
Intervenção Social em Catástrofes: Madeira 2010
Informações do documento
Autor | Sofia Alexandra Rodrigues Erra |
Escola | Instituto Superior Miguel Torga, Escola Superior de Altos Estudos |
Curso | Serviço Social |
Tipo de documento | Dissertação |
Idioma | Portuguese |
Formato | |
Tamanho | 1.16 MB |
Resumo
I.A Intervenção Social em Situações de Catástrofe Natural na Madeira Fevereiro de 2010
Este estudo investiga a intervenção social realizada pelo Centro de Segurança Social da Madeira (CSSM) durante a catástrofe natural de fevereiro de 2010. A pesquisa focou-se em 20 assistentes sociais do Funchal, analisando a resposta a uma situação de emergência com elevados prejuízos materiais e vítimas, impactando fortemente o tecido sócio-econômico da região. A investigação destaca a importância da elaboração de planos de emergência social eficazes e a necessidade de formação em intervenção em catástrofes para os profissionais do Serviço Social.
1. O Contexto da Investigação e a Definição de Catástrofe
A investigação ocorreu no âmbito do Centro de Segurança Social da Madeira (CSSM), instituição tutelada pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais e Parlamentares. O CSSM foi escolhido pela sua abrangência em diversas áreas do Serviço Social, incluindo a gestão dos regimes de segurança social, a ação social, a elaboração do plano global da segurança social na RAM (Região Autónoma da Madeira), o financiamento e gestão administrativa e financeira do setor na região, a concretização da política de segurança social, a contribuição para a coesão social e a melhoria da resposta a utentes. A amostra incluiu vinte assistentes sociais: dez da equipa de coordenação e dez profissionais de Serviço Social distribuídos pelo concelho do Funchal. A Lei de Bases da Protecção Civil (Lei nº 27/2006) define catástrofe como um acidente grave ou série de acidentes graves causando elevados prejuízos materiais e vítimas, afetando intensamente as condições de vida e o tecido socioeconômico. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define catástrofe como um evento natural ou provocado pelo homem que necessita de socorros de emergência, com grandes danos materiais e perdas de vidas humanas. A pesquisa se baseia também em conceitos de Saylor (1993, cit. Rosenfeld et al., 2005), que descreve a catástrofe como um evento público com início e fim identificáveis, afetando um grande grupo de pessoas e sendo suficientemente traumático para induzir stress.
2. A Resposta Imediata e as Estratégias de Intervenção
A resposta imediata à catástrofe incluiu a criação de diversos centros de acolhimento para desalojados, fornecendo refeições, roupas e outros recursos essenciais. A equipa do CSSM respondeu com a criação de uma base de dados, uma inovação que permitiu informatizar dados sobre os desalojados (número, idade, sexo, residência, data de entrada e saída dos centros, destino final). Esta base de dados era atualizada diariamente através de uma grelha de identificação preenchida pelas equipas nos centros. A existência de um plano de emergência permitiu lidar com diversas situações e a linha nacional de emergência social foi considerada uma resposta ótima. A intervenção do Serviço Social focou-se na ajuda à recuperação do nível de vida pré-catástrofe. Ribeiro (1995) destaca a importância de instrumentos de prevenção e procedimentos que sedimentem modelos sócio-culturais de referência. A OMS (2003) recomenda planos nacionais de preparação para emergências, com sistemas de coordenação específicos e formação para os intervenientes. A pesquisa aborda diferentes níveis de intervenção: intervenção genérica (em situações de maturação e desenvolvimento) e intervenção individual (focando processos intrapsíquicos e interpessoais), com a necessidade de uma abordagem global e multidisciplinar, onde a componente psicossocial é dominante, considerando a complexidade da situação e o grande número de pessoas envolvidas.
3. Desafios e Dificuldades na Intervenção de Emergência
Os assistentes sociais descreveram a dimensão da catástrofe como impactante, relatando o choque em lidar com a perda de vidas e bens materiais. As dificuldades incluíram o contato com a realidade, chegar às pessoas afetadas, a falta de respostas a algumas necessidades e a confusão das vítimas entre as funções da Segurança Social e o Instituto de Habitação no que diz respeito ao alojamento. A falta de um computador para a rápida identificação das pessoas e a falha na comunicação (redes móveis e linha de emergência) na fase aguda da intervenção foram outros problemas relatados. A falta de formação específica em situações de catástrofe e emergência foi uma preocupação recorrente entre os entrevistados. A maioria afirmou nunca ter recebido essa formação, destacando a necessidade de uma preparação específica para lidar com pessoas em estado de choque, a gestão do stress dos profissionais e a abordagem às complexas necessidades emocionais das vítimas. A falta de identificação dos assistentes sociais em campo, ausência de coletes identificativos, foi outro fator que dificultou o trabalho, principalmente em locais como o RG3 (quartel), que acolheu centenas de pessoas.
