A Institucionalização no Feminino: que repercussões na reintegração: trajectórias de vida e dimensão dos factores de (des) protecção

Reintegração Feminina: Trajetórias Pós-Institucionalização

Informações do documento

Autor

Cristina Isabel De Carvalho Dos Reis Oliveira Ferra

instructor Mestre Maria Rosa Tomé
Escola

Instituto Superior Miguel Torga, Escola Superior de Altos Estudos

Curso Serviço Social
Tipo de documento Dissertação de Mestrado
Local Castelo Branco
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 583.60 KB

Resumo

I.A Evolução da Proteção à Infância em Portugal e o Conceito de Menores em Perigo

Este estudo analisa a evolução histórica da proteção à infância em Portugal, focando-se no conceito de menores em perigo. Desde a Lei de Proteção à Infância de 1911, que criou os Tribunais de Menores, até à Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) atual, a abordagem à questão da crianças vulneráveis sofreu transformações significativas. A pesquisa destaca a mudança de um modelo de "proteção", centrado na intervenção estatal, para um modelo mais focado nos direitos da criança, considerando-a sujeito de direitos (LPCJP, art. 10º). A investigação explora as diferentes definições de menores em perigo ao longo do tempo, incluindo situações de maus-tratos, abandono, negligência e abuso sexual, e as medidas de intervenção aplicadas, desde a admoestação ao internamento em instituições.

1. A Proteção à Infância em Perspectiva Histórica

Esta seção traça um panorama da evolução do conceito de criança e da proteção à infância ao longo da história. É destacado o contraste entre a visão da infância na Idade Média, onde não existia um lugar específico para a criança, com diferentes realidades para crianças ricas (abandono afetivo e imposição da autoridade paternal) e pobres (extrema pobreza e alta mortalidade infantil), e a evolução subsequente, marcada por leis e instituições que visam a proteção de crianças e jovens em perigo. Autores como Magalhães (2005) e Azevedo & Maia (2006) são citados para apoiar a análise da ausência de um conceito claro de infância na Idade Média. A pesquisa contextualiza as mudanças sociais e políticas que influenciaram a forma como a sociedade percebe e protege as crianças, desde os tempos pré-republicanos até a era moderna. A análise mostra como a proteção à infância foi moldada por fatores socioeconômicos e culturais, com diferentes abordagens ao longo do tempo, que contribuíram para a complexa realidade da proteção de crianças em Portugal.

2. A Lei de Proteção à Infância de 1911 e a Criação dos Tribunais de Menores

A publicação da Lei de Proteção à Infância em 27 de Maio de 1911 representa um marco fundamental na história da proteção à infância em Portugal. Maria Rosa Tomé (2003) destaca a importância desta lei que introduziu uma nova atitude penal em relação à menoridade, privilegiando princípios preventivos e curativos. A criação dos Tribunais de Menores, visando a aplicação de medidas de segurança, controlo, proteção e tutela, é analisada. A lei de 1911 também marca uma mudança na posição de menores infratores com menos de 16 anos, e estabelece a Tutoria da Infância, um tribunal específico para casos de menores. A análise da legislação de 1911 e artigos subsequentes demonstra como o conceito de menores em perigo moral e a intervenção estatal na proteção à infância se consolidaram, marcando um importante avanço para a proteção de crianças no contexto português. O texto também faz referência ao papel das Misericórdias e da Conferência de São Vicente de Paula na assistência pré-1911, principalmente focada em meninas pobres.

3. Evolução da Legislação e do Conceito de Menores em Perigo

A seção analisa a evolução da legislação relacionada com a proteção de crianças e jovens em perigo após a Lei de 1911. A criação da Organização dos Tribunais de Menores (OTM) em 1962, com a redefinição do conceito de menores em perigo, é crucial. O artigo 17º da OTM de 1962 estabelece categorias de intervenção para menores com menos de 16 anos, incluindo maus-tratos, abandono, desamparo e comportamentos que põem em risco sua saúde, segurança e formação moral. O Decreto-Lei n.º 314/78 reintroduz a categoria de menores em perigo moral, após uma breve eliminação em 1967, consolidando a preocupação com a proteção de crianças e jovens em perigo. A análise inclui o artigo 15º da OTM de 1978 que legitima a intervenção em casos de maus-tratos, abandono, desamparo, inadaptação e abuso de autoridade. A Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), e seu artigo 3º, nº 2, é mencionado, apresentando uma definição atualizada de situações de risco para crianças e jovens, evidenciando a crescente complexidade da proteção à infância e a evolução do conceito de menores em perigo em Portugal. A evolução demonstra uma crescente preocupação com os direitos da criança.

