
Memória e Identidade: Linha Jacaré
Informações do documento
Autor | Amanda Caroline Teodoro |
instructor/editor | Fabio Pontarolo |
Escola | Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) |
Curso | Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo – Ciências Sociais e Humanas |
Tipo de documento | Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) |
Local | Laranjeiras do Sul, PR |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 2.07 MB |
Resumo
I.A Formação e Ocupação da Comunidade Linha Jacaré Um Estudo de Identidade Regional
Este estudo investiga a história e a identidade regional da comunidade Linha Jacaré, localizada no município de Cândido de Abreu, região centro-norte do Paraná. A pesquisa analisa o processo de formação e ocupação da região, focando nos diferentes ciclos econômicos que moldaram a comunidade. Desde a ocupação inicial, com o consequente desaparecimento das populações indígenas (Kaingang, Xetá e Guarani), até a chegada de posseiros, caboclos e imigrantes na segunda metade do século XX, a Linha Jacaré desenvolveu uma identidade regional única. Os ciclos da madeira e da suinocultura foram cruciais para a formação da comunidade, influenciando seu sistema agrário e suas relações sociais e culturais, gerando uma lógica produtiva camponesa característica. A pesquisa utiliza a história oral como metodologia principal, com entrevistas de moradores antigos para reconstruir a memória da comunidade. Fazendas importantes no processo inicial de ocupação foram a Fazenda Bihrer e a Fazenda Rodrigues.
1. Processos de Territorialização e Desterritorialização na Linha Jacaré
A formação da comunidade Linha Jacaré é analisada através do prisma dos processos de territorialização e desterritorialização. Inicialmente, observa-se o desaparecimento das populações indígenas, seguido pela ocupação mais recente por posseiros, caboclos e imigrantes, a partir da segunda metade do século XX. Essa ocupação cria uma nova identidade regional. A análise enfatiza a importância do estudo dos ciclos econômicos, particularmente o ciclo da madeira e a suinocultura, na construção da identidade regional. Esses ciclos econômicos, além de impulsionarem o desenvolvimento da região, contribuíram para a emergência de uma lógica produtiva camponesa, resultante do contato entre diferentes culturas. A metodologia se concentra em entrevistas na modalidade de história oral, buscando levantar questões sobre as origens e a identidade regional da comunidade. O estudo valoriza a experiência dos diversos grupos que ocuparam a área, incluindo indígenas, caboclos e imigrantes, compreendendo sua participação nos processos de territorialização e desterritorialização.
2. O Papel dos Ciclos Econômicos na Construção da Identidade Regional
O estudo destaca a influência dos ciclos econômicos na formação da identidade regional da Linha Jacaré. O ciclo da madeira, com a exploração das matas de araucária, e o ciclo da suinocultura, com a criação de porcos para comercialização, são fatores determinantes. A presença de duas grandes fazendas na década de 1950, a Fazenda Bihrer e a Fazenda Rodrigues, marcou o início da exploração da natureza e a apropriação das terras, afetando as populações indígenas e os posseiros locais. A instalação de uma serraria, no auge da expansão desse setor no Paraná, atraiu trabalhadores e contribuiu para a formação da comunidade. A análise desses ciclos econômicos busca compreender como eles impactaram o desenvolvimento da comunidade, suas relações sociais e o sistema agrário local, dando origem a uma lógica produtiva camponesa baseada na agricultura de subsistência e no trabalho familiar. A interação entre diferentes culturas também contribuiu para a formação dessa identidade regional única.
3. A Influência da Imigração e da Estrutura Fundiária
A pesquisa investiga a influência da imigração e da estrutura fundiária na formação da comunidade. A província do Paraná, pouco povoada e com escassez de mão-de-obra escrava, atraiu imigrantes desde o início do século XIX, muitos dos quais se apropriaram da terra de forma espontânea. Na metade do século, o governo implementou políticas de colonização para regularizar a posse da terra e incentivar o desenvolvimento agrícola. A análise considera a relação entre a sociedade em formação, os ecossistemas e a organização fundiária, que incluía latifundiários e minifundiários, refletindo a coexistência de uma lógica mercadológica e uma lógica produtiva camponesa. A cobiça pelas matas de araucária e a criação de gado contribuíram para o estabelecimento dos imigrantes. A Colônia de Thereza Cristina (1847), financiada em parte pelo governo imperial, desempenhou um papel importante, apesar de não ter atingido o sucesso econômico esperado. Essa colônia, no entanto, atraiu um grande número de pessoas para a região, contribuindo para o crescimento de novas comunidades, como a Linha Jacaré, e impactando a estrutura fundiária e as relações sociais do Paraná Tradicional.
