
Arbitragem e Exclusão Societária
Informações do documento
Autor | Sónia Silva Neves Afonso |
Escola | Mestrado em Direito Empresarial |
Curso | Direito Empresarial |
Tipo de documento | Trabalho Final de Mestrado |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 0.97 MB |
Resumo
I.A Arbitrabilidade da Ação de Exclusão de Sócio em Sociedades por Quotas com Dois Sócios
Este trabalho analisa a arbitrabilidade da ação de exclusão de sócio em sociedades por quotas com apenas dois sócios, um tema de grande relevância no direito societário português. A pesquisa aborda a lacuna legal existente no Código das Sociedades Comerciais (CSC) e no Código Civil (CC), que não regulam explicitamente este cenário específico. O estudo explora diferentes critérios de arbitrabilidade, incluindo a patrimonialidade e a disponibilidade do direito, analisando a jurisprudência e a doutrina para encontrar uma solução jurídica. A questão central é se um tribunal arbitral pode decidir sobre a exclusão de um sócio numa situação onde a deliberação social é impossível devido à inexistência de maioria. O trabalho examina a aplicação analógica de normas do CC e a compatibilidade com a Lei de Arbitragem (LAV) e o princípio do favor arbitrandum.
1. Introdução A Lacuna Legal e a Necessidade de Análise
O estudo inicia-se identificando a ausência de previsão legal específica no Código das Sociedades Comerciais (CSC) para a resolução de litígios de exclusão de sócio em sociedades por quotas com apenas dois sócios. Esta lacuna legal gera insegurança jurídica e justifica a análise da possibilidade de submeter tais conflitos à arbitragem voluntária. O texto destaca a importância prática da questão, ilustrando com um exemplo de litígio internacional entre empresas estatais (uma angolana e outra portuguesa) que durou desde 2011 e envolveu precisamente a discussão da possibilidade de resolução de um caso de exclusão de sócio por via arbitral. A relevância do estudo estende-se tanto ao âmbito teórico, pela ausência de regulamentação expressa, como ao prático, diante da crescente utilização da arbitragem em disputas comerciais. A pesquisa se concentra na análise da admissibilidade da arbitragem voluntária como mecanismo de resolução de conflitos societários neste contexto específico.
2. Fundamentos da Exclusão de Sócio e Teorias Doutrinárias
Esta seção detalha os fundamentos legais e contratuais para a exclusão de sócio, distinguindo três planos: legal (fundamentado em previsão normativa), contratual (decorrente de circunstâncias previstas no artigo 241º do CSC relacionadas à pessoa ou comportamento do sócio) e judicial (resultante de prejuízos significativos causados à sociedade por comportamento desleal ou perturbador, conforme o artigo 242º nº 1 do CSC). A análise aprofunda as teorias doutrinárias que explicam o fundamento jurídico da exclusão de sócio, mencionando a taxatividade legal (exclusão só por previsão expressa na lei), a preservação da empresa (sociedade pode sancionar sócios que causem prejuízos), o incumprimento contratual (considerando a sociedade como um contrato) e a teoria da inexigibilidade da manutenção do status quo. O texto enfatiza a natureza intuitu personae da escolha dos sócios em sociedades por quotas, onde os atributos pessoais assumem grande relevância. A citação de Avelãs Nunes sobre a proteção jurídica ao direito de socialidade, condicionada ao cumprimento dos deveres dos sócios, ilustra a complexidade da questão.
3. Sociedades com Dois Sócios Impasses e Soluções
A seção foca nos desafios específicos de sociedades com dois sócios, onde a deliberação social para a exclusão de sócio torna-se inviável. Se o sócio maioritário busca a exclusão do minoritário, a situação é relativamente simples, mas o contrário gera um impasse, uma vez que o sócio minoritário nunca alcançará a maioria necessária para a decisão. O texto analisa a jurisprudência que considera a exclusão, em tais casos, como uma decisão que só pode ser proferida por um tribunal, recorrendo ao artigo 1005º/3 do Código Civil. Observa-se a ausência de norma equivalente no CSC para sociedades por quotas. A analogia com o artigo 257º/5 do CSC, que prevê a destituição de gerentes em sociedades com dois sócios apenas por decisão judicial, é discutida. A impossibilidade de deliberação social para a propositura da ação de exclusão é justificada como a eliminação de um formalismo excessivo e sem sentido quando a exclusão é necessária devido a prejuízos causados por um sócio. A jurisprudência é citada para reforçar a impossibilidade de deixar a decisão nas mãos de um único sócio.