II.A Resposta do CSSM à Crise
A resposta do CSSM à catástrofe incluiu a criação de uma inovadora base de dados para registar informações cruciais sobre os desalojados (número, idade, sexo, localização, etc.), atualizada diariamente. A existência de um plano de emergência e a linha nacional de emergência social (144) foram considerados respostas ótimas. A gestão de crise envolveu a coordenação de centros de acolhimento, fornecimento de recursos básicos (refeições, roupas) e a articulação com outras entidades, como a Protecção Civil e a Cáritas.
1. Estabelecimento de Centros de Acolhimento e Recursos Básicos
A resposta mais imediata do CSSM à crise foi o estabelecimento de múltiplos centros de acolhimento para atender a todos os desalojados pela intempérie. Esses centros forneceram recursos básicos essenciais, tais como refeições e roupas, visando suprir as necessidades mais urgentes da população afetada. A localização estratégica desses centros, bem como a capacidade de resposta rápida, foram fatores cruciais para a eficácia desta fase da intervenção. A descrição dos recursos fornecidos destaca a importância da ação prática e imediata em situações de emergência, priorizando o atendimento das necessidades mais prementes da população afetada. A descrição dos centros de acolhimento não entra em detalhes sobre a sua capacidade ou localização específica, mas sugere uma mobilização significativa de recursos e pessoal para atender à demanda criada pela catástrofe. A logística da organização dos centros de acolhimento não é detalhada, mas implica um esforço considerável de planejamento e coordenação.
2. Criação de uma Base de Dados e Utilização do Plano de Emergência
Uma resposta crucial do CSSM foi a criação de uma base de dados, descrita como uma inovação, para registrar informações vitais sobre os desalojados. Essa base de dados continha informações como o número de desalojados, idade, sexo, local de residência, data de entrada e saída dos centros de acolhimento e o destino final. A atualização diária desta base, através de uma grelha de identificação preenchida pelos profissionais do CSSM nos centros de acolhimento, demonstra um esforço contínuo de monitorização e gestão da situação. Paralelamente, o plano de emergência do CSSM, já existente, desempenhou um papel fundamental, permitindo construir alternativas e respostas eficazes às diversas situações que surgiram. O testemunho menciona a eficácia do plano para enfrentar as diversas necessidades, demonstrando que a preparação prévia foi vital para a resposta à crise. A linha nacional de emergência social, já existente, foi também considerada uma ferramenta eficaz pelos entrevistados, mostrando a importância da integração de mecanismos de comunicação e resposta pré-existentes para apoiar as ações de emergência.
3. Articulação com a Protecção Civil e Outras Instituições
A cooperação com a Protecção Civil foi fundamental na resposta do CSSM. A Equipa de Emergência Social do CSSM, ativada de acordo com o Memorando Emergência Social Fevereiro 2010, foi a primeira a atuar, realizando o levantamento de espaços disponíveis para realojamento. Com o agravamento da intempérie, a Equipa de Emergência Global, composta por dirigentes e técnicos do Serviço Social, foi acionada. A articulação com a Protecção Civil permitiu uma resposta rápida e coordenada, envolvendo os Bombeiros e equipas médicas. O testemunho descreve a colaboração com outras entidades como a Junta de Freguesia, que disponibilizou gabinetes de apoio, e a Cáritas, para encaminhamento de casos específicos. A menção de um “modelo de encaminhamento para a Cáritas” sugere a existência de protocolos e parcerias estabelecidas entre o CSSM e outras instituições, evidenciando a importância da rede de apoio para uma resposta abrangente à crise. A articulação com o Instituto de Habitação para resolver questões de alojamento também é mencionada, embora com ressalvas sobre a eficácia desta articulação, apontando um dos desafios do trabalho no terreno.
III.Dificuldades Enfrentadas pelos Profissionais de Serviço Social
Os assistentes sociais relataram dificuldades no contacto com a realidade da catástrofe, lidar com a dimensão do acontecimento e as perdas humanas. A comunicação foi prejudicada pela falha das redes móveis e dificuldades na triagem. A falta de recursos como computadores e a confusão na distinção entre as funções da Segurança Social e outras entidades (Instituto de Habitação) agravaram as dificuldades. A ausência de formação em intervenção em catástrofes foi apontada como uma necessidade crucial pelos profissionais, principalmente no apoio psicossocial às vítimas em choque e na gestão de crise e suas emoções.
