A Medicalização da Vida Social: importância do debate no Serviço Social

Medicalização da Vida Social: um debate no Serviço Social

Informações do documento

Autor

Maitê Do Espírito Santo

instructor Profª Michelly Laurita Wiese
Escola

Universidade Federal de Santa Catarina

Curso Serviço Social
Tipo de documento Trabalho de Conclusão de Curso
Local Florianópolis
Idioma Portuguese
Formato | PDF
Tamanho 717.63 KB

Resumo

I.A Medicalização da Vida Social e o Sofrimento Psíquico

Este trabalho de conclusão de curso (TCC) analisa criticamente a medicalização da vida social, focando na saúde mental e no papel do Serviço Social. A pesquisa investiga como a busca pela felicidade a qualquer custo e a pressão do mundo do trabalho contribuem para o sofrimento psíquico, frequentemente tratado como uma doença individual, ignorando as determinações sociais. O estudo explora a história da Reforma Psiquiátrica Brasileira, o impacto de práticas eugênicas, e as experiências em manicômios e comunidades terapêuticas, destacando a desinstitucionalização como uma alternativa. A pesquisa questiona a própria definição de saúde mental, argumentando que a ausência de doença não define bem-estar, e que fatores como trabalho, moradia e relações sociais são cruciais. O conceito de saúde mental ainda carece de clareza, o que contribui para a estigmatização da doença e dos indivíduos que a vivenciam.

1.1. A Medicalização da Vida Social Conceito e Abordagem

A pesquisa inicia definindo o tema central: a medicalização da vida social, explorando seu impacto na saúde mental e no sofrimento psíquico. A metodologia envolveu análise bibliográfica de livros do Serviço Social e outras áreas, periódicos eletrônicos e notícias sobre o tema. O objetivo principal é analisar a produção bibliográfica sobre a história do pensamento em saúde mental, formas de tratamento dos 'loucos' e movimentos contra a institucionalização, focando no período de 1970 a 1990. A motivação da pesquisa inclui uma experiência familiar com sofrimento psíquico e a busca por uma melhor compreensão da subjetividade humana e do papel do assistente social. Os resultados oferecem uma visão dos desafios e avanços da profissão após a reconceituação, da Reforma Psiquiátrica brasileira no cotidiano profissional e na vida social das pessoas que sofrem mentalmente. A pesquisa busca desvendar e compreender discursos e práticas assistenciais dirigidas a pessoas em sofrimento psíquico.

1.2. A Busca pela Felicidade e a Subjetividade

A pesquisa destaca a busca pela felicidade a qualquer custo na sociedade contemporânea, mesmo sem as condições materiais básicas. Questões emocionais e subjetivas são deixadas de lado devido ao ritmo acelerado da vida moderna, refletindo a máxima 'tempo é dinheiro'. Essa busca pela felicidade, promovida por instituições do Estado e mídia, leva à medicalização de problemas sociais, com o uso de fármacos como solução para atingir a harmonia e a felicidade. A própria definição de saúde mental é questionada, mostrando a dificuldade em se conceituar saúde mental tanto para a OMS quanto para estudiosos, levando a uma centralização do poder de diagnosticar e tratar na mão dos médicos. O conceito de saúde é analisado, mostrando que é mais amplo que a ausência de doenças, e que diversos fatores influenciam a saúde mental, além da própria doença. O trabalho discute a fragilidade da formação acadêmica e prática profissional dos assistentes sociais em lidar com a subjetividade e o sofrimento do outro, um tema muitas vezes recalcado após a reconceituação da profissão, deixando os assistentes sociais muitas vezes subjugados ao saber médico.

1.3. O Conceito de Saúde Mental e as Implicações Sociais

Um ponto crucial é a ausência de uma definição clara e consensual de saúde mental, tanto por especialistas quanto em dicionários. A pesquisa discute a tendência de definir saúde mental com base na doença, em vez de uma visão holística do ser humano. Isso contribui para a discriminação contra os 'loucos' e os profissionais que trabalham com eles. A falta de uma definição precisa influencia o imaginário social, reforçando estigmas e preconceitos. O estudo analisa como a sociedade contemporânea marginaliza aqueles que não se adaptam aos padrões estabelecidos, rotulando-os como 'loucos' ou 'anormais'. O trabalho enfatiza a importância de se considerar o contexto social, as relações e condições de trabalho e as relações sociais na compreensão da saúde mental. A questão sobre a existência de um sujeito em completo bem-estar é levantada, ressaltando que qualquer pessoa pode experimentar sofrimento mental sem necessariamente ter uma doença mental. Até mesmo o acesso a cuidados médicos é diferenciado por classe social, exemplificado pela doença 'gota', que tinha nomes diferentes para ricos e pobres.