4. Críticas ao Modelo de Proteção e Emergência de Novos Paradigmas

A seção aborda as críticas ao modelo de proteção de menores em vigor, especialmente à OTM de 1978, destacando a falta de distinção entre jovens infractores e crianças que necessitam de proteção social. A crítica central é a aplicação de medidas idênticas a grupos distintos, comprometendo os objetivos de educação e proteção. O texto referencia a proposta de lei nº 265/VII (Ramião, 2003) e um documento do MJ e MTS (1999) para ilustrar as deficiências do modelo, que acabou por ser progressivamente abandonado em países como a Bélgica, Canadá e Espanha. A discussão se centra no debate entre o modelo de "justiça", priorizando a defesa da sociedade, e o modelo de "proteção", focado na intervenção estatal em defesa do interesse da criança. A evolução legislativa reflete a crescente necessidade de se reconhecer a criança como sujeito de direitos, com a LPCJP, em consonância com a tendência internacional de se priorizar os direitos da criança e mudanças de paradigmas na proteção de crianças e jovens em perigo.

II.Experiências de Jovens em Acolhimento Institucional

A pesquisa centra-se na experiência de jovens acolhidas em uma Instituição de Acolhimento Institucional (CIJE) em Castelo Branco, Portugal. Nove jovens participaram no estudo, revelando as suas trajetórias de internamento, os motivos que levaram ao acolhimento institucional, e as suas perspectivas sobre a reintegração social. Os principais fatores de risco identificados incluem: negligência, maus-tratos, violência familiar, e dificuldades económicas. A investigação analisa também o papel das famílias de origem, dos profissionais (Assistentes Sociais, etc.) e das atividades dentro e fora da instituição no processo de reintegração social destas jovens. O estudo constatou que o internamento variou entre dois e doze anos. A maioria das jovens saiu da instituição por iniciativa e com o apoio da família, enquanto outras saíram por decisão própria ou por atingir a maioridade.

1. Motivos para o Internamento e Perfis das Jovens

Este estudo investiga as experiências de nove jovens em acolhimento institucional, especificamente em uma CIJE (Centro de Infância e Juventude) em Castelo Branco, Portugal. A pesquisa analisou os motivos que levaram ao internamento, identificando a negligência (7 casos) e os maus-tratos (7 casos) como os fatores mais frequentes. Outros motivos incluíram problemas laborais da família (3), situações sociais (2), comportamento de risco (1) e abandono (1). Em 5 casos, a orfandade contribuiu cumulativamente para o internamento. A duração do acolhimento institucional variou entre dois e doze anos. A análise incluiu dados do Sistema de Informação da Segurança Social, revelando que três jovens não tinham agregados familiares constituídos e quatro tinham filhos, sem referência aos seus companheiros. A pesquisa analisou também o perfil profissional dos pais das jovens, constatando que a maioria trabalhava na agricultura ou construção civil, com as mães em sua maioria sem atividade profissional. A pesquisa também incluiu entrevistas com as jovens, a fim de obter perspectivas sobre suas experiências de vida.

2. A Vida na Instituição Rotina Atividades e Relacionamentos

A descrição da vida cotidiana na instituição revela detalhes sobre a rotina, atividades e relações sociais das jovens. A pesquisa menciona a cordialidade no relacionamento com as monitoras, mas destaca a ausência de profissionais especializados como Assistentes Sociais e psicólogas em alguns momentos. A pesquisa observa o papel das jovens mais velhas na supervisão das mais novas, indicando uma dinâmica de apoio mútuo. Em relação às atividades, são mencionadas festas de Natal e outras festividades populares, atividades como bordados e culinária, e saídas externas como a piscina municipal e colónias de férias. A chegada da Assistente Social à instituição gerou mudanças significativas, incluindo maior permissividade em relação às saídas. O estudo analisa as visitas familiares, constatando que três jovens não visitavam seus pais, e relata as diferentes formas de socialização das jovens, incluindo interação com colegas de escola e amigos fora da instituição, embora com limitações impostas pela estrutura institucional. A pesquisa analisou as atividades realizadas tanto dentro quanto fora da instituição.

3. Saída da Instituição e Reintegração Social Perspectivas e Desafios

Esta seção analisa os motivos e processos de saída da instituição, bem como a reintegração social das jovens. A maioria (seis) saiu com o apoio da família, enquanto uma saiu por iniciativa própria e duas tiveram a saída influenciada pela Assistente Social, que procurou garantir a conclusão da escolaridade para facilitar a integração profissional. A pesquisa explora as percepções das jovens sobre os motivos do internamento, atribuindo-os principalmente a dificuldades económicas e aceitando a decisão. Uma jovem destaca a necessidade de ouvir a criança e evitar a culpabilização dos pais. A pesquisa analisou os contextos familiares atuais das jovens, constatando que algumas mantêm um bom relacionamento com seus pais e irmãos, enquanto outras formaram famílias próprias, com relações estáveis. Há também relatos sobre a preocupação com a educação dos filhos. A reintegração social das jovens é analisada à luz de suas condições de vida, como o tipo de habitação e a frequência de culto religioso, mostrando a complexidade da transição para a vida adulta após o acolhimento institucional.