4. A Natureza do Direito sobre Quotas Sociais e a Arbitrabilidade
Nesta seção, o estudo investiga a natureza jurídica do direito que incide sobre as quotas sociais, reconhecendo sua disponibilidade e caráter patrimonial, pois são bens suscetíveis de apropriação individual, legal e constitucionalmente tutelados. Embora a natureza jurídica precisa (direito real, direito de crédito, etc.) não seja totalmente clara, a disponibilidade do direito é confirmada. A análise conclui que uma ação de exclusão de sócio necessariamente envolve interesses patrimoniais, destacando o direito do sócio excluído à amortização de sua quota, conforme o artigo 242º do CSC. A questão de considerar o CSC como lei especial é debatida, analisando as consequências na aplicação do Código Civil. A conclusão da seção enfatiza que, em sociedades com dois sócios, a exclusão deve ser pronunciada por um tribunal, e que esta disposição legal inclui implicitamente os tribunais arbitrais. A análise de António Menezes Cordeiro sobre o fundamento legal para a aplicação do artigo 1005º/3 do CC na exclusão de sócios em sociedades com dois sócios é apresentada.
5. Arbitragem Societária Princípio do Favor Arbitrandum e Conclusão
A seção final discute a arbitrabilidade dos litígios societários, com base no princípio do favor arbitrandum. As opiniões de Manuel Pereira Barrocas e António Sampaio Caramelo sobre a arbitrabilidade da maioria dos litígios intra-societários são citadas, considerando os critérios conceituais e as exceções ao princípio da livre arbitrabilidade. A especificidade da exclusão de sócio exige o cruzamento de várias disposições legais. O estudo conclui que, mesmo com a omissão do artigo 242º do CSC quanto à hipótese de sociedades com dois sócios, o regime do artigo 1005º/3 do CC, que atribui a decisão de exclusão a um tribunal, pode incluir os tribunais arbitrais. A citação de António Sampaio Caramelo, que considera a arbitragem uma alternativa legítima e eficaz à jurisdição estatal, reforça a tese de que a arbitragem é uma via jurisdicional equivalente. A conclusão enfatiza que a ação judicial de exclusão em sociedades com dois sócios deve ser intentada pelo sócio não excluído e a possibilidade de inclusão dos tribunais arbitrais na interpretação do artigo 1005º/3 do CC.
II.Aspectos Legais e Doutrinários da Exclusão de Sócio
A exclusão de sócio pode fundamentar-se em três planos: legal, contratual e judicial. O estudo aprofunda o fundamento jurídico deste instituto, analisando diferentes teorias doutrinárias: a taxatividade legal, a preservação da empresa, o incumprimento contratual e a teoria da inexigibilidade da manutenção do status quo. A pesquisa destaca a relevância dos interesses patrimoniais envolvidos na exclusão, incluindo o direito à amortização da quota. A análise se foca nas implicações da ausência de um regime específico no CSC para sociedades com apenas dois sócios, explorando a possibilidade de recurso à arbitragem voluntária como meio de resolução de conflitos. A convenção de arbitragem, sua extensão objetiva e a inserção de cláusulas arbitrais em acordos parasocietários também são consideradas.
1. Fundamentos da Exclusão de Sócio Planos Legal Contratual e Judicial
O texto estabelece os três pilares que fundamentam a exclusão de um sócio de uma sociedade: o plano legal, baseado em previsão normativa; o plano contratual, amparado em cláusulas contratuais que preveem a exclusão por circunstâncias relacionadas à pessoa ou comportamento do sócio (art. 241º do CSC); e o plano judicial, fundamentado em prejuízos significativos causados à sociedade por comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade (art. 242º nº 1 do CSC). A análise destaca a importância de cada um desses planos na legislação aplicável, enfatizando que o recurso ao judiciário se faz necessário para aferir justa causa para a aplicação de sanção ao sócio, uma vez que a lei define a causa da exclusão genericamente. A ausência de especificação legal detalhada reforça a necessidade de análise pormenorizada em cada caso concreto, avaliando o comportamento do sócio e outras circunstâncias relevantes para a tomada de decisão judicial. A descrição dos três planos evidencia a complexidade do tema, exigindo uma interpretação cuidadosa da legislação para a aplicação correta em cada cenário específico.