1.4. A Medicalização como Prática Social e o Papel do Serviço Social

A pesquisa discute a medicalização como um processo que define os critérios do que é um comportamento desviante, estendendo a intervenção psiquiátrica para além do campo médico. A importância da intervenção de diversas áreas profissionais, especialmente o Serviço Social, é destacada. Assistentes sociais são capacitados para compreender as questões por trás dos problemas aparentes, analisando as causas sociais da doença mental. Ainda hoje, persistem atitudes higienistas, com o objetivo de esconder ou marginalizar indivíduos que não se encaixam nos padrões sociais ou que não contribuem para o capitalismo. O serviço social tem o papel de tornar visíveis esses sujeitos invisibilizados, mostrando que o preconceito não resolve o problema e que o bem-estar não se resume à ausência de doença, mas inclui condições de moradia, trabalho, lazer, renda e alimentação adequadas. A pesquisa aponta as dificuldades enfrentadas por profissionais do Serviço Social que atuam com vítimas de violência, presidiários e pessoas com transtornos mentais, mostrando a falta de preparo teórico-prático e o impacto emocional nesses profissionais. Esse recalque da subjetividade leva à prática profissional superficial e à falta de credibilidade.

II.A Saúde Mental no Contexto do Trabalho

O TCC aborda a relação entre o ambiente de trabalho e a saúde mental. O taylorismo, com suas pressões e rotinas extenuantes, é apresentado como gerador de sofrimento psíquico. A pesquisa destaca como as condições de trabalho, incluindo relações sociais, crescimento profissional, e remuneração, impactam diretamente a saúde mental dos trabalhadores. A pesquisa cita o aumento de transtornos mentais associados a ambientes de trabalho desfavoráveis. A 'política do medo' no ambiente de trabalho, que prioriza a produtividade acima do bem-estar dos funcionários, é criticada. A pesquisa também identifica como o sofrimento mental é muitas vezes disfarçado pela medicalização, permitindo que indivíduos continuem em empregos prejudiciais à sua saúde. A dificuldade em definir disfunção e incapacidade relacionadas ao trabalho também é levantada.

2.1. O Trabalho como Fator de Sofrimento Psíquico

Esta seção analisa como o ambiente de trabalho impacta a saúde mental dos trabalhadores. O texto aponta o taylorismo como um sistema que leva o próprio trabalhador a construir e administrar seu sofrimento, um sofrimento muitas vezes não reconhecido pelo trabalho organizado. A 'política do medo', onde a pressão por produtividade é priorizada sobre o bem-estar dos funcionários, é criticada como uma ferramenta de controle e disciplinamento. A pesquisa contrasta o ambiente de trabalho do período do boom industrial, marcado por esforço físico intenso, com o atual, caracterizado por exaustão mental, informações repetitivas, cronometragem e vigilância constante. Aqueles que buscam alternativas para lidar com essa pressão são estigmatizados. O sofrimento e a insatisfação no trabalho são temas tratados como particulares e em segundo plano, com soluções individualistas predominando. A organização do trabalho opressora gera um conflito entre a história individual, subjetividade e desejos do trabalhador e a organização do trabalho que os ignora. Essa incompatibilidade resulta em sofrimento mental, ansiedade e distúrbios psíquicos, muitas vezes tratados com remédios para dormir ou suportar a jornada de trabalho, em um processo que mascara o problema real.

2.2. Diagnóstico do Sofrimento Mental Relacionado ao Trabalho

Definir a disfunção e incapacidade causadas por transtornos mentais e comportamentais ligados ao trabalho é complexo. A pesquisa apresenta parâmetros para diagnosticar sofrimento relacionado ao trabalho, divididos em quatro áreas: limitações em atividades da vida diária (autocuidado, higiene, comunicação, etc.), dificuldades de concentração, persistência e ritmo na execução de tarefas, deterioração ou descompensação no trabalho diante de situações estressantes, e falhas repetidas na adaptação a circunstâncias estressantes. A avaliação considera não apenas o número de atividades prejudicadas, mas o conjunto de limitações que afetam o indivíduo como um todo. A opinião de profissionais, como psicólogos e psiquiatras, pode auxiliar na avaliação mais objetiva, especialmente ao comparar com o desempenho anterior do indivíduo. Situações de estresse comuns no trabalho, como atendimento a clientes ou interação com colegas e supervisores, podem exacerbar os sinais e sintomas de transtornos mentais, levando à dificuldade de manter as atividades da vida diária e o trabalho.