IV.A Intervenção Psicossocial e a Importância da Formação
A intervenção psicossocial em situações de catástrofe requer uma abordagem multidisciplinar e foca a recuperação do nível de vida pré-evento. A necessidade de planos nacionais de preparação para emergências e a priorização de sistemas de coordenação eficazes são fundamentais. A pesquisa destaca a importância da formação para os profissionais do Serviço Social, enfatizando a preparação para lidar com o stress, a gestão emocional das equipas e o apoio psicossocial às vítimas, evitando a repetição de ações sem conhecimento, buscando o “zero defect”. A experiência com simulacros e a criação de uma base de dados eficiente foram elencados como boas práticas.
V.Coordenação e Articulação entre Entidades
A Protecção Civil desempenhou um papel crucial na coordenação da resposta, articulando com o CSSM e outras instituições. A equipa de emergência social do CSSM atuou em conjunto com Bombeiros, serviços médicos e outros, utilizando a linha de emergência social (144) como ponto de contacto inicial. A rápida criação de uma base de dados permitiu o acompanhamento eficiente das vítimas e a partilha de informação entre as entidades envolvidas, assegurando a eficácia da assistência social em desastres naturais.
1. O Papel Central da Protecção Civil na Coordenação da Resposta
A Protecção Civil surge como o elemento principal na coordenação da resposta à catástrofe, sendo a primeira a intervir. Sua atividade, segundo a Lei de Bases da Protecção Civil (Lei nº 27/2006), é desenvolvida pelo Estado, regiões autónomas, autarquias locais, cidadãos e entidades públicas e privadas. Além de controlar a situação e proteger a população, a Protecção Civil avaliou a dimensão da catástrofe e contactou as instituições para colaboração na intervenção. No dia 20 de Fevereiro, a Protecção Civil contactou a Segurança Social da Madeira, e, de acordo com o Memorando Emergência Social Fevereiro 2010 do CSSM, a Equipa de Emergência Social do CSSM foi a primeira a agir, levantando os espaços disponíveis para realojamento. O agravamento da intempérie levou à ativação da Equipa de Emergência Global, composta por dirigentes e técnicos do Serviço Social, demonstrando a escalabilidade da resposta. A articulação com a Protecção Civil foi essencial para construir uma resposta rápida e integrada, envolvendo Bombeiros, serviços médicos e outras entidades, dependendo das necessidades específicas de cada situação. A relação próxima com a Proteção Civil é fundamental para uma resposta eficiente.
2. A Estrutura de Intervenção do CSSM e a Linha de Emergência Social 144
O CSSM estruturou sua resposta através de diferentes equipas, sendo a Linha de Emergência Social (144) a principal interface com outras entidades. Esta linha, composta por quatro assistentes sociais, atua em primeira linha, recebendo informações e articulando com a Protecção Civil, Bombeiros e equipas médicas. O seu funcionamento é similar ao 112, recebendo informação, analisando a situação e encaminhando para o contacto com a vítima. Uma assistente social elabora o diagnóstico e aciona os mecanismos necessários, sendo este serviço 24 horas por dia, 365 dias por ano. Situações mais complexas envolvem o coordenador da linha e, em casos excepcionais, membros do Governo ou a Direção Regional. A equipa da linha de emergência social funcionou como plataforma de relação com outras equipas, fora da Segurança Social, para construção de soluções e respostas às necessidades imediatas, com o objetivo de mitigar a situação de emergência e crise. A experiência acumulada ao longo de sete anos com simulacros e formação em sala e em situações reais, com a participação de vários serviços, contribuiu para a resposta organizada e célere em Fevereiro de 2010, simulando cenários como quedas de aviões e incêndios.
3. Parcerias Rede de Apoio e Compartilhamento de Informação
A criação de uma base de dados centralizada pelo CSSM foi uma mais-valia significativa, permitindo o registo de todos os elementos e das pessoas atendidas. Esta base de dados permitiu também a partilha de informações com outros parceiros, fornecendo dados sobre as características das pessoas, suas necessidades e o local onde foram acolhidas, incluindo elementos de referência familiar e contacto. Esta base de dados evoluiu e se aprimorou ao longo dos dias da crise, constituindo-se como uma boa prática, com informações estatísticas e de conhecimento essenciais. A estrutura de intervenção apresenta diferentes níveis de decisão e atua de forma adaptativa a cada contexto. A colaboração com a Cáritas e outras IPSS´s (Instituições Particulares de Solidariedade Social) na resposta a necessidades diversas, como roupa, géneros alimentícios e medicamentos, demonstra a importância da rede de solidariedade na resposta à crise. A experiência demonstra que a coordenação eficiente, a articulação entre entidades, e o compartilhamento de informações são fundamentais para uma resposta eficaz a situações de emergência e calamidade, facilitando a organização, a tomada de decisão e a otimização de recursos.