A (in)constitucionalidade da colaboração premiada na prevenção e repressão do crime organizado

Colaboração Premiada e Crime Organizado

Informações do documento

Autor

Bruna Weiss Filomeno

Escola

Universidade Federal de Santa Catarina

Curso Direito
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 0.90 MB

Resumo

I.O Fenômeno do Crime Organizado e a Legislação Aplicável

Este estudo analisa a Lei nº 12.850/2013, focando na (in)constitucionalidade da colaboração premiada no combate ao crime organizado. A pesquisa explora os antecedentes históricos do crime organizado em âmbito internacional e nacional, examinando instrumentos legais como a Convenção de Palermo e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, bem como as Leis nº 9.034/1995, nº 12.694/2012 e a própria Lei nº 12.850/2013. São analisados ainda os métodos de investigação, incluindo infiltração policial, ação controlada, quebra de sigilo e outros meios de obtenção de provas.

1. Antecedentes Históricos e Manifestações Internacionais do Crime Organizado

Esta seção inicia com uma análise da gênese do crime organizado, traçando seus antecedentes históricos e sua manifestação em diversos países. A pesquisa busca compreender a evolução desse fenômeno, destacando suas transformações e características no contexto brasileiro e internacional. O objetivo é estabelecer um panorama global do crime organizado, fornecendo um contexto para a discussão posterior sobre a colaboração premiada e sua eficácia no combate a esta modalidade de criminalidade. A menção à Máfia Siciliana e suas relações com políticos, magistrados e policiais ilustra a longa história de influência e poder do crime organizado, condicionando autoridades públicas e penetrando em setores como eleições, comércio agrícola e licitações públicas, em alguns casos assumindo controle monopolista. Este cenário histórico demonstra a necessidade de instrumentos legais eficazes para o seu combate, incluindo a colaboração premiada como um possível instrumento.

2. Normas Internacionais e Nacionais para o Combate à Macrocriminalidade Organizada

Esta parte apresenta as normas internacionais e nacionais relevantes para o combate ao crime organizado. No plano internacional, são consideradas a Convenção de Palermo e a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, destacando suas definições de crime organizado e suas implicações. A análise crítica da definição de crime organizado presente na Convenção de Palermo é apresentada, destacando sua amplitude e genericidade, bem como a violação à garantia da taxatividade, princípio emanado do princípio da legalidade. A questão da transnacionalidade do delito é ressaltada, distinguindo a aplicabilidade das convenções internacionais em relação ao direito interno. A impossibilidade de se utilizar definições internacionais para regular o direito penal interno é justificada, argumentando que a aplicação de tais convenções é limitada por princípios de democracia e lex populi. No âmbito do direito interno brasileiro, são examinadas as Leis nº 9.034/1995, nº 12.694/2012 e, principalmente, a Lei nº 12.850/2013, analisando seus dispositivos e seu papel no enfrentamento da macrocriminalidade organizada.

3. Institutos Típicos de Controle do Crime Organizado Ação Controlada e Infiltração Policial

A seção descreve os principais institutos legais criados para auxiliar na apuração do crime organizado. São destacados métodos como a ação controlada e a infiltração policial, juntamente com outras ferramentas como monitoramento ambiental e quebra de sigilo financeiro e de dados cadastrais. A discussão sobre a infiltração policial enfatiza a correção feita pela Lei 12.850/2013 em relação à Lei 9.034/95, que permitia a infiltração de agentes de inteligência (ABIN e SISBIN). A nova lei, corretamente, restringe a infiltração a agentes de polícia, adequando a prática à legislação e à Constituição Federal (art. 144). A análise detalha os requisitos para a infiltração policial, incluindo a necessidade de indícios suficientes para a imputação do delito previsto na Lei 12.850/2013, a necessidade de acompanhamento pelo Ministério Público e juiz, o limite inicial de seis meses (com possibilidade de prorrogação), e a exigência de sigilo e relatório circunstanciado ao final da operação. A distinção entre flagrante retardado/diferido e flagrante provocado/preparado também é abordada, com base na doutrina de Ferro, Pereira e Gazzola (2014).

II.O Instituto da Colaboração Premiada no Brasil Conceito Aplicação e Eficácia

O trabalho define e discute o instituto da colaboração premiada (e delação premiada), comparando-o com o plea bargaining norte-americano e analisando sua eficácia no Brasil. Diversos casos de aplicação são mencionados, incluindo o julgamento de Lucio Bolonha Funaro e José Carlos Batista por lavagem de dinheiro, e a Operação Lava Jato, citando colaboradores como Augusto Mendonça, Júlio Camargo (Toyo Setal), Pedro Barusco (Petrobras), e outros. A distinção entre colaboração premiada e delação premiada é crucial e explorada, com referência à origem etimológica do termo “delação”. São abordadas críticas ao instituto, focando em possíveis violações ao princípio da legalidade, à ampla defesa e ao contraditório.