2.3. Relação entre Trabalho e Saúde Mental na Sociedade Contemporânea

A pesquisa destaca a relação crucial entre trabalho e saúde mental na conjuntura atual. Ambientes de trabalho favoráveis, com boas condições de trabalho, crescimento profissional, boa relação entre a equipe e boa remuneração contribuem para uma mente saudável. Atividades laborais sem significado podem gerar descontentamento, insatisfação e angústia, afetando a saúde mental. O trabalho defende a importância de promover a saúde mental nos espaços onde ela é produzida, não apenas tratar problemas já existentes. A ausência de significado no trabalho para o trabalhador é apresentada como um fator crítico para o surgimento de descontentamento, insatisfação e angústia. Em suma, a pesquisa argumenta que um ambiente de trabalho desfavorável afeta negativamente a saúde mental e que não basta remediar, mas prevenir tais problemas.

III.O Papel do Serviço Social na Reforma Psiquiátrica

O estudo examina o papel do Serviço Social no contexto da Reforma Psiquiátrica Brasileira e na abordagem do sofrimento psíquico. A pesquisa critica a fragilidade da formação acadêmica e da prática profissional em lidar com a subjetividade e o sofrimento humano, resultando em uma atuação muitas vezes superficial. A falta de referências teóricas e metodologias adequadas afeta a qualidade do atendimento oferecido. O TCC aponta a necessidade de um debate mais amplo entre diferentes áreas profissionais para uma abordagem integral da saúde mental, incluindo as determinações sociais da doença e da saúde. O trabalho destaca a necessidade da intervenção dos assistentes sociais para compreender as questões sociais que contribuem para o sofrimento psíquico, indo além da visão estritamente médica da doença. O preconceito e a estigmatização são apontados como obstáculos à melhoria do atendimento.

3.1. Fragilidades na Formação e Prática do Serviço Social

A pesquisa aponta fragilidades na formação e prática profissional do Serviço Social em lidar com a subjetividade e o sofrimento do outro. Vasconcelos (2000) é citado, destacando essa fragilidade que vai da formação acadêmica à prática profissional. A dificuldade em conceituar saúde mental, tanto para a OMS quanto para estudiosos, é apresentada, mostrando a relação entre sofrimento psíquico e o meio laborativo. Essa indeterminação concentra o poder de definir o que é saúde nas mãos dos médicos. A pesquisa critica a visão que considera questões de saúde e doença como doenças em si, ignorando o meio social e as relações como influências na saúde mental. O Serviço Social se vê muitas vezes submetido ao saber do médico (psiquiatra) por conta dessa falta de clareza conceitual e de preparo específico na abordagem da subjetividade. A reconceituação do Serviço Social, embora positiva, recalcou o tema da subjetividade, deixando os profissionais com menos instrumentos e referências teóricas para atuar na complexidade do sofrimento psíquico.

3.2. O Serviço Social e a Abordagem Integral da Saúde Mental

O estudo defende a necessidade de uma abordagem integral da saúde mental, que ultrapasse a visão puramente médica da doença e inclua as determinações sociais. A pesquisa destaca a importância do debate entre diferentes áreas profissionais para construir um conceito de saúde mental que vá além da doença. O Serviço Social tem um papel fundamental nesse contexto, por sua formação que permite compreender as questões por trás dos problemas aparentes. O trabalho aponta que os assistentes sociais precisam olhar não apenas para a doença mental, mas para tudo que contribuiu para seu surgimento. O preconceito e a estigmatização são apresentados como obstáculos ao tratamento adequado. A pesquisa enfatiza a necessidade de se superar a visão de saúde como apenas a ausência de doença, focando na busca por melhores condições de moradia, trabalho, lazer, renda e alimentação como contribuições para o bem-estar. As dificuldades dos profissionais de Serviço Social na atuação com vítimas de violência, presidiários e pessoas com transtornos mentais são apresentadas, destacando a necessidade de aprimoramento teórico-prático e de maior atenção à própria subjetividade dos profissionais.

3.3. Desafios e Implicações da atuação do Serviço Social

As duas problemáticas principais no campo da subjetividade, que afetam a atuação do Serviço Social, são a falta de uma definição clara de saúde mental e a falta de preparo para lidar com a complexidade da subjetividade humana. Estas questões impactam a visão da profissão na sociedade e na prática cotidiana. Profissionais do Serviço Social muitas vezes se sentem despreparados, tanto na abordagem teórico-prática, quanto na sua própria subjetividade. O trabalho argumenta que este recalcamento da temática da subjetividade leva a dificuldades em encontrar referências teóricas, metodologias e instrumentos de trabalho, resultando em práticas profissionais superficiais, baseadas no bom senso ou vontade do profissional. Isso impacta a qualidade e eficiência dos serviços e reduz a credibilidade junto aos usuários, instituições empregadoras e a própria equipe. A pesquisa conclui que essas questões precisam ser debatidas e superadas para melhorar a atuação do Serviço Social e a qualidade de vida da população que sofre com problemas de saúde mental.