II.Metodologia A Importância da História Oral na Pesquisa
A metodologia empregada é a história oral, considerada fundamental para resgatar a memória da comunidade Linha Jacaré, uma vez que sua história não está totalmente registrada na historiografia paranaense. O projeto utiliza entrevistas, analisando-as individualmente e comparativamente, para construir uma narrativa abrangente. A pesquisa prioriza o respeito à identidade dos entrevistados, garantindo o anonimato quando necessário. A análise considera o projeto como um todo, desde a elaboração inicial até a publicação dos resultados, integrando gravações e transcrições como documentos fundamentais para a pesquisa. Esse tipo de história oral é denominado “plena” ou “pura”, pois busca profundidade e o diálogo entre as entrevistas para construção do conhecimento.
1. A Escolha da História Oral como Metodologia
A pesquisa justifica a utilização da história oral como metodologia principal devido à ausência de registros históricos completos sobre a comunidade Linha Jacaré na historiografia paranaense. A história oral, com sua capacidade de abranger a diversidade e mostrar as raízes da comunidade, é vista como a ferramenta ideal para acessar a memória e a identidade dos primeiros moradores. A abordagem considera a história oral como mais do que um mero instrumento de pesquisa, mas sim uma rica fonte de conhecimento que permite compreender o histórico de ocupação, os conflitos e a construção da identidade regional. A escolha dessa metodologia se justifica pela necessidade de dar voz a uma população cuja história ainda não foi devidamente investigada, resgatando suas experiências e memórias a partir da oralidade. A obra de José Carlos Sebe Meihy e Suzana Salgado Ribeiro (2011) serve como base teórica para a discussão e justificativa da metodologia empregada.
2. O Projeto de História Oral Planejamento e Execução
A pesquisa enfatiza a importância de um projeto de história oral bem planejado, incluindo o planejamento das gravações, a definição do gênero de história oral a ser empregado, e a estratégia para a passagem da informação oral para o escrito. A obtenção de autorização para o uso das gravações, as conferências e validações, e o arquivamento e análise do material são etapas cruciais. O projeto, como plano inicial, articula argumentos operacionais e ações desdobradas de planejamentos de pesquisa prévios. A metodologia considera a história oral como um processo que vai além da simples coleta de dados informativos, abrangendo situações problemáticas e diferentes visões de mundo. A sistematização dos processos é organizada pela lógica proposta no projeto inicial, integrando a elaboração do projeto, a captação e tratamento do material, e a destinação do produto final. Essa abordagem abrange a história oral instrumental, focada nas entrevistas, e a história oral plena ou híbrida, que considera todo o processo de pesquisa, incluindo a análise e a interpretação do material coletado.
3. Tipos de História Oral e a Questão da Identidade
O estudo diferencia entre três tipos de história oral: a instrumental, a plena (ou pura) e a híbrida. A história oral instrumental se caracteriza pelos registros, a transcrição e o arquivamento das entrevistas, enquanto a história oral plena ou pura é mais completa, incluindo a análise das entrevistas e o diálogo entre elas. A história oral híbrida integra outros documentos, como dados cartoriais e estatísticos, para uma análise mais abrangente. A pesquisa destaca a importância do respeito à identidade dos entrevistados, buscando garantir anonimato e proteção. A responsabilidade jurídica e ética recai sobre o pesquisador, desde a condução do projeto até a publicação dos resultados. A história oral se configura como um campo aberto para a produção de conhecimento, valorizando a diversidade social e buscando a transformação social. A relação entre pesquisador e entrevistado é definida como colaboração, com o entrevistado como sujeito ativo na construção da narrativa, destacando o protagonismo do narrador e a troca de experiências.
