Institucionalização do Défice

Défice Cognitivo em Idosos

Informações do documento

Autor

Vanessa Fernandes

instructor/editor Fernanda Daniel, Prof.ª Doutora
Escola

Instituto Superior Miguel Torga, Escola Superior de Altos Estudos

Curso Psicologia Clínica, Ramo de Psicoterapia e Psicologia Clínica
Tipo de documento Dissertação de Mestrado
Local Miranda do Corvo
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 852.60 KB

Resumo

I.Metodologia e População

Este estudo descritivo-correlacional e transversal investigou o défice cognitivo em 224 idosos (≥65 anos) em respostas sociais (Centros de Dia e Lares) do concelho de Miranda do Corvo, utilizando os instrumentos MMSE e MoCA. A amostra incluiu 179 mulheres (79,9%), com idade média de 83,76 anos (σ = ±7,29), sendo 93 (41,5%) analfabetos. Foram administrados 144 protocolos MMSE e MoCA, enquanto 80 idosos com demência avançada não puderam participar. As instituições envolvidas foram a Fundação ADFP, Lar Dr. Clemente de Carvalho, Casa de Repouso Solar das Chãs e Santa Casa da Misericórdia de Semide.

1. Tipo de Estudo e População Inquirida

O estudo, de natureza descritivo-correlacional e corte transversal, objetivou rastrear cognitivamente a população idosa sob resposta social no concelho de Miranda do Corvo. A pesquisa utilizou o Mini-Mental State Examination (MMSE) e o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) como instrumentos de rastreio para avaliar o défice cognitivo. A população-alvo compreendeu indivíduos com 65 anos ou mais, residentes em Centros de Dia e Lares de Idosos. O período da avaliação ocorreu entre 19 de Dezembro de 2011 e 7 de Maio de 2012. A amostra total do estudo foi composta por 224 indivíduos com 65 anos ou mais, dos quais 144 foram efetivamente avaliados com os instrumentos MMSE e MoCA. Os restantes 80 indivíduos, de acordo com os relatos da equipe das instituições, apresentavam défice cognitivo em estágio avançado, impossibilitando a participação no estudo. A escolha de Miranda do Corvo como local de estudo não é explicitamente justificada no excerto selecionado.

2. Caracterização Sociodemográfica da Amostra

A caracterização sociodemográfica da amostra de 224 idosos revela uma predominância feminina: 179 mulheres (79,9%). A idade média dos participantes foi de 83,76 anos (σ = ±7,29). Um número significativo de participantes, 93 indivíduos (41,5%), não possuía qualquer escolaridade, indicando um baixo nível educacional na amostra. Este dado é relevante para a interpretação dos resultados dos testes MMSE e MoCA, uma vez que o nível de escolaridade influencia o desempenho em avaliações neuropsicológicas. A comparação das características da amostra com a população de Miranda do Corvo com idade igual ou superior a 65 anos (♂: N=3464; ♀: N=3676) revelou diferenças estatisticamente significativas na proporção de homens e mulheres (χ²(1, n=224) = 72.465, p<0.001), indicando uma maior proporção de mulheres institucionalizadas em relação à população geral do município. A seleção da amostra ocorreu através de contato com as instituições de resposta social em Miranda do Corvo, onde os dados foram recolhidos após consentimento informado dos participantes.

3. Seleção das Instituições e Recolha de Dados

A seleção das instituições onde a pesquisa foi realizada ocorreu através de uma base de dados online do Ministério da Solidariedade e da Segurança Social que listava serviços e equipamentos de resposta social em Portugal. O estudo selecionou todos os equipamentos que ofereciam serviços de Centro de Dia e Lar de Idosos no concelho de Miranda do Corvo. As instituições contactadas foram a Fundação ADFP (com respostas sociais em Miranda do Corvo, Lamas e Senhor da Serra), o Lar Dr. Clemente de Carvalho, a Casa de Repouso Solar das Chãs e a Santa Casa da Misericórdia de Semide. Todas as instituições foram contactadas por carta, com uma descrição detalhada do estudo e a solicitação de autorização para administrar os protocolos MMSE e MoCA. A administração dos testes foi realizada em cada uma das instituições selecionadas, e a recolha de dados adicionais, de natureza sociodemográfica e clínica, foi feita através da análise dos processos individuais dos participantes e inquirição indireta, garantindo o rigor ético da pesquisa, com todos os participantes assinando uma declaração de consentimento informado.