4. Avaliação da Experiência de Acolhimento Institucional e Implicações

Esta parte conclui a análise das experiências de acolhimento institucional, destacando a função educativa da instituição, que se focava principalmente em tarefas domésticas. A pesquisa evidencia a visão contrastante das jovens sobre o internamento: enquanto para algumas foi uma forma de proteção, outras consideram que outras alternativas poderiam ter sido adotadas. O trabalho da Assistente Social é destacado como positivo, melhorando a qualidade do serviço e introduzindo uma nova dinâmica. A pesquisa sublinha a necessidade da criança ser ouvida e esclarecida sobre os motivos do afastamento familiar, para evitar auto-culpabilização ou culpabilização dos progenitores. O estudo observa que as jovens, em sua maioria, não percebem suas próprias dificuldades econômicas, beneficiando do sistema de proteção social através de abonos familiares, mas mantendo-se em situação de pobreza. A pesquisa conclui que a instituição teve um impacto significativo, mas que as origens familiares e a reintegração social são fatores cruciais para o futuro das jovens. A pesquisa em Castelo Branco serve como estudo de caso para experiências em acolhimento institucional.

III.Resultados e Implicações para a Reintegração Social

Os resultados do estudo mostram uma complexa realidade das experiências de acolhimento institucional. Embora a maioria das jovens veja a instituição como um espaço que contribuiu para a sua educação e reintegração social, algumas expressaram arrependimento por não terem continuado os estudos. A pesquisa aponta para a necessidade de um processo mais participativo, com a audição das crianças (LPCJP) e um maior foco na prevenção e apoio às famílias. A investigação revela também a importância do trabalho da Assistente Social na dinâmica da CIJE e na preparação para a reintegração social das jovens. A maioria das jovens mantém boas relações com as suas famílias de origem, embora persistam dificuldades económicas e a reprodução de padrões familiares. A pesquisa compara os resultados com estudos similares (Colen et al., 2005; Rocha et al., 2008), realçando a importância de uma abordagem multifacetada para a proteção de crianças e a sua reintegração social.

1. Perspectivas sobre o Internamento e a Instituição

Esta seção analisa a percepção das jovens sobre sua experiência de acolhimento institucional. Embora a maioria (sete) recomende a instituição, principalmente para crianças mais novas, duas jovens discordam, apontando a falta de liberdade no passado. As opiniões refletem a complexidade da experiência de internamento, com algumas jovens reconhecendo o caráter educativo da instituição (aprendizado de higiene e gestão doméstica), enquanto outras demonstram arrependimento por não terem continuado os estudos e sugerem alternativas ao internamento, como apoio à família. Uma jovem destaca a importância de a criança ser ouvida e de entender o processo de afastamento familiar, evitando a culpabilização. A análise mostra que a experiência de acolhimento institucional teve impactos distintos nas jovens, destacando a necessidade de abordagens mais individualizadas e a importância da comunicação e participação da criança no processo.

2. Reintegração Social Família Trabalho e Vida Adulta

A reintegração social das jovens após o acolhimento institucional é um foco central desta seção. A maioria das jovens (seis) saiu da instituição com o apoio da família, demonstrando boas relações com os progenitores e irmãos. As jovens com famílias constituídas relatam relações estáveis, enquanto as solteiras priorizam a educação dos filhos. A pesquisa aponta para uma estagnação socioprofissional em comparação com os pais, com prevalência de pobreza não reconhecida pelas próprias jovens. Apenas uma, lamentando a interrupção dos estudos, mostra maior dinamismo e expectativa de melhoria na sua situação social. A análise das condições de habitação revela uma situação modesta. A pesquisa conclui que a reintegração social está conectada à situação familiar, nível de educação, e à capacidade de as jovens se inserirem no mercado de trabalho. A pesquisa evidencia a persistência de dificuldades socioeconômicas para a maioria das jovens, mesmo após o acolhimento institucional.

3. Comparação com Outros Estudos e Conclusões

A seção final compara os resultados do estudo com pesquisas anteriores (Colen et al., 2005; Rocha et al., 2008). A comparação com o estudo de Colen et al. (2005) evidencia diferenças nas atividades laborais dos pais e mães, apontando para uma situação mais desvantajosa para as mães. A pesquisa também compara a sociabilidade das jovens dentro e fora da instituição, destacando a falta de integração social em alguns casos, aludindo a Rocha et al. (2008). A análise final ressalta que a maior parte das famílias atribui as dificuldades económicas como o principal motivo para o internamento, aceitando a decisão. No entanto, a pesquisa reforça a necessidade de audiência da criança e do consentimento informado preconizado pela LPCJP. A avaliação da experiência de internamento aponta para uma função educativa da instituição voltada principalmente para tarefas domésticas, contrastando com as aspirações de algumas jovens. O estudo ressalta que, apesar de a maioria concordar com o internamento, a ausência da voz da criança e a falta de alternativas são pontos cruciais a serem considerados para melhorar a proteção de crianças e sua posterior reintegração social.