2. Teorias Doutrinárias sobre o Fundamento da Exclusão
O documento explora as principais teorias doutrinárias que explicam o fundamento jurídico da exclusão de sócio. São apresentadas quatro teorias: a taxatividade legal, que limita a exclusão à previsão expressa na lei; a preservação da empresa, que confere às sociedades o poder de sancionar sócios cujas condutas prejudiquem o funcionamento da empresa; o incumprimento contratual, que entende a sociedade como um contrato e a exclusão como consequência do seu incumprimento; e a teoria da inexigibilidade da manutenção do status quo, que pondera a situação em relação ao sistema jurídico como um todo. A discussão dessas teorias evidencia a diversidade de perspectivas doutrinárias sobre o tema, demonstrando a complexidade do assunto e a necessidade de análise crítica para a compreensão completa do instituto jurídico da exclusão de sócio. A ausência de uma única teoria dominante reforça a importância de um estudo aprofundado para a aplicação do direito em situações reais.
3. A Natureza Intuitú Personae das Sociedades e a Relevância dos Atributos Pessoais
A análise enfatiza a natureza intuitu personae da escolha dos sócios em sociedades por quotas, em que a confiança recíproca, e não apenas a união de capitais, constitui base da relação societária. A atuação dos sócios, além das contribuições financeiras, pode envolver funções personalizadas, como vendedor, contabilista, ou outros serviços. Esta característica da relação societária acentua a relevância dos atributos pessoais de cada sócio na análise da exclusão. A fragilidade da relação de confiança em caso de sociedade com poucos sócios aumenta a necessidade de normas claras e objetivas. A importância da confiança interpessoal reforça a necessidade de uma análise abrangente, que leve em consideração os aspectos pessoais dos sócios envolvidos para uma aplicação justa do direito.
4. A Exclusão de Sócio em Sociedades com Dois Sócios Uma Análise Específica
A seção trata das especificidades da exclusão de sócio em sociedades com apenas dois sócios, problema central do estudo. O texto argumenta a ausência de norma expressa no Código das Sociedades Comerciais (CSC) para regular essa situação, o que leva à utilização de analogias e construções doutrinárias e jurisprudenciais. Os possíveis cenários são analisados: exclusão do sócio minoritário pelo majoritário (relativamente fácil) e exclusão do sócio majoritário pelo minoritário (impossível sem decisão judicial, pois o sócio excluído não pode votar). A impossibilidade de deliberação por falta de maioria em situações de fifty-fifty leva a um impasse, evidenciando a necessidade de uma solução jurídica mais precisa. A análise demonstra a dificuldade de resolver o conflito com base apenas nas normas existentes, enfatizando a urgência de uma solução que garanta a segurança jurídica e evite a arbitrariedade nas decisões.
III.O Papel da Arbitragem Voluntária na Resolução de Conflitos Societários
O trabalho examina a adequação da arbitragem voluntária para resolver conflitos societários, particularmente a exclusão de sócio em sociedades com dois sócios. Discute-se a natureza da arbitragem, contrastando-a com a jurisdição estatal, analisando a constitucionalidade dos tribunais arbitrais e a natureza mista (contratual, privada e jurisdicional) da convenção de arbitragem. A pesquisa aborda a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional da UNCITRAL como referência para a prática internacional de arbitragem. É analisada a questão da incompetência absoluta do tribunal judicial em casos de preterição de tribunal arbitral, conforme o Código de Processo Civil (CPC). A obra destaca a importância do princípio do favor arbitrandum na promoção da arbitragem societária.
1. A Arbitragem Voluntária Uma Alternativa à Jurisdição Estatal
A seção inicia-se contextualizando o crescente uso da arbitragem voluntária como meio alternativo de resolução de conflitos, destacando suas vantagens: celeridade processual, flexibilidade na tramitação e confidencialidade. A Lei de Arbitragem de 2011 (LAV) é mencionada, com ênfase na patrimonialidade como critério principal de arbitrabilidade, mantendo a disponibilidade como critério supletivo (em relação à LAV de 86). As alterações à LAV refletem a necessidade de modernização do quadro regulador, motivada pela compreensão de que o desenvolvimento da arbitragem traz benefícios econômicos aos países, atraindo operadores de comércio internacional. A discussão demonstra o contexto favorável ao desenvolvimento da arbitragem, incluindo a inserção de cláusulas arbitrais em estatutos sociais, e a crescente adesão das empresas a este método de solução de conflitos, como uma opção mais eficiente e confidencial em comparação com o processo judicial tradicional.