II.Resultados Avaliação Cognitiva

Os resultados do MMSE mostraram que 55 (38,2%) dos 144 inquiridos tinham défice cognitivo. Incluindo os casos de demência diagnosticados clinicamente, a percentagem subiu para 135 (60,3%). O MoCA revelou défice cognitivo em 140 (97,2%) idosos, aumentando para 220 (98,2%) ao incluir os diagnósticos clínicos de demência. A análise comparativa com o "Estudo do Perfil do Envelhecimento da População Portuguesa (2010)" revelou diferenças estatisticamente significativas na prevalência de défice cognitivo, independentemente do corte etário utilizado (≥65, ≥75 ou 65-74 anos).

1. Resultados do MMSE

A aplicação do Mini-Mental State Examination (MMSE) em 144 idosos revelou uma alta prevalência de défice cognitivo. Inicialmente, 55 participantes (38,2%) apresentaram pontuações indicando défice cognitivo. No entanto, ao considerar os diagnósticos de demência presentes nos processos individuais dos utentes e confirmados através da sintomatologia observada pela equipe técnica e pelos pesquisadores, a percentagem de indivíduos com défice cognitivo subiu para 135 pessoas (60,3%). Este acréscimo demonstra a importância de considerar informações clínicas adicionais na avaliação completa do estado cognitivo dos idosos, uma vez que os resultados do MMSE isoladamente podem subestimar a prevalência de défice cognitivo na população estudada, especialmente quando se considera a presença de demência. A análise dos resultados do MMSE aponta para uma significativa prevalência de problemas cognitivos nesta população específica de idosos em respostas sociais.

2. Resultados do MoCA

A avaliação utilizando o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) apresentou resultados ainda mais expressivos. Dos 144 idosos avaliados, 140 (97,2%) mostraram défice cognitivo. Considerando, similarmente ao MMSE, os diagnósticos clínicos de demência, a percentagem total de indivíduos com défice cognitivo chegou a 220 pessoas (98,2%), demonstrando uma prevalência extremamente elevada de problemas cognitivos na população estudada. A comparação entre os resultados do MMSE e MoCA indica uma concordância significativa na detecção do défice cognitivo, embora com diferenças na magnitude da prevalência observada. A alta prevalência de défice cognitivo detectada pelo MoCA, mesmo superior à encontrada pelo MMSE, reforça a necessidade de intervenções direcionadas para o manejo e tratamento do envelhecimento e suas consequências cognitivas neste grupo populacional em respostas sociais. A discrepância entre as duas avaliações pode ser atribuída à diferença na dificuldade dos itens dos testes.

3. Comparação com Estudos Prévios

A comparação dos resultados obtidos com os dados do “Estudo do Perfil do Envelhecimento da População Portuguesa” (2010) revelou diferenças estatisticamente significativas na prevalência de défice cognitivo. Esta diferença se manteve significativa independentemente do critério etário utilizado (≥65 anos, ≥75 anos ou 65-74 anos). Os resultados, portanto, demonstram que a prevalência de défice cognitivo na população de idosos que frequenta ou reside em respostas sociais em Miranda do Corvo é significativamente maior do que na população geral portuguesa da mesma faixa etária. A magnitude desta diferença, embora não explicada em detalhe nesse excerto, sugere a influência de fatores sociodemográficos e ambientais específicos das instituições, apontam para uma prevalência muito alta de défice cognitivo nas instituições de acolhimento de idosos, justificando a necessidade de estudos mais aprofundados para investigar os fatores que contribuem para essa alta prevalência.