IV.A História da Institucionalização e da Desinstitucionalização

A pesquisa traça a história da institucionalização de pessoas com problemas de saúde mental no Brasil, desde o higienismo e as ideias eugênicas do início do século XX até o movimento antimanicomial. O TCC descreve as condições desumanas em hospitais psiquiátricos como o Hospital Colônia de Barbacena/MG, destacando o genocídio praticado ali, com um número estimado de 60.000 mortes. A pesquisa discute a colônia de alienados como uma tentativa de reabilitação por meio do trabalho e a criação de comunidades terapêuticas, representando um avanço em relação ao modelo de manicômios. O movimento pela desinstitucionalização e a implantação do SUS são apresentados como esforços para transformar a assistência em saúde mental no país. A importância do Movimento da Luta Antimanicomial (MSTM) na luta por melhores condições de atendimento e no combate à estigmatização é enfatizada. A primeira Conferência Nacional de Saúde Mental é mencionada como um marco nesse processo.

4.1. O Higienismo e as Ideias Eugênicas

A seção discute a história da institucionalização no Brasil, iniciando com o higienismo (final do século XIX e início do XX) e suas ideias eugênicas. A Liga Brasileira de Higiene Mental (L.B.H.M.), fundada em 1923 por Gustavo Riedel, é mencionada como uma entidade civil constituída pela elite psiquiátrica do Rio de Janeiro. O higienismo, com foco em prevenção e disciplina individual, e as ideias eugênicas, que buscavam a prevenção de doenças mentais e a 'pureza racial', são analisadas como base do processo de medicalização social. A crença na transmissão genética de doenças mentais justificava a eugenia, interessada em preservar gerações futuras. A ideia de que o Brasil sofria de 'mal-estar' pela diversidade racial e cultural é mencionada, com a eugenia buscando evitar a perpetuação de 'raças inferiores'. O texto aponta como algumas instituições, em nome da eugenia, contrariavam atitudes democráticas, concedendo direitos a estrangeiros e ex-escravos, considerados 'raças inferiores'.

4.2. As Colônias de Alienados e a Comunidade Terapêutica

A pesquisa descreve a expansão das colônias de alienados no Brasil (décadas de 1940 e 1950), estabelecimentos manicomiais em áreas agrícolas destinados à reabilitação por meio do trabalho. Pacientes crônicos, com dificuldades de reintegração social, eram submetidos a trabalhos sem recompensa. Em contraste, a comunidade terapêutica é apresentada, buscando envolver o sujeito em sua própria terapia, com debates entre técnicos, familiares e comunidade para facilitar a ressocialização. Embora positiva, a comunidade terapêutica não resolveu o problema da exclusão social. A psicoterapia institucional é mencionada, com foco em trabalhar o meio e o ambiente para revelar e tratar o processo psicótico, metabolizando aspectos patoplásticos (aparências mórbidas resultantes da interação entre a pessoa e o meio) e a alienação social. A desinstitucionalização, que busca diminuir a permanência de pacientes em hospitais psiquiátricos, é introduzida, com a oferta de serviços fora dos hospitais como centros de saúde mental e outros.

4.3. O Hospital Colônia de Barbacena e o Movimento Antimanicomial

O trabalho destaca o Hospital Colônia de Barbacena (MG) como exemplo extremo da institucionalização, relatando o genocídio ocorrido ali, com cerca de 60.000 mortes, especialmente entre as décadas de 60 e 80. A descrição das condições desumanas, com 'trens de doidos' levando pacientes para o hospital, roupas e nomes retirados, violência física e até mesmo a venda de corpos para faculdades de medicina, evidencia a natureza perversa do sistema. Estima-se que 70% dos internados não tinham diagnóstico de doença mental. O hospital continha 'indesejáveis' sociais: opositores políticos, prostitutas, homossexuais, mendigos, etc. A reportagem de Branco (2015) é citada, mostrando as práticas assistenciais desrespeitosas às necessidades dos pacientes. A falta de autonomia da equipe técnica, com o médico detendo o poder de decisão sobre o tratamento, é criticada. O surgimento do Movimento da Luta Antimanicomial (MSTM) e a primeira Conferência Nacional de Saúde Mental são apresentados como marcos na luta por mudanças no sistema de saúde mental.

Referência do documento

  • Diagnóstico como nome próprio (Baroni, Daiana Paula Milani; Vargas, Rômulo Fabiano Silva; Caponi, Sandra Noemi)