1. Conceito e Distinção entre Colaboração Premiada e Delação Premiada

Esta seção apresenta uma conceituação do instituto da colaboração premiada, diferenciando-o da delação premiada. A análise se aprofunda na origem etimológica do termo “delação”, explorando suas duas acepções no âmbito penal: delatio criminis (denúncia de um fato criminoso por alguém sem envolvimento) e a revelação da própria culpa por um participante, acompanhada de auxílio à investigação. A distinção é crucial, pois a colaboração premiada, ao contrário da delação, envolve a participação ativa do agente no crime. A seção utiliza a doutrina de Bittar (2011) para elucidar a diferença entre os dois conceitos. Para melhor compreensão da distinção, a seção recorre aos ensinamentos de Bottini (2013) e Gomes (2009), que abordam o instituto sob diferentes perspectivas, incluindo o conceito de “Acordo de Leniência” no âmbito administrativo, comparando-o com os benefícios da colaboração premiada no âmbito penal. A comparação entre os sistemas, tanto no âmbito administrativo como penal, demonstra a complexidade e a necessidade de uma definição clara para cada tipo de acordo de colaboração, em especial quando se analisam os benefícios concedidos a cada colaborador.

2. Uso e Eficácia da Colaboração Premiada no Brasil Casos e Críticas

Esta seção analisa o uso e a eficácia da colaboração premiada no Brasil, citando exemplos concretos de sua aplicação. Um caso destacado envolve o juiz Márcio Ferro Catapani, da 2ª Vara Federal Criminal em São Paulo, que reconheceu o crime de lavagem de dinheiro praticado por Lucio Bolonha Funaro e José Carlos Batista, mas absolveu-os em virtude da colaboração com as investigações. A participação de Funaro na Guaranhuns Empreendimentos e o esquema de repasse de dinheiro do “valerioduto” são mencionados, contextualizando a situação. A Operação Lava Jato serve como outro exemplo relevante, listando diversos colaboradores, como Augusto Mendonça e Júlio Camargo (Toyo Setal), Pedro Barusco (ex-gerente da Petrobras), e outros, destacando a complexidade da operação e a constante celebração de novos acordos. O texto também aborda críticas à colaboração premiada, incluindo a alegação de banalização do instituto, sua extensão a crimes de menor potencial ofensivo, e a preocupação com a despenalização de crimes contra a ordem tributária em caso de pagamento do tributo sonegado.

3. Evolução Legal e Proteção ao Colaborador Comparação com o Plea Bargaining Norte Americano

A seção discute a evolução legislativa da colaboração premiada no Brasil, desde as Ordenações Filipinas até a Lei nº 9.807/99 e a Lei nº 12.850/2013. A análise demonstra a ampliação gradual do rol de crimes abrangidos pelo instituto, identificando lacunas e inconsistências entre legislações. A Lei de Drogas (11.343/06) e sua relação com a Lei 9.807/99, que prevê redução de pena para colaboração voluntária, é examinada. A seção destaca a inovação da Lei 12.850/2013 em relação à proteção do colaborador, garantindo medidas de proteção previstas na legislação de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas. A importância desta proteção é enfatizada, considerando a “lei do silêncio” nas organizações criminosas e a necessidade de garantir a eficácia do instituto. Uma comparação com o sistema de plea bargaining norte-americano é feita, ressaltando as diferenças na aplicação e nos tipos de crimes abrangidos, com a menção ao caso de James Earl Ray, assassino de Martin Luther King, como exceção ao costume americano. A análise ressalta a necessidade de mais direitos de proteção ao colaborador, dada a gravidade dos riscos que ele enfrenta, como se vê no caso citado.

III.A Constitucionalidade da Colaboração Premiada Argumentos a Favor e Contra

A constitucionalidade da colaboração premiada, prevista na Lei nº 12.850/2013, é profundamente analisada. O texto apresenta argumentos a favor e contra sua validade, abordando preocupações com o sigilo dos acordos, a preservação da titularidade da ação penal pelo Ministério Público, e a questão do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública. Discute-se o equilíbrio entre a eficácia do instituto e a proteção de direitos fundamentais, como o direito ao silêncio e a presunção de inocência. A pesquisa examina a adequação do instituto à teoria dos fins das penas e ao sistema acusatório, confrontando-o com o sistema inquisitório. São analisados os riscos de violações à ampla defesa e ao contraditório, incluindo a questão do acesso a informações por advogados de defesa.