III.Resultados Análise por Domínio Cognitivo

A análise dos resultados do MMSE e MoCA por domínio cognitivo (memória, orientação, linguagem, habilidades construtivas) indicou desempenhos significativamente mais baixos nos idosos estudados, especialmente em tarefas que exigem maior escolaridade e nível cognitivo. A baixa escolaridade da amostra (41,5% analfabetos) impactou os resultados, particularmente na avaliação de linguagem e habilidades construtivas. A correlação entre os resultados dos dois testes foi significativa, indicando dificuldades similares em ambos, mas com diferentes níveis de dificuldade em alguns itens específicos.

1. Memória

A avaliação da memória de curto prazo foi realizada através de testes de retenção e evocação no MMSE e evocação diferida no MoCA. No MMSE, a média de retenção foi de 0,96 e na evocação, 0,50. No MoCA, a média na evocação diferida foi de 0,14. Apesar da correlação entre os testes ser positiva (r = 0,369; n = 144; p < 0,001), o coeficiente é baixo, indicando diferentes graus de dificuldade nas tarefas, particularmente influenciados pelo baixo nível educacional da população estudada. Resultados da literatura sugerem que indivíduos com baixo nível educacional necessitam de mais repetições para memorizar palavras, justificando os resultados encontrados na amostra avaliada. A análise da memória destaca a influência do nível educacional no desempenho dos testes neuropsicológicos.

2. Orientação

Tanto o MMSE quanto o MoCA avaliaram a orientação, embora com diferentes abordagens na pontuação. No MMSE, a orientação foi dividida em espacial e temporal, enquanto no MoCA a pontuação é única. A média no MMSE foi de 7,5 (σ = ±2,2) e no MoCA, 4,37 (σ = ±1,60). A alta correlação entre os dois testes (coeficiente de correlação de Pearson elevado) sugere graus de dificuldade próximos no conteúdo avaliado em ambos os instrumentos. A orientação é considerada um marcador menos dependente do nível educacional, o que pode explicar a maior correlação entre os dois testes nessa área, em contraste com outros domínios cognitivos mais afetados pelo baixo nível de escolaridade da amostra. A análise da orientação demonstra a utilidade dos dois testes, mesmo com suas diferentes metodologias de avaliação.

3. Linguagem

A dimensão linguagem foi avaliada em ambos os testes, mostrando diferentes graus de dificuldade. No MMSE, a menor percentagem de respostas corretas (44%) foi na tarefa de escrever uma frase. No MoCA, a menor percentagem (9%) ocorreu na tarefa de fluência verbal (nomear palavras com a letra “P”). A correlação entre os dois testes foi positiva e moderada (r = 0,350; n = 144; p < 0,001), sugerindo uma relação entre o desempenho nos dois testes, mesmo com diferenças de dificuldade nas tarefas. A baixa percentagem de acertos, particularmente no MoCA, pode estar relacionada com a baixa escolaridade da amostra e à complexidade das tarefas de linguagem, confirmando a influencia da escolaridade no desempenho da avaliação da linguagem.

4. Habilidade Construtiva

A habilidade construtiva foi avaliada com diferentes tarefas nos dois testes. No MMSE, a média foi de 0,25 (σ = 0,43) e no MoCA, 0,11 (σ = não especificado). A tarefa de desenhar pentágonos no MMSE teve 25% de acertos, e a de copiar um cubo no MoCA, 15%. A correlação entre os testes, embora não apresentada numericamente nesse trecho, sugere uma relação entre os desempenhos. A baixa performance, especialmente em tarefas que exigem habilidades motoras finas, pode estar diretamente relacionada à baixa escolaridade da amostra, uma vez que a escrita é uma habilidade adquirida durante o processo de alfabetização, sendo mais difícil para indivíduos analfabetos. A dificuldade observada na habilidade construtiva evidencia a influência de fatores como escolaridade e habilidades motoras finas no desempenho em testes neuropsicológicos.