III.Memória da Comunidade Linha Jacaré Vozes do Passado
As entrevistas revelam a formação da comunidade a partir de três etapas principais: a presença inicial dos indígenas no Vale do Rio Ivaí, a chegada de caboclos e imigrantes (muitos de origem polonesa, alemã e ucraniana), e o desenvolvimento impulsionado pela serraria dos irmãos Buhrer, que explorou as reservas de pinho da região. O testemunho de Tibúrcio de Jesus Pontes, Renê Rodrigues Lacerda, Dona Arlete e outros moradores ilustra a vida cotidiana, os desafios e as transformações da comunidade. A exploração da madeira e a criação de porcos (suinocultura) foram atividades econômicas importantes, assim como a agricultura de subsistência. A territorialização e desterritorialização constantes são evidenciadas, destacando-se a relação complexa entre os moradores, os proprietários de terra, e o processo de povoamento do Paraná. A presença de um cemitério antigo e a construção de uma escola são mencionados como marcos da comunidade, assim como as festas populares e a religiosidade católica.
1. A Comunidade Linha Jacaré Três Etapas de Ocupação
A memória da comunidade Linha Jacaré, em Cândido de Abreu, é reconstruída a partir de três etapas de ocupação. Inicialmente, a região era habitada por indígenas, principalmente os Kaingang, Xetá e Guarani, fortemente ligados ao Rio Ivaí. Posteriormente, caboclos e imigrantes europeus (poloneses, alemães, ucranianos), chegaram, impulsionados pela marcha para o Oeste, a partir da década de 1930, povoando áreas consideradas vazias. A chegada da serraria dos irmãos Buhrer, na década de 1950, marca a terceira etapa, com a exploração da madeira e a atração de mais pessoas para trabalhar na região, resultando no crescimento da comunidade. A presença das fazendas Bihrer e Rodrigues é fundamental nesse processo inicial de desenvolvimento. A análise da territorialização e desterritorialização se faz presente ao longo dessas etapas. As entrevistas revelam um sistema de trabalho que envolvia a extração da madeira, a suinocultura, e a agricultura de subsistência, mostrando a complexa identidade regional forjada ao longo do tempo.
2. Testemunhos Orais A Vida Cotidiana na Linha Jacaré
Os depoimentos de moradores antigos, como Tibúrcio de Jesus Pontes, Renê Rodrigues Lacerda e Dona Arlete, fornecem um retrato vívido da vida na comunidade Linha Jacaré. As entrevistas relatam a abertura de estradas com enxadão, a construção de casas, a exploração da madeira na serraria (utilizando serras americanas e trabalho animal), a criação de porcos e a criação de gado. A abundância de recursos naturais, como a pesca no Rio Ivaí, é mencionada, assim como a convivência com os indígenas da região que comercializavam produtos artesanais. A organização social baseava-se em mutirões, e as festas populares eram um elemento importante da cultura local. As entrevistas descrevem a trajetória da educação na comunidade, desde as aulas em línguas diversas no início, até o surgimento da escola municipal. A presença da religião católica, com missas inicialmente realizadas no barracão da serraria, e posteriormente a construção de uma igreja na Linha Ivaí, é também destacada. A relação complexa entre moradores e os proprietários de terra é relatada, assim como conflitos e disputas de terra. A identidade regional da comunidade está intimamente relacionada a essas experiências vividas.
3. Relações de Poder Campesinato e Miscigenação
As narrativas das entrevistas revelam as relações de poder na comunidade, mostrando a exploração da madeira, a apropriação de terras, e a desigualdade entre os grandes proprietários de terra e os moradores mais pobres. O desenvolvimento econômico da comunidade esteve intrinsecamente ligado à exploração da madeira, o que resultou em impactos ambientais e sociais. O conceito de campesinato, com sua lógica produtiva voltada para a subsistência e o apego ao território, é crucial para a interpretação das relações sociais. A miscigenação entre caboclos e imigrantes, bem como o preconceito contra os indígenas, são temas abordados nas entrevistas, mostrando a complexa dinâmica social da comunidade. O depoimento sobre a construção de uma igreja, mostrando conflitos entre a comunidade e o padre, ilustra as relações de poder presentes. A compra e venda de terras, muitas vezes a preços baixos ou de forma irregular, demonstra a vulnerabilidade de pequenos proprietários. A narrativa destaca a resiliência da comunidade ao longo do tempo, e a construção de uma identidade regional baseada em suas experiências, trabalho e relações sociais. A influência da Segunda Guerra Mundial na imigração para a região é também mencionada.