1. Argumentos a Favor da Constitucionalidade da Colaboração Premiada

A seção apresenta os argumentos que defendem a constitucionalidade da colaboração premiada como um instrumento legítimo e necessário para o combate ao crime organizado. A eficácia do instituto na desestruturação de organizações criminosas complexas é destacada como um argumento central, enfatizando a dificuldade de obter resultados positivos através de métodos tradicionais de investigação, especialmente em casos de crime organizado. A necessidade de medidas extraordinárias, como a colaboração premiada, é justificada pela incapacidade do aparato estatal em solucionar crimes, utilizando como exemplo a alta taxa de homicídios não solucionados no país. A argumentação a favor da constitucionalidade também aborda a preservação do princípio da individualização da pena, argumentando que a concessão de benefícios a colaboradores não fere a proporcionalidade, uma vez que considera as condições subjetivas de cada agente, semelhante ao tratamento dado a coautores com diferentes perfis e circunstâncias. A colaboração premiada é apresentada como uma ferramenta essencial para a persecução penal eficaz, especialmente em face de organizações criminosas que utilizam a lei do silêncio para se protegerem. A eficiência na obtenção de provas e o desmantelamento de estruturas criminosas são os principais argumentos utilizados em prol da constitucionalidade do instituto.

2. Argumentos Contra a Constitucionalidade da Colaboração Premiada Violações a Direitos Fundamentais

Esta parte apresenta as críticas e os argumentos contrários à constitucionalidade da colaboração premiada, focando em possíveis violações a direitos e garantias fundamentais. A principal preocupação reside na possível violação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, devido à possibilidade de o Ministério Público, de forma arbitrária, não oferecer denúncia contra um colaborador. A ausência de fiscalização judicial e a falta de homologação judicial que extinga a punibilidade do colaborador não denunciado são apontadas como inconstitucionalidades, gerando insegurança jurídica. A crítica se estende à ausência de acesso ao conteúdo da colaboração por advogados de defesa, limitando o exercício da ampla defesa e do contraditório. A falta de transparência e o sigilo excessivo do acordo na fase investigativa são considerados preocupantes, podendo gerar desequilíbrio processual. Além disso, a seção aponta para a possível lesão ao direito ao silêncio e à isonomia entre acusados, especialmente quando se leva em conta critérios subjetivos como a personalidade do agente ou a repercussão social do crime. O texto menciona a obra de Lopes Jr (2013) que aborda as críticas ao instituto. A vulnerabilidade de quem colabora, diante de possível difamação e ataques à reputação, é igualmente mencionada.

3. Análise da Titularidade da Ação Penal e do Princípio da Obrigatoriedade

A seção aprofunda a discussão sobre a titularidade exclusiva da ação penal pública pelo Ministério Público (art. 129, I da Constituição Federal de 1988) e o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, também conhecido como princípio da legalidade processual. É analisada a preocupação com a possibilidade de o Ministério Público, ao celebrar um acordo de colaboração premiada, deixar de oferecer denúncia contra um colaborador, mesmo na existência de elementos suficientes para acusação. Este ponto é crucial, pois contraria a obrigatoriedade prevista na Constituição e pode levar à arbitrariedade. A seção destaca a posição de Eugênio Pacelli, que defende a obrigatoriedade da ação penal, em contraponto a autores que defendem a possibilidade de mitigação deste princípio em casos de colaboração premiada. A discussão se estende ao princípio da legalidade, contrastando a situação brasileira com outros sistemas jurídicos que adotam o princípio da oportunidade. A seção analisa a influência da doutrina de Tourinho Filho (2012) sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, destacando a diferença entre os princípios da legalidade e da oportunidade na propositura da ação penal. A necessidade de uma análise criteriosa da constitucionalidade, especialmente em relação ao papel do Ministério Público e às garantias constitucionais, é enfatizada.

IV. 2013

O trabalho conclui com propostas para aprimorar a Lei nº 12.850/2013, buscando solucionar lacunas e problemas de interpretação. As sugestões incluem ajustes nos critérios para o não oferecimento da denúncia, visando maior eficiência e justiça, e melhorias nos procedimentos para garantir a ampla defesa e o contraditório. A análise considera o garantismo penal e a necessidade de equilíbrio entre a eficácia da colaboração premiada no combate ao crime organizado e a proteção dos direitos fundamentais dos envolvidos. A ideia central é fortalecer o instituto, mantendo sua eficácia na repressão e prevenção do crime organizado, mas mitigando riscos à constitucionalidade e ao devido processo legal.