontra-se abrigada da ação direta das ondas, formando uma 'zona de sombra' (Torronteguy, 2002) que altera o padrão de refração das ondas incidentes. Essa característica gera correntes longitudinais que transportam sedimentos para a zona de sombra, contribuindo para a acumulação sedimentar e a possível formação de um tômbolo ou pseudo-tômbolo entre a ilha e a planície costeira do Campeche. Resultados de Schmidt (2010) mostram variações sazonais nos perfis praiais, com acresção na primavera e verão e erosão no outono e inverno. A intensidade das correntes litorâneas é o principal fator de modificação da morfologia praial, particularmente na praia da Enseada. A pesquisa de Schmidt (2010) comprova a variação da linha de costa nos últimos 70 anos, mostrando a importância de estudar essas alterações na geomorfologia local.
III.Arqueologia da Ilha do Campeche Registros Rupestres e Oficinas Líticas
A Ilha do Campeche possui um importante patrimônio arqueológico, com registros de inscrições rupestres e oficinas líticas. As inscrições rupestres, localizadas principalmente em diques de diabásio, representam um código visual de populações pré-históricas. As oficinas líticas, com amoladores e afiadores, indicam a produção de ferramentas de caça, pesca e uso diário. A localização e o tipo de rocha utilizados nessas atividades arqueológicas refletem a adaptação humana ao ambiente insular. A ilha também apresenta vestígios da indústria baleeira, como ruínas de um tanque de fringir (Comerlato, 1998; Chamas, 2008). O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) oficializou o Tombamento da Ilha do Campeche como Sítio do Patrimônio Arqueológico e Paisagístico em nível nacional através da Portaria n° 07 de 2000.
1. Inscrições Rupestres na Ilha do Campeche
A Ilha do Campeche apresenta um significativo conjunto de inscrições rupestres, contribuindo para seu importante patrimônio arqueológico. Essas inscrições, localizadas principalmente em formações rochosas de diabásio associadas a diques intrusivos, e em menor número em formações graníticas, representam um código visual de populações pré-históricas (Mazzer, 2001). Comerlato (2005) destaca a escolha dos costões rochosos como suporte material para essas representações, indicando uma profunda relação de dependência e adaptação aos ambientes marinhos. O estudo registra a localização de diversas gravuras rupestres na ilha, nomeadas como Pedra Preta do Norte, Pedra Fincada, Saco do Rosa, Conforto, Saco da Fonte, Letreiro, Pedra Preta do Sul e Lageado (dispostas em falésias compostas), Ferro Elétrico (em plataforma de abrasão), e Triste (em falésia escarpada). A localização estratégica dessas inscrições em diferentes formações rochosas e posições geográficas na ilha demonstra a importância dessas áreas para as comunidades pré-históricas.
2. Oficinas Líticas Evidências de Atividades Pré Coloniais
Além das inscrições rupestres, a Ilha do Campeche contém importantes registros de oficinas líticas, sítios arqueológicos caracterizados por marcas e depressões nas rochas, principalmente em diques de diabásio e, em menor escala, em rochas graníticas (Foto 17a e 17b). Essas marcas representam amoladores, afiadores e bacias de polimento fixos, resultantes da fricção utilizada na confecção de artefatos polidos (IPHAN, 1998). Grupos pré-coloniais utilizavam essas oficinas para preparar e aperfeiçoar ferramentas para caça, pesca e uso diário. Os polidores, encontrados nas rochas, apresentam sulcos causados pelo atrito entre a rocha e fragmentos de outras rochas, utilizados na fabricação de instrumentos cortantes e objetos polidos (Rohr, 1969). As oficinas líticas são encontradas nos costões rochosos norte, sul, nordeste e leste da ilha, e também na face oeste, nos setores central e sul da praia. A análise da localização e das características dessas oficinas fornecem insights valiosos sobre as atividades e o modo de vida das populações que habitaram a Ilha do Campeche antes da colonização.
3. Vestígios da Indústria Baleeira na Ilha do Campeche
A Ilha do Campeche também apresenta vestígios de atividades da indústria baleeira. Comerlato (1998) sugere que a ilha serviu como posto de emergência para essa atividade, evidenciado pelas ruínas de um muro de contenção de um tanque de fringir. Este muro é composto por fragmentos rochosos assentados com gala, um produto derivado do óleo de baleia. Chamas (2008) menciona que, em meados do século passado, o tanque estava exposto, com dimensões aproximadas de 2m de profundidade e 10m de comprimento, atualmente encoberto por uma figueira. A presença constante de ossos de baleia sob a areia da praia, expostos durante eventos de ressacas, reforça essa evidência da atividade baleeira na ilha. Esses registros arqueológicos complementam a compreensão do uso da ilha ao longo da história, mostrando sua importância como local de atividades econômicas e de subsistência.
IV.Importância do Estudo e Conservação da Ilha do Campeche
A Ilha do Campeche é um importante local de estudo científico devido às complexas interações entre terra-oceano-atmosfera em um ambiente insular (Mazzer, 2000). Sua biodiversidade, geologia única, e patrimônio arqueológico a tornam um sítio de grande valor científico e cultural. A ilha é delimitada como Área de Preservação Permanente (APP) pelo Plano Diretor Municipal de Florianópolis (Lei Complementar n°. 482, de 2014), restringindo novas construções e a supressão da vegetação. Mazzer (2001) também destaca seu uso como abrigo para embarcações. A conservação da ilha é crucial para preservar sua integridade ecológica e seu rico patrimônio histórico e cultural.
1. Importância Científica do Estudo da Ilha do Campeche
A Ilha do Campeche, em Santa Catarina, se destaca pela complexidade das interações entre terra, oceano e atmosfera, tornando-se um ambiente ideal para estudos científicos (Mazzer, 2000). Sua condição insular permite a reprodução em menor escala de processos que ocorrem no continente, oferecendo a oportunidade de investigar diferentes aspectos ecológicos, epidemiológicos e sociais (King, 1999; King & Connel, 1999; King, 2010). O estudo científico de ilhas costeiras é fundamental para compreender essas interações complexas e os fenômenos resultantes, como vórtices, sistemas frontais e ressurgências locais (Guerra et al., 2007). A biodiversidade da ilha e o escasso conhecimento sobre a dinâmica física e sociocultural dos habitats insulares reforçam a importância da pesquisa, impulsionada também pela contribuição histórica de estudos insulares para a biogeografia, iniciados com Darwin e sua observação da evolução das espécies (Diegues, 1999). O estudo da Ilha do Campeche contribui significativamente para o avanço do conhecimento científico em diversas áreas.
2. Medidas de Proteção e Conservação da Ilha do Campeche
A importância da Ilha do Campeche é reconhecida por sua riqueza arqueológica, paisagística, ambiental e turística (Schmidt, 2010). Em nível nacional, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) oficializou o Tombamento da Ilha como Sítio do Patrimônio Arqueológico e Paisagístico, através da Portaria nº 07 de 2000 (Brasil, 2000). Além disso, o Plano Diretor Municipal de Florianópolis a delimitou como Área de Preservação Permanente (APP), pela Lei Complementar nº 482 de 2014 (Florianópolis, 2014). Essa designação assegura a impossibilidade de novas construções na ilha, a supressão de vegetação e outras medidas de proteção ambiental. A ilha também é utilizada para fins de navegação, servindo como abrigo para embarcações pesqueiras devido à sua proteção contra fortes ondulações (Mazzer, 2001). A integração de diferentes aspectos, desde a geologia e geomorfologia até o seu patrimônio arqueológico, destaca a necessidade de ações efetivas de conservação e manejo sustentável desse importante ecossistema.