IV.Contexto Histórico Povoamento do Paraná e o Desenvolvimento Econômico
A pesquisa contextualiza a história da Linha Jacaré dentro do processo de povoamento do Paraná, desde o período colonial com a presença dos jesuítas e os ciclos econômicos subsequentes (ouro, tropeirismo), até as políticas de imigração do século XIX para preencher o “vazio demográfico”. A análise da estrutura fundiária, com a presença de latifúndios e minifúndios, e a relação entre os diferentes grupos sociais (indígenas, caboclos, imigrantes), são essenciais para a compreensão da formação da comunidade. A Colônia de Thereza Cristina (1847), financiada por Dom Pedro II, é mencionada como um importante precursor do desenvolvimento da região de Cândido de Abreu. A exploração da madeira, impulsionada pelo pós-guerra e pela demanda internacional, é apresentada como um fator crucial para o crescimento e o desenvolvimento econômico da região.
1. O Povoamento do Paraná e seus Ciclos Econômicos
O contexto histórico do povoamento do Paraná é fundamental para compreender a formação da comunidade Linha Jacaré. A pesquisa abrange desde a presença dos jesuítas no Vale do Rio Ivaí no século XVI, com suas tentativas de catequização e implantação de uma república guarani, até a chegada dos bandeirantes paulistas, que invadiram terras indígenas. O declínio do ciclo do ouro em Paranaguá, no final do século XVII e início do XVIII, e o ciclo do tropeirismo na segunda metade do século XVIII, impulsionaram o processo de ocupação paranaense. O Paraná Tradicional, com regiões como o litoral, Campos Gerais e Curitiba, serviu como base para a expansão para outras áreas. A análise inclui o ciclo do ouro no litoral, aliado a um pequeno comércio, e a atividade pastoril nos Campos Gerais, mostrando a influência de grandes proprietários de terra paulistas. A escassez de mão-de-obra escrava e a pouca população criaram um cenário propício à chegada de imigrantes.
2. Imigração Estrutura Fundiária e a Lógica Produtiva Camponesa
No início do século XIX, a chegada de imigrantes ao Paraná foi impulsionada por políticas governamentais para preencher o “vazio demográfico”. Eles se apropriaram da terra de forma espontânea, inicialmente. Posteriormente, o governo assumiu um projeto de colonização para regularizar a posse da terra. A análise da estrutura fundiária revela a coexistência de latifundiários e minifundiários, representando diferentes lógicas produtivas: a mercadológica dos grandes proprietários e a lógica produtiva camponesa dos pequenos agricultores, com características como agricultura de subsistência, trabalho familiar e forte vínculo com o território. O estudo de Strachulski e Floriani (2014) fornece subsídios teóricos sobre a lógica produtiva camponesa, destacando sua função de reprodução do modo de vida e não o lucro. A cobiça pelas matas de araucária e a presença de fazendas de gado contribuíram para o estabelecimento dos imigrantes e para a formação do sistema agrário do Paraná Tradicional.
3. A Colônia Thereza Cristina e o Desenvolvimento Econômico do Paraná
A Colônia de Thereza Cristina, fundada em 1847 por Jean Maurice Faivre com o financiamento de Dom Pedro II, representa um marco importante no povoamento do Paraná, apesar do baixo retorno financeiro para o governo. O projeto, com foco no cooperativismo, atraiu muitos imigrantes, e sua influência se estendeu para além dos limites da colônia, contribuindo para a formação de novas comunidades. A região de Cândido de Abreu se integra nesse contexto do Paraná Tradicional, com atividades econômicas tradicionais e uma área agrícola representativa (87,3% segundo Strachulski & Floriani, 2014). O pós-guerra impulsionou o ciclo da madeira, com a importação de maquinário e a abertura do mercado internacional. As grandes reservas de pinho do Paraná levaram à abertura de serrarias, atendendo à demanda interna, inclusive para a construção de Brasília (Lavalle, 1974), e impactando profundamente o desenvolvimento econômico do estado e a formação de comunidades como a Linha Jacaré. A questão da terra, com a compra de terras dos posseiros a preços baixos por grileiros, também é abordada como um importante elemento no contexto do povoamento e da estrutura fundiária.