IV.Discussão e Conclusão

O estudo revela alta prevalência de défice cognitivo em idosos institucionalizados em Miranda do Corvo, reforçando a necessidade de programas de estimulação cognitiva nesses ambientes. A alta proporção de mulheres (79,9%) e viúvos (54,9%) na amostra reflete tendências já observadas na literatura sobre envelhecimento e institucionalização. A baixa escolaridade da população estudada afetou os resultados dos testes neuropsicológicos, destacando a importância de considerar o nível educacional na interpretação de avaliações de envelhecimento e défice cognitivo. A pesquisa sugere que o funcionamento cognitivo pode ser preditor de institucionalização, ou vice-versa, necessitando de investigações adicionais para melhor compreender esta relação.

1. Feminização da Institucionalização e Perfil da População Envelhecida

A análise sociodemográfica aponta para uma feminização da institucionalização da população idosa, com 79,9% de mulheres na amostra, corroborando estudos prévios. A idade média de 83,76 anos (σ = ±7,29) indica uma população bastante envelhecida, superior à esperança de vida à nascença em Portugal em 2010 (79,5 anos). A maioria dos idosos institucionalizados era viúva/o (54,9%), confirmando a relação entre viuvez e recurso a cuidados formais, como apontado por Gonçalves (2003). A baixa escolaridade, com 41,5% sem qualquer escolaridade, é um fator crucial a ser considerado na interpretação dos resultados, pois impacta diretamente o desempenho em testes cognitivos, influenciando a avaliação do défice cognitivo e a compreensão do envelhecimento nesta população específica. A alta prevalência de idosos viúvos reforça a necessidade de políticas de apoio social adaptadas às necessidades deste grupo vulnerável.

2. Implicações da Alta Prevalência de Défice Cognitivo

Os resultados revelam uma alta prevalência de défice cognitivo na população estudada, com o MoCA indicando 98,2% de idosos com défice cognitivo após a inclusão de diagnósticos clínicos de demência. Esta alta prevalência, significativamente superior à observada em estudos populacionais gerais, destaca a vulnerabilidade cognitiva dos idosos em respostas sociais. A discrepância entre os resultados do MMSE e MoCA, embora significativa estatisticamente, sugere diferentes graus de dificuldade nas tarefas propostas em cada teste. A baixa escolaridade da população estudada impacta no desempenho, principalmente em tarefas que requerem habilidades de linguagem e habilidades construtivas, evidenciando a necessidade de instrumentos de avaliação neuropsicológica adaptados à realidade socioeducacional dos idosos. A alta prevalência de défice cognitivo aponta para a urgência de programas de estimulação cognitiva em instituições de acolhimento para idosos, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida e retardar o agravamento de condições como demência.

3. Funcionalidade Cognitiva e Institucionalização Preditor ou Consequência

A discussão levanta a questão se o funcionamento cognitivo é um bom preditor de institucionalização, ou se a institucionalização contribui para o desenvolvimento do défice cognitivo. Os resultados encontrados, em consonância com outros estudos (Pasquin et al., 2007), sugerem que o funcionamento cognitivo do idoso possa ser um preditor relevante para a institucionalização ou frequência em respostas sociais. No entanto, a falta de estimulação cognitiva e a sobreproteção em algumas instituições podem agravar o défice cognitivo, tornando a institucionalização um fator de risco. A pesquisa indica a necessidade de repensar os modelos de cuidados prestados em respostas sociais, enfatizando a estimulação cognitiva para melhorar a qualidade de vida e retardar o declínio cognitivo. É fundamental a implementação de programas de estimulação cognitiva para melhorar o funcionamento cognitivo e a qualidade de vida dos idosos.