2. Natureza da Arbitragem e sua Relação com a Jurisdição Estatal
A natureza jurídica da arbitragem voluntária é abordada, caracterizada como contratual em sua origem, privada em sua natureza e jurisdicional em sua função. As diferenças entre a justiça administrada pelo Estado e por tribunais arbitrais são pontuadas, reconhecendo que certas questões permanecem reservadas aos tribunais estaduais, principalmente as de natureza não patrimonial e não suscetíveis a transação (art. 1º/1 da LAV). A discussão sobre a constitucionalidade dos tribunais arbitrais é incluída, referindo a resolução da questão pela Constituição da República Portuguesa (CRP) de 1982, que os reconhece lado a lado com os tribunais judiciais. Diferentes posições doutrinárias sobre a natureza da arbitragem são apresentadas: a tese jurisdicional (decisões arbitrais como atos jurisdicionais, árbitros como juízes) e a tese de natureza mista (a meio caminho entre julgamento judicial e contrato). A Lei Modelo da UNCITRAL é mencionada como modelo legislativo internacionalmente aceito para leis modernas sobre arbitragem.
3. Convenção de Arbitragem e Acordos Parasocietários
A convenção de arbitragem é definida como o contrato pelo qual as partes se comprometem a submeter seus litígios a um terceiro. A sua existência é condição essencial para a arbitrabilidade de um conflito. A análise aborda a questão da incompetência absoluta do tribunal judicial quando há preterição de tribunal arbitral (art. 96º al. b) CPC), devendo esta ser suscitada oficiosamente pelo tribunal (art. 97º/1 CPC). A convenção de arbitragem é caracterizada também como um negócio jurídico processual. O tema da extensão objetiva da convenção de arbitragem é introduzido, considerando a subscrição de convenções arbitrais pelos sócios de uma sociedade, seja por deliberação societária majoritária, seja por acordo parassocial. A inserção de cláusulas arbitrais em acordos parasocietários limita a arbitragem às matérias nele constantes, ao contrário de sua inclusão nos estatutos da sociedade. O Acórdão Powell Duffrin do TJUE é citado como exemplo de entendimento sobre a vinculação de sócios a pactos convencionados nos estatutos, mesmo sem terem participado da decisão.
4. Arbitrabilidade Critérios Conceituais e Exceções
A arbitrabilidade é definida como a suscetibilidade de um direito a ser submetido a um tribunal arbitral, focando-se principalmente no objeto do litígio, embora também podendo se referir à legitimidade das partes. A arbitrabilidade subjetiva (envolvendo Estado ou entidades públicas) não é aprofundada pela complexidade. São distinguidos dois planos para delimitar as matérias arbitráveis: critérios conceituais (patrimonialidade e disponibilidade, adotados pela maioria dos ordenamentos jurídicos, incluindo o português), e exceções ao princípio da livre arbitrabilidade (como nos EUA e Inglaterra). A relevância das disposições de ordem pública é destacada, reconhecendo que em algumas matérias, a arbitragem violaria o interesse público. No entanto, evolutivamente, a doutrina atual entende que o caráter de ordem pública não causa, por si só, inarbitrabilidade, cabendo ao árbitro a análise, com controle posterior pelo Estado por meio de ação de anulação. A importância do controle de conformidade da sentença arbitral com a ordem pública justifica a liberalização das condições de arbitrabilidade.
5. Arbitragem Societária e o Princípio do Favor Arbitrandum
A seção final discute a arbitrabilidade de litígios societários, afirmando que, em virtude do princípio do favor arbitrandum, são consideradas arbitráveis as disputas entre a sociedade e seus sócios. As opiniões de Manuel Pereira Barrocas e António Sampaio Caramelo são citadas, confirmando a arbitrabilidade da grande maioria dos litígios intra-societários em diversos ordenamentos jurídicos, incluindo aqueles que se baseiam em critérios conceituais e os que utilizam exceções ao princípio geral da livre arbitrabilidade. A conciliação dos regimes de direito societário e arbitragem é ressaltada como de extrema relevância, especialmente diante da ausência de regras específicas no ordenamento jurídico português. A insegurança jurídica gerada por essa lacuna legal é apontada, reforçando a necessidade de uma regulamentação mais precisa. A conclusão reforça a legitimidade e eficácia da arbitragem como alternativa à jurisdição estatal.
IV.Análise Jurisprudencial e Conclusão
O estudo analisa a jurisprudência relevante, incluindo decisões sobre a arbitrabilidade de litígios societários e a exclusão de sócio em sociedades com dois sócios. É discutida a aplicação analógica do art. 1005º/3 do CC, considerando a possibilidade de incluir tribunais arbitrais na definição de “tribunal”. A análise pondera se o CSC se constitui como lei especial em relação ao CC, afetando a aplicação de normas gerais e específicas. Finalmente, a conclusão apresenta uma proposta de solução jurídica para o caso específico da exclusão de sócio em sociedades com dois sócios, defendendo a possibilidade e a adequação da arbitragem voluntária como um meio legítimo e eficaz de resolução de conflitos, considerando a natureza patrimonial dos interesses em jogo e o princípio do favor arbitrandum.